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Document 62018CJ0803

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 27 de fevereiro de 2020.
AAS „BALTA“ contra UAB „GRIFS AG“.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 15.o, ponto 5, e artigo 16.o, ponto 5 — Seguro de “grandes riscos” — Cláusula atributiva de jurisdição acordada entre o tomador do seguro e o segurador — Oponibilidade desta cláusula à pessoa segurada.
Processo C-803/18.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:123

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

27 de fevereiro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 15.o, ponto 5, e artigo 16.o, ponto 5 — Seguro de “grandes riscos” — Cláusula atributiva de jurisdição acordada entre o tomador do seguro e o segurador — Oponibilidade desta cláusula à pessoa segurada»

No processo C‑803/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), por Decisão de 7 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de dezembro de 2018, no processo

AAS «Balta»

contra

UAB «Grifs AG»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: M. Safjan (relator), presidente de secção, L. Bay Larsen e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da AAS «Balta», por S. Drazdauskas, advokatas,

em representação da UAB «Grifs AG», por J. Milašauskienė, A. Bosaitė, M. Inta e G. Abromavičius, advokatai,

em representação do Governo lituano, por K. Dieninis, R. Butvydytė e G. Taluntytė, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, ponto 5, e do artigo 16.o, ponto 5, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a AAS «Balta», companhia de seguros sedeada na Letónia, à UAB «Grifs AG» (a seguir «Grifs»), empresa de segurança registada na Lituânia, a respeito do pagamento de uma indemnização de seguro.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 1215/2012

3

Nos termos dos considerandos 15, 18 e 19 do Regulamento n.o 1215/2012:

«(15)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. […]

[…]

(18)

No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.

(19)

A autonomia das partes num contrato que não seja de seguro, de consumo ou de trabalho quanto à escolha do tribunal competente, no caso de apenas ser permitida uma autonomia limitada de escolha do tribunal, deverá ser respeitada sem prejuízo das competências exclusivas definidas pelo presente regulamento.»

4

O artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

5

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

6

As regras de competência em matéria de seguros, que são objeto do capítulo II, secção 3, do Regulamento n.o 1215/2012, figuram nos artigos 10.o a 16.o deste último.

7

O artigo 10.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Em matéria de seguros, a competência é determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 6.o e no artigo 7.o, ponto 5.»

8

O artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 prevê que o segurador domiciliado no território de um Estado‑Membro pode ser demandado noutro Estado‑Membro, em caso de ações intentadas pelo tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, no tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio.

9

O artigo 12.o deste regulamento prevê:

«O segurador pode também ser demandado no tribunal do lugar onde o facto danoso ocorreu quando se trate de um seguro de responsabilidade civil ou de um seguro que tenha por objeto bens imóveis. Aplica‑se a mesma regra quando se trata de um seguro que incida simultaneamente sobre bens móveis e imóveis cobertos pela mesma apólice e atingidos pelo mesmo sinistro.»

10

O artigo 15.o do referido regulamento dispõe:

«As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que:

[…]

3)

Sejam celebrados entre um tomador do seguro e um segurador, ambos com domicílio ou residência habitual num mesmo Estado‑Membro no momento da celebração do contrato, e tenham por efeito atribuir competência aos tribunais desse Estado‑Membro, mesmo que o facto danoso ocorra no estrangeiro, salvo se a lei desse Estado‑Membro não permitir tais acordos; ou

4)

Sejam celebrados por um tomador do seguro que não tenha domicílio num Estado‑Membro, salvo se se tratar de um seguro obrigatório ou relativo a imóvel sito num Estado‑Membro; ou

5)

Digam respeito a um contrato de seguro que cubra um ou mais dos riscos enumerados no artigo 16.o»

11

Nos termos do artigo 16.o do mesmo regulamento:

«Os riscos a que se refere o artigo 15.o, ponto 5, são os seguintes:

[…]

5)

Não obstante o disposto nos pontos 1 a 4, todos os “grandes riscos” definidos na Diretiva 2009/138/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, relativa ao acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II) [(JO 2009, L 335, p. 1)].»

12

O artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 tem a seguinte redação:

«Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado‑Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado‑Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a)

Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b)

De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c)

No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.»

13

O artigo 63.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, uma sociedade ou outra pessoa coletiva ou associação de pessoas singulares ou coletivas tem domicílio no lugar em que tiver:

a)

A sua sede social;

b)

A sua administração central; ou

c)

O seu estabelecimento principal.»

Diretiva 2009/138

14

O artigo 13.o, ponto 27, da Diretiva 2009/138, conforme alterada pela Diretiva 2013/58/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013 (JO 2013, L 341, p. 1) (a seguir «Diretiva 2009/138»), define o conceito de «grandes riscos» para efeitos desta última.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

A Grifs presta serviços de segurança. A «Grifs AG» SIA, registada na Letónia, é proprietária da Grifs, da qual detém a totalidade das participações sociais. Em 31 de julho de 2012, a Grifs AG e a Balta celebraram um contrato de seguro geral de responsabilidade civil (a seguir «contrato de seguro»), que cobria igualmente a responsabilidade civil da Grifs.

16

As condições gerais do contrato de seguro enunciam que todos os litígios relacionados com o referido contrato são resolvidos por negociação e que, se as partes não chegarem a acordo, o litígio é decidido pelo juiz letão, em conformidade com a legislação em vigor no território da República da Letónia.

17

Em 21 de agosto de 2012, foi assaltada uma joalharia pertencente à UAB «Jaunystės romantika» em Alytus (Lituânia), tendo sido levadas joias e dinheiro. A segurança dessa joalharia era assegurada pela Grifs ao abrigo de um contrato de segurança. Tendo recorrido à justiça lituana a fim de obter a reparação dos danos sofridos em consequência desse assalto, a Jaunystės romantika e a sua seguradora, a saber, a ERGO Insurance SE, obtiveram o pagamento de uma indemnização e o reembolso das despesas. Concluiu‑se pela existência de negligência grave por parte da Grifs e de um nexo causal direto entre o prejuízo ocorrido e a inação desta sociedade.

18

Na sequência dessa ação de indemnização, a Grifs intentou uma ação no Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius, Lituânia), destinada a obter a condenação da Balta no pagamento do montante de 114941,58 euros a título de indemnização de seguro, acrescida de juros, bem como nas despesas, com base no contrato de seguro. Por Sentença de 21 de novembro de 2017, o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) declarou‑se incompetente para conhecer desta ação, salientando que, nos termos das condições gerais do contrato de seguro, todos os litígios relativos ao mesmo deviam ser decididos pelo juiz letão, em aplicação da lei letã. Por outro lado, na medida em que a sociedade que celebrou o contrato de seguro, a saber, a Grifs AG, é proprietária da Grifs, o Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius) considerou que, embora tivesse sido expresso indiretamente, o consentimento da Grifs em todas as disposições do contrato, incluindo as relativas à competência judiciária, não suscitava dúvidas.

19

Tendo a Grifs interposto recurso dessa sentença, o Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso da Lituânia) anulou‑a por Acórdão de 29 de março de 2018 e remeteu o processo ao Vilniaus apygardos teismas (Tribunal Regional de Vílnius), para nova decisão sobre a admissibilidade da ação intentada pela Grifs.

20

No seu acórdão, o Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso da Lituânia) considerou que o facto de as partes no contrato de seguro terem acordado que os litígios emergentes desse contrato seriam decididos pelo juiz letão, em conformidade com as leis em vigor no território letão, não obrigava a Grifs a intentar a sua ação exclusivamente nos órgãos jurisdicionais letões. Com efeito, esta sociedade tem a qualidade de «segurada» ao abrigo de um contrato de seguro e tem o direito, a esse título, de optar por outro critério de competência previsto no artigo 11.o do Regulamento n.o 1215/2012.

21

A Balta interpôs recurso de cassação para o órgão jurisdicional de reenvio, o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia), do Acórdão do Lietuvos apeliacinis teismas (Tribunal de Recurso da Lituânia) de 29 de março de 2018.

22

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se as considerações formuladas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12 de maio de 2005, Société financière et industrielle du Peloux (C‑112/03, EU:C:2005:280), relativas à proteção jurídica das pessoas economicamente mais fracas, são pertinentes no caso de o seguro cobrir um «grande risco», nomeadamente à luz do Acórdão de 13 de julho de 2017, Assens Havn (C‑368/16, EU:C:2017:546).

23

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha, por um lado, que, uma vez que a atividade segurada preenche os critérios dos «grandes riscos», na aceção do artigo 16.o, ponto 5, do Regulamento n.o 1215/2012, deve, em princípio, presumir‑se que as partes na relação de seguro têm poder económico e devem ser livres de derrogar as disposições relativas à competência judiciária que figuram no capítulo II, secção 3, deste regulamento. Por outro lado, esse órgão jurisdicional considera que as especificidades do tomador do seguro nem sempre refletem a situação e o poder económico do segurado. Nesse caso, pode, portanto, revelar‑se necessário garantir o equilíbrio dos direitos e obrigações das partes na relação de seguro. No entanto, o limite entre a autonomia contratual e a necessidade de proteger a parte mais fraca não é perfeitamente claro.

24

Foi nestas condições que o Lietuvos Aukščiausiasis Teismas (Supremo Tribunal da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 15.o, [ponto] 5, e 16.o, [ponto] 5, do Regulamento [n.o 1215/2012] ser interpretados no sentido de que, no caso de seguros contra grandes riscos, [uma cláusula atributiva] de jurisdição incluíd[a] no contrato de seguro celebrado entre o tomador de seguro e o segurador pode ser oponível ao segurado beneficiário do contrato que não tenha subscrito expressamente essa cláusula e que tenha a sua residência habitual ou sede num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro do tomador de seguro e do segurador?»

Quanto à questão prejudicial

25

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, ponto 5, e o artigo 16.o, ponto 5, do Regulamento n.o 1215/2012 devem ser interpretados no sentido de que a cláusula atributiva de jurisdição prevista num contrato de seguro que cobre um «grande risco», na aceção desta última disposição, celebrado pelo tomador do seguro e pelo segurador, pode ser oponível à pessoa segurada por esse contrato, que não é um profissional do setor dos seguros, que não consentiu nessa cláusula e que tem domicílio num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do domicílio do tomador do seguro e do segurador.

26

A este respeito, importa recordar que, na medida em que os artigos 15.o e 16.o do Regulamento n.o 1215/2012 retomam as redações respetivas dos artigos 13.o e 14.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições deste último regulamento continua válida para as disposições equivalentes do Regulamento n.o 1215/2012 (v., por analogia, Acórdão de 31 de janeiro de 2018, Hofsoe, C‑106/17, EU:C:2018:50, n.o 36).

27

É pacífico que a secção 3 do capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012 estabelece regras especiais de competência em matéria de seguros, destinadas a proteger a parte mais fraca no contrato por meio de regras mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral, como enuncia o considerando 18 do referido regulamento (Acórdão de 31 de janeiro de 2018, Hofsoe, C‑106/17, EU:C:2018:50, n.o 39 e jurisprudência referida).

28

Assim, por um lado, o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 prevê que o segurador domiciliado no território de um Estado‑Membro pode ser demandado noutro Estado‑Membro em cujo território o requerente tiver o seu domicílio, em caso de ações intentadas pelo tomador do seguro, pelo segurado ou por um beneficiário. Por outro lado, o artigo 12.o deste regulamento dispõe que, quando se trate de um seguro de responsabilidade civil ou de um seguro que tenha por objeto bens imóveis, o segurador pode também ser demandado no tribunal do lugar onde o facto danoso ocorreu. Estas regras garantem que a parte mais fraca que pretende intentar uma ação judicial contra a parte mais forte possa fazê‑lo num tribunal de um Estado‑Membro facilmente acessível.

29

No entanto, em certos casos, o Regulamento n.o 1215/2012 prevê a possibilidade de derrogar as regras de competência em matéria de seguros, nomeadamente, nos termos do artigo 15.o, ponto 5, deste regulamento, por acordos que digam respeito a um contrato de seguro que cubra um ou mais dos riscos enumerados no artigo 16.o do mesmo regulamento.

30

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que o contrato de seguro em causa no processo principal cobria «grandes riscos», conforme referidos no artigo 16.o, ponto 5, do Regulamento n.o 1215/2012, que remete para a Diretiva 2009/138, que define, no seu artigo 13.o, ponto 27, o conceito de «grandes riscos» e estabelece determinadas categorias de riscos abrangidas por este conceito.

31

Neste contexto, importa examinar se uma cláusula atributiva de jurisdição estipulada num contrato deste tipo pode vincular o terceiro segurado, que não é parte nesse contrato e que não subscreveu as estipulações do referido contrato.

32

Para saber se o segurado pode, enquanto terceiro num contrato de seguro que cobre um «grande risco», estar vinculado por uma cláusula atributiva de jurisdição que estipula que só são competentes os tribunais do domicílio da companhia de seguros, há que ter em conta a redação do artigo 15.o, ponto 5, do Regulamento n.o 1215/2012, bem como a economia das regras que este prevê em matéria de seguros, a sua génese e os objetivos que lhes estão subjacentes.

33

No que respeita, em primeiro lugar, à redação do ponto 5 do artigo 15.o do Regulamento n.o 1215/2012, é certo que, na medida em que este ponto apenas refere os acordos que digam respeito a um contrato de seguro e não, contrariamente aos pontos 3 e 4 do mesmo artigo 15.o, as partes no acordo, se pode considerar que, quando uma cláusula atributiva de jurisdição válida está estipulada num contrato de seguro que cobre um «grande risco», essa cláusula pode ser invocada também contra o terceiro segurado, por qualquer pessoa que pretenda exercer os seus direitos ao abrigo do referido contrato.

34

Esta diferença de redação entre o ponto 5 e outros pontos do artigo 15.o do Regulamento n.o 1215/2012 explica‑se, no entanto, pela génese deste artigo. Como resulta do ponto 140 do Relatório de P. Schlosser sobre a Convenção Relativa à Adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, bem como ao Protocolo Relativo à sua Interpretação pelo Tribunal de Justiça (JO 1979, C 59, p. 71; JO 1990, C 189, p. 184), com vista a completar esta última convenção no momento da adesão do Reino Unido, em 1978, sem ter de definir um critério geral e abstrato para delimitar as situações em que as cláusulas de atribuição de competência seriam admissíveis, foi decidido elaborar uma lista dos contratos de seguro aos quais deveria ser alargada a admissibilidade de tais cláusulas. Todavia, como resulta deste ponto do referido relatório, tal aditamento não visava de modo algum tornar essas cláusulas atributivas de jurisdição oponíveis a terceiros.

35

No que respeita, em segundo lugar, à economia das disposições do capítulo II, secção 3, do Regulamento n.o 1215/2012, importa salientar que o Regulamento n.o 44/2001 alargou a lista das pessoas que podem demandar o segurador em tribunal, ao incluir também os segurados no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), deste último regulamento, que corresponde ao atual artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012, sem nenhuma distinção em função do tipo de riscos segurados. A proteção assim conferida aos segurados seria, no entanto, ineficaz se, no caso de contratos de seguro relativos aos «grandes riscos», o tribunal competente fosse determinado com base numa cláusula atributiva de jurisdição que o segurado não subscreveu.

36

No que respeita, em terceiro lugar, aos objetivos subjacentes ao capítulo II, secção 3, do Regulamento n.o 1215/2012, o Tribunal de Justiça já salientou que, no caso de um contrato de seguro ser celebrado em benefício de um terceiro, uma cláusula atributiva de jurisdição inserida nesse contrato, que esse terceiro não subscreveu, só lhe é oponível, em caso de litígio emergente do referido contrato, se não for contrária ao objetivo de proteção da pessoa economicamente mais fraca (Acórdão de 12 de maio de 2005, Société financière et industrielle du Peloux, C‑112/03, EU:C:2005:280, n.o 38).

37

Assim, o Tribunal de Justiça recordou que, em matéria de seguros, a extensão de competência permanece estritamente enquadrada pelo objetivo de proteção da pessoa economicamente mais fraca (Acórdão de 13 de julho de 2017, Assens Havn, C‑368/16, EU:C:2017:546, n.o 36).

38

Não obstante, importa examinar se esta consideração é igualmente válida no domínio dos contratos de seguro que cobrem um «grande risco», em que os segurados podem, à semelhança das seguradoras e dos tomadores de seguros, gozar de um poder económico importante.

39

A este respeito, é ponto assente que o legislador da União habilitou, tendo em conta o seu poder económico, o tomador do seguro e o segurador a escolher o tribunal competente, incluindo em derrogação das regras de competência protetoras enunciadas no capítulo II, secção 3, do Regulamento n.o 1215/2012. Como resulta do relatório de P. Schlosser, mencionado no n.o 34 do presente acórdão, a faculdade reconhecida às partes de derrogar as regras gerais de competência no âmbito de contratos que, posteriormente, passaram a ser contratos de seguro que cobrem um «grande risco» devia ter em conta o facto de que, sendo as sociedades em causa empresas com poder económico, as partes no contrato de seguro estavam em pé de igualdade e não se justificava uma proteção suplementar da parte mais fraca.

40

Todavia, não se pode deduzir desta conclusão que o poder económico do segurado e o das seguradoras e dos tomadores de seguros são idênticos ou semelhantes. Consequentemente, a questão de saber se um terceiro num contrato de seguro que cobre um «grande risco» pode ser considerado a pessoa economicamente mais fraca não depende unicamente do facto de o contrato de seguro celebrado entre as partes se incluir na categoria dos contratos de seguro que cobrem um «grande risco».

41

Por conseguinte, há que considerar que a faculdade de derrogar as regras gerais de competência nos contratos de seguro que cobrem um «grande risco» só se aplica nas relações entre as partes contratantes e não pode, regra geral, ser alargada ao terceiro segurado.

42

O Tribunal de Justiça já sublinhou que uma análise casuística da questão de saber se uma pessoa pode ser considerada uma «parte mais fraca» geraria um risco de insegurança jurídica e seria contrária ao objetivo do Regulamento n.o 1215/2012, enunciado no seu considerando 15, segundo o qual as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, MMA IARD, C‑340/16, EU:C:2017:576, n.o 34).

43

Esta consideração é ainda mais válida no domínio dos contratos de seguro que cobrem um «grande risco». Com efeito, como salienta com razão o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 13.o, ponto 27, da Diretiva 2009/138 prevê vários critérios que devem ser apreciados conjuntamente e cuja aplicação nem sempre é sistemática. Esta apreciação pode carecer de verificações aprofundadas e potencialmente complexas, o que seria contrário à intenção de tornar previsíveis as regras de competência.

44

Contudo, é jurisprudência constante que o objetivo de proteção subjacente ao capítulo II, secção 3, do Regulamento n.o 1215/2012 implica que a aplicação das regras de competência especiais aí previstas não seja alargada a pessoas para as quais essa proteção não se justifica (v., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2018, Hofsoe, C‑106/17, EU:C:2018:50, n.o 41 e jurisprudência referida).

45

Embora se depreenda que não se justifica nenhuma proteção especial nas relações entre profissionais do setor dos seguros, em que nenhum deles se pode presumir em situação de fraqueza face aos outros (Acórdão de 31 de janeiro de 2018, Hofsoe, C‑106/17, EU:C:2018:50, n.o 42 e jurisprudência referida), é pacífico que, no caso em apreço, o terceiro segurado, a saber, a Grifs, não é um profissional do setor dos seguros.

46

Nestas condições, há que responder à questão submetida que o artigo 15.o, ponto 5, e o artigo 16.o, ponto 5, do Regulamento n.o 1215/2012 devem ser interpretados no sentido de que a cláusula atributiva de jurisdição prevista num contrato de seguro que cobre um «grande risco», na aceção desta última disposição, celebrado pelo tomador do seguro e pelo segurador, não pode ser oposta à pessoa segurada por esse contrato, que não é um profissional do setor dos seguros, que não consentiu nessa cláusula e que tem domicílio num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do domicílio do tomador do seguro e do segurador.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

O artigo 15.o, ponto 5, e o artigo 16.o, ponto 5, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, devem ser interpretados no sentido de que a cláusula atributiva de jurisdição prevista num contrato de seguro que cobre um «grande risco», na aceção desta última disposição, celebrado pelo tomador do seguro e pelo segurador, não pode ser oposta à pessoa segurada por esse contrato, que não é um profissional do setor dos seguros, que não consentiu nessa cláusula e que tem domicílio num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do domicílio do tomador do seguro e do segurador.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.

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