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Document 62018CJ0686

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 16 de julho de 2020.
    OC e o. e o. contra Banca d'Italia e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
    Reenvio prejudicial — Admissibilidade — Artigo 63.o e seguintes TFUE — Livre circulação de capitais — Artigo 107.o e seguintes TFUE — Auxílios de Estado — Artigos 16.o e 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Liberdade de empresa — Direito de propriedade — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento — Artigo 29.o — Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Artigo 6.o, n.o 4 — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Funções específicas atribuídas ao Banco Central Europeu (BCE) — Regulamento Delegado (UE) n.o 241/2014 — Normas técnicas de regulamentação dos requisitos de fundos próprios das instituições — Legislação nacional que impõe um limite do ativo aos bancos populares constituídos sob a forma de sociedades cooperativas e que permite limitar o direito ao reembolso das ações dos sócios exonerados.
    Processo C-686/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:567

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    16 de julho de 2020 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Admissibilidade — Artigo 63.o e seguintes TFUE — Livre circulação de capitais — Artigo 107.o e seguintes TFUE — Auxílios de Estado — Artigos 16.o e 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Liberdade de empresa — Direito de propriedade — Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento — Artigo 29.o — Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Artigo 6.o, n.o 4 — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Funções específicas atribuídas ao Banco Central Europeu (BCE) — Regulamento Delegado (UE) n.o 241/2014 — Normas técnicas de regulamentação dos requisitos de fundos próprios das instituições — Legislação nacional que impõe um limite do ativo aos bancos populares constituídos sob a forma de sociedades cooperativas e que permite limitar o direito ao reembolso das ações dos sócios exonerados»

    No processo C‑686/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 18 de outubro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de novembro de 2018, no processo

    OC e o.,

    Associazione Difesa Utenti Servizi Bancari Finanziari Postali Assicurativi — Adusbef,

    Federazione Nazionale di Consumatori ed Utenti — Federconsumatori,

    PB e o.,

    QA e o.

    contra

    Banca d’Italia,

    Presidenza del Consiglio dei Ministri,

    Ministero dell’Economia e delle Finanze,

    sendo intervenientes:

    Banca Popolare di Sondrio ScpA,

    Veneto Banca ScpA,

    Banco Popolare — Società Cooperativa,

    Coordinamento delle associazioni per la tutela dell’ambiente e dei diritti degli utenti e consumatori (Codacons),

    Banco BPM SpA,

    Unione di Banche Italiane — Ubi Banca SpA,

    Banca Popolare di Milano,

    Amber Capital Italia SGR SpA,

    RZ e o.

    Amber Capital UK LLP,

    Unione di Banche Italiane — Ubi Banca ScpA,

    Banca Popolare di Vicenza SpcA,

    Banca Popolare dell’Etruria e del Lazio SC,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

    advogado‑geral: G. Hogan,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de OC e o., por F. Capelli, F. S. Marini e U. Corea, avvocati,

    em representação da Banca d’Italia, por D. La Licata, M. Perassi e R. D’Ambrosio, avvocati,

    em representação da Banca Popolare di Sondrio ScpA, por G. Tanzarella, A. Sandulli, P. Mondini e C. Tanzarella, avvocati,

    em representação da Unione di Banche Italiane — Ubi Banca SpA, por G. Lombardi e G. de Vergottini, avvocati,

    em representação da Amber Capital Italia SGR SpA e da Amber Capital UK LLP, por G. Sciacca e P. Cardellicchio, avvocati,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili e G. M. De Socio, avvocati dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por V. Di Bucci, H. Krämer e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de fevereiro de 2020,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o TFUE, do artigo 63.o e seguintes TFUE, bem como do artigo 170.o e seguintes TFUE, dos artigos 16.o e 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 29.o do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1), do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), bem como do artigo 10.o do Regulamento Delegado (UE) n.o 241/2014 da Comissão, de 7 de janeiro de 2014, que completa o Regulamento n.o 575/2013 no que respeita a normas técnicas de regulamentação dos requisitos de fundos próprios das instituições (JO 2014, L 74, p. 8).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de três litígios que opõem, o primeiro, OC e o. à Banca d’Italia (Banco de Itália) e à Presidenza del Consiglio dei Ministri (Presidência do Conselho de Ministros, Itália), o segundo, a Associazione Difesa Utenti Servizi Bancari Finanziari Postali Assicurativi — Adusbef, a Federazione Nazionale di Consumatori ed Utenti — Federconsumatori e PB e o. ao Banco de Itália, à Presidência do Conselho de Ministros e ao Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália), e, o terceiro, QA e o. ao Banco de Itália relativamente a atos adotados por este último no âmbito da sua função de supervisão prudencial dos bancos populares italianos.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 575/2013

    3

    Nos termos do considerando 7 do Regulamento n.o 575/2013:

    «O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionados com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. […]»

    4

    Segundo o artigo 1.o, primeiro parágrafo, deste regulamento, este último estabelece regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas a supervisão ao abrigo da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), devem respeitar no que se refere aos requisitos de fundos próprios, aos requisitos para limitar de grandes riscos, aos requisitos de liquidez, requisitos de reporte, à alavancagem e aos requisitos de divulgação pública de informações.

    5

    Por força do artigo 26.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea a), do referido regulamento, os instrumentos de fundos próprios constituem elementos de fundos próprios principais de nível 1 das instituições, desde que estejam preenchidas as condições estabelecidas no artigo 28.o ou, se aplicável, no artigo 29.o do mesmo regulamento.

    6

    O artigo 28.o do Regulamento n.o 575/2013, sob a epígrafe «Instrumentos de fundos próprios principais de nível 1», prevê, no seu n.o 1:

    «1.   Os instrumentos de fundos próprios só são considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1 se estiverem cumulativamente preenchidas as seguintes condições:

    […]

    e)

    Os instrumentos são perpétuos;

    […]»

    7

    O artigo 29.o deste regulamento, sob a epígrafe «Instrumentos de fundos próprios emitidos por sociedades mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições similares», dispõe:

    «1.   Os instrumentos de fundos próprios emitidos por sociedades mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições similares só podem ser considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1 se estiverem preenchidas as condições estabelecidas no artigo 28.o com as alterações que resultam da aplicação do presente artigo.

    2.   Devem estar reunidas as seguintes condições no que respeita ao reembolso dos instrumentos de capital:

    a)

    Exceto se tal for proibido no direito nacional aplicável, a instituição pode recusar o reembolso dos instrumentos;

    b)

    Se a recusa de reembolso dos instrumentos por parte da instituição for proibida no direito nacional aplicável, as disposições que regem os instrumentos facultam à instituição a possibilidade de limitar o respetivo resgate;

    c)

    A recusa de reembolso dos instrumentos, ou a limitação do resgate dos instrumentos quando aplicável, não pode constituir uma situação de incumprimento por parte da instituição.

    […]

    6.   A [Autoridade Bancária Europeia (EBA)] elabora projetos de normas técnicas de regulamentação para especificar a natureza das limitações de reembolso necessárias quando a recusa de reembolso de instrumentos dos fundos próprios por parte da instituição for proibida no direito nacional aplicável.

    […]

    É delegado na Comissão o poder de adotar as normas técnicas de regulamentação a que se refere o primeiro parágrafo, nos termos dos artigos 10.o a 14.o do Regulamento (UE) n.o 1093/2010 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão (JO 2010, L 331, p. 12)].»

    8

    O artigo 30.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Consequências da cessação do cumprimento das condições aplicáveis aos instrumentos de fundos próprios principais de nível 1», dispõe:

    «É aplicável o seguinte se, no caso de um instrumento de fundos próprios principais de nível 1, deixarem de estar preenchidas as condições estabelecidas no artigo 28.o ou, se aplicável, no artigo 29.o:

    a)

    Esse instrumento deixa imediatamente de ser considerado instrumento de fundos próprios principais de nível 1;

    b)

    Os prémios de emissão relacionados com esse instrumento deixam imediatamente de ser considerad[o]s elementos de fundos próprios principais de nível 1.»

    Regulamento n.o 1024/2013

    9

    Em conformidade com o artigo 1.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1024/2013, este confere ao Banco Central Europeu (BCE) atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, com vista a contribuir para a segurança e a solidez das instituições de crédito e para a estabilidade do sistema financeiro na União e em cada Estado‑Membro, tendo plena e diligentemente em conta a unidade e a integridade do mercado interno, e por base a igualdade de tratamento das instituições de crédito com vista a evitar a arbitragem regulamentar.

    10

    Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o BCE exerce as suas atribuições no âmbito de um mecanismo único de supervisão (a seguir «MUS»), composto por si próprio e pelas autoridades nacionais competentes, e é responsável pelo funcionamento eficaz e coerente desse mecanismo.

    11

    O artigo 6.o, n.o 4, do referido regulamento prevê:

    «No se refere às atribuições previstas no artigo 4.o, com exceção do n.o 1, alíneas a) e c), o BCE dispõe dos poderes previstos no n.o 5 do presente artigo, e as autoridades nacionais competentes dispõem dos poderes previstos no n.o 6 do presente artigo, no âmbito e sob reserva dos procedimentos a que se refere o n.o 7 do presente artigo, em matéria de supervisão das seguintes instituições de crédito, companhias financeiras ou companhias financeiras mistas, ou sucursais — que estejam estabelecidas nos Estados‑Membros participantes — de instituições de crédito estabelecidas em Estados‑Membros não participantes:

    Aquelas que sejam menos significativas em base consolidada, ao nível mais elevado de consolidação nos Estados‑Membros participantes, ou individualmente no caso específico das sucursais — que estejam estabelecidas em Estados‑Membros participantes — de instituições de crédito estabelecidas em Estados‑Membros não participantes. O caráter significativo é avaliado com base nos seguintes critérios:

    i)

    dimensão;

    ii)

    importância para a economia da União ou de um Estado‑Membro participante;

    iii)

    importância das atividades transfronteiriços.

    No que respeita ao primeiro parágrafo acima, uma instituição de crédito, uma companhia financeira ou uma companhia financeira mista não é considerada menos significativa, a não ser que tal se justifique por circunstâncias específicas a mencionar na metodologia, se se verificar uma das seguintes condições:

    i)

    o valor total dos seus ativos exceder 30 mil milhões de euros; ou

    ii)

    o rácio entre a totalidade dos seus ativos e o PIB do Estado‑Membro participante de estabelecimento exceder 20 %, salvo se o valor total dos seus ativos [for] inferior a 5 mil milhões de euros;

    iii)

    após notificação, pela autoridade nacional competente, de que esta considera que a instituição em causa assume caráter significativo para a economia nacional, o BCE tomar uma decisão que confirma esse caráter significativo, após ter realizado uma avaliação completa da instituição de crédito, incluindo uma avaliação do seu balanço.

    O BCE pode também, por iniciativa própria, considerar que uma instituição tem caráter significativo se tiver filiais bancárias estabelecidas em mais de um Estado‑Membro participante e os seus ativos ou passivos transfronteiriços representarem uma parte considerável da totalidade dos seus ativos ou passivos, sob reserva das condições estabelecidas na metodologia.

    Aquelas instituições para as quais foi solicitada ou recebida diretamente assistência financeira pública do [Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF)] ou do [Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)] não podem ser consideradas menos significativas.

    Não obstante os parágrafos anteriores e a menos que circunstâncias específicas justifiquem outra solução, o BCE exerce as atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento no que respeita às três instituições de crédito mais significativas em cada Estado‑Membro participante.»

    Regulamento Delegado n.o 241/2014

    12

    O considerando 10 do Regulamento Delegado n.o 241/2014 enuncia:

    «A fim de aplicar as regras de fundos próprios às mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições semelhantes, as especificidades dessas instituições têm de ser tidas em conta de forma apropriada. Devem ser implementadas regras destinadas a garantir, entre outras coisas, que tais instituições são capazes de limitar o reembolso dos seus instrumentos de fundos próprios, se for caso disso. Assim, se a recusa do reembolso de instrumentos for proibida pelo direito nacional aplicável para estes tipos de instituições, é essencial que as disposições que regulam esses instrumentos concedam à instituição a capacidade de adiar o seu reembolso e de limitar o montante desse mesmo reembolso. […]»

    13

    O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

    «O presente regulamento estabelece regras relativamente às seguintes matérias:

    […]

    d)

    A natureza das limitações ao reembolso necessárias nos casos em que a recusa do reembolso dos instrumentos de fundos próprios por parte da instituição é proibida pelo direito nacional aplicável, de acordo com o artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento [n.o 575/2013];

    […]»

    14

    O artigo 10.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Limitações ao reembolso de instrumentos de fundos próprios emitidos por mútuas, instituições de poupança, sociedades cooperativas e instituições semelhantes para efeitos dos artigos 29.o, n.o 2, alínea b), e 78.o, n.o 3, do Regulamento […] n.o 575/2013», tem a seguinte redação:

    «1.   Uma instituição só pode emitir instrumentos de fundos próprios principais de nível 1 com possibilidade de reembolso se essa possibilidade estiver prevista no direito nacional aplicável.

    2.   A capacidade de a instituição limitar o reembolso no âmbito das disposições que regulam os instrumentos de fundos próprios, tal como referido nos artigos 29.o, n.o 2, alínea b), e 78.o, n.o 3, do Regulamento […] n.o 575/2013, deve abranger quer o direito de adiar o reembolso, quer o direito de limitar o montante a reembolsar. A instituição deverá ter a possibilidade de adiar o reembolso ou limitar o montante a reembolsar por um período de tempo ilimitado nos termos do n.o 3.

    3.   A extensão das limitações ao reembolso incluídas nas disposições que regulam os instrumentos será determinada pela instituição em função da respetiva situação prudencial, a qualquer momento, tendo em conta, nomeadamente, mas sem se limitar a esses fatores:

    a)

    A situação financeira, liquidez e solvência globais da instituição;

    b)

    O montante dos fundos próprios principais de nível 1, dos fundos próprios de nível 1 e dos fundos próprios totais por comparação com o montante total das posições em risco calculado em conformidade com os requisitos estabelecidos no artigo 92.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento […] n.o 575/2013, os requisitos específicos de fundos próprios referidos no artigo 104.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2013/36] e o requisito combinado de reservas de fundos próprios definido no artigo 128.o, n.o 6, da mesma diretiva.»

    Direito italiano

    15

    O artigo 28.o, n.o 2‑ter, do decreto legislativo n. 385 — Testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia (Decreto Legislativo n.o 385 — Texto Consolidado das Leis em Matéria Bancária e de Crédito), de 1 de setembro de 1993 (suplemento ordinário do GURI n.o 230, de 30 de setembro de 1993), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto Legislativo n.o 385/1993»), prevê:

    «Nos bancos populares […], o direito ao reembolso das ações em caso de exoneração, incluindo na sequência de transformação do banco, da morte ou da exclusão do sócio, é limitado nos termos dos requisitos impostos pelo Banco de Itália, se aplicável, mesmo com derrogação de disposições normativas, sempre que tal seja necessário para garantir a inclusão das ações nos fundos próprios regulamentares de nível 1 do banco. Para os mesmos efeitos, o Banco de Itália pode limitar o direito ao reembolso de outros instrumentos de capital emitidos.»

    16

    O artigo 29.o do Decreto Legislativo n.o 385/1993 dispõe:

    «1.   Os bancos populares são constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações.

    2.   O valor nominal das ações não pode ser inferior a dois euros.

    2‑bis   O ativo dos bancos populares não pode ultrapassar 8 mil milhões de euros. Se o banco for sociedade‑mãe de um grupo bancário, esse limite é determinado numa base consolidada.

    2‑ter   Caso o limite referido no n.o 2‑bis seja ultrapassado, o conselho de administração convoca a assembleia geral para deliberar sobre as medidas adequadas. Se, no prazo de um ano contado a partir do momento em que aquele limite foi ultrapassado, o ativo não for reduzido abaixo do limiar nem for deliberada a transformação do banco em sociedade anónima […] ou a sua liquidação, o Banco de Itália, tendo em conta as circunstâncias e o montante em que o limiar foi ultrapassado, pode impor a proibição de realização de novas operações […], ou as medidas previstas no título IV, capítulo I, secção I, ou propor que o [BCE] revogue a autorização de exercício de atividades bancárias e que o Ministro da Economia e das Finanças dê início à liquidação administrativa coerciva. Isto sem prejuízo dos poderes de intervenção e sanção conferidos ao Banco de Itália por este Decreto Legislativo.

    2‑quater   O Banco de Itália estabelecerá as normas de execução do presente artigo.

    […]»

    17

    O artigo 1.o, n.o 2, do decreto‑legge n. 3, recante «Misure urgenti per il sistema bancario e gli investimenti» (Decreto‑Lei n.o 3, que estabelece «Medidas Urgentes para o Sistema Bancário e os Investimentos»), de 24 de janeiro de 2015 (GURI n.o 19, de 24 de janeiro de 2015), convertido em lei, com alterações, pela legge n. 33 (Lei n.o 33), de 24 de março de 2015 (GURI n.o 70, de 25 de março de 2015), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto‑Lei n.o 3/2015»), enuncia:

    «Quando o presente decreto começar a ser aplicado, os bancos populares autorizados no momento da sua entrada em vigor devem adequar‑se ao estabelecido no artigo 29.o, n.os 2‑bis e 2‑ter, do [Decreto Legislativo n.o 385/1993], introduzidos pelo presente artigo, no prazo de 18 meses a contar da data de entrada em vigor das normas de execução adotadas pelo Banco de Itália nos termos do artigo 29.o»

    18

    O decreto‑legge n. 91 (Decreto‑Lei n.o 91), de 25 de julho de 2018 (GURI n.o 171, de 25 de julho de 2018), convertido pela legge n. 108 (Lei n.o 108), de 21 de setembro de 2018 (GURI n.o 220, de 21 de setembro de 2018), prorrogou o prazo de 18 meses previsto no artigo 1.o, n.o 2, do Decreto‑Lei n.o 3/2015 até 31 de dezembro de 2018.

    19

    O Banco de Itália, mediante a 9.a atualização, de 9 de junho de 2015, da Circular n.o 285, de 17 de dezembro de 2013, com a epígrafe «Disposições de supervisão para os bancos» (a seguir «9.a atualização da Circular n.o 285»), aplicou os artigos 28.o e 29.o do Decreto Legislativo n.o 385/1993.

    20

    Em especial, com base no artigo 28.o, n.o 2‑ter, do Decreto Legislativo n.o 385/1993, a 9.a atualização da Circular n.o 285 prevê que os estatutos do banco popular e do banco de crédito cooperativo atribuem ao órgão que exerce as funções de supervisão estratégica, sob proposta do órgão que exerce as funções de administração, e após consulta do órgão com funções de fiscalização, a faculdade de limitar ou de adiar, total ou parcialmente e sem limite de tempo, o reembolso das ações do sócio exonerado e dos outros instrumentos de capital (incluindo em caso e transformação do banco), da sua exclusão ou morte.

    21

    Na decisão de reenvio indica‑se que, com exceção de dois deles, todos os bancos populares italianos cumpriram as referidas disposições do direito italiano.

    Litígios no processo principal e questões prejudiciais

    22

    Mediante três petições separadas, os recorrentes no processo principal interpuseram recursos contra alguns dos atos do Banco de Itália, nomeadamente a 9.a atualização da Circular n.o 285, no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália), que os julgou improcedentes pelos Acórdãos n.os 6548/2016, 6544/2016 e 6540/2016.

    23

    Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso desses acórdãos para o órgão jurisdicional de reenvio, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), que proferiu despachos que suspenderam os efeitos da 9.a atualização da Circular n.o 285 e suscitou questões de constitucionalidade relativas ao Decreto‑Lei n.o 3/2015.

    24

    Pelo Acórdão n.o 99/2018, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) declarou infundadas as referidas questões.

    25

    Na sequência da reabertura do processo no órgão jurisdicional de reenvio, este, no Despacho n.o 3645/2018, prorrogou as suspensões anteriormente decretadas até à data de publicação do acórdão que decidirá o litígio quanto ao mérito, com exceção da relativa ao prazo de 18 meses previsto no artigo 1.o, n.o 2, do Decreto‑Lei n.o 3/2015, que já tinha sido objeto de prorrogação legal até 31 de dezembro de 2018.

    26

    Nestas circunstâncias, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 29.o do Regulamento [n.o 575/2013], o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014, os artigos 16.o e 17.o da Carta […] e o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 1024/2013] opõem‑se a uma legislação nacional, como a que foi introduzida pelo artigo 1.o do [Decreto‑Lei] n.o 3/2015 […], que impõe um limiar do ativo acima do qual o banco [popular] é obrigado a transformar‑se em sociedade anónima, fixando esse limite nos 8 mil milhões do ativo? Por outro lado, as disposições do direito da União acima mencionadas opõem‑se a uma legislação nacional que, no caso de transformação do banco popular em sociedade anónima, autoriza essa instituição a adiar ou limitar, mesmo por tempo indeterminado, o reembolso das ações do sócio exonerado?

    2)

    Os artigos 3.o e 63.o e [seguintes] TFUE sobre concorrência no mercado interno e livre circulação de capitais opõem‑se a uma legislação nacional, como a instituída pelo artigo 1.o do Decreto‑Lei n.o 3/2015 […], que limita o exercício da atividade bancária sob forma cooperativa a um determinado limite do ativo, obrigando a instituição a transformar‑se em sociedade anónima caso o referido limite seja ultrapassado?

    3)

    Os artigos 107.o e [seguintes] TFUE em matéria de auxílios de Estado opõem‑se a uma legislação nacional como a instituída pelo artigo 1.o do Decreto‑Lei n.o 3/2015 […], que impõe a transformação do banco popular em sociedade anónima caso seja ultrapassado um determinado limiar do ativo (fixado em oito mil milhões de euros), e prevê limitações ao reembolso da participação do sócio nos casos de exoneração, para evitar a eventual liquidação do banco transformado?

    4)

    As disposições conjugadas do artigo 29.o do Regulamento […] n.o 575/2013 e do artigo 10.o do Regulamento Delegado […] n.o 241/2014 opõem‑se a uma legislação nacional, como a prevista no artigo 1.o do Decreto‑Lei n.o 3/2015 […], como interpretada pela Corte Costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) no Acórdão n.o 99/2018, que permite aos bancos populares adiar o reembolso por um período ilimitado e limitar total ou parcialmente o respetivo montante?

    5)

    Caso, em sede de interpretação, o Tribunal de Justiça declare a interpretação apresentada pelas partes conforme ao direito da União, deve considerar‑se que o artigo 10.o do Regulamento Delegado […] n.o 241/2014 é conforme com o artigo 16.o e o artigo 17.o da Carta […], e o artigo 52.o, n.o 3, da mesma Carta […] e a jurisprudência do [Tribunal Europeu dos Direitos do Homem] relativa ao artigo 1.o do 1.o Protocolo Adicional à [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Paris em 20 de março de 1952]?»

    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    27

    O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente processo a tramitação acelerada, nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    28

    Esse pedido foi indeferido por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2019, Adusbef e o. (C‑686/18, não publicado, EU:C:2019:68).

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    29

    A Unione di Banche Italiane — Ubi Banca SpA considera que, uma vez que o presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado depois de a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) ter declarado a conformidade da legislação em causa no processo principal com a Constituição italiana, existe um risco de incompatibilidade entre o processo nacional na Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) e o referido pedido de decisão prejudicial, de modo que este último seria inadmissível na íntegra.

    30

    A este respeito, há que recordar que o funcionamento do sistema de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.o TFUE e o princípio do primado do direito da União requerem que o juiz nacional possa livremente, em qualquer momento do processo que considere adequado, mesmo depois de concluído um processo incidental de fiscalização da constitucionalidade, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entenda ser necessária (Acórdãos de 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 52, e de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet, C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 22).

    31

    Ora, a eficácia do direito da União seria ameaçada e o efeito útil do artigo 267.o TFUE ver‑se‑ia reduzido se, devido à existência de um processo de fiscalização da constitucionalidade, o juiz nacional estivesse impedido de submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça e de dar imediatamente ao direito da União uma aplicação conforme com a decisão ou com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet, C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 23).

    32

    Enquanto tribunal supremo, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) está até obrigado, em conformidade com o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial sempre que verifique que o mérito da causa inclui uma questão a resolver abrangida pelo primeiro parágrafo do artigo 267.o TFUE, e isto ainda que, no âmbito desse mesmo litigio, possa submeter ao Tribunal Constitucional do Estado‑Membro em causa uma questão sobre a constitucionalidade das normas nacionais (v., por analogia, Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 72).

    33

    Por conseguinte, o facto de a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) se ter pronunciado sobre a conformidade da legislação nacional em causa no processo principal com as disposições da Constituição italiana não tem nenhuma influência sobre a referida obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet, C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 25).

    34

    Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial não pode ser declarado inadmissível devido a esta circunstância.

    35

    Por outro lado, o Banco de Itália, a Unione di Banche Italiane — Ubi Banca, a Banca Popolare di Milano, a Amber Capital Italia SGR SpA, a Amber Capital UK LLP, o Governo italiano e a Comissão Europeia sustentam que as questões prejudiciais são, total ou parcialmente, inadmissíveis pelo facto de as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio serem insuficientes e de as referidas questões não serem pertinentes para a solução do litígio no processo principal.

    36

    No que se refere às indicações que devem figurar em qualquer pedido de decisão prejudicial, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões se baseiam. Com efeito, o Tribunal de Justiça apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação de um texto da União a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (Despachos de 5 de outubro de 2017, OJ, C‑321/17, não publicado, EU:C:2017:741, n.o 12, e de 5 de junho de 2019, Wilo Salmson France, C‑10/19, não publicado, EU:C:2019:464, n.o 12).

    37

    O Tribunal de Justiça insiste também na importância da indicação, pelo juiz nacional, das razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Este já declarou que é indispensável que o juiz nacional, na própria decisão de reenvio, forneça um mínimo de explicações quanto às razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação pede, bem como à relação que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe é submetido (Despachos de 12 de maio de 2016, Security Service e o., C‑692/15 a C‑694/15, EU:C:2016:344, n.o 20, e de 5 de junho de 2019, Wilo Salmson France, C‑10/19, não publicado, EU:C:2019:464, n.o 13).

    38

    Estas exigências relativas ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que é suposto o órgão jurisdicional de reenvio conhecer e respeitar escrupulosamente, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE (Despachos de 12 de maio de 2016, Security Service e o., C‑692/15 a C‑694/15, EU:C:2016:344, n.o 18; de 5 de junho de 2019, Wilo Salmson France, C‑10/19, não publicado, EU:C:2019:464, n.o 14; e de 7 de novembro de 2019, P.J., C‑513/19, não publicado, EU:C:2019:953, n.o 15). As referidas exigências são recordadas no n.o 15 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1).

    39

    Por último, segundo jurisprudência constante, um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional deve ser recusado quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal (Acórdão de 10 de julho de 2014, Apple, C‑421/13, EU:C:2014:2070, n.o 30, e Despacho de 17 de janeiro de 2019, Cipollone, C‑600/17, não publicado, EU:C:2019:29, n.o 21).

    40

    É à luz de todas as exigências acima referidas que a admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial deve ser examinada.

    Quanto à admissibilidade da primeira parte da primeira questão

    41

    Com a primeira parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013, o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014 e os artigos 16.o e 17.o da Carta, lidos em conjugação com o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que fixa um limite de oito mil milhões de euros do ativo, acima do qual os bancos populares constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas.

    42

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 1024/2013 estabelece as modalidades de exercício, no âmbito do MUS, composto pelo BCE e pelas autoridades nacionais competentes, das funções que este regulamento confere ao BCE em matéria de supervisão prudencial das instituições de crédito.

    43

    Nesse contexto, o artigo 6.o, n.o 4, prevê, em substância, os critérios que permitem determinar os casos em que essas funções são exercidas exclusivamente pelo BCE e aquelas em que as autoridades nacionais competentes o assistem no respetivo cumprimento, através do exercício descentralizado de algumas destas atribuições relativamente às instituições de crédito menos significativas, na aceção do artigo 6.o, n.o 4, primeiro parágrafo (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 41).

    44

    O artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013 não fixa nenhum limite do ativo acima do qual os bancos populares são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos ou a proceder à sua liquidação. Esta disposição não exige nem impede a fixação de um tal limite.

    45

    O limite máximo de 30 mil milhões de euros dos ativos fixado no segundo parágrafo, alínea i), desse artigo 6.o, n.o 4, é uma das condições enunciadas nesta disposição para identificar as instituições de crédito que não devem ser consideradas menos significativas, para efeitos da aplicação do referido artigo 6.o, n.o 4.

    46

    Por conseguinte, o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013 não tem nenhuma relação com o limite de oito mil milhões de euros do ativo fixado pela legislação nacional em causa no processo principal.

    47

    Do mesmo modo, o artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013 e o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014 também não se referem a este limite.

    48

    Com efeito, estas disposições, que preveem, no âmbito das regras relativas aos requisitos prudenciais estabelecidos nesses regulamentos em matéria de fundos próprios, as condições que devem estar preenchidas para que os instrumentos de fundos próprios emitidos por sociedades mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições similares possam ser considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, não estabelecem um limite do ativo acima do qual essas sociedades e instituições são obrigadas a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos ou a proceder à sua liquidação. Não exigem que os Estados‑Membros fixem esse limite, nem os impedem de o fazer.

    49

    Nestas circunstâncias, uma vez que o artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013, o artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013 e o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014 não têm nenhuma relação com o limite fixado pela legislação em causa no processo principal, uma interpretação destas disposições afigura‑se manifestamente desprovida de pertinência.

    50

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio não explica as razões pelas quais, em seu entender, tal interpretação é pertinente para decidir o litígio que lhe foi submetido nem o nexo que estabelece entre as referidas disposições e essa legislação.

    51

    Quanto ao pedido de interpretação dos artigos 16.o e 17.o da Carta, importa recordar que, por força do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, as suas disposições têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União.

    52

    Segundo jurisprudência constante, o conceito de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.o da Carta, pressupõe a existência de um nexo entre um ato do direito da União e a medida nacional em causa que ultrapasse a mera proximidade das matérias em causa ou as incidências indiretas de uma matéria na outra (Acórdãos de 6 de março de 2014, Siragusa, C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 24; de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o., C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 34; e de 6 de outubro de 2016, Paoletti e o., C‑218/15, EU:C:2016:748, n.o 14).

    53

    Nesse contexto, o Tribunal de Justiça concluiu pela inaplicabilidade dos direitos fundamentais da União a uma regulamentação nacional em razão de as disposições da União no domínio em causa não imporem aos Estados‑Membros nenhuma obrigação específica relativamente à situação em causa no processo principal (Acórdãos de 6 de março de 2014, Siragusa, C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 26, e de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o., C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 35).

    54

    Ora, como resulta das considerações precedentes, nenhuma das disposições do direito da União referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio na primeira parte da sua primeira questão impõe aos Estados‑Membros que fixem um limite do ativo, como o que está em causa no processo principal, acima do qual os bancos populares constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos ou a proceder à sua liquidação.

    55

    Em face do exposto, a primeira parte da primeira questão é inadmissível na íntegra.

    Quanto à admissibilidade da segunda questão

    56

    A segunda questão tem por objeto a conformidade com os artigos 3.o e 63.o TFUE de uma legislação nacional que fixa um limite do ativo para o exercício de atividades bancárias sob a forma de bancos populares, acima do qual esses bancos, constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações, são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos abaixo desse limite ou a proceder à sua liquidação.

    57

    Esta questão é inadmissível uma vez que tem por objeto a interpretação do artigo 3.o TFUE, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio se limita a pedir uma interpretação desta disposição «em matéria de concorrência no mercado interno» e o pedido de decisão prejudicial não contém nenhuma exposição das razões que conduziram o referido órgão jurisdicional a interrogar‑se sobre a interpretação da dessa disposição e o nexo que estabelece entre esta e o litígio no processo principal.

    Quanto à admissibilidade da terceira questão

    58

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 107.o e seguintes TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por um lado, fixa um limite do ativo acima do qual os bancos populares constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos abaixo desse limite ou a proceder à sua liquidação, e, por outro, permite à instituição em causa limitar o reembolso da participação do sócio exonerado, para evitar a eventual liquidação.

    59

    No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio não indica com a precisão e a clareza necessárias as razões que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação dessas disposições do direito da União nem o nexo que estabelece entre estas últimas e a legislação nacional em causa no processo principal.

    60

    Com efeito, esse órgão jurisdicional não explica as razões pelas quais poderia considerar que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal confere uma vantagem, introduz uma medida seletiva, que o auxílio provém de recursos estatais ou que falseia ou ameaça falsear a concorrência. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio não fornece ao Tribunal de Justiça os elementos que permitem apreciar se uma tal medida é suscetível de ser qualificada de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    61

    Nestas circunstâncias, o pedido de decisão prejudicial não cumpre, no que respeita à terceira questão, os requisitos estabelecidos no artigo 94.o do Regulamento de Processo e não permite ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil a essa questão, que deve, portanto, ser declarada inadmissível.

    Quanto à admissibilidade da quinta questão

    62

    Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a validade do artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014.

    63

    Neste contexto, é importante que o órgão jurisdicional de reenvio indique, em particular, as razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a validade de certas disposições do direito da União e exponha as causas de invalidade que, consequentemente, entende poderem ser declaradas (Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 48 e jurisprudência referida).

    64

    Resulta do exposto, por um lado, que, em sede de reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça examina a validade de um ato da União ou de certas disposições deste à luz das causas de invalidade indicadas na decisão de reenvio. Por outro lado, a inexistência de qualquer menção das razões precisas que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a validade desse ato ou dessas disposições leva à inadmissibilidade das questões relativas à sua validade (Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 50).

    65

    No caso em apreço, há que declarar que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe as razões que o levaram a interrogar‑se sobre a validade do artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014.

    66

    Nestas circunstâncias, a quinta questão é inadmissível.

    Quanto ao mérito

    Quanto à segunda parte da primeira questão e quanto à quarta questão

    67

    A segunda parte da primeira questão e a quarta questão referem‑se à compatibilidade com certas disposições do direito da União de uma legislação nacional que permite aos bancos populares limitar o reembolso dos seus instrumentos de fundos próprios.

    68

    A este respeito, há que salientar, antes de mais, que o objeto do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013, conforme recordado nos n.os 42 e 43 do presente acórdão, é alheio a essa faculdade de limitar o reembolso de instrumentos de fundos próprios e que, por conseguinte, a interpretação desta disposição não é pertinente a esse respeito. Há, portanto, que reformular estas questões sem fazer referência à referida disposição.

    69

    Assim, com a segunda parte da sua primeira questão e com a sua quarta questão, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013, o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014 e os artigos 16.o e 17.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que permite a um banco popular aí estabelecido adiar por um período de tempo ilimitado o reembolso da participação do sócio exonerado e limitar o respetivo montante.

    – Quanto ao artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013 e ao artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014

    70

    Resulta do considerando 7 do Regulamento n.o 575/2013 que o legislador da União considera que este contém nomeadamente os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionados com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes.

    71

    Em conformidade com o artigo 1.o, primeiro parágrafo, alínea a), deste regulamento, este estabelece regras uniformes em matéria de requisitos prudenciais gerais que as instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva 2013/36 devem cumprir em relação aos requisitos de fundos próprios.

    72

    É neste contexto que o artigo 28.o do referido regulamento enuncia as condições que devem ser preenchidas para que os instrumentos de fundos próprios sejam considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1 e que o artigo 29.o do mesmo regulamento prevê as condições específicas que devem ser satisfeitas para esse efeito no que respeita aos instrumentos de fundos próprios emitidos por sociedades mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições similares.

    73

    Em especial, segundo o artigo 29.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 575/2013, a instituição pode recusar o reembolso desses instrumentos, exceto se o direito nacional o proibir. Neste último caso, o artigo 29.o, n.o 2, alínea b), dispõe que as disposições que regem os referidos instrumentos facultam à instituição a possibilidade de limitar o respetivo reembolso.

    74

    Com base no referido artigo 29.o, n.o 6, a Comissão adotou regras que precisam as modalidades de exercício dessa faculdade de limitar o reembolso de instrumentos de fundos próprios emitidos por sociedades mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições similares. Essas regras são enunciadas no artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014.

    75

    Assim, por força do artigo 10.o, n.o 2, primeiro período, desse regulamento delegado, a referida faculdade inclui o direito de adiar o reembolso e o de limitar o montante a reembolsar.

    76

    O segundo período desta disposição precisa que esses direitos podem ser exercidos por um período de tempo ilimitado nos termos do artigo 10.o, n.o 3, do referido regulamento delegado, que prevê que a extensão das limitações ao reembolso incluídas nas disposições que regulam os instrumentos de fundos próprios será determinada pela instituição em causa em função da respetiva situação prudencial, a qualquer momento, tendo em conta, nomeadamente, mas sem se limitar a esses fatores, a situação financeira, a liquidez e a solvência globais dessa a instituição e o montante dos fundos próprios principais de nível 1, dos fundos próprios de nível 1 e dos fundos próprios totais por comparação com o montante total das posições em risco calculado em conformidade com os requisitos específicos para os quais remete o artigo 10.o, n.o 3, alínea b), do mesmo regulamento delegado.

    77

    Por conseguinte, resulta do artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013 e do artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014, por um lado, que a admissibilidade dos instrumentos de fundos próprios emitidos por sociedades mútuas, sociedades cooperativas, instituições de poupança e instituições similares enquanto instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, na hipótese de o direito nacional proibir essas instituições de recusarem reembolsar os seus instrumentos de fundos próprios, está subordinada à condição de as instituições em causa disporem da faculdade de limitar esse reembolso, que inclui o direito de adiar o reembolso e o de limitar o respetivo montante, e, por outro, que a extensão dos limites de reembolso é determinada pela instituição em causa tendo em conta, a todo o momento, a sua situação prudencial.

    78

    No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que as disposições do direito italiano em causa no processo principal proíbem os bancos populares italianos de recusarem o reembolso dos instrumentos de fundos próprios. Em contrapartida, as referidas disposições permitem‑lhes limitar o reembolso das ações em caso de exoneração de um sócio quando tal se verificar necessário para garantir que os instrumentos de fundos próprios emitidos por esses bancos possam ser contabilizados como instrumentos de fundos próprios principais de nível 1. Resulta igualmente dessa decisão que, em virtude dessas disposições, os referidos bancos podem adiar esse reembolso por um período de tempo ilimitado e limitar total ou parcialmente o seu montante.

    79

    Ora, como resulta da própria redação do artigo 10.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento Delegado n.o 241/2014, na hipótese de o direito nacional proibir recusar o reembolso dos instrumentos de fundos próprios, a faculdade prevista no artigo 29.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 575/2013 permite adiar esse reembolso e limitar o seu montante por um período de tempo ilimitado nos termos do artigo 10.o, n.o 3, deste regulamento delegado, isto é, enquanto, e na medida em que tal seja necessário, à luz da sua situação prudencial, tendo em conta, nomeadamente, os elementos mencionados nesta última disposição.

    80

    Por conseguinte, o artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013 e o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014 não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que proíbe os bancos populares nele estabelecidos de recusarem o reembolso dos instrumentos de fundos próprios, mas que, quando tal se revele necessário para assegurar que os instrumentos de fundos próprios emitidos por esses bancos sejam considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, permite aos referidos bancos adiar por um período de tempo ilimitado o reembolso das ações do sócio exonerado e limitar total ou parcialmente o montante desse reembolso.

    – Quanto aos artigos 16.o e 17.o da Carta.

    81

    Nos termos do artigo 16.o da Carta, é reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais.

    82

    A proteção conferida por este artigo abrange a liberdade de exercer uma atividade económica ou comercial, a liberdade contratual e a livre concorrência (Acórdãos de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 42; de 17 de outubro de 2013, Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 25; e de 12 de julho de 2018, Spika e o., C‑540/16, EU:C:2018:565, n.o 34).

    83

    Segundo jurisprudência constante, a liberdade de empresa não constitui uma prerrogativa absoluta. Pode ser sujeita a um amplo leque de intervenções do poder público, suscetíveis de estabelecer, no interesse geral, limitações ao exercício da atividade económica (Acórdãos de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.os 45 e 46; de 17 de outubro de 2013, Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 28; e de 26 de outubro de 2017, BB construct, C‑534/16, EU:C:2017:820, n.o 36).

    84

    Em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, da Carta, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte, e ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

    85

    A este respeito, importa recordar que o direito de propriedade garantido por esta disposição não é uma prerrogativa absoluta e que o seu exercício pode ser objeto de restrições na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituírem, relativamente à finalidade prosseguida, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.os 69 e 70).

    86

    Por outro lado, cabe igualmente recordar que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta desde que estas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

    87

    A faculdade, que uma legislação nacional reconhece aos bancos populares, de limitar o reembolso dos seus instrumentos de fundos próprios quando tal se revele necessário para assegurar que os instrumentos de fundos próprios que emitem possam ser contabilizados como instrumentos de fundos próprios principais de nível 1 está prevista na lei, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

    88

    O conteúdo essencial da liberdade de empresa garantida pelo artigo 16.o da Carta e do direito de propriedade consagrado no seu artigo 17.o é respeitado por uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a faculdade de limitar o reembolso das ações em caso de exoneração de um sócio, a qual visa satisfazer a condição enunciada no artigo 29.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 575/2013 para que as ações possam ser consideradas instrumentos de fundos próprios principais de nível 1.

    89

    Com efeito, por um lado, esta faculdade não implica uma privação de propriedade e não constitui, portanto, uma intervenção que afete a própria substância do direito de propriedade. Por outro lado, admitindo que se considere que a referida faculdade limita a liberdade de empresa, esta respeitaria o conteúdo essencial de tal liberdade, uma vez que não impede o exercício da atividade bancária. A este respeito, o Tribunal de Justiça reconheceu que as sociedades cooperativas se regem por princípios de funcionamento particulares que as distinguem claramente dos outros operadores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 55).

    90

    No que se refere aos objetivos prosseguidos pela legislação em causa no processo principal, além do facto de que, prevendo a referida faculdade, a legislação em causa visa aplicar essa condição, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a referida legislação visa assegurar a adequação entre a forma jurídica e a dimensão de um banco popular e o cumprimento das regras prudenciais da União que regulam o exercício da atividade bancária. Segundo esse órgão jurisdicional, o objetivo dessa legislação consiste, assim, em tornar a forma societária dos bancos populares mais coerente com a dinâmica do mercado de referência, garantindo maior competitividade a esses bancos e promovendo maior transparência na organização, funcionamento e funções dos mesmos.

    91

    Tais objetivos, que são suscetíveis de assegurar a boa administração no setor bancário cooperativo, a estabilidade deste último e um exercício prudente da atividade bancária, contribuem para evitar a insolvência das instituições em causa, ou mesmo um risco sistémico, e, por conseguinte, garantir a estabilidade do sistema bancário e financeiro.

    92

    A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os objetivos que consistem em assegurar a estabilidade do sistema bancário e financeiro e evitar um risco sistémico constituem objetivos de interesse geral prosseguido pela União (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 69, 88 e 91; de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.os 71 e 74; e de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.os 51 e 54).

    93

    Com efeito, os serviços financeiros desempenham um papel central na economia da União. Os bancos e as instituições de crédito são uma fonte essencial de financiamento para empresas ativas em diferentes mercados. Além disso, existe frequentemente uma estreita ligação entre os bancos e a maior parte deles exerce as suas atividades ao nível internacional. É por esta razão que existe o risco de a insolvência que afeta um ou mais bancos se propagar aos outros bancos, quer no Estado‑Membro em causa quer noutros Estados‑Membros, o que poderá, por seu turno, ter repercussões negativas noutros setores da economia (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 50, e de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 72).

    94

    Além disso, como salientou o advogado‑geral nos n.os 81 e 104 das suas conclusões, existe um claro interesse público em assegurar que o investimento em fundos próprios principais de um banco não seja bruscamente retirado, e em evitar, assim, expor esse banco, bem como todo o setor bancário, a uma instabilidade prudencial.

    95

    Por conseguinte, há que considerar que as limitações ao exercício do direito de propriedade e, admitindo que existam, ao da liberdade de empresa resultantes de uma legislação como a que está em causa no processo principal respondem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

    96

    Além disso, essas limitações respeitarão o princípio da proporcionalidade se não forem além do necessário, à luz da situação prudencial dos bancos em causa, para assegurar que os instrumentos de fundos próprios que emitem sejam considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Para esse efeito, este deverá ter em conta, nomeadamente, os elementos mencionados no artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento Delegado n.o 241/2014.

    97

    Em face do exposto, há que responder à segunda parte da primeira questão e à quarta questão que o artigo 29.o do Regulamento n.o 575/2013, o artigo 10.o do Regulamento Delegado n.o 241/2014 e os artigos 16.o e 17.o da Carta devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que proíbe os bancos populares nele estabelecidos de recusarem o reembolso dos instrumentos de fundos próprios, mas que lhes permite adiar por um período de tempo ilimitado o reembolso da participação do sócio exonerado e limitar total ou parcialmente o respetivo montante, desde que os limites desse reembolso decididos no âmbito do exercício dessa faculdade não vão além do necessário, tendo em conta a situação prudencial dos referidos bancos, para assegurar que os instrumentos de fundos próprios que emitem sejam considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, tendo em conta, nomeadamente, os elementos mencionados no artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento Delegado n.o 241/2014, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    Quanto à segunda questão

    98

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 63.o e seguintes TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que fixa um limite do ativo para o exercício de atividades bancárias por bancos populares estabelecidos nesse Estado‑Membro e constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações, acima do qual esses bancos são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos para os situar abaixo desse limite ou proceder à sua liquidação.

    99

    Em conformidade com o artigo 63.o, n.o 1, TFUE, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros.

    100

    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, na falta, no Tratado FUE, de definição do conceito de «movimentos de capitais», na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, o Tribunal de Justiça reconheceu valor indicativo à nomenclatura dos movimentos de capitais que figura no anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.o do Tratado [CE (revogado pelo Tratado de Amesterdão)] (JO 1988, L 178, p. 5) (Acórdãos de 27 de janeiro de 2009, Persche, C‑318/07, EU:C:2009:33, n.o 24; de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal, C‑212/09, EU:C:2011:717, n.o 47; e de 22 de outubro de 2013, Essent e o., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 40).

    101

    Assim, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que constituem movimentos de capitais, na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, nomeadamente os investimentos ditos «diretos», a saber, os investimentos sob a forma de participação numa empresa através da detenção de ações que confira a possibilidade de participar efetivamente na gestão e no controlo dessa empresa, bem como os investimentos ditos «de carteira», a saber, os investimentos sob a forma de aquisição de títulos no mercado de capitais efetuada com a única intenção de realizar uma aplicação financeira sem pretender influenciar a gestão e o controlo da empresa [Acórdãos de 11 de novembro de 2010, Comissão/Portugal, C‑543/08, EU:C:2010:669, n.o 46; de 22 de outubro de 2013, Essent e o., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 40; e de 26 de fevereiro de 2019, X (sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros), C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 26].

    102

    No que respeita a estas duas formas de investimento, o Tribunal de Justiça precisou que devem ser qualificadas de «restrições», na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, as medidas nacionais suscetíveis de impedir ou de limitar a aquisição de ações nas empresas em causa ou de dissuadir os investidores dos outros Estados‑Membros de investirem no capital destas (Acórdãos de 21 de outubro de 2010, Idryma Typou, C‑81/09, EU:C:2010:622, n.o 55; de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal, C‑212/09, EU:C:2011:717, n.o 48; e de 22 de outubro de 2013, Essent e o., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 41).

    103

    No caso em apreço, a legislação em causa no processo principal fixa um limite do ativo para o exercício de atividades bancárias por bancos populares italianos constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações e acima do qual esses bancos são obrigados a transformar‑se em sociedades anónimas, a reduzir os seus ativos abaixo desse limite ou a proceder à sua liquidação.

    104

    Ora, ao limitar a importância da atividade económica que pode ser exercida pelos bancos italianos constituídos sob uma determinada forma jurídica, tal legislação é suscetível de dissuadir os investidores de Estados‑Membros diferentes da República Italiana e de Estados terceiros de adquirirem uma participação no capital dos referidos bancos e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.o TFUE.

    105

    Segundo jurisprudência bem assente, medidas nacionais que restrinjam a livre circulação de capitais podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas para garantir a realização do objetivo que prosseguem e não vão além do necessário para o atingir (Acórdão de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal, C‑212/09, EU:C:2011:717, n.o 81 e jurisprudência referida). Além disso, o Tribunal de Justiça admitiu que uma regulamentação nacional pode constituir um entrave justificado a uma liberdade fundamental quando é ditada por motivos de ordem económica que prosseguem um objetivo de interesse geral (Acórdão de 22 de outubro de 2013, Essent e a., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 52 e jurisprudência referida).

    106

    A este respeito, importa recordar que, como declarado nos n.os 90 a 95 do presente acórdão, a legislação em causa no processo principal responde a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União.

    107

    Por conseguinte, sob reserva de que o limite do ativo fixado por essa legislação, a cujo cumprimento esta subordina o exercício da atividade bancária por bancos populares italianos constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações, seja adequado para garantir a prossecução desses objetivos e não vá além do necessário para os atingir, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a restrição à livre circulação de capitais resultante da referida legislação é justificada.

    108

    Nestas condições, há que responder à segunda questão que os artigos 63.o e seguintes TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que fixa um limite do ativo para o exercício de atividades bancárias por bancos populares estabelecidos nesse Estado‑Membro e constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações, acima do qual esses bancos são obrigados a transformar‑se em sociedades por ações, a reduzir os seus ativos abaixo desse limite ou a proceder à sua liquidação, desde que essa legislação seja adequada para garantir a prossecução desses objetivos e não vá além do necessário para os alcançar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    Quanto às despesas

    109

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 29.o do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012, o artigo 10.o do Regulamento Delegado (UE) n.o 241/2014 da Comissão, de 7 de janeiro de 2014, que completa o Regulamento n.o 575/2013 no que respeita a normas técnicas de regulamentação dos requisitos de fundos próprios das instituições, e os artigos 16.o e 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que proíbe os bancos populares nele estabelecidos de recusarem o reembolso dos instrumentos de fundos próprios, mas que lhes permite adiar por um período de tempo ilimitado o reembolso da participação do sócio exonerado e limitar total ou parcialmente o respetivo montante, desde que os limites desse reembolso decididos no âmbito do exercício dessa faculdade não vão além do necessário, tendo em conta a situação prudencial dos referidos bancos, para assegurar que os instrumentos de fundos próprios que emitem sejam considerados instrumentos de fundos próprios principais de nível 1, tendo em conta, nomeadamente, os elementos mencionados no artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento Delegado n.o 241/2014, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

     

    2)

    Os artigos 63.o e seguintes TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que fixa um limite do ativo para o exercício de atividades bancárias por bancos populares estabelecidos nesse Estado‑Membro e constituídos sob a forma de sociedades cooperativas de responsabilidade limitada por ações, acima do qual esses bancos são obrigados a transformar‑se em sociedades por ações, a reduzir os seus ativos abaixo desse limite ou a proceder à sua liquidação, desde que essa legislação seja adequada para garantir a prossecução desses objetivos e não vá além do necessário para os alcançar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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