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Document 62018CJ0575

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 9 de julho de 2020.
    República Checa contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recursos próprios da União Europeia — Responsabilidade financeira dos Estados‑Membros — Pedido de dispensa de colocação à disposição de recursos próprios — Recurso de anulação — Admissibilidade — Carta da Comissão Europeia — Conceito de “ato impugnável” — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Proteção jurisdicional efetiva — Ação fundada no enriquecimento sem causa da União.
    Processo C-575/18 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:530

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    9 de julho de 2020 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Recursos próprios da União Europeia — Responsabilidade financeira dos Estados‑Membros — Pedido de dispensa de colocação à disposição de recursos próprios — Recurso de anulação — Admissibilidade — Carta da Comissão Europeia — Conceito de “ato impugnável” — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Proteção jurisdicional efetiva — Ação fundada no enriquecimento sem causa da União»

    No processo C‑575/18 P,

    que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 13 de setembro de 2018,

    República Checa, representada por O. Serdula, J. Vláčil e M. Smolek, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    apoiada por:

    Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman, C. S. Schillemans, M. L. Noort, M. H. S. Gijzen e J. Langer, na qualidade de agentes,

    interveniente no presente recurso,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada inicialmente por M. Owsiany‑Hornung e Z. Malůšková e, em seguida, por Z. Malůšková e J.‑P. Keppenne, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, M. Vilaras, P. G. Xuereb, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič, J. Malenovský, L. Bay Larsen, K. Jürimäe (relatora), N. Piçarra e A. Kumin, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 11 de novembro de 2019,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de março de 2020,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a República Checa pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 28 de junho de 2018, República Checa/Comissão (T‑147/15, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2018:395), pelo qual este negou provimento ao recurso em que pedia a anulação da decisão do diretor da Direção «Recursos próprios e programação financeira» da Direção‑Geral do Orçamento da Comissão Europeia, constante da carta com a referência Ares (2015)217973, de 20 de janeiro de 2015 (a seguir «carta controvertida»).

    Quadro jurídico

    Decisões 2000/597/CE, Euratom e 2007/436/CE, Euratom

    2

    No período em que ocorreram os factos na origem do litígio, aplicaram‑se sucessivamente duas decisões relativas ao sistema de recursos próprios da União Europeia, a saber, a Decisão 2000/597/CE, Euratom do Conselho, de 29 de setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2000, L 253, p. 42), e, em seguida, a partir de 1 de janeiro de 2007, a Decisão 2007/436/CE, Euratom do Conselho, de 7 de junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2007, L 163, p. 17).

    3

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Decisão 2000/597, cujo conteúdo foi reproduzido, em substância, no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2007/436, constituem recursos próprios inscritos no orçamento geral da União Europeia as receitas provenientes, designadamente, «[d]os direitos da pauta aduaneira comum e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições [da União] sobre as trocas comerciais com países não membros».

    4

    Os artigos 8.o, n.o 1, primeiro e terceiro parágrafos, das Decisões 2000/597 e 2007/436 preveem, nomeadamente, por um lado, que esses recursos próprios da União são cobrados pelos Estados‑Membros nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais que, se necessário, são adaptadas às exigências da regulamentação da União e, por outro, que os Estados‑Membros devem colocar à disposição da Comissão os referidos recursos.

    Regulamento n.o 1150/2000

    5

    O Regulamento (CE, Euratom) n.o 1150/2000 do Conselho, de 22 de maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 2007/436 (JO 2000, L 130, p. 1), resulta de duas alterações introduzidas, durante o período em que ocorreram os factos na origem do litígio, respetivamente, com efeitos a partir de 28 de novembro de 2004, pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 2028/2004 do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO 2004, L 352, p. 1), e, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2007, pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 105/2009 do Conselho, de 26 de janeiro de 2009 (JO 2009, L 36, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1150/2000»).

    6

    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000, um direito da União sobre os recursos próprios considera‑se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor.

    7

    O artigo 6.o, n.o 1, e n.o 3, alíneas a) e b), deste regulamento prevê:

    «1.   Será mantida pelo Tesouro de cada Estado‑Membro ou pelo organismo designado por cada Estado‑Membro uma contabilidade dos recursos próprios, discriminada segundo a natureza desses recursos.

    […]

    3.   

    a)

    Sem prejuízo do disposto na alínea b) do presente número, os direitos apurados nos termos do artigo 2.o serão lançados na contabilidade o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado;

    b)

    Os direitos apurados e não inscritos na contabilidade referida na alínea a) por ainda não terem sido cobrados, nem ter sido fornecida qualquer caução, serão lançados numa contabilidade separada, no prazo previsto na alínea a). Os Estados‑Membros podem proceder do mesmo modo aos casos em que os direitos apurados e cobertos por garantias sejam objeto de contestação e possam vir a sofrer variações na sequência de eventuais diferendos;»

    8

    O artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento dispõe:

    «Segundo as regras definidas no artigo 10.o, cada Estado‑Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão junto do Tesouro ou do organismo por ele designado.»

    9

    Em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

    «Após dedução das despesas de cobrança nos termos do n.o 3 do artigo 2.o e do n.o 3 do artigo 10.o da Decisão [2007/436], o lançamento dos recursos próprios referidos na alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o dessa decisão é efetuado o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado nos termos do artigo 2.o do presente regulamento.

    Todavia, em relação aos direitos lançados na contabilidade separada, nos termos da alínea b) do n.o 3 do artigo 6.o, o lançamento deve ser efetuado o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês seguinte ao da cobrança dos direitos.»

    10

    Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000, qualquer atraso nos lançamentos na conta referida no n.o 1 do artigo 9.o deste regulamento implicará o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de juros de mora.

    11

    O artigo 17.o, n.os 1 a 4, do referido regulamento enuncia:

    «1.   Os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o sejam colocados à disposição da Comissão nas condições fixadas pelo presente regulamento.

    2.   Os Estados‑Membros serão dispensados de pôr à disposição da Comissão os montantes correspondentes aos direitos apurados que se verifique serem incobráveis:

    a)

    Por razões de força maior; ou

    b)

    Por outras razões que não lhes sejam imputáveis.

    Os montantes de direitos apurados serão declarados incobráveis por decisão da autoridade administrativa competente que verifica a impossibilidade de cobrança.

    Os montantes de direitos apurados serão considerados incobráveis o mais tardar após um período de cinco anos a contar da data em que o montante foi apurado nos termos do artigo 2.o ou, em caso de recurso administrativo ou judicial, da data da decisão definitiva, da sua notificação ou da sua publicação.

    Em caso de pagamento escalonado, o período máximo de cinco anos correrá a partir do último pagamento efetivo, na medida em que este não tenha saldado a dívida.

    Os montantes declarados ou considerados incobráveis serão retirados definitivamente da contabilidade separada referida no n.o 3, alínea b), do artigo 6.o Serão mencionados em anexo ao extrato trimestral referido na alínea b) do n.o 4 do mesmo artigo bem como, se for caso disso, no extrato trimestral referido no n.o 5 desse artigo.

    3.   No prazo de três meses a contar da decisão administrativa a que se refere o n.o 2 ou do termo dos períodos a que se refere o mesmo número, os Estados‑Membros comunicarão à Comissão os elementos de informação relativos aos casos de aplicação do referido n.o 2 na medida em que o montante dos direitos apurados ultrapasse 50000 euros.

    […]

    4.   A Comissão dispõe de seis meses, a contar da receção do relatório previsto no n.o 3, para enviar os seus comentários ao Estado‑Membro em questão.

    […]»

    Antecedentes do litígio e carta controvertida

    12

    Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 9 do despacho recorrido. Para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

    13

    Em 30 de maio de 2008, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) adotou um relatório final relativo a um inquérito respeitante a verificações referentes à importação de isqueiros de pedra, de bolso, provenientes do Laos, no período compreendido entre 2004 e 2007.

    14

    Esse relatório referia que «os elementos de prova da origem chinesa apurados durante a missão de inspeção [eram] suficientes para que os Estados‑Membros [dessem] início a um procedimento administrativo de liquidação fiscal». De acordo com o referido relatório, era necessário que «os Estados‑Membros realiz[ass]em auditorias de acompanhamento e, se necessário, inquéritos sobre os importadores em causa e inici[ass]em, com urgência, um processo de cobrança, se tal ainda não tive[sse] sido feito».

    15

    As conclusões desse mesmo relatório tinham por objeto 28 casos de importação de mercadorias, na República Checa. As estâncias aduaneiras checas competentes tomaram medidas para proceder à liquidação e à cobrança fiscal nesses casos.

    16

    No entanto, não foi possível, em nenhum dos referidos casos, efetuar a liquidação no prazo de três meses a contar da data da notificação da versão checa do relatório do OLAF.

    17

    Entre novembro de 2013 e novembro de 2014, a República Checa registou no sistema de informação WOMIS (Write‑Off Management and Information System), em conformidade com a regulamentação aplicável, os casos de impossibilidade de cobrança do montante dos recursos próprios da União.

    18

    Em julho e dezembro de 2014, a República Checa transmitiu informações complementares à Comissão, a pedido desta última.

    19

    Através da carta controvertida, o diretor da Direção «Recursos próprios e programação financeira» da Direção‑Geral do Orçamento da Comissão informou as autoridades checas de que as condições de dispensa da obrigação de pôr à disposição os recursos próprios da União, previstas no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000, não estavam preenchidas em nenhum desses casos. Convidou as autoridades checas a adotarem as medidas necessárias para que a conta da Comissão fosse creditada no montante de 53976340 coroas checas (CZK) (cerca de 2112708 euros) (a seguir «montante em causa»), o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao décimo nono dia do segundo mês seguinte ao mês em que a referida carta foi enviada. Acrescentou que qualquer atraso implicaria o pagamento de juros, em aplicação do artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000.

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

    20

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de março de 2015, a República Checa interpôs um recurso em que pedia a anulação da decisão alegadamente contida na carta controvertida.

    21

    Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de junho de 2015, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade desse recurso, com o fundamento de que a carta controvertida não constituía uma decisão suscetível de recurso de anulação. A República Checa apresentou observações sobre esta exceção.

    22

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de julho de 2015, a República Eslovaca pediu para intervir em apoio dos pedidos da República Checa.

    23

    Por Decisão de 22 de dezembro de 2015, o Tribunal Geral, após ter recolhido as observações da República Checa e da Comissão, suspendeu a instância nesse processo até à prolação das decisões que puseram termo à instância nos processos que deram origem aos Acórdãos de 25 de outubro de 2017, Eslováquia/Comissão (C‑593/15 P e C‑594/15 P, EU:C:2017:800) e Roménia/Comissão (C‑599/15 P, EU:C:2017:801). O processo foi retomado na sequência da prolação desses acórdãos, tendo a República Checa e a Comissão sido convidadas a pronunciar‑se sobre as consequências a retirar dos mesmos.

    24

    Com o despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e, por conseguinte, julgou inadmissível o recurso da República Checa, na medida em que este foi interposto contra um ato que não era suscetível de ser objeto de um recurso de anulação, sem decidir o pedido de intervenção da República Eslovaca.

    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes no presente recurso

    25

    A República Checa conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o despacho recorrido;

    julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão;

    remeter o processo ao Tribunal Geral para decisão sobre o mérito do recurso em primeira instância;

    condenar a Comissão nas despesas.

    26

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao presente recurso;

    condenar a República Checa nas despesas.

    27

    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2019, o Reino dos Países Baixos foi autorizado a intervir em apoio dos pedidos da República Checa.

    28

    No seu articulado de intervenção, o Reino dos Países Baixos conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    dar provimento ao recurso;

    condenar a Comissão nas despesas.

    Quanto ao presente recurso

    Argumentos das partes

    29

    A República Checa suscita um único fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 263.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    30

    Com esse fundamento, a República Checa alega, em substância, que, contrariamente ao que o Tribunal Geral dá a entender nos n.os 81 e seguintes do despacho recorrido, não dispõe de nenhuma via de recurso efetiva que lhe permita obter uma fiscalização jurisdicional da posição adotada pela Comissão no diferendo que a opõe a esta instituição quanto à existência de uma obrigação que, segundo a Comissão, lhe incumbe de pôr à disposição desta última o montante em causa. Nestas condições, o Tribunal Geral deveria ter julgado admissível o recurso em primeira instância, para lhe garantir uma proteção jurisdicional efetiva.

    31

    A este respeito, a República Checa sublinha que, quando a Comissão convida um Estado‑Membro a pôr à sua disposição um montante de recursos próprios da União através de uma carta como a carta controvertida, este Estado‑Membro está, de facto, obrigado a pagar no prazo fixado o montante exigido, sem prejuízo das reservas que formula contra a tese defendida pela Comissão. Com efeito, ao recusar pôr esse montante à disposição desta instituição, o referido Estado‑Membro correria o risco de, além do montante principal, ter de pagar juros de mora, na hipótese de, na sequência da propositura de uma ação por incumprimento pela Comissão, o Tribunal de Justiça declarar um incumprimento da obrigação de colocação à disposição. O montante desses juros depende, na prática, do prazo em que a Comissão proponha essa ação e da duração do processo por incumprimento. Esse montante poderia assim ser muito elevado, constituindo, para o Estado‑Membro em causa, despesas processuais excessivas.

    32

    Ora, segundo a República Checa, em primeiro lugar, um Estado‑Membro não tem qualquer certeza de que o diferendo que o opõe à Comissão seja examinado pelo Tribunal de Justiça quanto ao mérito, tendo em conta o poder discricionário que é atribuído à Comissão para intentar uma ação por incumprimento e a inexistência de qualquer requisito de prazo para esse efeito. Na medida em que o acesso ao tribunal depende, por conseguinte, da «boa vontade» da Comissão, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva não está garantido.

    33

    A República Checa considera que só assim não seria se a Comissão estivesse obrigada a intentar uma ação por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa na hipótese de este último ter colocado à disposição da Comissão um montante de recursos próprios da União, embora acompanhando esse pagamento de reservas quanto ao mérito da obrigação de pagamento.

    34

    Todavia, no estado atual, essa obrigação de intentar uma ação por incumprimento em tal hipótese não resulta da jurisprudência da União. Esta jurisprudência carece, aliás, de precisão quanto às condições e aos efeitos dessa colocação à disposição com reservas, o que gera um estado de insegurança jurídica e compromete o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

    35

    Além disso, a prática atual da Comissão revela que esta instituição não se considera obrigada a intentar uma ação por incumprimento em caso de colocação à disposição de um montante de recursos próprios da União com reservas.

    36

    Pelo contrário, a Comissão considera que, nesse caso, já não há incumprimento, na aceção do artigo 258.o TFUE.

    37

    Daqui resulta que um Estado‑Membro só tem acesso ao tribunal da União, no âmbito de uma ação por incumprimento, se recusar pôr à disposição da Comissão o montante pedido e, por conseguinte, correr o risco de ter de pagar juros de mora muito elevados em caso de declaração do incumprimento.

    38

    Em segundo lugar, a República Checa considera que as insuficiências da sua proteção jurisdicional constituem um elemento do «contexto factual e jurídico» da emissão da carta controvertida, que é um critério pertinente para apreciar o caráter impugnável dessa carta. Ora, tendo em conta este contexto, há que adotar uma interpretação dos conceitos de «efeitos jurídicos obrigatórios» e de «ato impugnável» diferente da adotada pelo Tribunal Geral no despacho recorrido, para garantir o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

    39

    Tanto mais assim seria se, apesar das diligências efetuadas pela República Checa, a Comissão persistisse em recusar‑se a intentar uma ação por incumprimento. A República Checa sublinha, a este respeito, que, em 17 de março de 2015, colocou à disposição da Comissão o montante em causa, embora formulando reservas quanto ao fundamento das teses desta instituição. Além disso, por carta de 30 de agosto de 2018, que ficou sem resposta, este Estado‑Membro reiterou à referida instituição as suas reservas quanto à sua obrigação de pôr esse montante à disposição e pediu que esta lhe restituísse o referido montante ou intentasse uma ação por incumprimento.

    40

    Na audiência de alegações, em primeiro lugar, a República Checa acrescentou que a carta controvertida era suscetível de produzir efeitos jurídicos, uma vez que fixava um prazo para a colocação à disposição do montante em causa, sob pena de pagamento de juros de mora. Ora, o início deste prazo difere do fixado no artigo 10.o do Regulamento n.o 1150/2000.

    41

    Em segundo lugar, a República Checa acrescentou que uma ação de indemnização por enriquecimento sem causa da União também não lhe garante uma proteção jurisdicional efetiva, tendo em conta as estritas condições que enquadram essa via processual.

    42

    O Reino dos Países Baixos considera que o Tribunal Geral errou ao considerar que a carta controvertida constituía um «simples parecer jurídico» ou um «simples convite para pôr à disposição» o montante em causa. Com efeito, esta carta destinava‑se a produzir efeitos jurídicos, na medida em que impôs novas obrigações à República Checa ao fixar, de forma autónoma, uma data a partir da qual são devidos juros de mora.

    43

    Além disso, um recurso em que se pede a anulação desse ato pode coexistir com uma ação por incumprimento. A inexistência de uma via de recurso, fundada no artigo 263.o TFUE, contra atos como a carta controvertida constitui uma «lacuna» na proteção jurisdicional dos Estados‑Membros.

    44

    Na audiência de alegações, o Reino dos Países Baixos acrescentou que duas soluções permitiriam colmatar essa lacuna. Uma primeira solução consistiria em considerar que, quando um Estado‑Membro põe à disposição da Comissão um montante de recursos próprios da União, emitindo reservas quanto à sua obrigação de proceder deste modo, esta instituição está obrigada a intentar uma ação por incumprimento contra esse Estado‑Membro. Tal obrigação pode basear‑se nos princípios da proteção jurisdicional efetiva e da cooperação leal. Uma segunda solução consistiria em permitir aos Estados‑Membros intentar, no Tribunal Geral, uma ação fundada no enriquecimento sem causa da União. O Reino dos Países Baixos assinalou a sua preferência pela primeira, tendo duvidado da oportunidade da segunda.

    45

    A Comissão contesta o mérito do fundamento único suscitado pela República Checa.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    46

    A título preliminar, importa recordar que resulta de jurisprudência constante que são considerados «atos impugnáveis», na aceção do artigo 263.o TFUE, todas as disposições adotadas pelas instituições, qualquer que seja a sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos obrigatórios (Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 31 e jurisprudência referida).

    47

    Para determinar se o ato impugnado produz esses efeitos, importa atender à substância desse ato e apreciar esses efeitos em função de critérios objetivos, tais como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da adoção deste último, bem como os poderes da instituição que dele é autora (Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 32 e jurisprudência referida).

    48

    No caso em apreço, o Tribunal Geral recordou esta jurisprudência nos n.os 31 e 35 do despacho recorrido. Em aplicação da referida jurisprudência, decidiu, no n.o 64 desse despacho, que a carta controvertida não era suscetível de produzir efeitos jurídicos. Chegou a esta conclusão na sequência, por um lado, de uma análise, desenvolvida nos n.os 36 a 56 do referido despacho, relativa ao contexto da emissão da referida carta e aos poderes que são atribuídos à Comissão em matéria de recursos próprios da União, tendo em conta, designadamente, as disposições conjugadas do artigo 8.o, n.o 1, da Decisão 2007/436 e do artigo 2.o, n.o 1, do artigo 9.o, n.o 1, e do artigo 17.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 1150/2000, e, por outro, de um exame, efetuado nos n.os 57 a 63 do mesmo despacho, do conteúdo da referida carta.

    49

    No âmbito do único fundamento do seu recurso, a República Checa não contesta a interpretação, pelo Tribunal Geral, das disposições conjugadas da Decisão 2007/436 e do Regulamento n.o 1150/2000 nem a análise do conteúdo da carta controvertida e do contexto da sua emissão.

    50

    A República Checa considera, no entanto, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao julgar inadmissível o seu recurso de anulação quando, contrariamente ao que o Tribunal Geral dá a entender nos n.os 81 e seguintes do despacho recorrido, não dispõe de nenhuma outra via processual que lhe permita obter uma fiscalização jurisdicional da posição adotada pela Comissão no diferendo que a opõe a esta instituição a respeito da colocação à disposição desta última do montante em causa. Segundo a República Checa, as insuficiências da sua proteção jurisdicional constituem um elemento contextual que deveria ter sido tomado em consideração no âmbito da apreciação do caráter impugnável da carta controvertida.

    51

    Nos referidos números do despacho recorrido, o Tribunal Geral rejeitou os argumentos que lhe foram apresentados pela República Checa, relativos ao seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva. Por um lado, no n.o 81 desse despacho, recordou, em substância, que uma interpretação, à luz do artigo 47.o da Carta, do requisito relativo à produção de efeitos jurídicos obrigatórios pelo ato impugnado não pode levar a que se afaste esse requisito. Por outro lado, nos n.os 82 a 86 do referido despacho, o Tribunal Geral indicou que era permitido à República Checa tanto não dar seguimento à carta controvertida, enquanto se aguardava a eventual propositura, pela Comissão, de uma ação por incumprimento, como proceder à colocação à disposição do montante em causa, embora formulando reservas quanto ao mérito da tese defendida pela Comissão.

    52

    A este respeito, há que notar, em primeiro lugar, que foi com razão que o Tribunal Geral recordou, no n.o 81 do despacho recorrido, que, segundo as Anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 2) e a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora o requisito dos efeitos jurídicos obrigatórios deva ser interpretado à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, conforme garantido pelo artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, este direito não tem por objeto alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, designadamente as regras relativas à admissibilidade dos recursos interpostos diretamente perante os órgãos jurisdicionais da União. Por conseguinte, a interpretação do conceito de «ato impugnável» à luz deste artigo 47.o não pode levar a que se afaste esse requisito sem exceder as competências atribuídas pelo Tratado FUE aos tribunais da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Eslováquia/Comissão, C‑593/15 P e C‑594/15 P, EU:C:2017:800, n.o 66 e jurisprudência referida).

    53

    Ora, assim aconteceria, precisamente, se fosse permitido a um Estado‑Membro interpor um recurso de anulação contra uma carta que não constitui um ato impugnável, na aceção da jurisprudência referida nos n.os 46 e 47 do presente acórdão, na medida em que, tendo em conta o seu conteúdo, o contexto da sua emissão e os poderes da instituição de que provém, não é suscetível de produzir efeitos jurídicos obrigatórios, como afirmou o Tribunal Geral nos n.os 36 a 64 do despacho recorrido, sem que estes elementos de análise sejam postos em causa pela República Checa na petição de recurso.

    54

    Quando muito, na audiência de alegações, a República Checa alegou, à semelhança do Reino dos Países Baixos no seu articulado de intervenção, que a carta controvertida era suscetível de produzir efeitos jurídicos uma vez que fixava um prazo para a colocação à disposição do montante em causa, sob pena de pagamento de juros de mora. Todavia, dada a sua natureza, a indicação desse prazo pela Comissão não é suscetível de produzir efeitos jurídicos. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que é por força do artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000 que o atraso no lançamento na conta prevista no artigo 9.o, n.o 1, desse regulamento implica o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de juros de mora relativamente a todo o período de atraso, independentemente do motivo da mora e do prazo fixado pela Comissão para a colocação à disposição dos recursos próprios da União (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2010, Comissão/Alemanha, C‑442/08, EU:C:2010:390, n.os 93 e 95, e de 17 de março de 2011, Comissão/Portugal, C‑23/10, não publicado, EU:C:2011:160, n.o 62).

    55

    Além disso, os argumentos da República Checa, segundo os quais há que julgar admissível o seu recurso de anulação, contrariam as características do sistema de recursos próprios da União.

    56

    A este respeito, há que recordar que resulta do artigo 8.o, n.o 1, das Decisões 2000/597 e 2007/436 que os recursos próprios da União a que se referem, respetivamente, o artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Decisão 2000/597 e o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2007/436 são cobrados pelos Estados‑Membros e que estes têm a obrigação de pôr esses recursos à disposição da Comissão (Acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Itália, C‑334/08, EU:C:2010:414, n.o 34).

    57

    Para esse efeito, os Estados‑Membros estão obrigados, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000, a apurar um direito da União sobre os recursos próprios assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira «no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor». Por conseguinte, os Estados‑Membros estão obrigados a lançar os direitos apurados nos termos do artigo 2.o desse regulamento na contabilidade dos recursos próprios da União, nas condições previstas no artigo 6.o do referido regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Comissão/Alemanha, C‑442/08, EU:C:2010:390, n.o 76 e jurisprudência referida). A este respeito, importa precisar que, por força do artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do mesmo regulamento, um direito apurado que ainda não foi cobrado e em relação ao qual não foi prestada qualquer caução é lançado numa contabilidade separada [v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2019, Comissão/Itália (Recursos próprios — Cobrança de uma dívida aduaneira), C‑304/18, não publicado, EU:C:2019:601, n.o 52].

    58

    Os Estados‑Membros devem, em seguida, pôr os recursos próprios da União à disposição da Comissão nas condições fixadas nos artigos 9.o a 11.o do Regulamento n.o 1150/2000, inscrevendo‑os, nos prazos previstos, a crédito da conta aberta para o efeito em nome dessa instituição. Em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, desse regulamento, qualquer atraso no lançamento nesta conta implicará o pagamento, pelo Estado‑Membro em causa, de juros de mora.

    59

    Existe, por conseguinte, um nexo indissociável entre a obrigação de apurar os recursos próprios da União, a de os inscrever na conta da Comissão nos prazos fixados e a de pagar juros de mora (v., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 1986, Comissão/Alemanha, 303/84, EU:C:1986:140, n.o 11), sendo estes últimos exigíveis seja qual for a razão do atraso na inscrição desses recursos na conta da Comissão (Acórdão de 1 de julho de 2010, Comissão/Alemanha, C‑442/08, EU:C:2010:390, n.o 93).

    60

    Além disso, nos termos do artigo 17.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1150/2000, os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o deste regulamento sejam colocados à disposição da Comissão. Os Estados‑Membros só serão dispensados se a cobrança não tiver podido ser efetuada por razões de força maior ou quando se verifique que é definitivamente impossível proceder à cobrança por razões que lhes não podem ser imputadas. Os montantes declarados ou considerados incobráveis serão retirados definitivamente da contabilidade separada mencionada no artigo 6.o, n.o 3, alínea b), do referido regulamento.

    61

    Neste contexto, resulta do artigo 17.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1150/2000 que os Estados‑Membros devem comunicar à Comissão os elementos de informação relativos aos casos de aplicação do n.o 2 deste artigo, na medida em que o montante dos direitos apurados ultrapasse 50000 euros. A Comissão dispõe então de seis meses, a contar da receção deste relatório, para enviar os seus comentários ao Estado‑Membro em questão. Como o Tribunal Geral decidiu com razão nos n.os 46 a 50 do despacho recorrido, sem que isso seja contestado no presente recurso, esses comentários não têm nenhum valor vinculativo e devem ser considerados um simples parecer expresso pela Comissão.

    62

    Decorre do que precede que, no estado atual do direito da União, a gestão do sistema de recursos próprios da União está confiada aos Estados‑Membros e é da exclusiva responsabilidade destes últimos. Assim, as obrigações de cobrança, de apuramento e de lançamento na conta desses recursos próprios impõem‑se diretamente aos Estados‑Membros por força do disposto nas Decisões 2000/597 e 2007/436 e no Regulamento n.o 1150/2000, sem que à Comissão seja atribuído um poder decisório que lhe permita obrigar os Estados‑Membros a apurar e pôr à sua disposição montantes relativos a recursos próprios da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Eslováquia/Comissão, C‑593/15 P e C‑594/15 P, EU:C:2017:800, n.o 64).

    63

    A este respeito, há que sublinhar que o legislador da União optou por não dar seguimento a uma proposta emitida pela Comissão no ponto 13.3 da sua proposta de regulamento do Conselho que altera o Regulamento n.o 1150/2000, apresentada em 1 de julho de 2003 [COM(2003) 366 final], que previa atribuir à Comissão competência para adotar uma decisão fundamentada sempre que esta considerasse que as condições previstas no artigo 17.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1150/2000 não tinham sido preenchidas.

    64

    Nestas condições, a interposição do recurso de anulação, sugerida pela República Checa, contra uma carta, como a carta controvertida, para efeitos de fiscalização do mérito da obrigação de este Estado‑Membro pôr à disposição da Comissão o montante em causa, equivaleria a infringir o sistema de recursos próprios da União, conforme previsto nas regras do direito da União. Ora, não cabe ao Tribunal de Justiça alterar a escolha efetuada, a este respeito, pelo legislador da União.

    65

    No que respeita, em segundo lugar, às considerações expostas pelo Tribunal Geral nos n.os 82 a 86 do despacho recorrido, importa notar que, em conformidade com o papel de guardiã dos Tratados atribuído à Comissão nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TUE, incumbe a esta instituição velar pela boa execução, pelos Estados‑Membros, das respetivas obrigações em matéria de recursos próprios da União.

    66

    Para o cumprimento dessa missão, a Comissão dispõe de um poder discricionário para apreciar a oportunidade de dar início ao processo previsto no artigo 258.o TFUE, quando considere que um Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 1995, Richardson, C‑137/94, EU:C:1995:342, n.o 35, e de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Alemanha, C‑456/05, EU:C:2007:755, n.o 25).

    67

    A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu, designadamente, que um Estado‑Membro que não proceda ao apuramento do direito da União sobre os recursos próprios e que não ponha o montante correspondente à disposição da Comissão, sem que se verifique uma das condições previstas no artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1150/2000, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União, designadamente as decorrentes dos artigos 2.o e 8.o das Decisões 2000/597 e 2007/436 (v, neste sentido, Acórdãos de 15 de novembro de 2005, Comissão/Dinamarca, C‑392/02, EU:C:2005:683, n.o 68; de 18 de outubro de 2007, Comissão/Dinamarca, C‑19/05, EU:C:2007:606, n.o 32; e de 3 de abril de 2014, Comissão/Reino Unido, C‑60/13, não publicado, EU:C:2014:219, n.o 50).

    68

    Daqui resulta que a faculdade de a Comissão submeter à apreciação do Tribunal de Justiça, no âmbito de uma ação por incumprimento, um diferendo que a opõe a um Estado‑Membro quanto à obrigação de este pôr um determinado montante de recursos próprios da União à disposição da referida instituição é inerente ao sistema destes recursos próprios, conforme atualmente concebido no direito da União.

    69

    É certo que, como alegou a República Checa, o Estado‑Membro que, não partilhando da posição da Comissão quanto à sua obrigação de pôr um montante de recursos próprios da União à disposição desta instituição, não proceda a essa disponibilização, se expõe a juros de mora em caso de verificação, pelo Tribunal de Justiça, de um incumprimento das suas obrigações decorrentes da regulamentação em matéria de recursos próprios da União.

    70

    Todavia, a este respeito, importa notar, em primeiro lugar, que, como resulta em substância dos n.os 58 e 59 do presente acórdão, a obrigação de pagar juros de mora, em aplicação do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 150/2000, é acessória relativamente à obrigação de pôr à disposição da Comissão os recursos próprios da União nas condições fixadas nos artigos 9.o a 11.o deste regulamento, em especial nos prazos fixados pelo referido regulamento.

    71

    Por conseguinte, a República Checa errou ao equiparar, na audiência de alegações, os juros de mora de que um Estado‑Membro pode ser devedor no âmbito do sistema de recursos próprios da União a despesas processuais que, em seu entender, são suscetíveis de constituir um entrave ao acesso à justiça.

    72

    Em segundo lugar, como recordou com razão o Tribunal Geral no n.o 84 do despacho recorrido, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro pode evitar as consequências financeiras prejudiciais constituídas pelos juros de mora, cujo montante pode ser elevado, pondo à disposição da Comissão o montante exigido por esta, embora formulando reservas quanto ao fundamento das teses da mesma instituição (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 1991, Comissão/Países Baixos, C‑96/89, EU:C:1991:213, n.o 17, e de 12 de setembro de 2000, Comissão/Reino Unido, C‑359/97, EU:C:2000:426, n.o 31).

    73

    No caso de colocação à disposição com essas reservas, incumbe à Comissão, em conformidade com o princípio da cooperação leal, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, TUE, encetar com o Estado‑Membro em causa um diálogo construtivo para clarificar as respetivas posições e determinar as obrigações que incumbem a este Estado‑Membro.

    74

    Em caso de insucesso desse diálogo entre o referido Estado‑Membro e a Comissão, esta instituição, contrariamente ao que alega no âmbito do presente processo, tem a possibilidade de intentar uma ação por incumprimento contra esse mesmo Estado‑Membro a respeito das suas obrigações de cobrança, de apuramento e de colocação à disposição dos recursos próprios da União.

    75

    Com efeito, como referiu a advogada‑geral no n.o 98 das suas conclusões, o facto de acompanhar de reservas a colocação à disposição de recursos próprios da União justifica a declaração de um incumprimento caso se revele que o Estado‑Membro em causa estava efetivamente obrigado a proceder a semelhante colocação à disposição.

    76

    Aliás, o Tribunal de Justiça já examinou uma ação por incumprimento intentada pela Comissão num processo em que o Estado‑Membro demandado tinha procedido à colocação à disposição, com reservas, de recursos próprios da União (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Comissão/Alemanha, C‑442/08, EU:C:2010:390, n.o 51).

    77

    No entanto, contrariamente à posição defendida pela República Checa, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, quando um Estado‑Membro efetua uma colocação à disposição com reservas, a Comissão não pode, por esse motivo, ser obrigada a intentar uma ação por incumprimento contra esse Estado‑Membro.

    78

    Com efeito, essa obrigação seria contrária à economia do artigo 258.o TFUE, da qual resulta que a Comissão não está obrigada a instaurar uma ação por incumprimento, dispondo, pelo contrário, de um poder discricionário a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 1989, Star Fruit/Comissão, 247/87, EU:C:1989:58, n.o 11).

    79

    Assim, um Estado‑Membro não pode exigir que a colocação à disposição, com reservas, de um montante de recursos próprios da União se faça na condição de a Comissão se obrigar a intentar uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Despacho de 21 de junho de 2007, Finlândia/Comissão, C‑163/06 P, EU:C:2007:371, n.o 44).

    80

    Daqui resulta que, em razão do poder discricionário atribuído à Comissão, a via da ação por incumprimento não oferece nenhuma garantia ao Estado‑Membro em causa de que o diferendo que o opõe a esta instituição, a respeito da colocação à disposição de recursos próprios da União, seja decidido por um juiz.

    81

    Nestas condições, importa acrescentar que, quando um Estado‑Membro tenha colocado à disposição da Comissão um montante de recursos próprios da União formulando reservas a respeito do mérito da posição desta instituição e o processo de diálogo a que se refere o n.o 73 do presente acórdão não tenha permitido pôr termo ao diferendo entre esse Estado‑Membro e a referida instituição, o mesmo Estado‑Membro pode pedir uma indemnização em razão de um enriquecimento sem causa da União e, se for caso disso, intentar uma ação no Tribunal Geral para esse efeito.

    82

    A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça decidiu que, segundo os princípios comuns aos direitos dos Estados‑Membros, a pessoa que tenha sofrido uma perda que beneficie o património de outrem sem que exista qualquer fundamento jurídico para esse enriquecimento tem, regra geral, direito à restituição, até ao montante da perda, por parte da pessoa enriquecida. Com efeito, embora o Tratado FUE não preveja expressamente uma via de recurso destinada a esse tipo de ação, uma interpretação do artigo 268.o TFUE e do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE que exclua essa possibilidade conduziria a um resultado contrário ao princípio da proteção jurisdicional efetiva. A ação baseada no enriquecimento sem causa da União, intentada ao abrigo desses artigos, exige a prova de um enriquecimento do demandado sem base legal válida e de um empobrecimento do demandante ligado ao referido enriquecimento [v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.os 44 e 46 a 50].

    83

    No âmbito do exame dessa ação, cabe ao Tribunal Geral apreciar, designadamente, se o empobrecimento do Estado‑Membro demandante, que corresponde à colocação à disposição da Comissão de um montante de recursos próprios da União que este Estado‑Membro contesta, e o correlativo enriquecimento dessa instituição encontram a sua justificação nas obrigações que se impõem ao referido Estado‑Membro por força do direito da União em matéria de recursos próprios da União ou se, pelo contrário, não têm essa justificação.

    84

    Por conseguinte, a República Checa, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, errou ao alegar que um Estado‑Membro fica desprovido de qualquer proteção jurisdicional efetiva em caso de desacordo com a Comissão quanto às suas obrigações em matéria de recursos próprios da União.

    85

    Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que julgar improcedente o fundamento único suscitado pela República Checa e, consequentemente, negar provimento ao presente recurso na íntegra.

    Quanto às despesas

    86

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    87

    Tendo a Comissão pedido a condenação da República Checa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

    88

    O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, igualmente aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, prevê que os Estados‑Membros e as instituições da União que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

    89

    Por conseguinte, o Reino dos Países Baixos suportará as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A República Checa suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

     

    3)

    O Reino dos Países Baixos suporta as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: checo.

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