Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62018CJ0569

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção) de 17 de outubro de 2019.
    Caseificio Cirigliana Srl e o. contra Ministero delle Politiche agricole, alimentari e forestali e o.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
    Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Artigo 4.o, alínea c), e artigo 7.o, n.o 1, alínea e) — Regimes de qualidade aplicáveis aos produtos agrícolas e aos géneros alimentícios — Concorrência leal — Mozzarella di bufala Campana DOP — Obrigação de separação dos espaços de produção de “Mozzarella di bufala Campana DOP”.
    Processo C-569/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:873

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

    17 de outubro de 2019 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Artigo 4.o, alínea c), e artigo 7.o, n.o 1, alínea e) — Regimes de qualidade aplicáveis aos produtos agrícolas e aos géneros alimentícios — Concorrência leal — Mozzarella di bufala Campana DOP — Obrigação de separação dos espaços de produção de “Mozzarella di bufala Campana DOP”»

    No processo C‑569/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 12 de julho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2018, no processo

    Caseificio Cirigliana Srl,

    Mail Srl,

    Sorì Italia Srl

    contra

    Ministero delle Politiche agricole, alimentari e forestali,

    Presidenza del Consiglio dei Ministri,

    Ministero della Salute,

    sendo interveniente:

    Consorzio di Tutela del Formaggio Mozzarella di Bufala Campana,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

    composto por: S. Rodin (relator), presidente de secção, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

    advogado‑geral: E. Tanchev,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Peluso e S. Fiorentino, avvocati dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por D. Bianchi e I. Naglis, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto os artigos 3.o, 26.o, 32.o, 40.o e 41.o TFUE e os artigos 1.o, 3.o a 5.o e 7.o do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Caseificio Cirigliana Srl, a Mail Srl e a Sorì Italia Srl (a seguir, em conjunto, «Caseificio Cirigliana e o.») ao Ministero delle Politiche agricole, alimentari e forestali (Ministério das Políticas Agrícolas, Alimentares e Florestais, Itália), à Presidenza del Consiglio dei Ministri (Presidência do Conselho de Ministros, Itália) e ao Ministero della Salute (Ministério da Saúde, Itália) num processo de revogação de um acórdão do Tribunale amministrativo regionale del Lazio, sede di Roma (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, sede de Roma, Itália), de 19 de novembro de 2015, relativo ao decreto ministeriale n. 76262 — Modalità per l’attuazione delle disposizioni di cui all’articolo 4 del decreto‑legge 24 giugno 2014, n. 91, recante: «Misure per la sicurezza alimentare e la produzione della Mozzarella di bufala Campana DOP» (Decreto Ministerial n.o 76262, que aprova as regras de execução do artigo 4.o do Decreto‑Lei n.o 91, de 24 de junho de 2014: «Medidas relativas à segurança alimentar e à produção de “Mozzarella di bufala Campana DOP”»), de 9 de setembro de 2014 (GURI n.o 219, de 20 de setembro de 2014, p. 8) (a seguir «Decreto Ministerial n.o 76262/2014»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O considerando 47 do Regulamento n.o 1151/2012 enuncia:

    «A fim de garantir ao consumidor as características específicas das indicações geográficas e das especialidades tradicionais garantidas, é conveniente que os operadores estejam sujeitos a um regime que verifique o respeito do caderno de especificações.»

    4

    O artigo 1.o deste regulamento tem a seguinte redação:

    «O presente regulamento destina‑se a ajudar os produtores de produtos agrícolas e de géneros alimentícios a comunicar aos compradores e consumidores as características e os atributos ligados ao modo de obtenção desses produtos e géneros alimentícios, garantindo assim:

    a)

    Condições de concorrência leal para os agricultores e produtores de produtos agrícolas e de géneros alimentícios com características e atributos que ofereçam uma mais‑valia;

    […]»

    5

    O artigo 4.o do referido regulamento enuncia:

    «É estabelecido um regime de denominações de origem protegidas e indicações geográficas protegidas, a fim de ajudar os produtores de produtos ligados a uma área geográfica, mediante:

    a)

    A garantia de uma remuneração justa que corresponda às qualidades dos seus produtos;

    b)

    A garantia de uma proteção uniforme das denominações como direito de propriedade intelectual no território da União;

    c)

    A comunicação aos consumidores de informações claras sobre os atributos do produto que lhe conferem uma mais‑valia.»

    6

    O artigo 7.o do Regulamento n.o 1151/2012, intitulado «Caderno de especificações do produto», dispõe:

    «1.   Uma denominação de origem protegida ou uma indicação geográfica protegida deve respeitar um caderno de especificações que inclua, pelo menos:

    a)

    A denominação a proteger como denominação de origem ou indicação geográfica, tal como é utilizada no comércio ou na linguagem comum, e apenas nas línguas que são ou foram historicamente utilizadas para descrever o produto em causa na área geográfica delimitada;

    b)

    A descrição do produto, incluindo as matérias‑primas, se for caso disso, assim como as suas principais características físicas, químicas, microbiológicas ou organoléticas;

    c)

    A definição da área geográfica delimitada, no que respeita à relação mencionada na alínea f), subalíneas i) ou ii), do presente número, e, se for caso disso, os elementos que indiquem a observância dos requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 3;

    d)

    As provas de que o produto é originário da área geográfica delimitada referida no artigo 5.o, n.os 1 ou 2;

    e)

    A descrição do método de obtenção do produto e, se for caso disso, dos métodos locais, autênticos e constantes, bem como informações relativas ao acondicionamento, se o agrupamento requerente considerar e justificar, apresentando motivos suficientes especificamente relacionados com o produto, que o acondicionamento deve ser realizado na área geográfica delimitada a fim de salvaguardar a qualidade, garantir a origem ou assegurar o controlo, tendo em conta o direito da União, em especial no domínio da livre circulação de mercadorias e da livre prestação de serviços;

    f)

    Os elementos que estabelecem:

    i)

    a relação entre a qualidade ou as características do produto e o meio geográfico a que se refere o artigo 5.o, n.o 1, ou

    ii)

    se for o caso, a relação entre determinada qualidade, a reputação ou outra característica do produto e a origem geográfica a que se refere o artigo 5.o, n.o 2;

    g)

    O nome e o endereço das autoridades ou, se disponível, o nome e o endereço dos organismos que verificam o respeito das disposições do caderno de especificações nos termos do artigo 37.o, bem como as suas missões específicas;

    h)

    As eventuais regras específicas de rotulagem do produto em questão.

    2.   A fim de assegurar que o caderno de especificações faculte informações pertinentes e sucintas, a Comissão fica habilitada a adotar, nos termos do artigo 56.o, atos delegados que estabeleçam regras no sentido de limitar as informações contidas no caderno de especificações referido no n.o 1 do presente artigo, caso essa limitação se torne necessária para evitar que os pedidos de registo sejam demasiado volumosos.

    A Comissão pode adotar atos de execução que estabeleçam regras sobre a forma do caderno de especificações. Os referidos atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 57.o, n.o 2.»

    7

    Em 25 de abril de 2007, foi publicado um pedido de alteração do caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP» (JO 2007, C 90, p. 5). Essa alteração foi aprovada pelo Regulamento (CE) n.o 103/2008 da Comissão, de 4 de fevereiro de 2008, que aprova alterações não menores ao caderno de especificações de uma denominação inscrita no Registo das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas — Mozzarella di Bufala Campana (DOP) (JO 2008, L 31, p. 31) (a seguir «caderno de especificações do produto “Mozzarella di bufala Campana DOP”»).

    8

    Em conformidade com os pontos 4.4 e 4.5 do caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP»:

    «4.4. Prova de origem: Cada fase do processo de produção será controlada, mediante o registo, em cada uma delas, dos produtos na entrada e na saída. A rastreabilidade do produto (de jusante a montante da cadeia de produção) é garantida desta forma e mediante a inscrição dos criadores de animais, dos produtores e dos acondicionadores, em listas especiais, geridas pelo organismo de controlo. A própria matéria‑prima é objeto de um controlo rigoroso efetuado pelo organismo responsável em todas as fases de produção. Todas as pessoas, singulares ou coletivas, inscritas nas listas pertinentes são submetidas a controlo pelo organismo de controlo, nos termos do disposto no caderno de especificações e no plano de controlo correspondente. Sempre que o organismo de controlo estabeleça a não conformidade do produto, mesmo que apenas numa das fases da cadeia de produção, esse produto não poderá ser comercializado com a denominação de origem protegida “Mozzarella di bufala Campana”.

    4.5. Método de obtenção: O caderno de especificações prevê, nomeadamente, que o “Mozzarella di bufala Campana” seja produzido exclusivamente com leite de búfala gordo e fresco. Na produção está prevista a utilização de leite cru, eventualmente sujeito a tratamento térmico ou pasteurizado, proveniente de búfalas criadas na zona de produção delimitada no artigo 2.o do caderno de especificações.

    […]»

    Direito italiano

    9

    O artigo 4.o, n.os 1 e 3, do Decreto‑Lei n.o 91, de 24 de junho de 2014 (GURI n.o 144, de 24 de junho de 2014), convertido e alterado pela Lei n.o 116, de 11 de agosto de 2014 (suplemento ordinário ao GURI n.o 192, de 20 de agosto de 2014) (a seguir «Decreto‑Lei n.o 91/2014»), passa a ter a seguinte redação:

    «1.   A produção de “Mozzarella di bufala Campana DOP”, registado como denominação de origem protegida (DOP) ao abrigo do [Regulamento (CE) n.o 1107/96 da Comissão, de 12 de junho de 1996, relativo ao registo das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento previsto no artigo 17.o do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho (JO 1996, L 148, p. 1)], deve realizar‑se num espaço onde seja transformado exclusivamente leite proveniente de explorações pecuárias abrangidas pelo regime de controlo da DOP “Mozzarella di bufala Campana”. Podem também ser produzidos nesse espaço produtos semiacabados e outros produtos, desde que sejam fabricados exclusivamente com leite proveniente de explorações abrangidas pelo regime de controlo da DOP “Mozzarella di bufala Campana”. Os produtos que envolvam também ou exclusivamente a utilização de leite obtido em explorações não abrangidas pelo regime de controlo da DOP “Mozzarella di bufala Campana” devem ser produzidos num espaço diferente, em conformidade com o disposto no decreto previsto no n.o 3.

    […]

    3.   Por decreto do Ministério das Políticas Agrícolas, Alimentares e Florestais, adotado em conjunto com o Ministério da Saúde no prazo de 30 dias a contar da data de entrada em vigor do presente decreto, são definidas as normas de execução das disposições previstas no n.o 1, terceiro parágrafo, e do n.o 2, que dispõem que a separação espacial dos produtos prevista no n.o 1, último parágrafo, deve impedir qualquer contacto, mesmo acidental, entre o leite proveniente de explorações pecuárias abrangidas pelo regime de controlo do “Mozzarella di bufala Campana DOP” e outros leites e ainda entre o “Mozzarella di bufala Campana DOP” e os produtos obtidos a partir de outros leites durante todas as fases de produção e acondicionamento.»

    10

    O artigo 1.o, n.o 1, do Decreto Ministerial n.o 76262/2014 dispõe:

    «Na aplicação do artigo 4.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Decreto‑Lei n.o 91/2014 […], os produtos que envolvam também ou exclusivamente a utilização de leite obtido em explorações não abrangidas pelo regime de controlo da DOP “Mozzarella di bufala Campana” devem ser produzidos num espaço diferente, fisicamente separado do local de produção de “Mozzarella di bufala Campana DOP” e dos produtos fabricados exclusivamente com leite obtido em explorações pecuárias abrangidas pelo regime de controlo da DOP “Mozzarella di bufala Campana”. A separação física deve evitar qualquer contacto, incluindo contactos acidentais, entre o leite das explorações pecuárias abrangidas pelo regime de controlo do “Mozzarella di bufala Campana DOP” e outros leites e ainda entre o “Mozzarella di bufala Campana DOP” e os produtos obtidos a partir de outros leites e, por conseguinte, as instalações de armazenagem, manuseamento, transformação e embalagem dos produtos. As instalações e o equipamento que não entrem em contacto com o leite e/ou com os produtos lácteos podem ser utilizados para servir linhas de produção situadas em espaços diferentes.»

    Factos na origem do litígio no processo principal e questão prejudicial

    11

    Em 18 de novembro de 2014, a Caseificio Cirigliana e o., que produzem e vendem mozarela de búfala DOP, mas também mozarela de búfala não abrangido pelo regime DOP (a seguir «regime DOP»), recorreram do Decreto Ministerial n.o 76262/2014 para o Tribunale amministrativo regionale del Lazio, sede di Roma (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, sede de Roma).

    12

    A Caseificio Cirigliana e o. consideraram que o Decreto Ministerial n.o 76262/2014 se limitou a rever e preservar apenas a posição das empresas que utilizam exclusivamente leite de búfala proveniente das zonas DOP (a seguir «zonas DOP»), deixando inalterados os problemas decorrentes das disposições regulamentares anteriores para as empresas que utilizam matérias‑primas diferentes do leite de búfala proveniente das zonas DOP.

    13

    De acordo com a Caseificio Cirigliana e o., o Decreto Ministerial n.o 76262/2014 viola o princípio da diversificação previsto no Regulamento n.o 1151/2012. As recorrentes consideraram que o Decreto Ministerial n.o 76262/2014 transferiu o critério de designação dos destinatários das disposições restritivas, a saber, os produtores de «Mozzarella di bufala Campana DOP», para aqueles que transformam leite produzido em explorações pecuárias não abrangidas pelo regime DOP. Entendem, porém, que tal medida viola o objetivo principal do Regulamento n.o 1151/2012, isto é, a valorização do produto «protegido» para complementar a política de desenvolvimento rural e as políticas agrícolas, sobretudo nas zonas desfavorecidas.

    14

    A Caseificio Cirigliana e o. consideram ilegal o Decreto Ministerial n.o 76262/2014, na medida em que define o destino exclusivo dos estabelecimentos de transformação de leite de búfala proveniente das zonas DOP e a consequente proibição de estes últimos deterem ou armazenarem, no seu interior, matérias‑primas e coalhadas diferentes do leite e da coalhada de búfala obtidas exclusivamente por transformação de leite proveniente das zonas DOP, bem como subprodutos ou produtos derivados da mesma matéria‑prima.

    15

    Em 19 de novembro de 2015, o Tribunale amministrativo regionale del Lazio, sede di Roma (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, sede de Roma), negou provimento ao recurso com base na sua apreciação da razoabilidade da regulamentação nacional, que visa garantir os objetivos de segurança alimentar e a proteção do consumidor final. Esse tribunal não se pronunciou sobre o fundamento relativo à compatibilidade do Decreto Ministerial n.o 76262/2014 com o Regulamento n.o 1151/2012.

    16

    No âmbito do processo de recurso no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), que é o tribunal de reenvio no presente processo, a Caseificio Cirigliana e o. alegaram, em primeiro lugar, a violação dos artigos 3.o, 26.o, 32.o, 40.o e 41.o TFUE, por serem colocadas pelo Decreto Ministerial n.o 76262/2014 numa posição desfavorável em relação às sociedades concorrentes que produzem produtos DOP e para as quais não estão previstos nem controlos suplementares nem o destino exclusivo das linhas de produção a uma tipologia única de produtos. Em segundo lugar, essas partes alegaram a violação do princípio da não discriminação, porque esse decreto discrimina as empresas que utilizam leite proveniente de fora das zonas DOP em relação às que utilizam leite proveniente exclusivamente dessas zonas. Em terceiro lugar, as recorrentes alegaram a violação do artigo 1.o do Regulamento n.o 1151/2012 e também do Regulamento (UE) n.o 510/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que estabelece o regime de trocas aplicável a certas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 1216/2009 e (CE) n.o 614/2009 do Conselho (JO 2014, L 150, p. 1).

    17

    O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) julgou improcedentes, por Acórdão parcial de 21 de agosto de 2018, todas as alegações de inconstitucionalidade do Decreto‑Lei n.o 91/2014, considerando‑o proporcionado e razoável. No entanto, esse tribunal decidiu conhecer da alegação relativa à compatibilidade do referido decreto‑lei com o direito da União.

    18

    A este respeito, o referido tribunal alega que, contrariamente aos argumentos das recorrentes, o Decreto‑Lei n.o 91/2014 e o Decreto Ministerial n.o 76262/2014 de modo nenhum impunham a utilização de estabelecimentos separados para a produção de mozarela DOP e não DOP, mas apenas de «espaços» separados. Todavia, segundo o mesmo tribunal, esta interpretação errada da regulamentação nacional pelas recorrentes não põe em causa a pertinência do reenvio prejudicial, visto que o simples facto de produzir mozarela de búfala não DOP em instalações diferentes e separadas das utilizadas para a produção de «Mozzarella di bufala Campana» DOP implica, em todo o caso, investimentos e, consequentemente, sacrifícios económicos, suscetíveis de afetar a livre concorrência entre operadores no mercado do mozarela.

    19

    Recordando a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de política agrícola comum, o tribunal de reenvio considera que as DOP estão sujeitas a uma proteção especial, sem, contudo, pôr em causa de forma desproporcionada a liberdade de empresa e a livre concorrência.

    20

    Por um lado, esse tribunal entende que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a regulamentação relativa às DOP protege os seus beneficiários contra a sua utilização abusiva por terceiros, uma vez que as DOP são suscetíveis de gozar de grande reputação junto dos consumidores e de constituir, para os produtores que preenchem as condições para a sua utilização, um meio essencial para atrair clientes. Entende ainda que a reputação das DOP é formada em função da imagem de que gozam junto dos consumidores e depende, essencialmente, das suas características particulares e, de um modo mais geral, da qualidade do produto. Assim, na perceção do consumidor, o nexo entre a reputação dos produtores e a qualidade dos produtos depende, além disso, da sua convicção de que os produtos vendidos sob uma DOP são autênticos.

    21

    Por outro lado, esse mesmo tribunal lembra que as recorrentes consideram que a regulamentação nacional vai além do necessário para proteger a DOP «Mozzarella di bufala Campana», na medida em que exige que os produtos que envolvam também ou exclusivamente a utilização de leite de explorações pecuárias não abrangidas pelo regime de controlo dessa DOP sejam produzidos num espaço separado, ainda que no mesmo estabelecimento, a fim de evitar qualquer contacto entre o leite proveniente de explorações abrangidas pelo regime de controlo dessa DOP e outros leites e, a fortiori, qualquer contrafação.

    22

    Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Devem os artigos 3.o, 26.o, 32.o, 40.o e 41.o TFUE e os artigos 1.o, 3.o, 4.o, 5.o e 7.o do Regulamento 1151/2012/UE, relativo ao regime das denominações de origem protegida, que obrigam os Estados‑Membros a garantir tanto a livre concorrência entre os produtos na União Europeia como a proteção dos regimes de qualidade para apoiar as zonas agrícolas desfavorecidas, ser interpretados no sentido de que se opõem a que, segundo o direito nacional (artigo 4.o do decreto legge n.o 91/2014, de 24 de junho de 2014, convertido na legge n.o 116, de 11 de agosto de 2014), seja estabelecida uma restrição à produção de Mozzarella di Bufala Campana DOP, impondo que esta seja efetuada em estabelecimentos dedicados exclusivamente a essa produção, e nos quais é proibida a posse e o armazenamento de leite proveniente de explorações não integradas no sistema de controlo da DOP Mozzarella di Bufala Campana?»

    Quanto à questão prejudicial

    Quanto à admissibilidade

    23

    O Governo italiano alega a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial por, em primeiro lugar, o processo principal dizer respeito a uma situação puramente interna não pertencente ao âmbito de aplicação do direito da União. Por outro lado, esse Governo considera que o pedido de decisão prejudicial não parece preencher as condições de admissibilidade referidas no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que a interpretação do direito da União pedida não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do processo principal, sendo o problema de natureza puramente hipotética.

    24

    A este respeito, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 8 de setembro de 2009, Budějovický Budvar, C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 63 e jurisprudência aí referida).

    25

    No caso, resulta do pedido de decisão prejudicial que o mesmo é relativo, por um lado, à interpretação das disposições do Regulamento n.o 1151/2012, no contexto de um litígio em que foi suscitada a questão da validade, à luz dessas disposições, do Decreto Ministerial n.o 76262/2014, que introduz medidas de segurança alimentar e de produção de «Mozzarella di bufala Campana DOP».

    26

    De acordo com o seu artigo 4.o, alíneas b) e c), o Regulamento n.o 1151/2012 visa estabelecer um regime DOP e de indicações geográficas protegidas no território da União, a fim de ajudar os produtores de produtos ligados a uma área geográfica, garantindo uma proteção uniforme das denominações de propriedade intelectual no território da União e prestando aos consumidores informações claras sobre os atributos do produto que lhe conferem uma mais‑valia.

    27

    Nestas circunstâncias, não se pode argumentar que a interpretação das disposições do mesmo regulamento não tem nenhuma relação com o objeto da lide principal ou que a questão seja hipotética.

    28

    Por outro lado, o tribunal de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos artigos 3.o, 26.o, 32.o, 40.o e 41.o TFUE. Ora, como salienta a Comissão nas suas observações, esse tribunal, no despacho de reenvio, não apresentou as razões que o levaram a pôr em causa a interpretação dessas disposições nem a relação que estabelece entre essas disposições e a legislação em causa no processo principal. Nestas condições, há que observar que o pedido de decisão prejudicial não preenche os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e deve ser julgado inadmissível na parte respeitante à interpretação dessas disposições do Tratado FUE.

    29

    Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial só deve ser considerado admissível na parte respeitante à interpretação das disposições do Regulamento n.o 1151/2012.

    Quanto ao mérito

    30

    A título preliminar, há que lembrar que, segundo a sua jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode entender ser necessário tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado das suas questões (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Município de Palmela, C‑144/16, EU:C:2017:76, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

    31

    Com a sua pergunta, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os artigos 4.o, alínea c), e 7.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1151/2012 e o caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP» devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que dispõe que a atividade de produção de «Mozzarella di bufala Campana DOP» tem de ocorrer em espaços exclusivamente destinados a essa produção, incluindo num único estabelecimento, e nos quais é proibida a posse e o armazenamento de leite proveniente de explorações pecuárias não abrangidas pelo regime de controlo da DOP «Mozzarella di bufala Campana».

    32

    Antes de mais, como recordado no n.o 26 do presente acórdão, o artigo 4.o, alínea c), do Regulamento n.o 1151/2012 dispõe que é estabelecido um regime DOP e de indicações geográficas protegidas, a fim de ajudar os produtores de produtos ligados a uma área geográfica mediante a comunicação aos consumidores de informações claras sobre os atributos do produto que lhe conferem uma mais‑valia.

    33

    A este respeito, o artigo 7.o, n.o 1, alínea e), do mesmo regulamento dispõe que uma DOP ou uma indicação geográfica protegida deve respeitar um caderno de especificações que inclua, nomeadamente, uma descrição do método de obtenção do produto. Decorre do considerando 47 do referido regulamento que o cumprimento dos cadernos de especificações pelos produtores se destina a garantir ao consumidor que o produto apresenta as características específicas das indicações geográficas e das especialidades tradicionais garantidas.

    34

    Assim, o ponto 4.4 do caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP» prevê que cada fase do processo de produção do produto em causa e as matérias‑primas utilizadas na sua produção sejam rigorosamente controladas, a fim de garantir a rastreabilidade do produto tanto a montante como a jusante da cadeia de produção e que a deteção de irregularidades, mesmo que digam respeito apenas a um elo da cadeia de produção, provoque a perda da DOP. Além disso, o ponto 4.5 do caderno de especificações dispõe que o «Mozzarella di bufala Campana DOP» deve ser produzido exclusivamente a partir de leite de búfala gordo fresco.

    35

    Seguidamente, há que lembrar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a legislação da União manifesta uma tendência geral para valorizar a qualidade dos produtos no quadro da política agrícola comum, a fim de favorecer a reputação dos referidos produtos, graças, designadamente, à utilização de denominações de origem que são objeto de uma proteção particular. Essa legislação visa igualmente satisfazer as expectativas dos consumidores em matéria de produtos de qualidade e de uma origem geográfica certa, bem como facilitar a obtenção pelos produtores, em condições de igual concorrência, de melhores rendimentos em contrapartida de um esforço qualitativo real (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, S, C‑367/17, EU:C:2018:1025, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

    36

    Por último, as denominações de origem enquadram‑se no âmbito dos direitos de propriedade industrial e comercial. A regulamentação aplicável protege os seus beneficiários contra a utilização abusiva das referidas denominações por terceiros que pretendam tirar proveito da reputação por elas adquirida. Visam garantir que o produto que as ostenta provém de uma zona geográfica determinada e apresenta certas características específicas. São suscetíveis de gozar de grande reputação junto dos consumidores e constituir, para os produtores que preencham as condições da sua utilização, um meio fundamental de fidelizar a clientela. A reputação das denominações de origem é função da imagem de que estas gozam junto dos consumidores. Essa imagem, por seu turno, depende essencialmente das características específicas e, mais geralmente, da qualidade do produto. É essa qualidade que cria, definitivamente, a reputação do produto. Do ponto de vista do consumidor, a relação entre a reputação dos produtores e a qualidade dos produtos depende igualmente da sua convicção de que os produtos comercializados com a denominação de origem são autênticos (Acórdão de 20 de maio de 2003, Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, C‑108/01, EU:C:2003:296, n.o 64).

    37

    Neste contexto, o ponto 4.4 do caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP» impõe requisitos precisos quanto à prova de origem do produto e, especialmente, que a matéria‑prima deve ser cuidadosamente controlada pelo organismo competente em todas as fases de produção. Em caso de irregularidades, mesmo que estas digam respeito a um único elo da cadeia de produção, o produto não pode, em conformidade com os referidos requisitos, ser comercializado sob a DOP «Mozzarella di bufala Campana».

    38

    Esses mesmos requisitos destinam‑se a garantir a rastreabilidade do produto, tanto a montante como a jusante da cadeia de produção, e que o mesmo apresenta as características específicas dessa DOP e, em especial, que, em conformidade com o ponto 4.5 do caderno de especificações, é produzido exclusivamente a partir de leite de búfala gordo fresco.

    39

    Por conseguinte, o direito da União não se opõe a uma condição como a que está em causa no processo principal, apesar dos seus efeitos restritivos no comércio, se se demonstrar que constitui um meio necessário e proporcionado para salvaguardar a qualidade do produto em causa, garantir a sua origem ou assegurar o controlo do caderno de especificações dessa DOP (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, S, C‑367/17, EU:C:2018:1025, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

    40

    No caso, segundo o Governo italiano, e sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a regulamentação nacional em causa no processo principal, ao exigir que a atividade de produção de «Mozzarella di bufala Campana DOP» seja exercida em espaços exclusivamente destinados a esse fim, e nos quais é proibida a posse e o armazenamento de leite proveniente de explorações pecuárias não abrangidas pelo regime de controlo dessa DOP, visa garantir que a qualidade do produto cumpre os requisitos da sua produção, definidos no caderno de especificações, reduzindo o risco de esse leite ser utilizado, de forma intencional ou não, na produção dessa DOP. Entende, assim, que essa regulamentação nacional contribui para o controlo efetivo das fases de produção desse produto e, consequentemente, para o objetivo de proteger os consumidores e combater a contrafação.

    41

    Há que observar que essa regulamentação se insere no objetivo de garantir a qualidade e a autenticidade do produto DOP bem como no objetivo de controlar o respeito do caderno de especificações na base do registo da DOP, pelos produtores que dela beneficiam.

    42

    A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que uma medida nacional segundo a qual as instalações das empresas que não produzem produtos que dão direito a uma DOP devem ser claramente separadas das instalações onde são produzidos e armazenados produtos que ostentam uma DOP se justifica pelo objetivo de preservar a grande reputação de um produto DOP (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2000, Bélgica/Espanha, C‑388/95, EU:C:2000:244, n.os 72 e 75).

    43

    Quanto à necessidade e proporcionalidade da referida regulamentação face ao objetivo prosseguido, o Governo italiano afirma, em substância, nas suas observações, que o controlo das matérias‑primas provenientes dos diferentes regimes, exigido no caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP», seria, na prática, impossível se o «Mozzarella di bufala Campana DOP» fosse produzido nos mesmos espaços dos produtos não abrangidos pelo referido regime.

    44

    Compete ao tribunal de reenvio determinar, tendo em conta as especificidades do setor de produção de «Mozzarella di bufala Campana DOP» e os eventuais riscos de contrafação a que essa produção estaria sujeita, se não existem efetivamente medidas menos restritivas do que a separação dos espaços de armazenagem do leite e da produção dos produtos para garantir a eficácia dos controlos e, consequentemente, a conformidade desses produtos com o caderno de especificações da referida DOP.

    45

    Resulta destas observações que o artigo 4.o, alínea c), e o artigo 7.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1151/2012, bem como o caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP», devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que dispõe que a atividade de produção de «Mozzarella di bufala Campana DOP» tem de ocorrer em espaços exclusivamente destinados a essa produção, incluindo num único estabelecimento, e nos quais é proibida a posse e o armazenamento de leite proveniente de explorações pecuárias não abrangidas pelo regime de controlo da DOP «Mozzarella di bufala Campana», se essa regulamentação constituir um meio necessário e proporcionado para salvaguardar a qualidade desse produto ou assegurar o controlo do caderno de especificações dessa DOP, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

    Quanto às despesas

    46

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

     

    O artigo 4.o, alínea c), e o artigo 7.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, bem como o caderno de especificações do produto «Mozzarella di bufala Campana DOP», devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que dispõe que a atividade de produção de «Mozzarella di bufala Campana DOP» tem de ocorrer em espaços exclusivamente destinados a essa produção, incluindo num único estabelecimento, e nos quais é proibida a posse e o armazenamento de leite proveniente de explorações pecuárias não abrangidas pelo regime de controlo da denominação de origem protegida (DOP) «Mozzarella di bufala Campana», se essa regulamentação constituir um meio necessário e proporcionado para salvaguardar a qualidade desse produto ou assegurar o controlo do caderno de especificações dessa DOP, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

    Top