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Document 62018CJ0195

Acórdão do Tribunal de Justiça (Décima Secção) de 13 de março de 2019.
Processo penal contra B. S.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Piotrkowie Trybunalskim.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas — Diretiva 92/83/CEE — Artigo 2.o — Conceito de “cerveja” — Bebida produzida a partir do mosto lupuloso obtido de uma mistura que contém mais glicose do que malte — Nomenclatura Combinada — Posições 2203 (cervejas de malte) ou 2206 (outras bebidas fermentadas).
Processo C-195/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:197

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

13 de março de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas — Diretiva 92/83/CEE — Artigo 2.o — Conceito de “cerveja” — Bebida produzida a partir do mosto lupuloso obtido de uma mistura que contém mais glicose do que malte — Nomenclatura Combinada — Posições 2203 (cervejas de malte) ou 2206 (outras bebidas fermentadas)»

No processo C‑195/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Piotrkowie Trybunalskim (Tribunal Regional de Piotrków Trybunalski, Polónia), por decisão de 2 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de março de 2018, no processo penal contra

B. S.,

sendo interveniente:

Prokuratura Okręgowa w Piotrkowie Trybunalskim,

Łódzki Urząd Celno‑Skarbowy w Łodzi,

Urząd Celno‑Skarbowy w Piotrkowie Trybunalskim,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, E. Juhász e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de B. S., por T. Grzejszczak, adwokat,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo helénico, por M. Tassopoulou, A. Dimitrakopoulou e I. Kotsoni, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por C. Perrin e M. Siekierzyńska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21), lido em conjugação com o Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), na sua versão resultante do Regulamento (CEE) n.o 2587/91 da Comissão, de 26 de julho de 1991 (JO 1991, L 259, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra B. S. pelo facto de este ter, nomeadamente, prestado à Administração Fiscal polaca informações incorretas que conduziram à diminuição do imposto especial sobre o consumo de que era devedor.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 92/83

3

O artigo 2.o da Diretiva 92/83 prevê:

«Para efeitos de aplicação da presente diretiva, por “cerveja” entende‑se qualquer produto abrangido pelo código NC 2203 ou qualquer produto que contenha uma mistura de cerveja com bebidas não alcoólicas abrangido pelo código NC 2206, em ambos os casos com um teor alcoólico adquirido superior a 0,5 % vol.»

4

Nos termos do artigo 26.o desta diretiva:

«As referências constantes da presente diretiva a códigos da Nomenclatura Combinada são os que constem da versão da Nomenclatura Combinada vigente à data da aprovação da presente diretiva.»

Nomenclatura Combinada

5

O artigo 12.o do Regulamento n.o 2658/87 prevê que a Comissão Europeia adote anualmente um regulamento com a versão completa da Nomenclatura Combinada (a seguir «NC») e das taxas autónomas e convencionais dos direitos da pauta aduaneira comum, tal como resulta das medidas adotadas pelo Conselho da União Europeia ou pela Comissão. Este regulamento é publicado no Jornal Oficial da União Europeia, o mais tardar, até 31 de outubro e é aplicável a partir de 1 de janeiro do ano seguinte.

6

Em conformidade com o artigo 26.o da Diretiva 92/83, a versão da NC aplicável aos factos no processo principal é a resultante do Anexo I do Regulamento n.o 2658/87, na sua versão resultante do Regulamento n.o 2587/91.

7

A segunda parte da NC contém um capítulo 22, intitulado «Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres», que visa as posições 2203 e 2206 desta nomenclatura.

8

A posição 2203 tem a seguinte redação:

«2203

Cervejas de malte»

9

A posição 2206 tem a seguinte redação:

«2206

Outras bebidas fermentadas (por exemplo, sidra, perada, hidromel); misturas de bebidas fermentadas e misturas de bebidas fermentadas com bebidas não alcoólicas, não especificadas nem compreendidas noutras posições».

Notas explicativas do SH

10

O Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas (OMA), foi instituído pela Convenção que criou o referido conselho, celebrada em Bruxelas, em 15 de dezembro de 1950. O Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «SH») foi elaborado pela OMA e instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983, e aprovada, com o seu Protocolo de alteração de 24 de junho de 1986, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO 1987, L 198, p. 1). A NC retoma as posições e subposições de seis algarismos do SH. Só o sétimo e oitavo algarismos formam subdivisões que lhe são próprias.

11

As notas explicativas do SH são elaboradas pela OMA em conformidade com as disposições desta última convenção sobre o SH e são publicadas nas duas línguas oficiais da OMA, a saber, o francês e o inglês.

12

Na versão em língua francesa, a nota explicativa do SH relativa à posição 2203 enuncia o seguinte:

«La bière est une boisson alcoolique qui s’obtient par la fermentation du moût préparé avec du malt d’orge ou de froment, qu’on a fait bouillir en présence d’eau avec généralement du houblon. Certaines quantités de céréales non maltées (maïs et riz, par exemple) peuvent éventuellement être utilisées pour la préparation du moût. L’addition de houblon a pour effet de développer des principes amers et aromatiques et de permettre une meilleure conservation du produit. Elle est parfois aromatisée en cours de fermentation à l’aide de cerises ou d’autres produits.

On ajoute parfois à la bière des sucres, des colorants, du dioxyde de carbone ou encore d’autres substances.

Selon les procédés de fermentation employés, on peut avoir: les bières de fermentation basse, obtenues à basse température avec des levures dites basses et des bières de fermentation haute obtenues à une température plus élevée avec des levures dites hautes.

Les bières peuvent être claires ou foncées, douces ou amères, légères ou fortes; elles se présentent ordinairement en fûts, en bouteilles ou en boîtes hermétiquement closes et peuvent aussi être commercialisées sous les appellations de “ale”, “stout”, etc.

Cette position comprend également les bières concentrées qui sont préparées en concentrant dans le vide, jusqu’à 1/5 ou 1/6 de leur volume, des bières, en général peu alcooliques, mais très riches en extrait de malt.

N’entrent pas dans cette position:

a)

Certaines boissons qui, bien que parfois appelées bières, ne contiennent pas d’alcool (par exemple, celles obtenues avec de l’eau et des sucres caramélisés) (no 22.02).

b)

Les boissons appelées bières sans alcool, qui sont des bières de malt dont le titre alcoométrique volumique a été ramené à 0,5 % vol ou moins (no 22.02).

c)

Les médicaments des nos 30.03 ou 30.04.C.»

[«A cerveja é uma bebida alcoólica que se obtém pela fermentação do mosto preparado com malte de cevada ou de trigo, previamente fervido em presença de água e geralmente de lúpulo. Poderão ser eventualmente utilizadas na preparação do mosto algumas quantidades de cereais não maltados (por exemplo, milho e arroz). A adição de lúpulo provoca o desenvolvimento de princípios amargos e aromáticos e permite uma melhor conservação do produto. A cerveja é por vezes aromatizada, durante a fermentação, com cerejas e outros produtos.

Podem, também, adicionar‑se à cerveja açúcares, corantes, dióxido de carbono ou outras substâncias.

Conforme o processo de fermentação empregado, obtém‑se a cerveja de baixa fermentação, preparada a baixa temperatura e mediante o emprego das chamadas leveduras “baixas” ou a cerveja de alta fermentação, obtida a temperatura mais elevada, mediante o emprego das chamadas leveduras “altas”.

A cerveja pode ser clara ou escura, doce ou amarga, fraca ou forte. Apresenta‑se normalmente em barris ou garrafas e, por vezes, em latas hermeticamente fechadas e podem também ser comercializadas sob os nomes de ale, stout, “cerveja preta”, “cerveja loura” etc.

Esta posição compreende também a cerveja concentrada, que se prepara por concentração a vácuo, até um 1/5 ou 1/6 do seu volume primitivo, de cervejas em geral pouco alcoólicas, mas muito ricas em extrato de malte.

Esta posição não compreende:

a)

Certas bebidas que, embora às vezes se designem por cerveja, não contêm álcool (por exemplo, as obtidas com água e açúcar caramelizado) (posição 22.02).

b)

As bebidas chamadas “cervejas sem álcool” que são cervejas de malte cujo teor alcoólico, em volume, foi reduzido a 0,5 % vol. ou menos (posição 22.02).

c)

Os medicamentos das posições 30.03 ou 30.04.»]

13

Na versão inglesa, a mesma nota explicativa enuncia:

«Beer is an alcoholic beverage obtained by fermenting a liquor (wort) prepared from malted cereals (most commonly barley or wheat), water and (usually) hops. Certain quantities of non‑malted cereals (e.g., maize (corn) or rice) may also be used for the preparation of the liquor (wort). The addition of hops imparts a bitter and aromatic flavour and improves the keeping qualities. Cherries or other flavouring substances are sometimes added during fermentation.

Sugar (particularly glicose), colouring matter, carbon dioxide and other substances may also be added.

According to the fermenting process employed, the products may be bottom fermentation beer, obtained at a low temperature with bottom yeasts, or top fermentation beer, obtained at a higher temperature with top yeasts.

Beer may be pale or dark, sweet or bitter, mild or strong. It may be put up in barrels, bottles or in airtight tins and may be marketed as ale, stout, etc.

This heading also covers concentrated beer prepared by vacuum‑condensing beer of low alcoholic strength (but with a high content of malt extract) to between one fifth and one sixth of its original volume.

The heading does not cover:

(a)

Certain beverages which, although they are sometimes described as beers, do not contain alcohol (e.g., beverages prepared from water and caramelised sugar) (heading 22.02).

(b)

Beverages called non‑alcoholic beer consisting of beer made from malt, the alcoholic strength of which by volume has been reduced to 0.5 % vol or less (heading 22.02).

(c)

Medicaments of heading 30.03 or 30.04.»

Direito polaco

14

A ustawa o podatku akcyzowym (Lei sobre os impostos especiais de consumo), de 6 de dezembro de 2008 (Dz. U. de 2009, n.o 3, posição 11), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei sobre os impostos especiais de consumo»), prevê, no seu artigo 94.o:

«1.   Para efeitos da presente lei, considera‑se “cerveja” qualquer produto abrangido pela posição 220300 da NC, bem como qualquer produto que contenha uma mistura de cerveja com bebidas não alcoólicas abrangidas pela posição 220600 da NC, desde que o seu teor alcoólico em volume adquirido seja superior a 0,5 % vol.

[…]

4.   A taxa de imposto especial sobre o consumo de cerveja é de 7,79 [zlótis polacos (PLN) (cerca de 1,8 euros)] por hectolitro/grau Plato de produto acabado.»

15

O artigo 96.o, n.o 4, desta lei dispõe:

«As taxas de imposto especial sobre o consumo de bebidas fermentadas são:

1)

97,00 PLN [cerca de 22,6 euros] por hectolitro de produto acabado para a sidra e perada das posições 22060031, 22060051 e 22060081 da NC, com um teor alcoólico em volume adquirido inferior a 5 % vol.;

2)

158,00 PLN [cerca de 36,5 euros] por hectolitro para outras bebidas fermentadas.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

16

Entre maio de 2011 e maio de 2013, B. S. produziu uma bebida alcoólica que, no seu entender, era uma mistura de cerveja e de bebidas não alcoólicas. Cem hectolitros de mosto lupuloso, que está na origem do produto intermédio que qualifica de cerveja, são obtidos a partir de 134,9 litros de extrato de malte, de 1708,2 litros de xarope de glicose, de 9 litros de ácido cítrico, de 2,4 litros de fosfato de amónio, de nutrientes e de água.

17

Entre 29 de junho de 2011 e 26 de junho de 2013, B. S. apresentou, todos os meses, ao Serviço Aduaneiro competente uma declaração de imposto especial sobre o consumo em que qualificou a bebida que fabricava de uma mistura de «cerveja», abrangida pela posição 2203 da NC, e de bebidas não alcoólicas, aplicando, nos termos do artigo 94.o da Lei sobre os impostos especiais de consumo, a taxa de imposto para a cerveja, a qual é de 7,79 PLN (cerca de 1,8 euros) por hectolitro por cada grau Plato do produto acabado.

18

Em várias decisões, adotadas entre 27 de setembro de 2012 e 14 de fevereiro de 2014, o chefe do Serviço Aduaneiro competente contestou as declarações de B. S. e fixou os impostos especiais de consumo em montantes significativamente mais elevados, pelo facto de a bebida produzida por B. S. dever ser classificada na posição 2206 da NC, enquanto bebida à base de bebidas fermentadas, que não cerveja, e de bebidas não alcoólicas, e dever estar sujeita a um imposto especial de consumo de 158 PLN (cerca de 36,5 euros) por hectolitro de produto acabado. A justificação para estas decisões foi o facto de o ingrediente principal utilizado para o fabrico do produto intermédio ser o xarope de glicose, e não o malte, não podendo, por conseguinte, este produto ser classificado na posição 2203 da NC, que se refere à «cerveja de malte». Por conseguinte, o chefe do Serviço Aduaneiro concluiu que o produto final indicado nas declarações referidas no n.o 17 do presente acórdão, o qual constitui uma bebida à base desse produto intermédio e de bebidas não alcoólicas, deveria ser considerado uma bebida à base de outras bebidas fermentadas, que não cerveja, e de bebidas não alcoólicas.

19

Estas decisões do chefe do Serviço Aduaneiro foram confirmadas por várias decisões do diretor da Direção das Alfândegas. Além disso, foi negado provimento aos recursos interpostos por B. S. contra estas decisões pelos tribunais administrativos polacos.

20

No contexto do litígio no processo principal, B. S. tem pendente contra si um processo penal por, entre junho de 2011 e junho de 2013, ter induzido em erro a Administração Fiscal polaca ao prestar, a respeito da bebida que produziu, informações incorretas nas declarações fiscais relativas ao imposto sobre o consumo que apresentou, o que gerou uma diminuição significativa desses impostos, bem como a retirada dessa bebida do entreposto fiscal sem a aposição prévia dos selos respeitantes ao imposto especial de consumo.

21

Por Sentença do Sąd Rejonowy w Piotrkowie Trybunalskim (Tribunal de Primeira Instância de Piotrków Trybunalski, Polónia) de 21 de junho de 2017, B. S. foi condenado por estes ilícitos penais numa pena de 300 dias de multa à taxa diária de 200 PLN (cerca de 46,2 euros). B. S. interpôs recurso desta condenação para o órgão jurisdicional de reenvio.

22

Esse órgão jurisdicional salienta que, segundo as disposições pertinentes da Lei sobre os impostos especiais de consumo, a qualificação de um produto nos termos desta lei deve ser efetuada utilizando a classificação que resulta da NC, em conformidade com as regras interpretativas anexas à mesma. Além disso, salienta que a definição de cerveja contida nessa lei é idêntica à do artigo 2.o da Diretiva 92/83.

23

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, para efeitos da aplicação das disposições da Lei sobre os impostos especiais de consumo, o conceito de «cerveja» inclui não apenas a cerveja de malte, que é abrangida pela posição 2203 da NC, mas também as misturas de cerveja que se enquadram nessa posição e de bebidas não alcoólicas, abrangidas pela posição 2206 da NC, desde que o teor alcoólico seja superior a 0,5 % vol. Em contrapartida, considera que estas disposições não especificam a percentagem (mínima ou máxima) dos ingredientes da cerveja produzida, deixando ao fabricante uma margem de apreciação quanto às proporções desses ingredientes. Deduz desse facto que é possível utilizar qualquer quantidade de ingredientes não maltados, desde que o malte esteja presente. As referidas disposições também não preveem que a adição de açúcar à cerveja só possa ter lugar após a conclusão do processo de fermentação.

24

Segundo esse órgão jurisdicional, para determinar se B. S. praticou um ilícito penal, é essencial saber se a bebida que produziu foi por si corretamente qualificada de uma mistura de «cerveja», que integra a posição 2203 da NC, e de bebidas não alcoólicas, ou se se trata de uma bebida à base de uma bebida fermentada, que não cerveja, e de bebidas não alcoólicas.

25

O órgão jurisdicional de reenvio, baseando‑se em informações pautais vinculativas emitidas em França, observa que existe uma discrepância entre os Estados‑Membros quanto à classificação pautal dessa bebida quando os ingredientes maltados não são predominantes, o que justifica a necessidade de uma harmonização jurisprudencial.

26

Nestas circunstâncias, o Sąd Okręgowy w Piotrkowie Trybunalskim (Tribunal Regional de Piotrków Trybunalski, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 2.o da [Diretiva 92/83], conjugado com o [Anexo I] do [Regulamento n.o 2658/87], ser interpretado no sentido de que um produto pode ser classificado como cerveja de malte, na posição [2203 da NC], se na produção do mosto lupuloso for utilizado extrato de malte, xarope de glicose, ácido cítrico e água, ainda que o mosto tenha um teor de ingredientes não maltados superior ao de ingredientes maltados, e for acrescentado xarope de glicose ao mosto lupuloso antes do seu processo de fermentação, e quais os critérios que devem ser utilizados para determinar o teor de ingredientes maltados e não maltados no mosto lupuloso para que o produto assim produzido possa ser classificado como cerveja, na posição [2203 da NC]?»

Quanto à questão prejudicial

27

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que um produto intermédio destinado a ser misturado com bebidas não alcoólicas, obtido a partir de um mosto lupuloso contendo menos ingredientes maltados do que ingredientes não maltados e ao qual foi adicionado xarope de glicose antes do processo de fermentação, pode ser qualificado de «cerveja de malte» abrangido pela posição 2203 da NC.

28

O artigo 2.o da Diretiva 92/83 inclui, sob a designação de «cerveja», não apenas qualquer produto abrangido pelo código 2203 da NC mas também qualquer produto que contenha uma mistura de cerveja com bebidas não alcoólicas abrangido pelo código 2206 da NC, desde que, em ambos os casos, este produto tenha um teor alcoólico superior a 0,5 % vol.

29

Resulta da decisão de reenvio que o produto final comercializado por B. S. é uma mistura de um produto alcoólico intermédio, obtido através de fermentação, com bebidas não alcoólicas. Daqui resulta que a mistura que constitui o produto final comercializado por B. S. não pode ser classificada na posição 2203 da NC e não se integra, por conseguinte, na primeira das duas hipóteses previstas no artigo 2.o da Diretiva 92/83. O referido produto só pode, portanto, ser qualificado de «cerveja» e ser integrado no referido artigo 2.o se o produto alcoólico intermédio, destinado a ser misturado por B. S. com bebidas não alcoólicas para a obtenção do produto final, puder, quanto a si, ser qualificado de «cerveja de malte», na aceção da posição 2203 da NC, subentendendo‑se que se afigura pacífico que o referido produto final tem um teor alcoólico superior a 0,5 % vol.

30

Nos termos do artigo 26.o da Diretiva 92/83, a versão da NC aplicável à situação do processo principal é a que estava em vigor à data da adoção da referida diretiva, ou seja, a que resulta do Regulamento n.o 2587/91 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2011, Paderborner Brauerei Haus Cramer, C‑196/10, EU:C:2011:487, n.o 28).

31

Segundo jurisprudência constante, no interesse da segurança jurídica e da facilidade dos controlos, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser procurado, em geral, nas suas características e propriedades objetivas, tal como definidas no texto da posição da NC e das notas de secção ou de capítulo. Além disso, as notas explicativas elaboradas, no que se refere à NC, pela Comissão e, no que se refere ao SH, pela OMA contribuem de forma importante para a interpretação do alcance das diferentes posições pautais, sem, contudo, serem juridicamente vinculativas (Acórdão de 12 de maio de 2016, Toorank Productions, C‑532/14 e C‑533/14, EU:C:2016:337, n.os 34, 36 e jurisprudência referida).

32

É à luz destes elementos que importa determinar se um produto alcoólico obtido através da fermentação de um mosto lupuloso composto, nomeadamente, por xarope de glicose e por uma pequena proporção de malte pode ser qualificado de «cerveja de malte», na aceção da posição 2203 da NC.

33

No que se refere, em primeiro lugar, à questão da proporção do malte no mosto lupuloso, deve salientar‑se que a NC não fixa uma percentagem mínima de ingredientes maltados no mosto destinado à produção de cerveja.

34

É verdade que a posição 2203 da NC se refere à «cerveja de malte», o que pressupõe que uma cerveja abrangida por essa posição não pode ser produzida sem malte na sua composição. No entanto, não se pode apenas deduzir da expressão «cerveja de malte» que seja necessária uma percentagem mínima de malte no mosto.

35

Além disso, a nota explicativa do SH relativa à posição 2203 enuncia expressamente que podem ser utilizadas para a preparação do mosto certas quantidades de cereais não maltados, não exigindo que a proporção destes ingredientes não maltados seja inferior à dos ingredientes maltados.

36

Em segundo lugar, no que respeita ao xarope de glicose utilizado na composição do mosto, é de notar que a presença deste xarope não é proibida pela NC.

37

Além disso, a nota explicativa do SH relativa à posição 2203 reconhece expressamente a possibilidade de serem acrescentadas substâncias aromatizantes ao mosto durante o processo de fermentação. Por outro lado, e ainda que exista uma certa discrepância entre as versões em língua francesa e em língua inglesa quanto ao momento preciso da eventual adição de glicose, referindo a primeira que a adição é «à cerveja» enquanto a segunda não faz essa precisão, nenhuma destas duas versões oficiais exige que o mosto sujeito a fermentação esteja isento de glicose.

38

Daqui resulta que um produto fabricado com uma pequena proporção de malte e uma adição de glicose antes da fermentação alcoólica não está, apenas por esse motivo, excluído do conceito de «cerveja de malte» que integra a posição 2203 da NC.

39

No entanto, esse produto só pode integrar essa posição se as suas características e propriedades objetivas corresponderem às da cerveja. A este respeito, importa ter em consideração mais especialmente as características organoléticas do produto em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de maio de 2009, Siebrand, C‑150/08, EU:C:2009:294, n.os 36 e 37, e de 16 de dezembro de 2010, Skoma‑Lux, C‑339/09, EU:C:2010:781, n.o 46).

40

Daqui resulta que, se as características organoléticas do produto alcoólico intermédio, misturado por B. S. a bebidas não alcoólicas para o fabrico do produto final que comercializa, não corresponderem às da cerveja, o que será nomeadamente o caso se o produto intermédio não se assemelhar visualmente à cerveja ou não tiver o seu gosto específico, o referido produto não pode ser qualificado de «cerveja de malte» e integrar a posição 2203 da NC. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias a este respeito.

41

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o da Diretiva 92/83 deve ser interpretado no sentido de que um produto intermédio destinado a ser misturado com bebidas não alcoólicas, obtido a partir de um mosto lupuloso contendo menos ingredientes maltados do que ingredientes não maltados e ao qual foi adicionado xarope de glicose antes do processo de fermentação, pode ser qualificado de «cerveja de malte» abrangido posição 2203 da NC, desde que as características organoléticas do referido produto correspondam às da cerveja, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

 

O artigo 2.o da Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, deve ser interpretado no sentido de que um produto intermédio destinado a ser misturado com bebidas não alcoólicas, obtido a partir de um mosto lupuloso contendo menos ingredientes maltados do que ingredientes não maltados e ao qual foi adicionado xarope de glicose antes do processo de fermentação, pode ser qualificado de «cerveja de malte» abrangido pela posição 2203 da Nomenclatura Combinada constante do Anexo I ao Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, na sua versão resultante do Regulamento (CEE) n.o 2587/91 da Comissão, de 26 de julho de 1991, desde que as características organoléticas do referido produto correspondam às da cerveja, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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