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Document 62018CJ0047

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de setembro de 2019.
    Skarb Pánstwa Rzeczpospolitej Polskiej – Generalny Dyrektor Dróg Krajowych i Autostrad contra Stephan Riel.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Wien.
    Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competência judiciária em matéria civil e comercial — Âmbito de aplicação — Artigo 1.o, n.o 2, alínea b) — Falências, concordatas e outros processos análogos — Exclusão — Ação que visa a declaração da existência de um crédito para efeitos do seu registo no âmbito de um processo de insolvência — Aplicação do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 — Artigo 41.o — Conteúdo da reclamação de um crédito — Processo principal e processo secundário de insolvência — Litispendência e conexão — Aplicação por analogia do artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 — Inadmissibilidade.
    Processo C-47/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:754

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    18 de setembro de 2019 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competência judiciária em matéria civil e comercial — Âmbito de aplicação — Artigo 1.o, n.o 2, alínea b) — Falências, concordatas e outros processos análogos — Exclusão — Ação que visa a declaração da existência de um crédito para efeitos do seu registo no âmbito de um processo de insolvência — Aplicação do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 — Artigo 41.o — Conteúdo da reclamação de um crédito — Processo principal e processo secundário de insolvência — Litispendência e conexão — Aplicação por analogia do artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 — Inadmissibilidade»

    No processo C‑47/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), por Decisão de 17 de janeiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de janeiro de 2018, no processo

    Skarb Państwa Rzeczypospolitej Polskiej — Generalny Dyrektor Dróg Krajowych i Autostrad

    contra

    Stephan Riel, agindo na qualidade de administrador judicial da Alpine Bau GmbH,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, C. Toader, A. Rosas e M. Safjan, juízes,

    advogado‑geral: Y. Bot,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Skarb Państwa Rzeczypospolitej Polskiej — Generalny Dyrektor Dróg Krajowych i Autostrad, por A. Freytag, Rechtsanwalt,

    em representação de Stephan Riel, agindo na qualidade de administrador judicial da Alpine Bau GmbH, por S. Riel, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo espanhol, por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

    em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo suíço, por M. Schöll, na qualidade de agente,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de abril de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.o, n.o 2, alínea b), e 29.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1), bem como do artigo 41.o do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito do litígio que opõe o Skarb Panstwa Rzeczypospolitej Polskiej — Generalny Dyrektor Dróg Krajowych i Autostrad (Tesouro Público da República da Polónia — Diretor‑Geral das estradas e autoestradas nacionais) a Stephan Riel, agindo na qualidade de administrador judicial da insolvência no processo de insolvência principal, aberto na Áustria contra a Alpine Bau GmbH, a respeito de uma ação de declaração da existência de créditos.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 1215/2012

    3

    O artigo 1.o do Regulamento n.o 1215/2012 dispõe:

    «1.   O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (acta jure imperii).

    2.   O presente regulamento não se aplica:

    […]

    b)

    Às falências, concordatas e processos análogos;

    […]»

    4

    Nos termos do artigo 29.o deste regulamento:

    «1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 31.o, n.o 2, quando ações com a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, qualquer tribunal que não seja o tribunal demandado em primeiro lugar deve suspender oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal demandado em primeiro lugar.

    2.   Nos casos referidos no n.o 1, a pedido de um tribunal a que ação tenha sido submetida, qualquer outro tribunal demandado deve informar o primeiro tribunal, sem demora, da data em que ação lhe foi submetida nos termos do artigo 32.o

    3.   Caso seja estabelecida a competência do tribunal demandado em primeiro lugar, o segundo tribunal deve declarar‑se incompetente em favor daquele tribunal.»

    5

    O artigo 30.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

    «1.   Se estiverem pendentes ações conexas em tribunais de diferentes Estados‑Membros, todos eles podem suspender a instância, com exceção do tribunal demandado em primeiro lugar.

    2.   Se a ação intentada no tribunal demandado em primeiro lugar estiver pendente em primeira instância, qualquer outro tribunal pode igualmente declarar‑se incompetente, a pedido de uma das partes, se o tribunal demandado em primeiro lugar for competente para as ações em questão e a sua lei permitir a respetiva apensação.

    3.   Para efeitos do presente artigo, consideram‑se conexas as ações ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas em conjunto para evitar decisões eventualmente inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.»

    Regulamento n.o 1346/2000

    6

    Os considerandos 2, 6, 8, 12, 18, 19 e 21 do Regulamento n.o 1346/2000 preveem:

    «(2)

    O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efetuem de forma eficiente e eficaz. A aprovação do presente regulamento é necessária para alcançar esse objetivo […]

    […]

    (6)

    De acordo com o princípio da proporcionalidade, o presente regulamento deve limitar‑se às disposições que regulam a competência em matéria de abertura de processos de insolvência e de decisões diretamente decorrentes de processos de insolvência e com eles estreitamente relacionadas. Além disso, o presente regulamento deve conter disposições relativas ao reconhecimento dessas decisões e ao direito aplicável, que respeitam igualmente aquele princípio.

    […]

    (8)

    Para alcançar o objetivo de melhorar a eficácia e a eficiência dos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços, é necessário e oportuno que as disposições em matéria de competência, reconhecimento e direito aplicável neste domínio constem de um ato normativo da Comunidade, vinculativo e diretamente aplicável nos Estados‑Membros

    […]

    (12)

    O presente regulamento permite que o processo de insolvência principal seja aberto no Estado‑Membro em que se situa o centro dos interesses principais do devedor. O processo tem alcance universal, visando abarcar todo o património do devedor. Para proteger a diversidade dos interesses, o presente regulamento permite que os processos secundários eventualmente instaurados corram paralelamente ao processo principal. Pode‑se instaurar um processo secundário no Estado‑Membro em que o devedor tenha um estabelecimento. Os efeitos dos processos secundários limitar‑se‑ão aos ativos situados no território desse Estado. A necessidade de manter a unidade dentro da Comunidade é garantida por normas imperativas de coordenação com o processo principal.

    […]

    (18)

    O presente regulamento não restringe o direito de requerer, na sequência da abertura do processo de insolvência principal, a abertura de um processo de insolvência no Estado‑Membro em que o devedor tenha um estabelecimento: o síndico do processo principal ou qualquer outra pessoa habilitada pela legislação nacional desse Estado‑Membro pode requerer a abertura de um processo de insolvência secundário.

    (19)

    Os processos de insolvência secundários podem ter diferentes finalidades, para além da proteção dos interesses locais. Pode acontecer que o património do devedor seja demasiado complexo para ser administrado como uma unidade, ou que as diferenças entre os sistemas jurídicos sejam tão substanciais que possam surgir dificuldades decorrentes da extensão dos efeitos produzidos pela lei do Estado de abertura do processo a outros Estados em que se encontrem situados os bens. Por esse motivo, o síndico do processo principal pode requerer a abertura de um processo secundário sempre que a administração eficaz do património assim o exija.

    […]

    (21)

    Qualquer credor que tenha residência habitual, domicílio ou sede na Comunidade deve ter o direito de reclamar os seus créditos sobre o património do devedor em cada processo de insolvência pendente na Comunidade. […]»

    7

    O artigo 3.o deste regulamento tem a seguinte redação:

    «1.   Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da respetiva sede estatutária.

    2.   No caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar no território de um Estado‑Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado‑Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos bens do devedor que se encontrem neste último território.

    3.   Quando um processo de insolvência for aberto ao abrigo do disposto no n.o 1, qualquer processo de insolvência aberto posteriormente ao abrigo do disposto no n.o 2 constitui um processo secundário. Este processo deve ser um processo de liquidação.

    […]»

    8

    O artigo 4.o do referido regulamento prevê:

    «1.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado‑Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado “Estado de abertura do processo”.

    2.   A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:

    […]

    h)

    As regras relativas à reclamação, verificação e aprovação dos créditos;

    […]»

    9

    Nos termos do artigo 27.o do mesmo regulamento:

    «O processo referido no n.o 1 do artigo 3.o que for aberto por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro e reconhecido noutro Estado‑Membro (processo principal) permite abrir, neste outro Estado‑Membro, em cujo território um órgão jurisdicional seja competente por força do n.o 2 do artigo 3.o, um processo de insolvência secundário sem que a insolvência do devedor seja examinada neste outro Estado. […] Os seus efeitos fica[m] limitados aos bens do devedor situados no território desse outro Estado‑Membro.»

    10

    O artigo 31.o do Regulamento n.o 1346/2000 enuncia:

    «1.   Sob reserva das regras que limitam a comunicação de informações, o síndico do processo principal e os síndicos dos processos secundários estão sujeitos a um dever de informação recíproca. Devem comunicar, sem demora, quaisquer informações que possam ser úteis para o outro processo, nomeadamente as respeitantes à reclamação e verificação dos créditos e às medidas destinadas a pôr termo ao processo.

    2.   Sob reserva das regras aplicáveis a cada um dos processos, o síndico do processo principal e os síndicos dos processos secundários estão sujeitos a um dever de cooperação recíproca.

    […]»

    11

    Dispõe o artigo 39.o do mesmo regulamento:

    «Os credores que tenham residência habitual, domicílio ou sede num Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos de segurança social dos Estados‑Membros, têm o direito de reclamar os seus créditos por escrito no processo de insolvência.»

    12

    Nos termos do artigo 40.o do referido regulamento:

    «1.   Logo que num Estado‑Membro seja aberto um processo de insolvência, o órgão jurisdicional competente desse Estado, ou o síndico por ele nomeado, deve informar sem demora os credores conhecidos que tenham residência habitual, domicílio ou sede nos outros Estados‑Membros.

    2.   Essa informação, prestada mediante o envio de uma comunicação a cada credor conhecido, diz respeito aos prazos a observar, às sanções previstas relativamente a esses prazos, ao órgão ou autoridade habilitado a receber a reclamação dos créditos e a outras medidas impostas. A comunicação deve igualmente indicar se os credores cujo crédito seja garantido por um privilégio ou uma garantia real devem reclamar o seu crédito.»

    13

    O artigo 41.o do mesmo regulamento enuncia:

    «Os credores devem enviar cópia dos documentos comprovativos, caso existam, e indicar a natureza dos créditos, a data da respetiva constituição e o seu montante; devem igualmente informar se reivindicam, em relação a esses créditos, um privilégio, uma garantia real ou uma reserva de propriedade, e quais os bens sobre os quais incide a garantia que invocam.»

    14

    O artigo 42.o do Regulamento n.o 1346/2000 tem a seguinte redação:

    «1.   A informação prevista no artigo 40.o é prestada na língua oficial ou numa das línguas oficiais do Estado de abertura do processo. Para o efeito, é utilizado um formulário em que figura, em todas as línguas oficiais das Instituições da União Europeia, o título “Aviso de reclamação de créditos. Prazos legais a observar”.

    2.   Os credores que tenham residência habitual, domicílio ou sede num Estado‑Membro que não o Estado de abertura do processo podem reclamar os respetivos créditos na língua oficial ou numa das línguas oficiais do Estado‑Membro em causa. No entanto, neste caso, a reclamação deve mencionar o título “Reclamação de crédito” na língua oficial ou numa das línguas oficiais do Estado de abertura do processo. Além disso, pode ser‑lhes exigida uma tradução na língua oficial ou numa das línguas oficiais do Estado de abertura do processo.»

    Direito austríaco

    15

    O § 102 da Insolvenzordnung (Lei da insolvência), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «IO»), enuncia:

    «Os credores devem reclamar os seus créditos no processo de insolvência nos termos das disposições que se seguem, ainda que sejam objeto de um litígio.»

    16

    O § 103, n.o 1, da IO estabelece:

    «Da reclamação devem constar o montante do crédito e os factos que lhe deram origem, bem como a graduação reivindicada; a reclamação deve especificar os meios de prova que podem ser apresentados para sustentar o alegado crédito.»

    17

    O § 110, n.o 1, da IO tem a seguinte redação:

    «Os titulares de créditos cuja exatidão ou a graduação continuam controvertidos podem intentar uma ação declarativa, quando a via de recurso contencioso é admissível, contra todos os que contestam os seus créditos […]. Os pedidos deduzidos no âmbito dessa ação só podem basear‑se no fundamento invocado na reclamação de créditos e na audiência de verificação de créditos; os mesmos não podem ter por objeto um montante mais elevado do que o que foi indicado naquele momento.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    A demandante no processo principal, que é responsável pela Administração rodoviária estatal polaca, confiou à Alpine Bau a execução de vários projetos de construção de estradas na Polónia, cujos contratos foram adjudicados na sequência de concursos públicos. Os contratos relativos a esses projetos incluíam cláusulas detalhadas relativas às indemnizações a pagar em caso de mora na sua execução.

    19

    Em 19 de junho de 2013, foi aberto um processo judicial de insolvência na Áustria relativamente à Alpine Bau e Stephan Riel foi nomeado administrador judicial dessa sociedade.

    20

    Em 4 de julho de 2013, este procedimento foi requalificado como «processo de insolvência». No dia seguinte, em aplicação de uma decisão do Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria), foi indicado no registo de processos de insolvência que se tratava de um processo de insolvência principal na aceção do Regulamento n.o 1346/2000.

    21

    Um processo de insolvência secundário foi aberto na Polónia contra a Alpine Bau no Sąd Rejonowy Poznán‑Stare Miasto w Poznaniu (Tribunal de Primeira Instância de Poznán‑Stare Miasto, Polónia).

    22

    Em 16 de agosto de 2013 e 22 de junho de 2016, a demandante no processo principal reclamou créditos no processo de insolvência principal aberto na Áustria, bem como em 16 de maio de 2014 e 16 de junho de 2015 no processo de insolvência secundário aberto na Polónia.

    23

    A maioria dos créditos assim reclamados foi contestada por Stephan Riel, nomeado no processo de insolvência principal austríaco, e pelo administrador judicial nomeado no âmbito do processo de insolvência secundário polaco.

    24

    Em 1 de abril de 2015, a demandante no processo principal intentou, na Polónia, uma ação de declaração da existência de um crédito de 309663865 zlótis polacos (PLN) (cerca de 73898402 euros).

    25

    Em 31 de outubro de 2016, a demandante também apresentou, no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena), uma ação de declaração de existência de um crédito de 64784879,43 euros, requerendo, em conformidade com os artigos 29.o e 30.o do Regulamento n.o 1215/2012, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão nos processos pendentes na Polónia, sobre a verificação dos créditos.

    26

    Por decisão interlocutória de 25 de julho de 2017, o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) julgou improcedente o pedido da demandante no processo principal relativamente ao montante de 265132,81 euros, sem se pronunciar sobre o seu pedido de suspensão da instância.

    27

    A demandante no processo principal interpôs recurso desta decisão para o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), invocando, nomeadamente, um vício processual pelo facto de o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) se ter recusado a suspender a instância, em violação do artigo 29.o do Regulamento n.o 1215/2012.

    28

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se a ação de declaração da existência de um crédito que lhe foi submetida está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 ou pelo do Regulamento n.o 1346/2000.

    29

    Em segundo lugar, interroga‑se sobre a aplicação, eventualmente por analogia, das regras relativas à litispendência previstas pelo Regulamento n.o 1215/2012, em caso de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000.

    30

    Em terceiro lugar, manifesta dúvidas quanto ao alcance das exigências constantes do artigo 41.o do Regulamento n.o 1346/2000 relativas ao conteúdo da reclamação dos créditos por credores estabelecidos num Estado‑Membro.

    31

    Nestas condições, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento [n.o 1215/2012] ser interpretado no sentido de que uma ação de verificação de créditos nos termos do direito austríaco diz respeito à [insolvência], na aceção [desta disposição] e, por conseguinte, está excluída do âmbito de aplicação material deste regulamento?

    2)

    (apenas em caso de resposta afirmativa à questão 1):

    Deve o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1215/2012] ser aplicado por analogia às ações conexas abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000?

    3)

    (apenas em caso de resposta negativa à questão 1 ou de resposta afirmativa à questão 2):

    Deve o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 1215/2012] ser interpretado no sentido de que existe uma ação com a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes quando um credor — a demandante no processo principal —, que reclamou no processo de insolvência principal austríaco e no processo de insolvência secundário polaco um crédito (no essencial) idêntico, que foi (em grande medida) contestado pelo respetivo administrador da insolvência, intenta uma ação de declaração da existência de créditos num determinado montante primeiro na Polónia contra o administrador local no processo de insolvência secundário e, posteriormente, na Áustria contra o administrador no processo de insolvência principal — [Stephen Riel]?

    4)

    Deve o artigo 41.o do Regulamento [n.o 1346/2000] ser interpretado no sentido de que o requisito da indicação da “natureza dos créditos, [da] data da respetiva constituição e [do] seu montante” é cumprido quando,

    a)

    na reclamação do seu crédito no processo de insolvência principal (como no presente caso), o credor, com sede num Estado‑Membro diferente do Estado de abertura do processo, como é o caso da [demandante no processo principal], se limita a descrever o crédito pelo seu montante concreto, sem indicar a data de constituição (por exemplo, como “crédito do subcontratante JSV Slawomir Kubica pela construção de estradas”);

    b)

    não comunica, na própria reclamação, a data de constituição do crédito, mas essa data pode ser deduzida dos documentos juntos à reclamação do crédito (por exemplo, com base na data indicada na fatura apresentada)?

    5)

    Deve o artigo 41.o do Regulamento [n.o 1346/2000] ser interpretado no sentido de que não se opõe à aplicação de disposições nacionais que, no caso concreto, são mais favoráveis ao credor que reclama um crédito e tem sede num Estado‑Membro diferente do Estado de abertura do processo (por exemplo, no que se refere ao requisito da indicação da data de constituição)?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    32

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma ação de declaração da existência de créditos para efeitos do seu registo no âmbito de um processo de insolvência, como a que está em causa no processo principal, está excluída do âmbito de aplicação deste regulamento.

    33

    A este propósito, importa recordar que os Regulamentos n.os 1215/2012 e 1346/2000 devem ser interpretados de forma a evitar qualquer sobreposição entre as normas jurídicas que estes textos enunciam e os vazios jurídicos. Assim, as ações excluídas, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012, do âmbito de aplicação deste último, na medida em que integram as «falências, concordatas e processos análogos», estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000. Simetricamente, as ações não abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 integram o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 (Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Valach e o., C‑649/16, EU:C:2017:986, n.o 24, e de 4 de outubro de 2018, Feniks, C‑337/17, EU:C:2018:805, n.o 30).

    34

    Daqui resulta que os âmbitos de aplicação respetivos destes dois regulamentos estão claramente delimitados e que uma ação que decorre diretamente de um processo de insolvência e está com ele estreitamente relacionada, é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 e não pelo do Regulamento n.o 1346/2000 (Acórdão de 14 de novembro de 2018, Wiemer & Trachte, C‑296/17, EU:C:2018:902, n.o 31).

    35

    Neste contexto, o Tribunal de Justiça teve em consideração o facto de os diversos tipos de ações que lhe foram submetidas terem sido intentadas no contexto de um processo de insolvência. Por outro lado, o Tribunal de Justiça limitou‑se a determinar, em cada caso, se o ato em questão tinha origem no direito processual relativo aos processos de insolvência ou noutras normas (Acórdãos de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition, C‑157/13, EU:C:2014:2145, n.o 26, e de 4 de dezembro de 2014, H, C‑295/13, EU:C:2014:2410, n.o 18).

    36

    Em especial, o elemento determinante a que o Tribunal de Justiça atende para identificar o domínio onde se integra uma ação é o fundamento jurídico desta última. Segundo esta abordagem, há que aferir se o direito ou a obrigação que está na base da ação tem a sua origem nas regras comuns do direito civil e comercial ou nas normas derrogatórias específicas dos processos de insolvência (Acórdãos de 4 de setembro de 2014, Nickel & Goeldner Spedition, C‑157/13, EU:C:2014:2145, n.o 27; de 11 de junho de 2015, Comité d’entreprise de Nortel Networks e o., C‑649/13, EU:C:2015:384, n.o 28; de 9 de novembro de 2017, Tünkers France e Tünkers Maschinenbau, C‑641/16, EU:C:2017:847, n.o 22; e de 20 de dezembro de 2017, Valach e o., C‑649/16, EU:C:2017:986, n.o 29).

    37

    No caso em apreço, cumpre salientar que, para além do facto de a ação de declaração da existência de créditos prevista no artigo 110.o da IO, intentada pela demandante no processo principal, constituir um elemento da legislação austríaca em matéria de insolvência, resulta dos termos dessa disposição que essa ação pode ser exercida no âmbito de um processo de insolvência, por parte de credores que nela participam, em caso de contestação relativa à exatidão ou à graduação de créditos declarados por esses credores.

    38

    Por conseguinte, verifica‑se que, tendo em conta estas características, a ação de declaração da existência de créditos prevista no artigo 110.o da IO decorre diretamente de um processo de insolvência, está estreitamente relacionada com este e tem a sua origem no direito dos processos de insolvência.

    39

    Por conseguinte, a referida ação não está abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, mas pelo do Regulamento n.o 1346/2000.

    40

    Nestas condições, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma ação de declaração da existência de créditos para efeitos do seu registo no âmbito de um processo de insolvência, como a que está em causa no processo principal, está excluída do âmbito de aplicação deste regulamento.

    Quanto à segunda questão

    41

    Com a sua segunda questão, que foi formulada apenas para o caso de ser dada uma resposta afirmativa à primeira, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que se aplica por analogia a uma ação como a que está em causa no processo principal, que é excluída do âmbito de aplicação deste regulamento, mas é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000.

    42

    A título preliminar, cabe recordar que, ao prever que, quando ações com a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, qualquer tribunal que não seja o tribunal demandado em primeiro lugar deve suspender oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal demandado em primeiro lugar, o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 tem em vista evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis relativamente a esses pedidos.

    43

    Importa igualmente salientar que, na medida em que o legislador da União expressamente excluiu determinadas matérias do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012, as suas disposições, incluindo as que têm caráter meramente processual, não se aplicam por analogia a essas matérias.

    44

    Por outro lado, tal aplicação violaria o sistema do Regulamento n.o 1346/2000 e prejudicaria, portanto, o seu efeito útil, nomeadamente na medida em que, em conformidade com os seus artigos 3.o e 27.o, lidos à luz dos considerandos 12, 18 e 19 deste regulamento, os processos secundários de insolvência podem ser abertos paralelamente ao processo principal de insolvência, o que o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não permite.

    45

    Além disso, como a Comissão alegou nas suas observações escritas, no que respeita ao sistema do Regulamento n.o 1346/2000, o seu artigo 31.o permite evitar o risco de decisões inconciliáveis, estabelecendo regras em matéria de informação e de cooperação no caso de processos de insolvência paralelos.

    46

    Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica, nem mesmo por analogia, a uma ação como a que está em causa no processo principal, excluída do âmbito de aplicação deste regulamento, mas abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000.

    Quanto à terceira questão

    47

    Tendo a terceira questão sido colocada apenas para o caso de ser dada resposta negativa à primeira questão ou para o caso de resposta afirmativa à segunda questão, não há que lhe responder.

    Quanto às questões quarta e quinta

    48

    Com as suas questões quarta e quinta, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 41.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que um credor pode, no âmbito de um processo de insolvência, reclamar um crédito sem indicar formalmente a data da respetiva constituição, quando a lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo o permite e se essa data puder ser deduzida dos documentos comprovativos referidos nesse artigo 41.o

    49

    Resulta dos considerandos 2 e 8 do Regulamento n.o 1346/2000 que este tem por objetivo permitir que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efetuem de forma eficiente e eficaz, melhorando a eficácia dos mesmos.

    50

    Em especial, como resulta designadamente do considerando 21 e do artigo 39.o deste regulamento, este visa assegurar um tratamento equitativo dos credores no seio da União e facilitar o exercício dos seus direitos.

    51

    O artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do Regulamento n.o 1346/2000 enuncia o princípio segundo o qual as regras relativas à reclamação, verificação e aprovação dos créditos são determinadas pela lei do Estado‑Membro em cujo território é aberto o processo de insolvência. O artigo 41.o deste regulamento, que figura no seu capítulo IV, sob a epígrafe «Informação dos credores e reclamação dos respetivos créditos», enuncia, no entanto, certas exigências relativas ao conteúdo da reclamação dos créditos, que, como o advogado‑geral salientou nos n.os 59 e 72 das suas conclusões, devem ser consideradas níveis máximos, relativas ao conteúdo da reclamação dos créditos, que podem ser impostas por uma legislação nacional aos credores com residência habitual, domicílio ou sede num Estado‑Membro diferente daquele em cujo território foi aberto o processo de insolvência.

    52

    Entre estas exigências, esse artigo 41.o prevê, nomeadamente, que o credor envie cópia dos documentos comprovativos, caso existam, e indique a data da constituição do crédito.

    53

    Por outro lado, importa recordar que, como foi salientado no n.o 51 do presente acórdão, as regras relativas à verificação e aprovação dos créditos continuam, em conformidade com o princípio enunciado no artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do Regulamento n.o 1346/2000, determinadas pela lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência.

    54

    Resulta das considerações precedentes que o artigo 41.o do Regulamento n.o 1346/2000 não deve ser objeto de uma interpretação que tenha por efeito afastar a reclamação de um crédito com o fundamento de que a declaração de crédito em causa não contém uma das indicações enunciadas nesse artigo 41.o, quando a menção dessa indicação não é imposta pela lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência e a referida indicação puder, sem especial dificuldade, ser deduzida dos documentos comprovativos referidos no artigo 41.o, o que cabe à autoridade competente, encarregada da verificação dos créditos, apreciar.

    55

    Nestas condições, há que responder à quarta e quinta questões que o artigo 41.o do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que um credor pode, no âmbito de um processo de insolvência, reclamar um crédito sem indicar formalmente a data da respetiva constituição, quando a lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo não impuser a obrigação de a indicar e essa data puder, sem dificuldade especial, ser deduzida dos documentos comprovativos referidos nesse artigo 41.o, o que cabe à autoridade competente, encarregada da verificação dos créditos, apreciar.

    Quanto às despesas

    56

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação de declaração da existência de créditos para efeitos do seu registo no âmbito de um processo de insolvência, como a que está em causa no processo principal, está excluída do âmbito de aplicação deste regulamento.

     

    2)

    O artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica, nem mesmo por analogia, a uma ação como a que está em causa no processo principal, excluída do âmbito de aplicação deste regulamento, mas abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1346/2000.

     

    3)

    O artigo 41.o do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processo de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que um credor pode, no âmbito de um processo de insolvência, reclamar um crédito sem indicar formalmente a data da respetiva constituição, quando a lei do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo não impuser a obrigação de a indicar e essa data puder, sem dificuldade especial, ser deduzida dos documentos comprovativos referidos nesse artigo 41.o, o que cabe à autoridade competente, encarregada da verificação dos créditos, apreciar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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