Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62017TJ0380

    Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 5 de outubro de 2020 (Excertos).
    HeidelbergCement AG e Schwenk Zement KG contra Comissão Europeia.
    Concorrência — Concentrações — Mercado do cimento cinzento na Croácia — Decisão que declara a concentração incompatível com o mercado interno e o Acordo EEE — Empresas em causa — Mercado em questão — Parte substancial do mercado interno — Apreciação dos efeitos da operação na concorrência — Compromissos — Direitos de defesa — Remissão parcial às autoridades nacionais.
    Processo T-380/17.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2020:471

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

    5 de outubro de 2020 ( *1 )

    «Concorrência — Concentrações — Mercado do cimento cinzento na Croácia — Decisão que declara a concentração incompatível com o mercado interno e o Acordo EEE — Empresas em causa — Mercado em questão — Parte substancial do mercado interno — Apreciação dos efeitos da operação na concorrência — Compromissos — Direitos de defesa — Remissão parcial às autoridades nacionais»

    No processo T‑380/17,

    HeidelbergCement AG, com sede em Heidelberga (Alemanha),

    Schwenk Zement KG, com sede em Ulm (Alemanha),

    representadas por: U. Denzel, C. von Köckritz, P. Pichler, U. Soltész, M. Raible e G. Wecker, advogados,

    recorrentes,

    apoiadas por:

    Duna‑Dráva Cement Kft., com sede em Vác (Hungria), representada por C. Bán e Á. Papp, advogados,

    interveniente,

    contra

    Comissão Europeia, representada por A. Dawes, H. Leupold e T. Vecchi, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2017) 1650 final da Comissão, de 5 de abril de 2017, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno e o Acordo EEE (processo M.7878 — HeidelbergCement/Schwenk/Cemex Hungary/Cemex Croácia),

    O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

    composto por: A. M. Collins, presidente, R. Barents (relator) e J. Passer, juízes,

    secretário: E. Artemiou, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 17 de outubro de 2019,

    profere o presente

    Acórdão ( 1 )

    [omissis]

    III. Questão de direito

    [omissis]

    B. Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e a erros manifestos de apreciação na definição da dimensão comunitária da concentração

    [omissis]

    2.   Quanto ao mérito

    95

    Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam, em substância que a Comissão não é competente para controlar a operação, na medida em que não tem dimensão comunitária, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004. Esta disposição exige, em especial que pelo menos duas das empresas em causa atinjam individualmente um volume de negócios de, pelo menos, 250 milhões de euros. Ora, no termo da operação, a DDC viria a adquirir os seus concorrentes diretos, a Cemex Croatia e a Cemex Hungary. Por conseguinte, as empresas em causa são estas duas empresas enquanto empresas‑alvo e a DDC como adquirente. Assim, o volume de negócios da HeidelbergCement e da Schwenk não deveria ter sido considerado separadamente pela Comissão, mas deveria ter sido atribuído à DDC. Uma vez que o volume de negócios das empresas‑alvo era demasiado baixo para atingir os limiares de volume de negócios do Regulamento n.o 139/2004, apenas a DDC estava, então, em condições de atingir individualmente esses limiares e a operação não tinha dimensão comunitária.

    [omissis]

    a)   Quanto à primeira parte, relativa ao conceito de empresas em causa

    97

    No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que a interpretação feita da Comunicação consolidada da Comissão em matéria de competência ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2008, C 95, p. 1 e retificação JO 2009, C 43, p. 10; a seguir «Comunicação consolidada em matéria de competência»), no que se refere à identificação das empresas em causa no âmbito da tomada de controlo conjunto por uma empresa comum, é errada. As recorrentes, apoiadas pela DDC, invocam cinco fundamentos para sustentar esta alegação.

    98

    Antes de apreciar o mérito desses fundamentos, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma, tal como a DDC, deve ser considerada uma «empresa em causa» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, na medida em que o conceito de empresa no contexto do direito da concorrência se refere a uma entidade económica autónoma.

    99

    Com efeito, os princípios de autonomia jurídica e económica das sociedades não podem, em qualquer caso, implicar que uma sociedade detida e controlada conjuntamente por duas outras sociedades atue necessariamente de maneira autónoma no mercado, pelo simples facto de dispor de personalidade jurídica ou de meios económicos próprios. Com efeito, uma tal suposição ignoraria totalmente as inúmeras possibilidades que existem, na prática, para que tais sociedades‑mãe influenciem o comportamento da sua filial de modo formal ou informal (v., nesse sentido, Acórdão de 17 de maio de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, T‑299/08, EU:T:2011:217, n.o 70).

    1) Quanto à tomada em consideração da realidade económica para efeitos da determinação das empresas em causa

    100

    As recorrentes sustentam que os n.os 145 a 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência relativos ao controlo por uma empresa comum não permitem à Comissão identificar caso a caso as empresas em causa, analisando a realidade económica para determinar quem são os verdadeiros intervenientes no projeto de concentração. Assim, a identificação das empresas em causa pode ser o resultado de apreciações factuais complexas, realizadas casuisticamente. Apenas pode ser considerada uma exceção quando é evidente para todas as entidades em causa que a empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma não é uma empresa em causa. Na sua opinião, a Comissão só pode analisar a realidade económica em duas hipóteses. Em primeiro lugar, quando as empresas adquirentes utilizem uma «empresa fictícia», a saber, uma sociedade especialmente constituída para a aquisição e, em segundo lugar, em situações de evasão manifesta quando uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma é utilizada como mero instrumento para uma transação totalmente irrelevante para si e se tal for evidente para todos os intervenientes em causa.

    101

    As recorrentes acrescentam que resulta da redação do n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência que uma participação ativa das sociedades‑mãe na operação pode servir de indício de que estas usam uma empresa comum como mero instrumento de aquisição, mas não é suficiente por si para qualificar as sociedades‑mãe como empresas em causa.

    102

    Além disso, uma participação das sociedades‑mãe só pode ser considerada indício da utilização de uma empresa comum como mero instrumento de aquisição se tiverem participado simultaneamente na iniciativa, organização e financiamento da operação e se todas ou, pelo menos, várias sociedades‑mãe manifestarem essa participação.

    103

    Além disso, as recorrentes alegam que uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma não pode ser qualificada de mero instrumento se tiver um interesse estratégico próprio na operação de concentração, mesmo que as sociedades‑mãe possam ter também um interesse estratégico próprio mais amplo nessa operação. Só se a aquisição não disser respeito à atividade económica da empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma, mas servir unicamente os interesses das sociedades‑mãe, é que estas últimas podem ser afetadas pela operação. No caso em apreço, o interesse da DDC ter‑se‑ia materializado, designadamente, nos seus projetos de aquisição anteriores, no facto de ser uma empresa que já existe há muito tempo, de a operação reforçar indiretamente a sua presença no mercado, de ter sido a adquirente direta da Cemex Croatia, e de ter participado numa operação que lhe dizia diretamente respeito.

    104

    Segundo a DDC, o conceito de empresas em causa tem em vista identificar as empresas a ter em conta para apreciar se uma concentração deve ou não ser notificada no âmbito do Regulamento n.o 139/2004. A este título, este conceito deve ser interpretado de forma estrita e previsível. Daí que não possa depender nem do modo como o processo de aquisição é iniciado e organizado ou como evolui, nem de uma apreciação pela Comissão da alegada realidade económica. Só haverá exceção se se demonstrar claramente que a direção da empresa‑alvo e a sua estratégia concorrencial não serão determinadas pela sociedade adquirente após a operação ou que esta beneficiará exclusivamente outra sociedade e não a adquirente direta.

    105

    A este respeito, há que observar que o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 não define o conceito de empresas em causa. Todavia, a interpretação deste conceito nas operações em que uma empresa comum adquire o controlo de outra sociedade é objeto dos n.os 145 a 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência.

    106

    Nos termos do n.o 145 da Comunicação consolidada, se, em termos gerais, a empresa em causa é a empresa comum que participa diretamente na aquisição do controlo, poderá haver casos em que as empresas criam empresas «fictícias» e as empresas‑mãe serão individualmente consideradas empresas em causa. Neste tipo de situação, a Comissão analisará a realidade económica da operação a fim de determinar quais as empresas em causa.

    107

    Nesse contexto, o n.o 146 da Comunicação consolidada em matéria de competência precisa que, quando a aquisição é realizada por uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma, com as características referidas, supra, e já exerce a sua atividade no mesmo mercado, a Comissão deverá, em princípio, considerar que as empresas em causa são a própria empresa comum e a empresa‑alvo (e não as empresas‑mãe da empresa comum).

    108

    Nos termos do n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência:

    «Ao invés, quando a empresa comum puder ser considerada como um mero instrumento utilizado para efetuar uma aquisição pelas empresas‑mãe, a Comissão considerará cada uma das próprias empresas‑mãe, e não a empresa comum, como as empresas em causa juntamente com a empresa‑alvo. É o que acontece, nomeadamente, quando a empresa comum é criada especificamente para efeitos de aquisição da empresa‑alvo ou ainda não iniciou as suas atividades, quando uma empresa comum já existente não desempenha as funções de uma entidade económica autónoma, como já se referiu, ou quando a empresa comum é uma associação de empresas. O mesmo se aplica quando existem elementos que demonstram que as empresas‑mãe são, na realidade, os verdadeiros intervenientes na operação. Estes elementos podem incluir um envolvimento significativo das próprias empresas‑mãe na iniciativa, organização e financiamento da operação. Nesses casos, as empresas‑mãe são consideradas como as empresas em causa.»

    109

    É à luz dessas considerações que há que apreciar os argumentos das recorrentes e da DDC.

    110

    Em primeiro lugar, deve ser rejeitada a interpretação proposta pelas recorrentes e pela DDC que consiste em negar à Comissão a possibilidade de ter em conta a realidade económica, exceto nas hipóteses que identificam.

    111

    Antes de mais, essas interpretações levam apenas a negar totalmente a relevância, para a aplicação do Regulamento n.o 139/2004, das ligações que possam existir entre uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma e as sociedades‑mãe, à exceção das hipóteses identificadas pelas recorrentes e pela DDC. Ora, não é o que sucede.

    112

    Com efeito, há que recordar que foi decidido que o facto de uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma e, portanto, de um ponto de vista funcional, economicamente autónoma não significa que goze de autonomia relativamente à adoção das suas decisões estratégicas. Uma conclusão inversa levaria a uma situação na qual nunca existiria um controlo conjunto numa «empresa comum», quando esta fosse economicamente autónoma (v., por analogia, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 62).

    113

    Por conseguinte, está excluída que a questão essencial, colocada nos termos do n.o 145 da Comunicação consolidada em matéria de competência, relativa à determinação das circunstâncias em que uma empresa comum deve ser considerada uma empresa em causa, fique reduzida às hipóteses mencionadas pelas recorrentes e pela DDC.

    114

    Seguidamente, a interpretação das recorrentes e da DDC equivale também a negar que os laços indiretos entre as sociedades‑mãe e a empresa comum possam ter efeitos no comportamento concorrencial das empresas assim ligadas em determinados mercados.

    115

    Ora, no âmbito do exercício de controlo conjunto de uma empresa comum, as sociedades‑mãe dessa empresa deverão necessariamente chegar a acordo sobre a gestão comercial desta última, e, em certa medida, sobre a sua própria posição em relação à empresa comum em determinados mercados. Daqui resulta que a existência destes laços indiretos, de ordem económica e estrutural, constituiu um elemento que deve ser tido em conta no âmbito da apreciação de uma concentração na aceção do regulamento sobre as concentrações (Acórdão de 8 de julho de 2003, Verband der freien Rohrwerke e o./Comissão, T‑374/00, EU:T:2003:188, n.os 173 e 174).

    116

    Decorre do que antecede que, para garantir a eficácia do controlo das concentrações, se afigura necessário ter em conta a realidade económica dos verdadeiros intervenientes na concentração em função das situações de direito e de facto específicas de cada caso. Assim, a determinação das empresas em causa está necessariamente ligada ao modo como o processo de aquisição foi iniciado, organizado e financiado em cada caso individual.

    117

    Em segundo lugar, deve também ser rejeitada a interpretação do n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência proposta pelas recorrentes e pela DDC.

    118

    Em primeiro lugar, resulta da redação deste número que a utilização de uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma como simples instrumento de aquisição não é a única hipótese em que as sociedades‑mãe podem ser qualificadas de empresas em causa.

    119

    Com efeito, o segundo período deste número refere diferentes exemplos de situações em que uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma pode ser considerada mero instrumento de aquisição. Tal resulta do uso da fórmula «[é] o que acontece». Ao invés, a situação em que «existem elementos que demonstram que as empresas‑mãe são, na realidade, os verdadeiros intervenientes na operação» é mencionada separadamente no período seguinte. Assim, há que distinguir este último caso das situações em que uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma pode ser considerada mero instrumento de aquisição.

    120

    Além disso, a versão inglesa deste último período do n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência utiliza a expressão «in those cases» no plural, e não no singular, para se referir às hipóteses em que as sociedades‑mãe podem ser consideradas «empresas em causa» em vez da sua empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma. Tal confirma que existem várias hipóteses em que as sociedades‑mãe são consideradas «empresas em causa».

    121

    Em segundo lugar, resulta da redação desta disposição que os «elementos» que «demonstram» que «as empresas‑mãe são, na realidade, os verdadeiros intervenientes na operação» e que são enumerados como tais, a saber o «envolvimento significativo das próprias empresas‑mãe na iniciativa, organização e financiamento da operação», não constituem uma lista exaustiva de hipóteses. Tal resulta do uso da expressão «on citera ainsi» na versão francesa, da expressão «these elements may include» na versão inglesa e da expressão «kan een fator zinj» na versão neerlandesa.

    122

    Com efeito, para ter em conta a realidade económica, há que tomar em consideração todos os elementos pertinentes que permitam determinar quem são os verdadeiros intervenientes na operação. Assim, o envolvimento significativo das sociedades‑mãe na operação pode deduzir‑se de um conjunto global de elementos de prova concordantes, embora nenhum desses elementos, individualmente considerado, seja suficiente para «levantar o véu» sobre a realidade da operação.

    123

    Por outras palavras, o n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência contempla duas hipóteses, concretamente a hipótese em que a empresa comum é utilizada como mero instrumento ou, em alternativa, a hipótese em que as sociedades‑mãe são os verdadeiros intervenientes na operação. A este respeito, a referida disposição cita diferentes exemplos relativos a cada uma destas duas hipóteses, mas não de forma exaustiva.

    124

    Por conseguinte, contrariamente ao que as recorrentes e a DDC alegam, não é apenas quando as sociedades‑mãe utilizam uma «empresa fictícia» para a aquisição ou em situações de evasão que se pode considerar que as sociedades‑mãe são empresas em causa, mas também quando são os verdadeiros intervenientes na operação. Há que precisar que, no caso em apreço, a Comissão considerou que a operação se incluía na segunda hipótese e não na primeira, como as recorrentes parecem sugerir às vezes nos seus articulados.

    125

    Em terceiro lugar, deve ser julgado inoperante o argumento segundo o qual uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma não pode ser qualificada de mero instrumento quando tem um interesse próprio na operação, uma vez que, como referido no n.o 124, supra, a Comissão entendeu que a presente operação se inseria na segunda hipótese prevista no n.o 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência. Em todo o caso, o facto de uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma poder ter um interesse estratégico próprio numa operação de concentração não pode impedir a qualificação das sociedades‑mãe como empresas em causa enquanto verdadeiros intervenientes na operação, tendo em conta, designadamente, o seu envolvimento significativo na iniciativa, organização e financiamento da operação.

    126

    Por conseguinte, há que julgar improcedentes os argumentos das recorrentes e da DDC.

    2) Quanto ao princípio da segurança jurídica

    127

    As recorrentes alegam que a abordagem da Comissão que consiste em ter em conta caso a caso a realidade económica viola o princípio da segurança jurídica. Com efeito, o conceito de empresas em causa tem impacto imediato na aplicação da obrigação de suspensão da concentração e no risco de eventuais coimas no caso de violação dessa obrigação. Ora, do lado do adquirente, a sociedade‑mãe de uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma não tem de estar forçosamente ao corrente do alcance do envolvimento da outra sociedade‑mãe. Do mesmo modo, a empresa‑alvo e o vendedor não estão geralmente em condições de identificar as empresas em causa do lado do adquirente, na medida em que não têm necessariamente conhecimento do grau de participação das sociedades‑mãe e da empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma na organização e financiamento da concentração. E, mesmo que assim fosse, as empresas em causa não poderiam apreciar a montante da operação se o grau de envolvimento é suficientemente alto para concluir que as sociedades‑mãe são empresas em causa. A incerteza gerada por essa situação seria inaceitável.

    128

    Segundo as recorrentes, as empresas em causa devem consultar a Comissão antes da notificação de cada projeto de concentração para conhecer o seu ponto de vista. Todavia, mesmo essa consulta não ofereceria segurança jurídica na medida em que as respostas da DG «Concorrência» aos pedidos de consulta não são vinculativas e que, em processos recentes, a Comissão recusou inclusivamente dar uma resposta por escrito.

    129

    Há que julgar improcedente a alegação apresentada pelas recorrentes relativa à violação do princípio da segurança jurídica.

    130

    O princípio da segurança jurídica, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 100). No entanto, quando um certo de grau de incerteza quanto ao sentido e ao alcance de uma norma jurídica é inerente a esta, há que examinar se a norma jurídica em causa enferma de uma ambiguidade tal que impeça que os interessados possam dissipar, com um grau suficiente de certeza, as eventuais dúvidas quanto ao alcance ou ao sentido dessa norma (v., nesse sentido, Acórdão de 14 de abril de 2005, Bélgica/ComissãoC‑110/03, EU:C:2005:223, n.os 30 e 31). A este respeito, estas exigências não podem ser entendidas no sentido de que impõem que uma norma que utiliza um conceito jurídico abstrato mencione as diferentes hipóteses concretas em que a mesma é suscetível de ser aplicável, na medida em que todas estas hipóteses não podem ser previamente determinadas pelo legislador (Acórdão de 20 de julho de 2017, Marco Tronchetti Provera e o., C‑206/16, EU:C:2017:572, n.o 42).

    131

    No caso em apreço, com a sua alegação segundo a qual a Comunicação consolidada em matéria de competência não permite à Comissão «examinar a realidade económica» a seu bel‑prazer e «determinar quem são os verdadeiros intervenientes na operação» em cada hipótese individual, não é possível determinar se as recorrentes pretendem invocar a falta de clareza, de precisão ou de previsibilidade dos n.os 145 a 147 da referida comunicação, ou da aplicação que dela faz a Comissão no caso em apreço. Por conseguinte, há que examinar se a própria Comunicação consolidada em matéria de competência ou a sua aplicação pela Comissão provocaram uma ambiguidade contrária ao princípio da segurança jurídica.

    132

    Resulta dos n.os 1 e 4 da Comunicação consolidada em matéria de competência que a mesma foi adotada para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da ação levada a cabo pela Comissão (v., por analogia, Acórdãos de 30 de maio de 2013, Comissão/Suécia, C‑270/11, EU:C:2013:339, n.o 41, e de 12 de fevereiro de 2014, Beco/Comissão, T‑81/12, EU:T:2014:71, n.o 70).

    133

    Os n.os 145 a 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência foram, portanto, designadamente adotados com o objetivo de garantir a segurança jurídica. Além disso, essas disposições não mostram sinais contraditórios com o método utilizado pela Comissão para determinar as empresas afetadas por uma operação de concentração. Permitem, quer às sociedades‑mãe de uma empresa comum que desempenha todas as funções de uma entidade económica autónoma, quer ao vendedor e à sociedade‑alvo, determinar as empresas em causa, na medida em que, como alega a Comissão, essas empresas teriam necessariamente conhecimento, no quadro das negociações com vista à concentração, o grau de envolvimento das sociedades‑mãe da empresa comum. Em caso de dúvida, as partes na concentração podem sempre pedir informações à sociedade em causa quanto ao seu grau de envolvimento na operação.

    134

    Além disso, enquanto operadores económicos diligentes e, em especial, enquanto profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão, as partes numa concentração podem igualmente, se necessário, recorrer a aconselhamento especializado para avaliar as consequências que podem resultar da aplicação dos n.os 145 a 147 da Comunicação consolidada em matéria de competência.

    135

    Por outro lado, as partes na concentração têm sempre a possibilidade de contactar os serviços da Comissão a fim de obter orientações informais sobre as empresas afetadas pela operação. A este respeito, as recorrentes não especificam quais os processos recentes em que a Comissão se recusou, segundo afirmam, a dar essa resposta.

    136

    As circunstâncias do caso em apreço contradizem igualmente as alegações das recorrentes, uma vez que a DDC solicitou em 20 de agosto de 2015 essa informação e obteve resposta em 13 de novembro de 2015, como resulta dos n.os 14 e 16, supra. Além disso, a posição da DG «Concorrência» exposta na sua carta de 13 de novembro de 2015, que identifica as recorrentes como empresas em causa, é idêntica à posição finalmente adotada na decisão impugnada. Embora a referida carta indique que não constitui uma decisão da Comissão, as recorrentes não demonstraram que a consulta da Comissão as impediu, enquanto operadores económicos diligentes, de dissiparem as eventuais dúvidas que poderiam ter tido quanto à obrigação de notificação no caso em apreço.

    [omissis]

    3) Quanto ao alcance das competências da Comissão

    [omissis]

    140

    Há que salientar que o raciocínio das recorrentes, segundo o qual a interpretação da Comissão permite incluir no seu âmbito de competência as concentrações com impacto numa pequena parte de um Estado‑Membro e que são irrelevantes para o comércio transfronteiriço no mercado interno, assenta numa premissa errada. Com efeito, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, última parte da frase, do Regulamento n.o 139/2004, uma concentração não tem dimensão comunitária mesmo que os limiares do volume de negócios sejam alcançados, quando cada uma das empresas em causa realiza mais de dois terços do seu volume de negócios total na União num único Estado‑Membro. Além disso, as recorrentes parecem confundir a dimensão económica de uma concentração com os seus efeitos numa parte significativa do mercado, uma vez que a questão de saber se a operação entrava significativamente uma concorrência efetiva numa parte substancial do mercado se insere na apreciação de mérito sobre a concorrência (v., n.o 359 e seguintes, a seguir).

    141

    Por conseguinte, há que julgar improcedente este argumento das recorrentes.

    4) Quanto à intenção das sociedades‑mãe

    142

    As recorrentes alegam que a posição adotada pela Comissão na decisão impugnada sobre a Comunicação consolidada em matéria de competência faz depender a aplicação do Regulamento n.o 139/2004 de elementos subjetivos, o que contrariaria a jurisprudência do Tribunal Geral.

    143

    Assim, há que julgar improcedente o argumento das recorrentes.

    144

    A este respeito, as recorrentes não podiam retirar nenhum argumento útil do n.o 129 do Acórdão de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão (T‑87/05, EU:T:2005:333). Com efeito, se este número enuncia que a aplicabilidade do antigo regulamento sobre o controlo das concentrações não pode depender da vontade das partes numa operação de concentração, não incide sobre a identificação das empresas em causa, mas limita‑se a estabelecer que o simples facto de as partes notificarem uma operação não implica que o regulamento sobre o controlo das concentrações seja aplicável.

    5) Quanto aos objetivos e estrutura do Regulamento n.o 139/2004

    145

    A DDC alega que, embora o Regulamento n.o 139/2004 não defina o conceito de empresas em causa, os seus objetivos e a estrutura do seu artigo 5.o, n.o 4, dão indicações sobre o modo como se deve interpretar esse conceito.

    146

    Em primeiro lugar, decorre, em substância, do objetivo atribuído ao regulamento, pelo seu considerando 8, que as empresas em causa são as empresas que participam diretamente na concentração. Assim, para avaliar corretamente os efeitos de uma concentração, há que determinar que sociedade controlará as atividades das empresas‑alvo, decidirá da sua estratégia concorrencial e suportará as consequências económicas. Regra geral, é necessário que as empresas em causa se situem de ambos os lados da transação, de outro modo a Comissão deveria examinar cada uma das aquisições menores de empresas‑alvo por empresas comuns de grandes multinacionais. Perante isto, só poderia haver exceção quando a direção da empresa‑alvo e a sua estratégia concorrencial não forem determinadas pelo adquirente ou quando a operação beneficie exclusivamente outra sociedade. O grau de envolvimento da sociedade‑mãe do adquirente na iniciativa, organização e financiamento seria pouco relevante.

    147

    Em segundo lugar, decorre da distinção feita no artigo 5.o, n.o 4, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 139/2004 entre a empresa em causa, por um lado, e as empresas que controlam uma empresa em causa, por outro, que esse regulamento não visa que os acionistas que controlam uma sociedade possam ser considerados empresas em causa. Podem existir exceções se se demonstrar claramente que uma operação não diz respeito diretamente à sociedade adquirente. Caso contrário, o artigo 5.o, n.o 4, alínea c), do referido regulamento seria supérfluo.

    148

    O raciocínio de DDC improcede.

    149

    Em primeiro lugar, como alega acertadamente a Comissão, não é necessário que as empresas em causa cujo volume de negócios ultrapassa os limiares previstos se situem de ambos os lados da operação, na medida em que o artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004 não evoca «o adquirente e a empresa‑alvo», mas «pelo menos duas das empresas em causa».

    150

    Por outro lado, há que recordar que, de modo semelhante, em virtude do n.o 140 da Comunicação consolidada em matéria de competência quando duas sociedades adquirem o controlo conjunto de uma sociedade já existente, as empresas em causa são todas as empresas que adquirem o controlo conjunto e a empresa‑alvo.

    151

    Em segundo lugar, o artigo 5.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004 dispõe apenas que o volume de negócios total de uma empresa em causa deve incluir o volume de negócios de empresas que dispõem, na empresa em causa, de determinados direitos ou poderes, sem que tal impeça que, em certos casos, as empresas que controlam outras empresas possam ser consideradas elas próprias as empresas em causa.

    152

    Resulta do exposto que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

    [omissis]

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A HeidelbergCement AG e a Schwenk Zement KG são condenadas a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

     

    3)

    A Duna‑Dráva Cement Kft. suportará as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção.

     

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de outubro de 2020.

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    ( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

    Top