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Document 62017CO0131

    Despacho do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 23 de novembro de 2017.
    Hélder José Cunha Martins contra Fundo de Garantia Automóvel.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto.
    Reenvio prejudicial — Artigo 53.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.° — Direito à proteção judicial efetiva e ao acesso a um tribunal imparcial — Inexistência de qualquer questão relativa a uma norma de direito da União diferente da Carta dos Direitos Fundamentais — Incompetência do Tribunal de Justiça.
    Processo C-131/17.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:902

    DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

    23 de novembro de 2017 (*)

    «Reenvio prejudicial — Artigo 53.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.° — Direito à proteção judicial efetiva e ao acesso a um tribunal imparcial — Inexistência de qualquer questão relativa a uma norma de direito da União diferente da Carta dos Direitos Fundamentais — Incompetência do Tribunal de Justiça»

    No processo C‑131/17,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto (Portugal), por decisão de 1 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de março de 2017, no processo

    Hélder José Cunha Martins

    contra

    Fundo de Garantia Automóvel,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: C. G. Fernlund, presidente de secção, A. Arabadjiev (relator) e E. Regan, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação do Fundo de Garantia Automóvel, por G. Ribeiro, advogado,

    –        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e M. Castello‑Branco, na qualidade de agentes,

    –        em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, na qualidade de agente,

    –        em representação da Comissão Europeia, por P. Costa de Oliveira e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir por despacho fundamentado, nos termos do artigo 53.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

    profere o presente

    Despacho

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

    2        Foi apresentado no âmbito de um litígio entre Hélder José Cunha Martins e o Fundo de Garantia Automóvel (a seguir «FGA») a respeito da recuperação pelo FGA, junto de H. Cunha Martins, dos montantes pagos na indemnização do lesado de um acidente de viação causado por um veículo automóvel conduzido, no momento do sinistro, por H. Cunha Martins e pertencente à sua entidade patronal.

     Quadro jurídico

    3        Nos termos do artigo 94.°, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça:

    «Para além do texto das questões submetidas ao Tribunal a título prejudicial, o pedido de decisão prejudicial deve conter:

    [...]

    c)      a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.»

     Factos no processo principal e questões prejudiciais

    4        Resulta da decisão de reenvio que um veículo automóvel pertencente à sociedade comercial F3 Auto e conduzido por H. Cunha Martins como empregado dessa sociedade causou um acidente de viação. Não estando o veículo coberto, no momento do sinistro, pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, o FGA indemnizou o lesado do acidente pelos danos sofridos.

    5        Posteriormente, no âmbito de uma ação de direito de regresso, o FGA obteve, no processo de recurso de segunda instância, uma decisão declarativa contra a F3 Auto e H. Cunha Martins, condenando‑os solidariamente a reembolsar o FGA da quantia correspondente à indemnização do lesado. Com base nesse acórdão, o FGA moveu uma ação executiva unicamente contra H. Cunha Martins.

    6        Este deduziu oposição à execução do referido acórdão, oposição julgada improcedente por um tribunal de primeira instância. Interpôs então recurso de apelação dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto (Portugal), alegando, nomeadamente, uma violação do artigo 47.° da Carta. Com efeito, entende terem sido violados os seus direitos de defesa no processo anterior que deu origem ao título executivo controvertido.

    7        O tribunal de reenvio considera que lhe incumbe, nomeadamente, verificar se o acórdão que serviu de base à execução foi proferido na sequência de um processo tramitado de forma equitativa. Entende que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não dá uma resposta clara a esse respeito.

    8        Nestas condições, o Tribunal da Relação do Porto suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      A condenação, a título solidário, em ação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, em sede de recurso, por tribunal superior, sem recurso ao princípio da imediação, e sem uso cabal de todos os meios de defesa, deverá considerar‑se causa julgada de forma justa e equitativa, conforme dispõe o artigo 47.° da [Carta]?

    2)      A penhora de bens em processo de execução sem ter sido julgada previamente a ação de regresso colide com a norma do artigo 47.° da [Carta]?»

     Quanto à competência do Tribunal de Justiça

    9        Há que lembrar que o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, está definido no seu artigo 51.°, n.° 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União.

    10      Com efeito, resulta, em substância, da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os direitos fundamentais garantidos no ordenamento jurídico da União Europeia são aplicáveis em todas as situações regidas pelo direito da União, mas não fora dessas situações. Foi nessa medida que o Tribunal de Justiça já lembrou que não pode apreciar, à luz da Carta, uma regulamentação nacional que não se enquadre no âmbito do direito da União. Em contrapartida, quando essa regulamentação se integre no âmbito de aplicação desse direito, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários à apreciação, pelo tribunal nacional, da conformidade dessa regulamentação com os direitos fundamentais, cujo respeito assegura (despacho de 11 de janeiro de 2017, Boudjellal, C‑508/16, não publicado, EU:C:2017:6, n.° 17 e jurisprudência aí referida).

    11      A esse propósito, o Tribunal de Justiça tem repetidamente recusado reconhecer a sua competência numa situação em que a decisão de reenvio não contenha nenhum elemento concreto que permita considerar que o objeto do processo principal diz respeito à interpretação ou à aplicação de uma norma da União diferente das que constam da Carta (despacho de 11 de janeiro de 2017, Boudjellal, C‑508/16, não publicado, EU:C:2017:6, n.° 18 e jurisprudência aí referida).

    12      Para dar aos governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentar observações nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas também para permitir ao Tribunal de Justiça compreender o alcance do pedido prejudicial e fiscalizar a sua competência, é indispensável que a decisão de reenvio, o único documento que será notificado às partes interessadas, contenha todos os elementos necessários (despacho de 11 de janeiro de 2017, Boudjellal, C‑508/16, não publicado, EU:C:2017:6, n.° 19 e jurisprudência aí referida).

    13      Os requisitos relativos ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial constam expressamente do artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.° TFUE, é suposto o órgão jurisdicional de reenvio conhecer e respeitar escrupulosamente (despacho de 11 de janeiro de 2017, Boudjellal, C‑508/16, não publicado, EU:C:2017:6, n.° 20 e jurisprudência aí referida).

    14      Segundo o artigo 94.° do Regulamento de Processo, para além do texto das questões submetidas ao Tribunal a título prejudicial, o pedido de decisão prejudicial deve conter, primeiro, uma exposição sumária do objeto do litígio e dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam; segundo, o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar no caso concreto e, sendo caso disso, a jurisprudência nacional pertinente; e, terceiro, a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal [acórdão de 26 de maio de 2016, NN (L) International, C‑48/15, EU:C:2016:356, n.° 22, e despacho de 11 de janeiro de 2017, Boudjellal, C‑508/16, não publicado, EU:C:2017:6, n.° 21].

    15      O Tribunal de Justiça precisou estes elementos por várias vezes na sua jurisprudência, explicando a necessidade de constarem da decisão de reenvio, e também nas Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2012, C 338, p. 1, n.° 22) (despacho de 11 de janeiro de 2017, Boudjellal, C‑508/16, não publicado, EU:C:2017:6, n.° 22 e jurisprudência aí referida).

    16      No caso, o pedido de decisão prejudicial não preenche esses requisitos.

    17      Com efeito, como referem tanto os Governos português e austríaco como a Comissão Europeia, a decisão de reenvio não contém nenhum elemento concreto que permita considerar que o objeto do processo principal diz respeito à interpretação ou à aplicação de uma norma da União diferente do artigo 47.° da Carta.

    18      Por outro lado, a decisão de reenvio não refere nenhuma norma de direito da União diferente dessa disposição da Carta. Além disso, como referem esses governos e a Comissão, não resulta da descrição do litígio no processo principal nem da regulamentação nacional aplicável a esse litígio qualquer nexo com uma norma desse tipo.

    19      Assim, uma vez que o pedido de decisão prejudicial não contém um mínimo de explicações sobre o nexo que o órgão jurisdicional de reenvio estabelece entre o direito da União, para além da Carta, e a regulamentação nacional aplicável ao litígio no processo principal, não está verificada a competência do Tribunal de Justiça para responder ao presente pedido de decisão prejudicial.

    20      Nestas condições, há que observar que o Tribunal de Justiça é manifestamente incompetente para responder às questões submetidas pelo Tribunal da Relação do Porto.

     Quanto às despesas

    21      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

    O Tribunal de Justiça da União Europeia é manifestamente incompetente para responder às questões submetidas pelo Tribunal da Relação do Porto (Portugal).

    Feito no Luxemburgo, em 23 de novembro de 2017.

    O secretário

     

    O presidente da Sexta Secção

    A. Calot Escobar

     

    C. G. Fernlund


    *      Língua do processo: português.

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