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Document 62017CJ0695

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 14 de março de 2019.
Metirato Oy contra Suomen valtio/Verohallinto e Eesti Vabariik/Maksu- ja Tolliamet.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Helsingin käräjäoikeus.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2010/24/UE — Assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas — Artigo 13.o, n.o 1 — Artigo 14.o, n.o 2 — Cobrança coerciva, pelas autoridades do Estado‑Membro requerido, de créditos do Estado‑Membro requerente — Processo relativo a um pedido destinado à reintegração desses créditos na massa insolvente de uma sociedade com sede no Estado‑Membro requerido — Sujeito com legitimidade passiva nesse processo — Determinação.
Processo C-695/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:209

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de março de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2010/24/UE — Assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas — Artigo 13.o, n.o 1 — Artigo 14.o, n.o 2 — Cobrança coerciva, pelas autoridades do Estado‑Membro requerido, de créditos do Estado‑Membro requerente — Processo relativo a um pedido destinado à reintegração desses créditos na massa insolvente de uma sociedade com sede no Estado‑Membro requerido — Sujeito com legitimidade passiva nesse processo — Determinação»

No processo C‑695/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia), por decisão de 5 de dezembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de dezembro de 2017, no processo

Metirato Oy, em liquidação,

contra

Suomen valtio/Verohallinto,

Eesti Vabariik/Maksu‑ ja Tolliamet,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, C. Toader, A. Rosas e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e I. Koskinen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de novembro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o, n.o 1, e do artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas (JO 2010, L 84, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Metirato Oy ao Suomen valtio/Verohallinto (Estado finlandês — Administração Fiscal) e ao Eesti Vabariik/Maksu‑ ja Tolliamet (Estado estónio — Administração Fiscal), a propósito de um pedido do administrador da massa insolvente dessa sociedade destinado à reintegração, nessa massa, de créditos cobrados pelas autoridades finlandesas, a pedido das autoridades estónias.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos dos considerandos 1 a 4 da Diretiva 2010/24:

«(1)

A assistência mútua entre Estados‑Membros em matéria de cobrança recíproca dos respetivos créditos e dos da União respeitantes a determinados impostos e outras medidas contribui para o bom funcionamento do mercado interno. Garante a neutralidade fiscal e tem permitido que os Estados‑Membros procedam à abolição de medidas de proteção discriminatórias destinadas a evitar a fraude e as perdas orçamentais.

(2)

As disposições relativas à assistência mútua em matéria de cobrança foram inicialmente consagradas pela Diretiva 76/308/CEE do Conselho, de 15 de março de 1976, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos resultantes de operações que fazem parte do sistema de financiamento do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, bem como de direitos niveladores agrícolas e de direitos aduaneiros [(JO 1976, L 73, p. 18; EE 02 F3 p. 46)]. Essa diretiva e os respetivos atos modificativos foram codificados pela Diretiva 2008/55/CE do Conselho, de 26 de maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas [(JO 2008, L 150, p. 28)].

(3)

Contudo, as mencionadas disposições, embora constituíssem um primeiro passo para melhorar os processos de cobrança na União graças à aproximação das regras nacionais aplicáveis, revelaram‑se insuficientes para dar resposta às exigências da evolução do mercado interno nos últimos 30 anos.

(4)

Para melhor salvaguardar os interesses financeiros dos Estados‑Membros e a neutralidade do mercado interno, é necessário que o âmbito da assistência mútua à cobrança seja extensivo a créditos respeitantes a impostos e direitos ainda não abrangidos pela assistência mútua à cobrança, enquanto que, para fazer face ao aumento dos pedidos de assistência e obter melhores resultados, é necessário conferir maior eficácia à assistência à cobrança e facilitar a sua utilização prática. Para atingir esses objetivos, são necessárias adaptações importantes, pelo que uma simples modificação da atual Diretiva 2008/55/CE não seria suficiente. Essa diretiva deverá por conseguinte ser revogada e substituída por um novo instrumento jurídico, assente nos resultados da Diretiva 2008/55/CE mas estabelecendo sempre que necessário regras mais claras e mais precisas.»

4

O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece as regras nos termos das quais os Estados‑Membros devem prestar assistência à cobrança, num Estado‑Membro, de quaisquer créditos referidos no artigo 2.o constituídos noutro Estado‑Membro.»

5

O artigo 10.o da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«1.   A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida cobra os créditos que sejam objeto de um título executivo no Estado‑Membro requerente.

2.   Logo que tenha conhecimento de qualquer informação útil respeitante ao processo que deu origem ao pedido de cobrança, a autoridade requerente comunica‑a à autoridade requerida.»

6

O artigo 13.o da Diretiva 2010/24 dispõe:

«1.   Para efeitos da cobrança no Estado‑Membro requerido, todos os créditos que sejam objeto de um pedido de cobrança devem ser tratados como créditos do Estado‑Membro requerido, salvo disposição em contrário da presente diretiva. A autoridade requerida faz uso das competências e dos procedimentos previstos pelas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas do Estado‑Membro requerido aplicáveis aos créditos relativos aos mesmos impostos ou direitos ou, na sua ausência, a impostos ou direitos similares, salvo disposição em contrário da presente diretiva.

[…]

O Estado‑Membro requerido não é obrigado a conceder aos créditos de outros Estados‑Membros as preferências concedidas a créditos similares nele constituídos, salvo acordo em contrário entre os Estados‑Membros em causa ou disposição em contrário na legislação do Estado‑Membro requerido. Um Estado‑Membro que conceda preferências a créditos de outro Estado‑Membro não pode recusar conceder as mesmas preferências a créditos da mesma natureza ou de natureza similar dos demais Estados‑Membros, nas mesmas condições.

[…]

5.   Sem prejuízo do disposto no n.o 1 do artigo 20.o, a autoridade requerida remete à autoridade requerente os montantes cobrados referentes ao crédito e os juros a que se referem os n.os 3 e 4.»

7

Nos termos do artigo 14.o desta diretiva:

«1.   Os litígios relativos ao crédito, ao título executivo inicial no Estado‑Membro requerente ou ao título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido e os litígios sobre a validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerente são dirimidos pelas instâncias competentes do Estado‑Membro requerente. Se, durante o processo de cobrança, o crédito, o título executivo inicial no Estado‑Membro requerente ou o título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido for impugnado por uma parte interessada, a autoridade requerida informa essa parte de que a ação deve ser por ela instaurada perante a instância competente do Estado‑Membro requerente, nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado.

2.   Os litígios relativos às medidas de execução tomadas no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerido são dirimidos pela instância competente desse Estado‑Membro, nos termos das disposições legislativas e regulamentares que nele vigorem.

3.   Quando uma das ações a que se refere o n.o 1 for instaurada perante a instância competente do Estado‑Membro requerente, a autoridade requerente informa do facto a autoridade requerida, indicando os elementos do crédito que não são objeto de impugnação.

4.   A partir do momento em que a autoridade requerida receba a informação a que se refere o n.o 3, transmitida pela autoridade requerente ou pelo interessado, deve proceder à suspensão do processo de execução, no que diz respeito à parte impugnada do crédito, ficando a aguardar a decisão da instância competente na matéria, salvo pedido em contrário da autoridade requerente nos termos do terceiro parágrafo do presente número.

A pedido da autoridade requerente, ou se tal for considerado de outro modo necessário pela autoridade requerida, e sem prejuízo do disposto no artigo 16.o, a autoridade requerida pode tomar medidas cautelares para garantir a cobrança, desde que as disposições legislativas ou regulamentares em vigor no Estado‑Membro requerido o permitam.

A autoridade requerente pode, nos termos das disposições legislativas e regulamentares e das práticas administrativas em vigor no Estado‑Membro requerente, solicitar à autoridade requerida que proceda à cobrança de um crédito impugnado ou da parte impugnada de um crédito, desde que as disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor no Estado‑Membro requerido o permitam. […]

[…]»

8

O artigo 16.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva prevê:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida toma medidas cautelares, se autorizadas pelo seu direito nacional e nos termos das suas práticas administrativas, com vista a garantir a cobrança sempre que um crédito ou o título executivo no Estado‑Membro requerente seja objeto de impugnação no momento em que o pedido é efetuado ou sempre que o crédito não tenha ainda sido objeto de um título executivo no Estado‑Membro requerente, na medida em que sejam igualmente admitidas medidas cautelares, numa situação idêntica, pelo direito nacional e pelas práticas administrativas do Estado‑Membro requerente.»

Direito finlandês

9

Nos termos do § 5, n.o 1, da laki takaisinsaannista konkurssipesään (Lei relativa à impugnação da insolvência), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, um ato jurídico é anulável designadamente quando, isolada ou conjuntamente com outras medidas, tenha beneficiado indevidamente um credor em detrimento dos outros credores. Essa anulação pressupõe, nesse caso, que, no momento em que foi praticado o ato jurídico, o devedor estivesse insolvente ou que ato jurídico tenha contribuído para a insolvência do devedor.

10

O § 10 desta lei prevê, designadamente, que o pagamento de uma dívida efetuado até três meses antes da data de referência é anulável se a dívida tiver sido paga num montante tido por considerável relativamente à importância da massa insolvente. No entanto, esse pagamento não é anulável se, atendendo às circunstâncias, puder ser considerado habitual.

11

Nos termos do § 23 da mesma lei, o administrador da massa insolvente ou um credor que tenha declarado o seu crédito ou cujo crédito seja tido em conta, de outro modo, na lista de graduação, podem requerer a reintegração através da propositura de uma ação judicial ou de impugnação da declaração de crédito. Esta ação pode ser intentada no Tribunal de Primeira Instância que tenha decretado a abertura do processo de insolvência.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Em 18 de abril de 2012, a Administração Fiscal e Aduaneira da República da Estónia enviou um pedido de cobrança à Administração Fiscal finlandesa, com base no artigo 10.o da Diretiva 2010/24, relativo a impostos e juros relativos a esses impostos, num montante total de 28754,50 euros, a serem cobrados à Metirato.

13

Em execução desse pedido, a Administração Fiscal finlandesa transmitiu, para efeitos da sua cobrança, os seus próprios créditos e os do Estado estónio à autoridade finlandesa responsável pela cobrança coerciva dos créditos.

14

Em 12 de fevereiro de 2013, a Metirato pagou voluntariamente a essa autoridade 17500 euros, dos quais 15837,67 euros foram transferidos para a Administração Fiscal finlandesa que, por sua vez, pagou 15541,67 euros ao Estado estónio ao abrigo do referido pedido de cobrança.

15

Em 23 de abril de 2013, a Metirato pagou ainda voluntariamente mais 17803 euros à Administração Fiscal finlandesa.

16

Em 8 de maio de 2013, o Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia) decretou, a pedido da Metirato, a abertura do processo de insolvência dessa sociedade.

17

Em 10 de setembro de 2013, a Administração Fiscal estónia enviou um segundo pedido de cobrança à Administração Fiscal finlandesa, incluindo, nomeadamente, o montante de 8840,17 euros, ainda em dívida, que fazia parte do crédito abrangido pelo primeiro pedido de cobrança. Com base nesse segundo pedido, a Administração Fiscal finlandesa cobrou, em 17 de setembro de 2013, além dos seus próprios créditos, também os créditos fiscais do Estado estónio sobre a Metirato.

18

Em 8 de maio de 2014, o administrador da massa insolvente da Metirato instaurou uma ação contra o Estado finlandês e a sua Administração Fiscal no Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia), exigindo, em conformidade com os §§ 5 e 10 da Lei relativa à impugnação da insolvência, a reintegração da totalidade dos montantes pagos na massa insolvente da Metirato.

19

Esta ação baseia‑se nos argumentos de que, por um lado, a Administração Fiscal finlandesa foi beneficiada de forma indevida em detrimento dos outros credores pelo pagamento de impostos há muito vencidos, quando a Metirato já estava insolvente e que a Administração devia ter conhecimento dessa insolvência, e por outro, a Metirato pagou, durante o período controvertido, ou seja, entre 25 de janeiro e 8 de maio de 2013, um montante considerável da dívida fiscal em relação ao valor da massa insolvente.

20

A referida ação visa o Estado finlandês e a sua Administração Fiscal e, no caso de estes não serem considerados os sujeitos com legitimidade passiva relativamente ao montante de 15541,67 euros, o Estado estónio.

21

O Estado finlandês contestou a ação do administrador da massa insolvente da Metirato, alegando nomeadamente que, na medida em que se tratava de um montante recebido pelo Estado estónio, essa ação devia ser instaurada contra este último. O Estado finlandês considera que, ao prestar, nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2010/24, uma assistência administrativa às autoridades estónias, atuou apenas na qualidade de agente das autoridades fiscais estónias, que não adquiriu em nenhum momento a posse desse montante e que a sua missão terminou quando foi efetuada a cobrança, de modo que o pedido do administrador da massa insolvente da Metirato relativo ao referido montante deve ser dirigido à Administração Fiscal estónia.

22

Por seu lado, o Estado estónio contestou a referida ação alegando que, em seu entender, resulta das disposições do artigo 13.o, n.o 1, e do artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2010/24 que, dizendo o pedido do administrador da massa insolvente da Metirato respeito a um montante cobrado pela Administração finlandesa, só esta última pode ser considerada sujeito com legitimidade passiva no âmbito do processo de insolvência em causa.

23

Foi nestas condições que o Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 13.o, n.o 1, da [Diretiva 2010/24], que dispõe que os créditos passíveis de cobrança nos termos de um pedido de cobrança devem ser tratados no Estado‑Membro requerido como créditos desse Estado‑Membro, deve ser interpretado no sentido de que:

a)

o Estado‑Membro requerido é igualmente parte no processo judicial que tem por objeto a restituição à massa insolvente de montantes pagos na sequência de uma cobrança, ou

b)

a intervenção do Estado‑Membro requerido se limita à cobrança do crédito através da execução forçada e da inclusão do crédito no âmbito do processo de insolvência, mas cabe ao Estado‑Membro requerido a legitimidade passiva, no quadro de uma ação de impugnação de uma insolvência, respeitante ao âmbito dos bens que integram a massa insolvente?

2)

Deve a [Diretiva 2010/24] ser interpretada no sentido de que os créditos de outro Estado‑Membro são, nos termos de um pedido de cobrança, cobrados através da utilização dos mesmos meios, mas de maneira a que os montantes assim cobrados permaneçam separados e distintos dos bens do Estado requerido, ou deve ser interpretada no sentido de que esses créditos são cobrados juntamente com os bens do Estado‑Membro requerido, de maneira a confundirem‑se com os bens do Estado requerido. Por outras palavras: a [Diretiva 2010/24] pretende unicamente proibir um tratamento menos favorável dos créditos de outro Estado‑Membro?

3)

É possível considerar que um litígio em matéria [de] impugnação da insolvência é equiparável a um litígio relativo a medidas de execução na aceção do artigo 14.o, n.o 2, e daí deduzir‑se que, segundo a diretiva, o Estado‑Membro requerido também tem legitimidade passiva nesse litígio?»

Quanto às questões prejudiciais

24

Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2010/24 devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, se aplicam a um processo destinado à reintegração, na massa insolvente de uma empresa estabelecida no Estado‑Membro requerido, de créditos que foram cobrados a pedido do Estado‑Membro requerente, quando esse processo se baseia na impugnação de medidas de execução, na aceção desse artigo 14.o, n.o 2, e, por outro, o Estado‑Membro requerido, na aceção dessas disposições, deve ser considerado o sujeito com legitimidade passiva no referido processo e se a circunstância de o montante desses créditos assim cobrados permanecer separado dos bens desse Estado‑Membro ou se confundir com estes é relevante a este respeito.

25

No caso em apreço, há que recordar que, através da sua ação, o administrador da massa insolvente da Metirato contesta a validade, à luz do direito finlandês, da cobrança de créditos efetuada pela autoridade finlandesa responsável pela cobrança dos créditos do Estado para efeitos da cobrança de créditos devidos por aquela sociedade ao Estado finlandês e o Estado estónio.

26

Na medida em que este processo de cobrança coerciva foi promovido para efeitos de execução de um pedido de cobrança dirigido, ao abrigo da Diretiva 2010/24, às autoridades finlandesas pelas autoridades estónias, o mesmo constitui uma medida de execução tomada no Estado‑Membro requerido, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva.

27

Por conseguinte, de acordo com esta disposição, um litígio que visa contestar o processo e o resultado desse processo, como o que está em causa no processo principal, constitui um litígio relativo a uma medida de execução tomada no Estado‑Membro requerido e deve ser dirimido pela instância competente desse Estado‑Membro, neste caso a República da Finlândia, nos termos das disposições legislativas e regulamentares ali vigentes.

28

No entanto, não especificando a redação da referida disposição qual é, se o Estado‑Membro requerente ou o Estado‑Membro requerido, o sujeito com legitimidade passiva num litígio dessa natureza, há que examinar se este pode ser determinado à luz da economia geral e da finalidade da Diretiva 2010/24.

29

Conforme resulta dos considerandos 1 a 4 desta diretiva, a mesma visa alargar o âmbito de aplicação da Diretiva 76/308, codificada pela Diretiva 2008/55, a créditos que não eram objeto desta a fim de melhor salvaguardar os interesses financeiros dos Estados‑Membros e a neutralidade do mercado interno, bem como conferir maior eficácia à assistência mútua em matéria de cobrança e facilitar a sua utilização prática para fazer face ao aumento dos pedidos de assistência.

30

De acordo com o artigo 1.o da Diretiva 2010/24, esta estabelece as regras nos termos das quais os Estados‑Membros devem prestar assistência à cobrança, num Estado‑Membro, de créditos constituídos noutro Estado‑Membro.

31

No que se refere às medidas tomadas pelo Estado‑Membro requerente para efeitos da cobrança, nesse Estado‑Membro, de um crédito que seja objeto de um pedido de cobrança, a autoridade requerida deve, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24, fazer uso das competências e dos procedimentos previstos pelas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado‑Membro, uma vez que qualquer crédito objeto de um pedido é, salvo disposição em contrário desta diretiva, tratado como um crédito do Estado‑Membro requerido.

32

Do mesmo modo, o artigo 14.o, n.o 4, segundo parágrafo, e o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24 preveem a possibilidade de a autoridade requerida tomar, a pedido da autoridade requerente, medidas cautelares para garantir a cobrança de um crédito que seja objeto de impugnação, desde que a regulamentação nacional do Estado‑Membro requerido o permita.

33

Por outro lado, o artigo 14.o da Diretiva 2010/24 prevê uma repartição das competências entre as instâncias do Estado‑Membro requerente e as do Estado‑Membro requerido para conhecer dos litígios relativos, por um lado, ao crédito, ao título executivo inicial no Estado‑Membro requerente, ao título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerente, e, por outro, às medidas de execução tomadas no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente desse Estado‑Membro.

34

Esta repartição de competências é o corolário do facto de o crédito e os títulos executivo que permitem a execução da sua cobrança serem constituídos com base no direito em vigor no Estado‑Membro requerente, ao passo que as medidas de execução são adotadas no Estado‑Membro requerido, nos termos das disposições de direito aplicáveis neste último (v., no que respeita à Diretiva 76/308, Acórdão de 14 de janeiro de 2010, Kyrian, C‑233/08, EU:C:2010:11, n.o 40).

35

Assim, por força do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24, qualquer impugnação do crédito, do título executivo inicial no Estado‑Membro requerente, do título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido ou de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerente deve ser feita nas instâncias competentes deste Estado‑Membro e não nas do Estado requerido, cujo poder de fiscalização é, neste artigo 14.o, n.o 2, limitado expressamente aos atos deste último Estado‑Membro (Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.os 43 e 44).

36

Em contrapartida, os litígios relativos às medidas de execução tomadas no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada pela autoridade requerida devem ser propostos perante a instância competente desse Estado‑Membro, nos termos das suas disposições legislativas ou regulamentares, dado que esta autoridade está mais bem colocada para interpretar o seu direito nacional e decidir da legalidade de um ato em função do mesmo (v., no que respeita à Diretiva 76/308, Acórdão de 14 de janeiro de 2010, Kyrian, C‑233/08, EU:C:2010:11, n.os 39, 40 e 49).

37

Por conseguinte, resulta das disposições da Diretiva 2010/24 que, por um lado, as medidas de execução tomadas no Estado‑Membro requerido são regidas pela regulamentação aplicável nesse Estado‑Membro, e, por outro, os litígios relativos a estas medidas devem ser dirimidos pela instância competente do Estado‑Membro requerido, que as deve examinar à luz das disposições do seu direito nacional.

38

A circunstância de esse litígio se inscrever no âmbito de um processo destinado à reintegração de bens na massa insolvente de uma empresa estabelecida no Estado‑Membro requerido não pode pôr em causa as regras relativas à resolução deste litígio previstas pelo legislador da União, uma vez que este último não estabeleceu, para efeitos da aplicação destas regras, qualquer distinção em função da natureza do processo em que o referido litígio ocorre.

39

Por conseguinte, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 45 a 47 das suas conclusões, resulta da economia geral e da finalidade da Diretiva 2010/24 que uma ação, como a que está em causa no processo principal, destinada a impugnar, perante a instância competente do Estado‑Membro requerido, a validade, à luz do direito desse Estado‑Membro, de um processo de cobrança coerciva, em conformidade com esse direito, pelas autoridades desse Estado‑Membro, para efeitos de cobrança, ao abrigo dessa diretiva, de créditos do Estado‑Membro requerente, deve ser instaurada contra o Estado‑Membro requerido, ainda que essa impugnação se inscreva no âmbito de um processo destinado à reintegração de bens na massa insolvente de uma sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro.

40

Por outro lado, na falta de determinação, pela Diretiva 2010/24, das modalidades de conservação dos montantes cobrados pelo Estado‑Membro requerido antes da sua transferência para o Estado‑Membro requerente, esta é da competência dos Estados‑Membros, desde que a obrigação de transferir os montantes cobrados e os juros aplicáveis seja respeitada.

41

Assim, a circunstância de o montante dos créditos cobrado pelo Estado‑Membro requerido, com base no pedido de cobrança ao abrigo desta diretiva, permanecer separado dos bens desse Estado‑Membro ou se confundir com estes é irrelevante para a interpretação enunciada no n.o 38 do presente acórdão.

42

Além disso, há que recordar que a Diretiva 2010/24 assenta no princípio da confiança mútua (Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 41).

43

Consequentemente, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 54 e seguintes das suas conclusões, quando uma medida de execução, como a que está em causa no processo principal, tomada por um Estado‑Membro requerido para efeitos de cobrança de um crédito do Estado‑Membro requerente, é impugnada com êxito perante a instância competente do Estado‑Membro requerido, cabe, em princípio, ao Estado‑Membro requerente proceder ao reembolso de quaisquer montantes cobrados, a título desta medida, que lhe tenham sido entregues pelo Estado‑Membro requerido.

44

Nestas condições, há que responder às questões submetidas que o artigo 13.o, n.o 1, e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2010/24 devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, se aplicam a um processo destinado à reintegração, na massa insolvente de uma empresa estabelecida no Estado‑Membro requerido, de créditos que foram cobrados a pedido do Estado‑Membro requerente, quando esse processo se baseia na impugnação de medidas de execução, na aceção desse artigo 14.o, n.o 2, e, por outro, o Estado‑Membro requerido, na aceção dessas disposições, deve ser considerado o sujeito com legitimidade passiva no referido processo, sem que a circunstância de o montante dos créditos permanecer separado dos bens desse Estado‑Membro ou se confundir com estes seja relevante a este respeito.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 13.o, n.o 1, e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2010/24/UE Conselho, de 16 de março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas, devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, se aplicam a um processo destinado à reintegração, na massa insolvente de uma empresa estabelecida no Estado‑Membro requerido, de créditos que foram cobrados a pedido do Estado‑Membro requerente, quando esse processo se baseia na impugnação de medidas de execução, na aceção desse artigo 14.o, n.o 2, e, por outro, o Estado‑Membro requerido, na aceção dessas disposições, deve ser considerado o sujeito com legitimidade passiva no referido processo, sem que a circunstância de o montante dos créditos permanecer separado dos bens desse Estado‑Membro ou se confundir com estes seja relevante a este respeito.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

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