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Document 62017CJ0423

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 14 de fevereiro de 2019.
Staat der Nederlanden contra Warner-Lambert Company LLC.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof Den Haag.
Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Artigo 11.o — Medicamentos genéricos — Resumo das características do produto — Exclusão de referências que remetem para indicações ou formas de dosagem ainda protegidas pelo direito das patentes no momento em que o medicamento genérico foi introduzido no mercado.
Processo C-423/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:125

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

14 de fevereiro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Artigo 11.o — Medicamentos genéricos — Resumo das características do produto — Exclusão de referências que remetem para indicações ou formas de dosagem ainda protegidas pelo direito das patentes no momento em que o medicamento genérico foi introduzido no mercado»

No processo C‑423/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Recurso de Haia, Países Baixos), por decisão de 4 de julho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de julho de 2017, no processo

Staat der Nederlanden

contra

Warner‑Lambert Company LLC,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, C. G. Fernlund (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Warner‑Lambert Company LLC, por C. Schoonderbeek, avocate, S. Dack, J. A. Dullaart e P. van Schijndel, advocaten,

em representação do Governo neerlandês, por M. Gijzen e K. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por E. Manhaeve e A. Sipos, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 4 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o e do artigo 21.o, n.o 3, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 (JO 2012, L 299, p. 1) (a seguir «Diretiva 2001/83»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staat der Nederlanden (Estado neerlandês) à Warner‑Lambert Company LLC (a seguir «WLC») a respeito da publicação de informações relativas às utilizações patenteadas de um medicamento de referência quando do procedimento descentralizado de autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM»), previsto no artigo 28.o da Diretiva 2001/83, de um medicamento genérico.

Quadro jurídico

Diretiva 2001/83

3

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 dispõe:

«Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma [AIM], em conformidade com a presente diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 726/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1),] […]

Sempre que um medicamento tiver obtido uma [AIM] inicial […] nos termos do primeiro parágrafo, quaisquer dosagens, formas farmacêuticas, vias de administração e apresentações adicionais, bem como quaisquer alterações e extensões, devem também receber uma autorização nos termos do primeiro parágrafo ou ser incluídas na [AIM] inicial […]. Considera‑se que todas estas [AIM] fazem parte da mesma autorização de introdução no mercado global, nomeadamente para efeitos da aplicação do n.o 1 do artigo 10.o»

4

O artigo 8.o, n.o 3, alíneas i) e j), desta diretiva tem a seguinte redação:

«O pedido deve ser acompanhado das informações e documentos apresentados em conformidade com o anexo I:

[…]

i)

Resultados dos ensaios:

farmacêuticos (físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos),

pré‑clínicos (toxicológicos e farmacológicos),

clínicos;

[…]

j)

Um resumo das características do medicamento, em conformidade com o artigo 11.o, uma reprodução da embalagem exterior com as menções estabelecidas no artigo 54.o e do acondicionamento primário do medicamento com as menções estabelecidas no artigo 55.o, bem como o folheto informativo em conformidade com o artigo 59.o».

5

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Em derrogação da alínea i) do n.o 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à proteção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o há, pelo menos, oito anos num Estado‑Membro ou na Comunidade.

Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.

O primeiro parágrafo é igualmente aplicável quando o medicamento de referência não tiver sido autorizado no Estado‑Membro em que tenha sido apresentado o pedido relativo ao medicamento genérico. Neste caso, o requerente deve indicar no pedido o nome do Estado‑Membro em que o medicamento de referência está ou foi autorizado. A pedido da autoridade competente do Estado‑Membro em que o pedido tiver sido apresentado, a autoridade competente do outro Estado‑Membro deve transmitir, no prazo de um mês, a confirmação de que o medicamento de referência está ou foi autorizado, bem como a composição completa do medicamento de referência e, se necessário, a demais documentação relevante.

[…]»

6

O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2001/83 define o conceito de «medicamento genérico» como um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada.

7

O artigo 11.o, primeiro parágrafo, desta diretiva enumera as informações cujo conhecimento é necessário para uma boa administração do medicamento e que devem constar do resumo das características do produto farmacêutico. O segundo parágrafo deste artigo dispõe:

«Para obter uma autorização ao abrigo do artigo 10.o não é necessário incluir as partes do resumo das características do medicamento de referência que se referem às indicações ou à dosagem que estavam abrangidas pelo direito da patente na altura da comercialização do medicamento genérico.»

8

O artigo 21.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva dispõe:

«2.   A autoridade competente deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que as informações constantes do resumo estejam em conformidade com as aceites aquando da emissão da [AIM] ou posteriormente.

3.   As autoridades nacionais competentes põem sem demora à disposição do público a [AIM], juntamente com o folheto informativo, o resumo das características do medicamento e todas as condições estabelecidas nos termos dos artigos 21.o‑A, 22.o e 22.o‑A, e os respetivos prazos de cumprimento dessas condições para cada medicamento que tenham autorizado.»

9

O artigo 59.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 dispõe que o folheto informativo é elaborado em conformidade com o resumo das características do medicamento.

Regulamento n.o 726/2004

10

O artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 726/2004, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1027/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 (JO 2012, L 316, p. 38) (a seguir «Regulamento n.o 726/2004»), prevê:

«Um medicamento genérico de um medicamento de referência autorizado pela Comunidade pode ser autorizado pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros em conformidade com a Diretiva 2001/83/CE e com a Diretiva 2001/82/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos veterinários (JO 2001, L 311, p. 1), nas seguintes condições:

a)

O pedido de autorização deve ser apresentado ao abrigo do artigo 10.o da Diretiva 2001/83/CE ou do artigo 13.o da Diretiva 2001/82/CE;

b)

O resumo das características do medicamento deve ser perfeitamente conforme ao do medicamento autorizado pela Comunidade, exceto no caso de partes do resumo das características do medicamento relativas às indicações ou às dosagens estarem ainda abrangidas pelo direito das patentes no momento da comercialização do medicamento genérico […]

[…]»

Regulamento (CE) n.o 1234/2008

11

O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1234/2008 da Comissão, de 24 de novembro de 2008, relativo à análise das alterações dos termos das autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano e medicamentos veterinários (JO 2008, L 334, p. 7), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 712/2012 da Comissão, de 3 de agosto de 2012 (JO 2012, L 209, p. 4) (a seguir «Regulamento n.o 1234/2008»), dispõe que a Comissão Europeia elabora orientações relativas aos pormenores das diversas categorias de alteração, à aplicação dos procedimentos previstos nos capítulos II, II‑A, III e IV do referido regulamento, bem como à documentação que deve ser apresentada em aplicação desses procedimentos.

12

O artigo 9.o do Regulamento n.o 1234/2008, constante do seu capítulo II, define o procedimento de notificação de alterações menores de tipo IB. O artigo 10.o desse regulamento, constante do mesmo capítulo, define o procedimento de notificação de alterações maiores de tipo II.

13

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1234/2008, a Comissão adotou as Orientações sobre os pormenores das diversas categorias de alteração, a aplicação dos procedimentos previstos nos capítulos II, II‑A, III e IV do Regulamento n.o 1234/2008, bem como a documentação que deve ser apresentada em conformidade com esses procedimentos (JO 2013, C 223, p. 1). Resulta do anexo, ponto C.I.6, alíneas a) e b), dessas orientações, por um lado, que o aditamento de uma indicação terapêutica nova ou a modificação de uma indicação terapêutica aprovada constitui uma alteração maior de tipo II e, por outro, que a supressão de uma indicação terapêutica constitui uma alteração menor de tipo IB.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

Resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a WLC é uma sociedade do grupo farmacêutico Pfizer, que comercializa o medicamento Lyrica cujo princípio ativo é a Pregabalina. Este medicamento destina‑se ao tratamento da epilepsia, transtornos de ansiedade generalizados e dores neuropáticas.

15

Em 6 de julho de 2004, o Lyrica obteve uma AIM através do procedimento centralizado.

16

À data dos factos no processo principal, a utilização da Pregabalina para o tratamento da epilepsia e dos transtornos de ansiedade generalizados já não estava protegida por uma patente. A WLC era, no entanto, titular da patente europeia EP 0 934061 B3, emitida em 28 de maio de 2003 (a seguir «patente EP 061»), relativa à utilização da Pregabalina para o tratamento das dores nomeadamente neuropáticas. Esta patente expirou em 17 de julho de 2017.

17

Nos Países Baixos, o College ter Beoordeling van Geneesmiddelen (Conselho de avaliação dos medicamentos, a seguir «CBG») é a autoridade administrativa independente encarregada de fiscalizar e avaliar a eficácia, os riscos e a qualidade dos medicamentos. O CBG publica no seu sítio Internet, nomeadamente, os termos da AIM, o folheto informativo e o resumo das características de cada medicamento.

18

O órgão jurisdicional de reenvio observa que os produtores de medicamentos genéricos por vezes não mencionam, no folheto informativo e no resumo das características do medicamento as informações do produto de referência relativas às indicações ou às dosagens ainda protegidas por uma patente. Até 2009, o CBG tinha por prática publicar no seu sítio Internet os folhetos informativos e os resumos das características do produto assim expurgados pelos titulares ou pelos requerentes a AIM de medicamentos genéricos.

19

Durante o ano de 2009, o CBG abandonou estas práticas e decidiu publicar sistematicamente a totalidade das informações relativas ao medicamento de referência, mesmo quando o requerente o informa da sua intenção de omitir certas informações.

20

Durante o ano de 2015, vários produtores de medicamentos genéricos obtiveram AIM para a Pregabalina junto do CBG, a título do procedimento descentralizado. Um desses produtores, a Aurobindo, informou o CBG, antes de introduzir o seu medicamento no mercado, que ia retirar o folhetim informativo e o resumo das características do produto das informações relativas ao tratamento das dores neuropáticas. Esta empresa solicitou a publicação parcial do folhetim informativo e do resumo das características do medicamento, o que o CBG recusou.

21

A WLC intentou no rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) uma ação destinada, em substância, a obrigar o CBG a abandonar a sua prática de publicação integral no seu sítio Internet dos folhetos informativos e dos resumos das características de medicamentos genéricos em prol de uma publicação desses documentos nas suas versões expurgadas. A WLC defendia, nomeadamente, que a política de publicação integral do CBG constituía, diretamente, uma contrafação da patente EP 061 na medida em que propunha a Pregabalina à venda para uma indicação patenteada e, indiretamente, incitava os terceiros a práticas de contrafação. A WLC alegava também que esta política do CBG era contrária ao artigo 11.o da Diretiva 2001/83.

22

Por Decisão de 15 de janeiro de 2016, o rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia) acolheu a ação da WLC quanto à Pregabalina e rejeitou por falta de interesse os pedidos relativos a outros medicamentos. Esse órgão jurisdicional de reenvio considerou que a publicação integral do folheto informativo e do resumo das características do medicamento não constitui uma contrafação da patente EP 061, mas é incompatível com o dever de diligência do CBG.

23

Em 11 de fevereiro de 2017, o Estado neerlandês recorreu desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. O WLC interpôs também nesse órgão jurisdicional um recurso subordinado.

24

Após a prolação da referida decisão, o CBG alterou a sua prática administrativa. Este último publica na sua base de dados relativa aos medicamentos a versão integral do folheto informativo e do resumo das características do medicamento. No entanto, quando o titular da AIM do medicamento genérico o informa da exclusão de certas indicações, o CBG assinala‑o, através de um asterisco, acompanhado do seguinte texto:

«* Esta aplicação está protegida pela patente […] de outro titular de uma [AIM]. Poderá encontrar mais informações a este respeito no sítio web do CBG, www.cbg‑meb.nl.»

25

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a solução do litígio no processo principal depende da interpretação da legislação da União em matéria de medicamentos e nomeadamente da interpretação do artigo 11.o da Diretiva 2001/83.

26

As partes no processo principal estão de acordo em considerar que esta disposição permite ao requerente da AIM de um medicamento genérico não mencionar no folheto informativo e no resumo das características do medicamento indicações ainda cobertas por uma patente. Em contrapartida, as suas posições divergem quanto ao ponto de saber quais as consequências, para a autoridade nacional, de uma declaração através da qual o requerente da AIM pretende utilizar esta faculdade e optar por uma publicação expurgada.

27

Em primeiro lugar, as partes no processo principal opõem‑se quanto à questão de saber se a comunicação da intenção de recorrer a uma publicação expurgada visa limitar a AIM, na medida em que não se estende às indicações ou outras formas de dosagem patenteadas. Se for esse o caso, então o CBG devia limitar a AIM e publicar o folheto informativo e o resumo das características do medicamento em conformidade com o pretendido pelo requerente, na sua versão expurgada.

28

Em segundo lugar, a WLC defende que, de qualquer forma, a comunicação da intenção de recorrer a uma publicação expurgada obriga a autoridade nacional a publicar o folheto informativo e o resumo das características do medicamento omitindo as informações ocultadas, porque a sua publicação integral é contrária ao objetivo do legislador da União que consiste em proteger os interesses dos titulares de patentes. A publicação integral incitaria efetivamente os médicos a prescrever as versões genéricas de medicamentos para indicações ou formas de dosagem ainda patenteadas.

29

Nestas condições o Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Recurso de Haia, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

Deve o artigo 11.o da Diretiva [2001/83], ou qualquer outra disposição do [d]ireito da União, ser interpretado no sentido de que a comunicação, através da qual o requerente ou titular de uma [AIM] de um medicamento genérico, na aceção do artigo 10.o [dessa diretiva], informa a autoridade de que não indicará no resumo das características do produto e no folheto informativo as partes do resumo das características do […] medicamento de referência que remetem para indicações ou formas de dosagem abrangidas pelo direito de patente de um terceiro, deve ser considerada um pedido de restrição da [AIM] que implica que [essa autorização] não se aplique ou deixe de se aplicar às indicações ou formas de dosagem patenteadas?

2)

Em caso de resposta negativa à [primeira questão], os artigos 11.o e 21.o, n.o 3, da Diretiva 2001/83, ou quaisquer outras disposições do direito da União, opõem‑se a que, no caso de uma licença concedida nos termos do artigo 6.o em conjugação com o artigo 10.o [dessa diretiva], a autoridade competente publique o resumo das características do produto e o folheto informativo, incluindo as partes que remetem para indicações ou formas de dosagem abrangidas pelo direito de patente de um terceiro, quando o requerente ou titular de uma [AIM] tiver informado a autoridade de que não indicaria no resumo das características do produto e no folheto informativo as partes do resumo das características do […] medicamento de referência que remetem para indicações ou formas de dosagem abrangidas pelo direito de patente de um terceiro?

3)

Para a resposta à [segunda questão] é relevante o facto de a autoridade competente exigir que o titular da autorização de introdução no mercado inclua no folheto informativo que está obrigado a inserir na embalagem do medicamento uma remissão para o sítio [web] dessa autoridade onde é publicado o resumo das características do produto, incluindo as partes do resumo que remetem para indicações ou formas de dosagem abrangidas pelo direito de patente de um terceiro, sendo que tais partes, em aplicação do artigo 11.o da Diretiva 2001/83, não são mencionadas no referido folheto informativo?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que, num procedimento de AIM como o que está em causa no processo principal, a comunicação, à autoridade nacional competente pelo requerente ou titular de uma AIM de um medicamente genérico, do folheto informativo ou de um resumo das características desse medicamento que não inclui uma referência remetendo para indicações ou formas de dosagem que estavam ainda protegidas pelo direito das patentes no momento em que o referido medicamento foi introduzido no mercado constitui um pedido de restrição do âmbito da AIM do medicamento genérico em causa.

31

A título liminar, importa recordar que, de acordo com os objetivos essenciais da Diretiva 2001/83, nomeadamente o relativo à proteção da saúde pública, o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, dessa diretiva dispõe que nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado de um Estado‑Membro sem que uma AIM tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro, em conformidade com a referida diretiva, ou sem que uma autorização tenha sido concedida em conformidade com o procedimento centralizado previsto pelo Regulamento n.o 726/2004 para os medicamentos referidos no seu anexo (Acórdãos de 29 de março de 2012, Comissão/Polónia, C‑185/10, EU:C:2012:181, n.o 26, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 53).

32

Este princípio da AIM obrigatória é igualmente aplicável, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83, sempre que um medicamento tiver obtido uma primeira AIM nos termos do primeiro parágrafo dessa disposição, uma vez que, nesse caso, quaisquer dosagens, formas farmacêuticas, vias de administração e apresentações adicionais, bem como quaisquer alterações e extensões, devem também obter uma autorização nos termos do primeiro parágrafo ou ser incluídas na AIM inicial (Acórdão de 21 de novembro de 2018, Novartis Farma, C‑29/17, EU:C:2018:931, n.o 70).

33

Por outro lado, a fim de verificar se um medicamento dá resposta às necessidades de informação dos pacientes e dos profissionais da saúde, o artigo 8.o, n.o 3, alínea j), da Diretiva 2001/83 exige que o pedido de AIM seja acompanhado, nomeadamente, por um resumo das características do medicamento, cujo conteúdo é definido no artigo 11.o dessa diretiva, e do folheto informativo do medicamento em causa, devendo esta último, nos termos do artigo 59.o, n.o 1, da referida diretiva, ser elaborado em conformidade com o resumo das características do medicamento. A este respeito, o artigo 21.o, n.o 2, da Diretiva 2001/83 prevê que «[a] autoridade competente deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que as informações constantes do resumo estejam em conformidade com as aceites aquando da emissão da [AIM] ou posteriormente».

34

Resulta destas disposições, em primeiro lugar, que o folheto informativo e o resumo da características do medicamento fazem parte da AIM, em segundo, que o medicamento introduzido no mercado deve corresponder às condições da AIM, que devem refletir‑se no resumo das características do medicamento e, em terceiro, que o titular da AIM não pode alterar o folheto informativo nem o resumo das características do medicamento sem o notificar à autoridade competente a fim de obter a aprovação desta última.

35

Além disso, para favorecer a entrada no mercado de medicamentos genéricos, o artigo 10.o da Diretiva 2001/83 prevê um procedimento de AIM abreviado, que dispensa, mediante o cumprimento de determinadas condições, os requerentes de AIM de medicamentos genéricos da obrigação de apresentar resultados de ensaios clínicos e pré‑clínicos.

36

O artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2001/83 exige que o medicamento genérico tenha a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas e a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência, e que a sua bioequivalência com este último tenha sido demonstrada.

37

Tendo em conta esta exigência de identidade entre o medicamento de referência e o medicamento genérico resultante do procedimento de AIM abreviado, o pedido de AIM de um medicamento genérico não pode exceder as indicações cobertas pela AIM do medicamento de referência, devendo, em princípio, limitar‑se a estas. Consequentemente, o resumo das características do medicamento junto ao pedido de AIM de um medicamento genérico não pode abranger indicações ou formas de dosagem que não sejam conformes às abrangidas pelos termos da AIM do medicamento de referência.

38

Estes elementos são corroborados pelo facto de, quando, como no processo principal, o procedimento de AIM de um medicamento genérico previsto no artigo 10.o da Diretiva 2001/83 respeitar a um medicamento de referência autorizado pelo procedimento centralizado previsto no Regulamento n.o 726/2004, o artigo 3.o, n.o 3, alínea b), desse regulamento prevê expressamente que «[o] resumo das características do medicamento deve ser perfeitamente conforme ao do medicamento autorizado pela [União]».

39

A título de exceção a este princípio da correspondência entre a AIM do medicamento genérico e a do medicamento de referência, o artigo 11.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83 prevê, quanto aos pedidos de AIM de medicamentos genéricos, que «não é necessário incluir as partes do resumo das características do medicamento de referência que se referem às indicações ou à dosagem que estavam abrangidas pelo direito da patente na altura da comercialização do medicamento genérico».

40

Esta disposição confere assim ao requerente de uma AIM de um medicamento genérico a faculdade de derrogar o princípio da correspondência entre a AIM do medicamento genérico e a do medicamento de referência reduzindo o alcance do seu pedido às indicações ou formas de dosagem que não estão protegidas pelo direito das patentes.

41

A razão de ser desta exceção é não demorar a entrada no mercado dos medicamentos genéricos até que expirem todas as patentes que possam cobrir as múltiplas indicações ou formas de dosagem do medicamento de referência, sem no entanto reduzir as normas de segurança e de eficácia que os medicamentos genéricos devem cumprir (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2014, Olainfarm, C‑104/13, EU:C:2014:2316, n.os 27 e 28).

42

No âmbito de um procedimento descentralizado como o que está em causa no processo principal, se o requerente ou o titular de uma AIM para um produto genérico utiliza a faculdade prevista no artigo 11.o da Diretiva 2001/83, então a AIM desse produto apenas cobre as indicações e as formas de dosagem que não estiverem patenteadas.

43

Resulta de uma leitura conjugada do artigo 8.o, n.o 3, alínea j), e do artigo 11.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83 que o facto de não se incluírem no resumo das características do medicamento genérico determinadas indicações ou formas de dosagem da AIM do medicamento de referência significa que essas indicações ou formas de dosagem não fazem parte do objeto do pedido de AIM. Ao recorrer à faculdade proporcionada pelo artigo 11.o, segundo parágrafo, o requerente da AIM limita assim o alcance do seu pedido, sem que a autoridade nacional competente disponha, a este respeito, de margem de apreciação, como salientou o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões.

44

Ainda que todas as partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça estejam de acordo quanto a este ponto, o Governo neerlandês afirma que, se o titular de uma AIM para um medicamento genérico decidir recorrer à faculdade prevista no artigo 11.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83, esta decisão não terá qualquer efeito sobre o alcance da AIM do medicamento genérico.

45

Todavia, tal interpretação da Diretiva 2001/83 é incompatível com o princípio recordado no n.o 34 do presente acórdão, segundo o qual todos os medicamentos introduzidos no mercado devem ser conformes às condições da AIM, que devem refletir‑se no resumo das características do medicamento. De acordo com este princípio, numa situação como a considerada pelo Governo neerlandês, incumbe à autoridade nacional competente alterar a AIM a fim de garantir a sua concordância com o resumo das características do medicamento. A comunicação de um resumo das características do medicamento que não inclua determinadas indicações da AIM constitui com efeito uma supressão das indicações terapêuticas abrangidas pelas alterações menores de tipo IB sujeita ao procedimento previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1234/2008.

46

Contrariamente ao que alega o Governo neerlandês, esta interpretação não é contrariada pelo facto de conduzir à imposição ao titular da AIM do ónus de pedir uma nova alteração da mesma quando, no termo do período de proteção por uma patente de uma indicação coberta pela AIM do medicamento de referência, queira acrescentar esta indicação às já autorizadas pelo medicamento genérico. Com efeito, nessa situação, o titular da AIM pode solicitar uma alteração de tipo II, nos termos do procedimento previsto no artigo 10.o do Regulamento n.o 1234/2008.

47

Tendo em conta todas as considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 11.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que, num procedimento de AIM como o que está em causa no processo principal, a comunicação, à autoridade nacional competente pelo requerente ou titular de uma AIM de um medicamento genérico, do folheto informativo ou de um resumo das características desse medicamento que não inclui uma referencia remetendo para indicações ou formas de dosagem que estavam ainda protegidas pelo direito das patentes no momento em que o referido medicamento foi introduzido no mercado constitui um pedido de restrição do âmbito da AIM do medicamento genérico em causa.

Quanto à segunda e terceira questões

48

Com a sua segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em caso de resposta negativa à primeira questão, se o artigo 11.o da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à publicação por uma autoridade nacional de uma versão integral do folheto informativo ou do resumo das características de um medicamento genérico para o qual o titular da AIM utilizou a faculdade reconhecida por esta disposição de não incluir determinadas indicações ou formas de dosagem no folheto informativo ou no resumo das características do medicamento em causa.

49

Tendo em conta a resposta afirmativa dada à primeira questão, não há que responder a estas questões.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

O artigo 11.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que, num procedimento de autorização de introdução no mercado como o que está em causa no processo principal, a comunicação, à autoridade nacional competente pelo requerente ou titular de uma autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico, do folheto informativo ou de um resumo das características desse medicamento que não inclui uma referência remetendo para indicações ou formas de dosagem que estavam ainda protegidas pelo direito das patentes no momento em que o referido medicamento foi introduzido no mercado constitui um pedido de restrição do âmbito da autorização de introdução no mercado do medicamento genérico em causa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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