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Document 62017CJ0375

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de dezembro de 2018.
    Stanley International Betting Ltd e Stanleybet Malta Ltd contra Ministero dell'Economia e delle Finanze e Agenzia delle Dogane e dei Monopoli.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato.
    Reenvio prejudicial — Artigos 49.o e 56.o TFUE — Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços — Jogos de fortuna e azar — Concessão da gestão do serviço do jogo do loto automatizado e outros jogos de números de montante fixo segundo o modelo de concessionário único — Restrição — Razões imperiosas de interesse geral — Proporcionalidade.
    Processo C-375/17.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:1026

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    19 de dezembro de 2018 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Artigos 49.o e 56.o TFUE — Liberdade de estabelecimento e livre prestação de serviços — Jogos de fortuna e azar — Concessão da gestão do serviço do jogo do loto automatizado e outros jogos de números de montante fixo segundo o modelo de concessionário único — Restrição — Razões imperiosas de interesse geral — Proporcionalidade»

    No processo C‑375/17,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 11 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de junho de 2017, no processo

    Stanley International Betting Ltd,

    Stanleybet Malta ltd.

    contra

    Ministero dell’Economia e delle Finanze,

    Agenzia delle Dogane e dei Monopoli,

    com intervenção de:

    Lottomatica SpA,

    Lottoitalia Srl,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: A. Prechal, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, C. Toader (relatora) e A. Rosas, juízes,

    advogado‑geral: E. Sharpston,

    secretário: R. Schiano, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 6 de junho de 2018,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Stanley International Betting Ltd, por R. Jacchia, F. Ferraro, A. Terranova e D. Agnello, avvocati,

    em representação da Stanleybet Malta ltd., por D. Agnello e M. Mura, avvocati,

    em representação da Lottoitalia Srl, por F. Satta, R. Mastroianni, S. Fidanzia, A. Gigliola, R. Baratta e A. Romano, avvocati,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino e P. G. Marrone, avvocati dello Stato,

    em representação do Governo belga, por M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por P. Vlaemminck e R. Verbeke, advocaten,

    em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo, A. Silva Coelho e P. de Sousa Inês, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por H. Tserepa‑Lacombe, G. Gattinara e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 27 de setembro de 2018,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 49.o e 56.o TFUE, dos princípios da não discriminação, da transparência e da proporcionalidade e da Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Stanley International Betting Ltd, sociedade registada no Reino Unido, e a Stanleybet Malta ltd., sua filial estabelecida em Malta (a seguir, conjuntamente, «Stanley») ao Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália) e à Agenzia delle Dogane e dei Monopoli (Agência das Alfândegas e dos Monopólios, Itália) (a seguir «ADM»), a respeito da legalidade do procedimento de contratação pública organizado para efeitos da adjudicação, em Itália, da concessão da gestão do serviço do jogo do loto automatizado e outros jogos de números de montante fixo (a seguir «loto»).

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O considerando 1 da Diretiva 2014/23 dispõe:

    «A falta de regras claras a nível da União que rejam a adjudicação de contratos de concessão resulta numa situação de insegurança jurídica e em obstáculos à livre prestação de serviços e distorce o funcionamento do mercado interno. […] Um quadro jurídico adequado, equilibrado e flexível para a adjudicação das concessões garantirá o acesso efetivo e não discriminatório de todos os operadores económicos da União ao mercado e a segurança jurídica, promovendo investimentos públicos em infraestruturas e serviços estratégicos para o cidadão. Este quadro jurídico proporcionaria também maior segurança jurídica aos operadores económicos internacionais e poderia constituir uma base e um instrumento para abrir mais os mercados internacionais no que diz respeito aos contratos públicos, assim como para estimular o comércio mundial. […]»

    4

    O artigo 51.o dessa diretiva, com a epígrafe «Transposição», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo, primeiro período:

    «Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 18 de abril de 2016.»

    5

    Segundo o artigo 54.o da referida diretiva, com a epígrafe «Entrada em vigor»:

    «A presente diretiva entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

    A presente diretiva não se aplica às concessões objeto de proposta ou adjudicadas antes de 17 de abril de 2014.»

    Direito italiano

    Lei n.o 528, de 2 de agosto de 1982, relativa à regulamentação dos jogos de loto e dos funcionários do setor

    6

    Nos termos do artigo 1.o da legge n. 528 — Ordinamento del gioco del lotto e misure per il personale del lotto (Lei n.o 528, relativa à regulamentação dos jogos de loto e dos funcionários do setor), de 2 de agosto de 1982 (GURI n.o 222, de 13 de agosto de 1982), o exercício da atividade do loto é reservado ao Estado, sendo o serviço do loto gerido pela ADM.

    Lei n.o 190/2014

    7

    O artigo 1.o, n.o 653, da legge n. 190 — Disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge di stabilità 2015) [Lei n.o 190 ‑ Disposições relativas à elaboração do orçamento anual e plurianual do Estado (Lei de estabilidade de 2015)], de 23 de dezembro de 2014 (suplemento ordinário do GURI n.o 300, de 29 de dezembro de 2014, a seguir «Lei n.o 190/2014»), prevê:

    «Na perspetiva da caducidade da concessão existente, a fim de garantir a proteção dos interesses públicos nas atividades de recolha de [apostas de] jogo, a gestão do serviço do jogo do “Lotto” automatizado e outros jogos de números de montante fixo, para a sua recolha, quer através da rede de concessionários […], quer à distância, é atribuída em regime de concessão, na sequência de um concurso organizado pela [ADM], respeitando os princípios e as normas europeias e nacionais, a uma empresa qualificada e experiente na gestão ou a recolha de [apostas], com sede num dos Estados do Espaço Económico Europeu, e que cumpra os critérios de fiabilidade exigidos em termos de moralidade, técnica e no plano económico, escolhida por meio de processo de seleção aberto, concorrencial e não discriminatório. O procedimento prevê as seguintes condições essenciais:

    a)

    prazo de concessão de nove anos, não renovável;

    b)

    seleção baseada no critério da proposta economicamente mais vantajosa e, relativamente à componente “preço”, o valor de base do concurso, para as propostas, é de 700 milhões de euros;

    c)

    pagamento do preço indicado na proposta do concorrente classificado em primeiro lugar no montante de 350 milhões de euros, no momento da adjudicação, em 2015, de 250 milhões de euros em 2016, no momento da assunção efetiva do serviço do jogo por parte do adjudicatário, e a parte restante em 2017, antes de 30 de abril desse ano;

    d)

    possibilidade de o concessionário adjudicatário utilizar a rede de telecomunicações para a prestação, direta ou indireta, de serviços distintos da recolha de apostas do Lotto e dos outros jogos de números de montante fixo, desde que, na opinião da Agenzia delle Dogane e dei Monopoli, sejam compatíveis com tal recolha;

    e)

    comissão para o concessionário correspondente a 6% das apostas recolhidas;

    f)

    obrigação de atualização tecnológica do sistema de redes e de terminais de jogo segundo as normas de qualidade que garantem o mais elevado grau de segurança e de fiabilidade em conformidade com o plano de investimento que é parte integrante da oferta técnica;

    g)

    obrigação do concessionário de pagar anualmente ao Estado as quantias eventualmente não investidas nos termos do plano referido na alínea f);

    h)

    obrigação de cada proponente efetuar, quando da sua participação no processo de seleção, um pagamento a favor da [ADM] no montante das remunerações previstas no n.o 654, sendo o direito à restituição exclusivamente reservado aos proponentes aos quais não for adjudicada a concessão.»

    Litígio nos processos principais e questões prejudiciais

    8

    Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, em Itália, o loto é organizado pelo Estado segundo um regime de concessões duplo, sendo que o primeiro diz respeito à recolha de apostas, confiada a vários pontos de recolha, com base no modelo de concessões múltiplas, e o segundo se refere aos serviços de extração e gestão automatizada da rede de recolha, anteriormente confiada por adjudicação direta à Lottomatica SpA.

    9

    Aproximando‑se o termo desta última adjudicação, a saber, 8 de junho de 2016, foi confiada à ADM a missão de organizar o concurso para uma nova concessão, cujas condições gerais essenciais se encontravam previstas no artigo 1.o, n.o 653, da Lei n.o 190/2014.

    10

    Para esse efeito, foi publicado um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia, em 17 de dezembro de 2015, e na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana, em 21 de dezembro de 2015. O anúncio fixava o prazo para a apresentação de propostas em 16 de março de 2016 e indicava, a título do valor da concessão, uma quantia correspondente à recolha registada no ano de 2014, ou seja, 6600000000 euros.

    11

    Além das condições essenciais definidas pelo anúncio de concurso, o caderno de encargos previa no seu n.o 5.3, enquanto requisito de capacidade económica e financeira a preencher pelos proponentes, a realização no período de 2012 a 2014 ou de 2013 a 2015 de um volume de negócios mínimo no valor de 100 milhões de euros nas atividade de gestão ou de recolha de apostas.

    12

    No que se refere aos requisitos de capacidade técnica, o n.o 5.4, alínea a), do caderno de encargos exigia «[a] realização global, em cada um dos três últimos exercícios concluídos do triénio 2012/2014 ou do triénio 2013/2015, de uma recolha [de apostas] de jogo de pelo menos [350] milhões de euros relativamente aos tipos de jogos efetuados através de terminais de jogo», e precisava que, «[n]o caso de o concorrente exercer a sua atividade no setor há menos de três anos mas há pelo menos 18 meses, o valor da recolha será ajustado proporcionalmente ao período de recolha efetiva».

    13

    Nos termos do n.o 11 do referido caderno de encargos, incumbia ao proponente apresentar um plano de investimento, um projeto organizacional e um projeto de desenvolvimento.

    14

    A proposta financeira consistia, segundo o n.o 12.4 do caderno de encargos, «numa proposta superior ao montante mínimo de base do concurso previsto, fixado em 700 milhões de euros», precisando‑se que as propostas deviam ser formuladas com um montante mínimo de 3 milhões de euros. O n.o 15.3 do caderno de encargos previa a adjudicação do contrato com base no critério da proposta financeiramente mais vantajosa.

    15

    O modelo de contrato de concessão da gestão do serviço do loto (a seguir «modelo de contrato») indicava, no seu artigo 22.o, n.o 1, que, «[n]o termo do prazo da concessão, o concessionário devolverá à [ADM], sem qualquer encargo para esta e a pedido da mesma, todos os bens corpóreos e incorpóreos que constituem a rede de pontos de recolha físicos, bem como a propriedade de todo o sistema automatizado, abrangendo a disponibilidade das instalações, dos equipamentos, incluindo a disponibilidade das instalações, dos equipamentos, dos quais os terminais junto de todos os pontos de recolha, instalações, estruturas, programas, arquivos e qualquer outro elemento necessário ao funcionamento, à gestão e à funcionalidade completos do próprio sistema tal como resulta do último inventário aprovado pela ADM».

    16

    O artigo 30.o desse modelo de contrato, que definia as causas de revogação e de caducidade da concessão, enunciava, no seu n.o 2:

    «Para efeitos de proteção dos interesses da fazenda pública e dos consumidores, a ADM declara a caducidade da concessão […] também nos seguintes casos:

    […]

    h)

    […] qualquer infração penal [com fundamento na qual] tenha sido [instaurado um processo] e que a ADM, em razão da sua natureza, gravidade, modalidades de execução e da conexão com o objeto da atividade concessionada, considere suscetível de excluir a fiabilidade, o profissionalismo e a idoneidade moral do concessionário […]

    […]

    k)

    qualquer situação em que o concessionário viole a legislação em matéria de [prevenção] do jogo irregular, ilícito e clandestino e, em particular, quando, diretamente ou através de sociedades subsidiárias ou associadas, onde quer que estejam localizadas, comercialize no território italiano outros jogos equiparáveis ao jogo do loto automatizado e outros jogos de números de montante fixo sem deter a autorização prevista ou outros jogos proibidos pelo ordenamento italiano;

    […]»

    17

    Por decisão de 16 de maio de 2016, a concessão foi confiada à Lottoitalia Srl, tendo esta participado no processo de seleção no quadro de um consórcio temporário de empresas composto pela Lottomatica e outras três sociedades.

    18

    A Stanley exerce a sua atividade em Itália no setor das apostas com prémio fixo, por intermédio de operadores denominados «centros de transmissão de dados» (a seguir «CTD»), que prestam serviços de apostas desportivas.

    19

    Tendo considerado que tinha sido impedida de participar no concurso público para a adjudicação da gestão do serviço do loto, a Stanley interpôs no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional para o Lácio, Itália) um recurso de anulação dos atos do processo de seleção, contestando a compatibilidade com o direito da União do artigo 1.o, n.o 653, da Lei n.o 190/2014 e de certas condições de participação no concurso previstas no caderno de encargos e no modelo de contrato.

    20

    Por sentença de 21 de abril de 2016, o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional para o Lácio) negou provimento ao recurso da Stanley.

    21

    Segundo o referido órgão jurisdicional, o loto difere significativamente de outros jogos, uma vez que se trata do único jogo em que o Estado suporta o risco económico e que se caracteriza pela distinção feita entre a fase de recolha de apostas e a fase da gestão do jogo. Estas diferenças justificam a escolha do modelo de concessionário único para a gestão do serviço do loto, modelo esse que assegura uma redução das despesas relacionadas com a coordenação das atividades dos diversos concessionários e que favorece uma menor concorrência no mercado e, como tal, uma gestão responsável do jogo.

    22

    O referido órgão jurisdicional considerou que os critérios de participação no concurso público eram adequados e proporcionados ao objeto do concurso, na medida em que as estatísticas evidenciavam que a recolha das apostas de jogos de números de montante fixo nos últimos cinco exercícios era superior a 6 mil milhões de euros por ano, gerando assim um volume de negócios para o concessionário de cerca de 400 milhões de euros. O referido órgão jurisdicional precisou ainda que pelo menos quinze operadores do setor preenchiam os referidos critérios.

    23

    A Stanley recorreu da referida sentença para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália).

    24

    Em apoio do referido recurso, a Stanley contesta a compatibilidade com o direito da União da aplicação ao loto, diferentemente do que sucede com outros jogos, concursos de prognósticos e apostas, do modelo de concessionário único. Defende que as condições de participação no concurso, designadamente o valor de base do concurso, e os casos suscetíveis de implicar a extinção da concessão eram excessivos e constituíam um meio de dissuadi‑la de participar no mesmo. Alega que a devolução a título gratuito da rede à ADM, no termo da concessão, viola a jurisprudência resultante do Acórdão de 28 de janeiro de 2016, Laezza (C‑375/14, EU:C:2016:60).

    25

    Entendendo que o litígio no processo principal suscita uma questão de interpretação do direito da União à qual a jurisprudência, no seu estado atual, não permite responder, o órgão jurisdicional de reenvio considera ser necessário questionar o Tribunal de Justiça a esse respeito.

    26

    Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «[1)]

    Deve o direito da União, em particular o direito de estabelecimento e a livre prestação de serviços, bem como os princípios da não discriminação, da transparência, da livre concorrência, da proporcionalidade e da coerência, ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime como o estabelecido pelo artigo 1.o, n.o 653, da Lei [n.o 190/2014] e pelos respetivos atos de execução, que prevê um modelo de concessionário único exclusivo relativamente ao serviço do jogo do [“Lotto”], mas não para outros jogos, concursos de prognósticos e apostas?

    [2)]

    Deve o direito da União, em particular o direito de estabelecimento, a livre prestação de serviços e a Diretiva [2014/23], bem como os princípios da não discriminação, da transparência, da livre concorrência, da proporcionalidade e da coerência, ser interpretado no sentido de que se opõe a um anúncio de concurso que prevê um valor de base do concurso muito superior e injustificado relativamente aos requisitos de capacidade económico‑financeira e técnico‑organizativos, do tipo dos previstos pelos n.os 5.3, 5.4, 11, 12.4 e 15.3 do caderno de encargos do concurso para a adjudicação da concessão do jogo do [“Lotto”]?

    [3)]

    Deve o direito da União, em particular o direito de estabelecimento, a livre prestação de serviços e a Diretiva [2014/23], bem como os princípios da não discriminação, da transparência, da livre concorrência, da proporcionalidade e da coerência, ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime que impõe uma alternativa de facto entre ser beneficiário de uma nova concessão e continuar a prestar livremente os diversos serviços de apostas numa base transfronteiriça, alternativa do tipo da que decorre do artigo 30.o do modelo de contrato, de modo que a decisão de participar no concurso para a adjudicação da nova concessão implicaria a renúncia à atividade transfronteiriça, apesar de a legalidade desta última atividade ter sido várias vezes reconhecida pelo Tribunal de Justiça?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    27

    A Lottoitalia e o Governo italiano consideram que o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível na medida em que a decisão de reenvio se limita a reproduzir as questões propostas pela Stanley, sem fundamentar os motivos que levaram o juiz nacional a questionar o Tribunal de Justiça nem provar a necessidade das mesmas.

    28

    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.o 22 e jurisprudência referida).

    29

    Resulta igualmente de jurisprudência constante que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que conduziram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 22 de janeiro de 2015, Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑463/13, EU:C:2015:25, n.o 27 e jurisprudência referida).

    30

    No caso vertente, o pedido de decisão prejudicial define de forma suficiente o quadro jurídico e factual do litígio no processo principal. Além disso, as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à pertinência das questões submetidas para efeitos de decidir o referido litígio permitem apreciar o alcance dessas questões e fornecer uma resposta útil às mesmas, como confirmam também as observações escritas apresentadas pelos Governos belga e português.

    31

    Por outro lado, conforme se recordou no n.o 3 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2018, C 257, p. 1), a competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação ou a validade do direito da União é exercida por iniciativa exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais, independentemente de as partes no processo principal terem ou não exprimido a intenção de submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Uma vez que é chamado a assumir a responsabilidade pela futura decisão judicial, é na verdade ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se sobre um litígio ‑ e a ele apenas ‑ que cabe apreciar, atendendo às particularidades de cada processo, quer a necessidade de um pedido de decisão prejudicial para o julgamento da causa quer a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça.

    32

    Assim sendo, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto ao mérito

    33

    Com as suas três questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, quanto à compatibilidade da regulamentação nacional em causa no processo principal e de certas disposições dos atos adotados com vista à sua aplicação com os artigos 49.o e 56.o TFUE e com os princípios da não discriminação, da transparência e da proporcionalidade, bem como com as disposições da Diretiva 2014/23.

    Quanto à aplicabilidade ratione temporis da Diretiva 2014/23

    34

    A título preliminar, cabe observar que, segundo jurisprudência constante, estabelecida em matéria de concursos públicos e aplicável por analogia em matéria de concessão de serviços, a diretiva aplicável é, em princípio, a que está em vigor no momento em que a entidade adjudicante escolhe o tipo de procedimento que vai adotar e dirime definitivamente a questão de saber se há ou não obrigação de proceder à abertura prévia de um concurso para a adjudicação de um contrato público. Em contrapartida, são inaplicáveis as disposições de uma diretiva cujo prazo de transposição expirou após esse momento (v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz, C‑324/14, EU:C:2016:214, n.o 83 e jurisprudência referida).

    35

    No caso vertente, o concurso público em causa no processo principal foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 17 de dezembro de 2015, ou seja, antes do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/23, em 18 de abril de 2016, sem que, por outro lado, conforme salientou a advogada‑geral no n.o 30 das suas conclusões, que tal transposição para o direito nacional já tivesse ocorrido à data da referida publicação.

    36

    Nestas condições, a Diretiva 2014/23 não é aplicável ratione temporis ao processo principal.

    Quanto à primeira questão

    37

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura, em substância, saber se os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê um modelo de concessionário único para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto, mas não para outros jogos, concursos de prognósticos e apostas, aos quais se aplica um modelo de vários concessionários.

    38

    Conforme o Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado, uma legislação de um Estado‑Membro como a que está em causa no processo principal, que sujeita o exercício de uma atividade económica à obtenção de uma concessão e prevê diversos casos de caducidade da concessão constitui um entrave às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE (Acórdãos de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80, n.o 70, e de 22 de janeiro de 2015, Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑463/13, EU:C:2015:25, n.o 46).

    39

    Tal sucede quer se recorra a um modelo de concessionário único ou a um modelo de vários concessionários. Por conseguinte, conforme salientou a advogada‑geral no n.o 43 das suas conclusões, as decisões de submeter a atividade em causa à obtenção de uma concessão e de lançar um concurso público utilizando o modelo de concessionário único devem ser objeto de um exame nos termos dos referidos artigos.

    40

    Para efeitos desse exame, há que recordar que, se, na falta de harmonização a nível da União no domínio dos jogos de fortuna e azar, os Estados‑Membros podem fixar os objetivos da sua política na matéria, beneficiando de um amplo poder de apreciação na escolha do nível de proteção do consumidor e da ordem social que considerem mais adequado, as restrições que estes impõem devem preencher as condições que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito, nomeadamente, da sua justificação por razões imperiosas de interesse geral e da sua proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.os 39 e 40 e jurisprudência referida).

    41

    Por conseguinte, importa apreciar se tal restrição pode ser admitida a título das medidas derrogatórias, por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública, expressamente previstas nos artigos 51.o e 52.o TFUE, aplicáveis, igualmente, em matéria de livre prestação de serviços por força do artigo 62.o TFUE, ou justificada, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por razões imperiosas de interesse geral (Acórdão de 22 de janeiro de 2015, Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑463/13, EU:C:2015:25, n.o 47 e jurisprudência referida).

    42

    No caso vertente, no que se refere aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em causa no processo principal, o Governo italiano alega que a escolha do modelo de concessionário único respondia, designadamente, à necessidade de canalizar o jogo para um circuito controlado e a uma lógica de gestão responsável, restringindo a concorrência nesse mercado concreto. Acrescenta que essa escolha também era necessária por razões de caráter técnico, uma vez que o modelo alternativo, isto é, o modelo de vários concessionários, pressupunha um duplo nível de controlo pelo intermediário de uma entidade que deveria coordenar e uniformizar as atividades de diferentes concessionários, e que tal estrutura teria implicado uma multiplicação dos custos.

    43

    A este respeito, conforme o Tribunal de Justiça recordou anteriormente na sua jurisprudência relativa aos jogos de fortuna e azar, a proteção dos consumidores e a prevenção da fraude e da incitação dos cidadãos a uma despesa excessiva ligada ao jogo podem ser qualificadas de razões imperiosas de interesse geral suscetível de justificar restrições às liberdades fundamentais que decorrem dos artigos 49.o e 56.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2015, Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑463/13, EU:C:2015:25, n.o 48 e jurisprudência referida).

    44

    Em contrapartida, como resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, os inconvenientes administrativos e as razões económicas não constituem um motivo suscetível de justificar um entrave a uma liberdade fundamental garantida pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2011, Zeturf, C‑212/08, EU:C:2011:437, n.os 48 e 52 e jurisprudência referida).

    45

    Todavia, a identificação dos objetivos efetivamente prosseguidos pela regulamentação nacional, no âmbito de um processo de que o Tribunal de Justiça é chamado a conhecer nos termos do artigo 267.o TFUE, é da competência do órgão jurisdicional de reenvio (Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 47).

    46

    Além disso, cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as indicações fornecidas pelo Tribunal de Justiça, verificar se as restrições impostas pelo Estado‑Membro em causa preenchem as condições que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à sua proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 48 e jurisprudência referida).

    47

    No caso vertente, caso um dos objetivos da regulamentação em causa no principal consista efetivamente, conforme afirma o Governo italiano, em reduzir a concorrência no mercado concreto da gestão do serviço do jogo do loto, o modelo de concessionário único parece, portanto, ser apto para que se atinja esse objetivo.

    48

    Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, contrariamente ao estabelecimento de uma concorrência livre e não falseada no mercado tradicional, o estabelecimento dessa concorrência no mercado bastante específico dos jogos de fortuna e azar, ou seja, entre vários operadores que estariam autorizados a explorar os mesmos jogos de fortuna e azar, é suscetível de gerar um efeito prejudicial, ligado ao facto de estes operadores serem levados a rivalizar em inventividade para tornar a sua oferta mais atrativa que a dos seus concorrentes e, deste modo, aumentar as despesas dos consumidores ligadas ao jogo assim como os riscos de dependência destes últimos (Acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 46 e jurisprudência referida).

    49

    Por outro lado, dado que a escolha das modalidades de organização e de controlo das atividades de exploração e de prática dos jogos de fortuna ou azar incumbe às autoridades nacionais, no âmbito do seu poder de apreciação, o facto de um Estado‑Membro ter escolhido, para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto, um sistema de concessionário único, contrariamente ao que sucede, nesse mesmo Estado‑Membro, no que se refere à organização do mercado dos outro jogos de fortuna e azar, não pode, por si só, ter incidência sobre a apreciação da proporcionalidade da regulamentação em causa no processo principal, devendo esta ser apreciada unicamente em relação aos objetivos que prossegue.

    50

    Com efeito, essa divergência de regimes jurídicos não é, em si, suscetível de afetar a aptidão do sistema de concessionário único para atingir o objetivo de prevenção da incitação dos cidadãos a despesas excessivas ligadas ao jogo e de luta contra a dependência do jogo, para o qual foi instituído (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Sporting Odds, C‑3/17, EU:C:2018:130, n.o 23 e jurisprudência referida).

    51

    Todavia, um sistema dual de organização do mercado dos jogos de fortuna e azar poderá revelar‑se contrário ao artigo 56.o TFUE se se verificar que as autoridades competentes levam a cabo políticas de encorajamento da participação em jogos de fortuna e azar diferentes dos compreendidos no sistema de concessionário único, em vez de reduzirem as ocasiões de jogo e de limitarem as atividades nesse domínio, de maneira coerente e sistemática de modo que o objetivo de prevenção da incitação a despesas excessivas ligadas ao jogo e de luta contra a dependência do jogo que estava na base da instituição do sistema de concessionário único deixa de poder ser eficazmente prosseguido por ele (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Sporting Odds, C‑3/17, EU:C:2018:130, n.o 24 e jurisprudência referida).

    52

    Em contrapartida, esse sistema dual é compatível com o artigo 56.o TFUE, desde que o órgão jurisdicional de reenvio estabeleça que a regulamentação que restringe a livre prestação de serviços prossegue efetivamente, de forma coerente e sistemática, os objetivos invocados pelo Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, Sporting Odds, C‑3/17, EU:C:2018:130, n.o 33).

    53

    Atendendo à totalidade destas considerações, cabe responder à primeira questão que os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê um modelo de concessionário único para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto, mas não para outros jogos, concursos de prognósticos e apostas, aos quais se aplica um modelo de vários concessionários, desde que o órgão jurisdicional nacional estabeleça que a regulamentação nacional prossegue efetivamente, de forma coerente e sistemática, os objetivos legítimos invocados pelo Estado‑Membro em causa.

    Quanto à segunda questão

    54

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como os princípios da não discriminação, da transparência e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional e aos atos adotados com vista à sua aplicação, como os que estão em causa no processo principal, que preveem, para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto, um valor de base do concurso elevado em relação a outros requisitos de capacidade económico‑financeira e técnico‑organizativos.

    55

    A este respeito, cabe observar que tanto a exigência de um contrato de concessão como as condições de participação previstas no concurso público em causa, entre as quais figura o valor de base do concurso, são suscetíveis de tornar menos atrativo o exercício das liberdades garantidas nos artigos 49.o e 56.o TFUE, e devem, por conseguinte, ser justificadas e preencher as exigências que decorrem do princípio da proporcionalidade.

    56

    É também de jurisprudência constante que, na adjudicação de uma concessão, como a que está em causa no processo principal, a autoridade adjudicante tem uma obrigação de transparência que consiste, nomeadamente, em garantir a qualquer potencial proponente um grau de publicidade adequado que permita uma abertura da concessão à concorrência e a fiscalização da imparcialidade dos procedimentos de adjudicação (Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80, n.o 72 e jurisprudência referida).

    57

    O princípio da transparência, que é um corolário do princípio da igualdade, tem, nesse contexto, essencialmente o objetivo de assegurar que qualquer operador interessado pode decidir apresentar propostas em concursos, com base em todas as informações pertinentes, e de garantir a inexistência do risco de favoritismo e arbitrariedade da entidade adjudicante. Esse princípio implica que todos os requisitos e modalidades do procedimento de adjudicação sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca, de modo, por um lado, a permitir que todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes compreendam o seu alcance exato e os interpretem da mesma forma e, por outro, a enquadrar o poder discricionário da entidade adjudicante e permitir que esta verifique efetivamente se as propostas dos proponentes correspondem aos critérios que regem o procedimento em causa (Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80, n.o 73 e jurisprudência referida).

    58

    O valor do concurso constitui um elemento essencial da informação que, no respeito do princípio da transparência, também deve figurar, pelo menos de forma estimativa, no anúncio de concurso. Como salientou, em substância, a advogada‑geral no n.o 59 das suas conclusões, o valor estimado do concurso deve, por outro lado, basear‑se em critérios objetivos.

    59

    No caso vertente, sendo certo que, como salienta a Stanley, o valor de base do concurso em causa no processo principal ascendia, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 653, alínea b), da Lei n.o 190/2014, a 700 milhões de euros, ou seja, cerca do dobro da capacidade económica e financeira prevista no n.o 5.3 do caderno de encargos, importa chamar a atenção para o facto de este último requisito, que se referia unicamente à receita que o operador económico havia realizado no passado, não é suscetível de ter incidência sobre o caráter objetivo do valor estimado do concurso.

    60

    Conforme salientou a advogada‑geral nos n.os 61 e 62 das suas conclusões, esse valor também deve ser apreciado em relação ao montante muito elevado da concessão, ou seja, 6600 milhões de euros por ano, e à receita anual do serviço para o concessionário, de 6% das apostas recolhidas, ou seja, cerca de 400 milhões de euros, bem como em relação à possibilidade de os eventuais candidatos participarem no procedimento enquanto agrupamentos de empresas. Por outro lado, no que se refere a este último aspeto, resulta da sentença de 21 de abril de 2016 do Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional para o Lácio) que pelo menos quinze operadores do setor preenchiam esse critério para poderem participar no concurso público.

    61

    Além disso, o artigo 1.o, n.o 653, alínea c), da Lei n.o 190/2014 previa um pagamento repartido do preço indicado na oferta do proponente classificado em primeiro lugar em três prestações no decurso dos anos 2015 a 2017.

    62

    Atendendo ao que precede, afigura‑se, portanto, que o valor de base do concurso em causa no processo principal se encontrava fixado de maneira clara, precisa e unívoca, e que parece ser objetivamente justificado.

    63

    Não obstante, importa acrescentar que, conforme resulta da jurisprudência referida no n.o 46 do presente acórdão, a apreciação final da proporcionalidade da regulamentação nacional em causa no processo principal incumbe ao órgão jurisdicional nacional. O mesmo sucede no que se refere à conformidade dessa mesma regulamentação com o princípio da transparência.

    64

    Atendendo a estas considerações, há que responder à segunda questão que os artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como os princípios da não discriminação, da transparência e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional e aos atos adotados com vista à sua aplicação, como os que estão em causa no processo principal, que preveem, para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto, um valor de base do concurso elevado, na condição de este ser fixado de maneira clara, precisa e unívoca, e que seja objetivamente justificado, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

    Quanto à terceira questão

    65

    A terceira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio parece basear‑se no postulado segundo o qual o Tribunal de Justiça teria reconhecido na sua jurisprudência a legalidade da gestão das atividades relacionadas com os jogos de fortuna e azar em regime de livre prestação por intermédio dos CTD.

    66

    A este respeito, cabe salientar que o Tribunal de Justiça validou o recurso a um sistema de concessões no setor dos jogos de fortuna e azar, considerando que este pode constituir um mecanismo eficaz para controlar os operadores ativos no setor dos jogos de fortuna e azar com a finalidade de prevenir a exploração destas atividades com fins criminosos ou fraudulentos (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2013, Biasci e o., C‑660/11 e C‑8/12, EU:C:2013:550, n.o 24 e jurisprudência referida).

    67

    Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado a incompatibilidade com o direito da União de certas disposições de concursos públicos lançados para a adjudicação de contratos de concessão de serviços ligados aos jogos de fortuna e azar, não se pronunciou quanto à legalidade da gestão das atividades ligadas a jogos de fortuna e azar em regime de livre prestação por intermédio de CTD enquanto tal.

    68

    Atendendo a esta precisão, cabe reformular a terceira questão no sentido de que, através da mesma, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 49.o e 56.o TFUE e os princípios da não discriminação, da transparência e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição como a que está em causa no processo principal, contida num modelo de contrato de concessão que acompanha um anúncio de concurso e que prevê a caducidade da concessão da gestão do serviço do jogo do loto:

    no caso de qualquer infração penal com fundamento na qual tenha sido instaurado um processo e que a entidade adjudicante, em razão da sua natureza, gravidade, modalidades de execução e da conexão com o objeto da atividade concessionada, considere suscetível de excluir a fiabilidade, o profissionalismo e a idoneidade moral do concessionário,

    ou se o concessionário violar a legislação em matéria de prevenção do jogo irregular, ilícito e clandestino e, em particular, quando, diretamente ou através de sociedades subsidiárias ou associadas, onde quer que estejam localizadas, comercialize outros jogos equiparáveis ao jogo do loto sem deter a autorização prevista para esse efeito.

    69

    Conforme se recordou nos n.os 38 a 40 do presente acórdão, uma regulamentação nacional que sujeita o exercício de uma atividade económica à obtenção de uma concessão e prevê diversos casos de caducidade da concessão constitui um entrave às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE. Como tal, para serem declaradas compatíveis com os referidos artigos, as cláusulas de caducidade devem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral e satisfazer o critério de proporcionalidade. Por outro lado, essas cláusulas devem respeitar o princípio da transparência, recordado nos n.os 56 e 57 do presente acórdão.

    70

    É à luz destas considerações que se deve responder à terceira questão prejudicial.

    71

    No que se refere, em primeiro lugar, à cláusula de caducidade do contrato de concessão em razão da instauração de um processo penal, prevista no artigo 30.o, n.o 2, alínea h), do modelo de contrato, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no domínio concreto dos jogos de fortuna e azar, a exclusão de um operador económico em razão da prática de um delito conexo com a atividade dada em concessão pode, em princípio, ser considerada uma medida justificada pelo objetivo do combate à criminalidade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80, n.o 76 e jurisprudência referida).

    72

    Todavia, dado que a caducidade de uma concessão constitui uma medida particularmente grave para o concessionário, este deve estar em condições de avaliar com certeza o risco de essa sanção lhe ser aplicada. Para tal, é necessário que as circunstâncias em que essa sanção pode ser aplicada sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80, n.os 77 e 78).

    73

    No caso vertente, a cláusula que figura no artigo 30.o, n.o 2, alínea h), do modelo de contrato parece, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, responder a essa exigência.

    74

    Com efeito, cabe observar que, por um lado, como salienta a advogada‑geral no n.o 73 das suas conclusões, esta cláusula descreve sucinta mas claramente os requisitos que devem ser preenchidos antes de a ADM decidir declarar a caducidade, de modo que um proponente razoavelmente informado e normalmente diligente não pode ter dificuldades em compreender o seu âmbito de aplicação e o seu alcance.

    75

    Por outro lado, na medida em que os requisitos relativos ao processo penal se encontram regulados no direito italiano pelas disposições do código de processo penal, esses requisitos são, como tal, acessíveis e previsíveis para todos os operadores.

    76

    No que se refere à questão de saber se essa cláusula também responde às exigências que decorrem do princípio da proporcionalidade, resulta de jurisprudência constante que as restrições impostas pela regulamentação nacional não devem ir além do necessário para atingir o objetivo prosseguido (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2003, Gambelli e o., C‑243/01, EU:C:2003:597, n.o 72). Portanto, embora as entidades adjudicantes devam, em princípio, estar em condições de declarar a caducidade de um contrato de concessão no caso de a fiabilidade do concessionário ser posta em causa, designadamente em razão da prática de um delito conexo com o objeto da atividade concessionada, essa possibilidade deve, não obstante, ser estritamente enquadrada para que seja adequada ao objetivo da luta contra a criminalidade.

    77

    No caso vertente, a margem de apreciação de que a ADM dispõe para declarar a caducidade do contrato de concessão com base na cláusula prevista no artigo 30.o, n.o 2, alínea h), do modelo de contrato está sujeita a um duplo requisito. Com efeito, em primeiro lugar, a caducidade pressupõe a intervenção prévia de uma autoridade judiciária independente da entidade adjudicante que, na sequência de um pedido do Ministério Público, emite uma acusação baseada num conjunto de indícios recolhidos no âmbito de um inquérito penal. Em segundo lugar, a caducidade pressupõe que o delito cometido seja conexo com o objeto da atividade concessionada.

    78

    Atendendo ao que precede, uma cláusula como a que figura no artigo 30.o, n.o 2, alínea h), do modelo de contrato não parece ir além do que é necessário para atingir o objetivo prosseguido, a saber, a luta contra a criminalidade, o que, não obstante, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    79

    Esta conclusão não é posta em causa pelo n.o 81 do Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone (C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80), segundo o qual uma exclusão do contrato pela caducidade da concessão só deverá, em princípio, ser considerada proporcionada ao objetivo de combate à criminalidade se se basear numa sentença transitada em julgado e relativa a um crime suficientemente grave.

    80

    Com efeito, embora, em princípio, a caducidade ocorra, de forma automática, quando uma sentença transitada em julgado for proferida devido à prática de um delito conexo com a atividade concessionada, essa circunstância não exclui a possibilidade de conferir à entidade adjudicante a faculdade de declarar a caducidade não havendo uma sentença transitada em julgado nas condições estritamente definidas pela lei.

    81

    Em segundo lugar, no que se refere à cláusula de caducidade prevista no artigo 30.o, n.o 2, alínea k), do modelo de contrato, a proibição da comercialização no território italiano de outros jogos equiparáveis ao jogo do loto sem deter a autorização prevista ou de outros jogos proibidos pelo ordenamento italiano aí referida constitui também uma medida destinada a lutar contra o jogo ilegal, o que constitui seguramente um objetivo legítimo.

    82

    Sob reserva das verificações a que o órgão jurisdicional de reenvio deve proceder, os termos dessa cláusula parecem estar redigidos com um grau de clareza suficiente. De igual modo, essa cláusula parece ser adequada para atingir o objetivo prosseguido nesse caso, sem exceder o necessário para o atingir.

    83

    Não obstante, cabe acrescentar que, na apreciação da proporcionalidade dessas cláusulas, o órgão jurisdicional de reenvio deverá também ter em conta o facto de a caducidade do contrato de concessão de um operador económico não poder ser considerada proporcionada se a legislação nacional não previr um recurso jurisdicional eficaz e uma reparação do dano sofrido, no caso de, seguidamente, essa exclusão se revelar injustificada (v., por analogia, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, Costa e Cifone, C‑72/10 e C‑77/10, EU:C:2012:80, n.o 81).

    84

    Assim, desde que o operador que efetivamente concorreu e se viu afastado do concurso devido às cláusulas de caducidade controvertidas ou que o proponente que foi objeto de uma decisão de caducidade com base nessas mesmas cláusulas disponham de um direito de recurso efetivo contra o facto de terem sido, respetivamente, afastados ou visto o seu contrato extinto, e desde que os interessados possam obter ressarcimento do prejuízo no caso de, subsequentemente, esses factos se revelarem injustificados, incluindo devido à violação do direito da União, deve considerar‑se que essas cláusulas satisfazem as exigências que decorrem do princípio da proporcionalidade.

    85

    Atendendo a essas considerações, cabe responder à terceira questão que os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição como a que está em causa no processo principal, contida num modelo de contrato de concessão que acompanha um anúncio de concurso e que prevê a caducidade da concessão da gestão do serviço do jogo do loto:

    no caso de qualquer infração penal com fundamento na qual tenha sido instaurado um processo e que a entidade adjudicante, em razão da sua natureza, gravidade, das suas modalidades de execução e da sua conexão com o objeto da atividade concessionada, considere suscetível de excluir a fiabilidade, o profissionalismo e a idoneidade moral do concessionário,

    ou se o concessionário violar a legislação em matéria de prevenção do jogo irregular, ilícito e clandestino e, em particular, quando, diretamente ou através de sociedades subsidiárias ou associadas, onde quer que estejam localizadas, comercialize outros jogos equiparáveis ao jogo do loto sem deter a autorização prevista para esse efeito,

    na condição de essas cláusulas serem justificadas, se revelarem proporcionadas ao objetivo prosseguido e serem conformes ao princípio da transparência, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar, à luz das indicações incluídas no presente acórdão.

    Quanto às despesas

    86

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    1)

    Os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que prevê um modelo de concessionário único para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto automatizado e de outros jogos de números de montante fixo, mas não para outros jogos, concursos de prognósticos e apostas, aos quais se aplica um modelo de vários concessionários, desde que o órgão jurisdicional nacional estabeleça que a regulamentação nacional prossegue efetivamente, de forma coerente e sistemática, os objetivos legítimos invocados pelo Estado‑Membro em causa.

     

    2)

    Os artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como os princípios da não discriminação, da transparência e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional e aos atos adotados com vista à sua aplicação, como os que estão em causa no processo principal, que preveem, para a concessão da gestão do serviço do jogo do loto automatizado e de outros jogos de números de montante fixo, um valor de base do concurso elevado, na condição de este ser fixado de maneira clara, precisa e unívoca, e que seja objetivamente justificado, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

     

    3)

    Os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma disposição como a que está em causa no processo principal, contida num modelo de contrato de concessão que acompanha um anúncio de concurso e que prevê a caducidade da concessão da gestão do serviço do jogo do loto automatizado e de outros jogos de números de montante fixo:

    no caso de qualquer infração penal com fundamento na qual tenha sido instaurado um processo e que a entidade adjudicante, em razão da sua natureza, gravidade, das suas modalidades de execução e da sua conexão com o objeto da atividade concessionada, considere suscetível de excluir a fiabilidade, o profissionalismo e a idoneidade moral do concessionário,

    ou se o concessionário violar a legislação em matéria de prevenção do jogo irregular, ilícito e clandestino e, em particular, quando, diretamente ou através de sociedades subsidiárias ou associadas, onde quer que estejam localizadas, comercialize outros jogos equiparáveis ao jogo do loto automatizado e outros jogos de números de montante fixo sem deter a autorização prevista para esse efeito,

    na condição de essas cláusulas serem justificadas, se revelarem proporcionadas ao objetivo prosseguido e serem conformes ao princípio da transparência, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar, à luz das indicações incluídas no presente acórdão.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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