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Document 62017CJ0193

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 22 de janeiro de 2019.
Cresco Investigation GmbH contra Markus Achatzi.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof.
Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 21.º — Igualdade de tratamento em matéria de emprego e de atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 2.º, n.º 2, alínea a) — Discriminação direta em razão da religião — Legislação nacional que concede a certos trabalhadores um feriado na Sexta‑Feira Santa — Justificação — Artigo 2.º, n.º 5 — Artigo 7.º, n.º 1 — Obrigações dos empregadores privados e do juiz nacional decorrentes de uma incompatibilidade do direito nacional com a Diretiva 2000/78.
Processo C-193/17.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:43

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

22 de janeiro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 21.o — Igualdade de tratamento em matéria de emprego e de atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 2.o, n.o 2, alínea a) — Discriminação direta em razão da religião — Legislação nacional que concede a certos trabalhadores um feriado na Sexta‑Feira Santa — Justificação — Artigo 2.o, n.o 5 — Artigo 7.o, n.o 1 — Obrigações dos empregadores privados e do juiz nacional decorrentes de uma incompatibilidade do direito nacional com a Diretiva 2000/78»

No processo C‑193/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por decisão de 24 de março de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de abril de 2017, no processo

Cresco Investigation GmbH

contra

Markus Achatzi,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal, C. Toader e C. Lycourgos (relator), presidentes de secção, A. Rosas, M. Ilešič, M. Safjan, D. Šváby, C. Vajda e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de abril de 2018,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Cresco Investigation GmbH, por M. Zehetbauer, Rechtsanwältin,

em representação de M. Achatzi, por A. Obereder, Rechtsanwalt,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse, na qualidade de agente,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili e F. De Luca, avvocati dello Stato,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, M. Szwarc e A. Siwek, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e D. Martin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do artigo 1.o, do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do artigo 2.o, n.o 5, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Cresco Investigation GmbH (a seguir «Cresco») a Markus Achatzi, a propósito do direito deste a beneficiar de uma compensação complementar à remuneração recebida pelo trabalho prestado durante uma Sexta‑Feira Santa.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 24 da Diretiva 2000/78 enuncia:

«A União Europeia, na sua Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais, anexa à ata final do Tratado de Amesterdão, reconhece explicitamente que respeita e não afeta o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as Igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros, e que respeita igualmente o estatuto das organizações filosóficas e não confessionais. Nesta perspetiva, os Estados‑Membros podem manter ou prever disposições específicas sobre os requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, suscetíveis de serem exigidos para o exercício de uma atividade profissional nos respetivos territórios.»

4

O artigo 1.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

6

O artigo 7.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Ação positiva e medidas específicas», dispõe, no seu n.o 1:

«A fim de assegurar a plena igualdade na vida ativa, o princípio da igualdade de tratamento não obsta a que os Estados‑Membros mantenham ou adotem medidas específicas destinadas a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o»

7

O artigo 16.o da Diretiva 2000/78 prevê:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que:

a)

Sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento;

b)

Sejam ou possam ser declaradas nulas e sem efeito, ou revistas, as disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento que figurem nos contratos ou convenções coletivas, nos regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes e liberais e das organizações patronais e de trabalhadores.»

Direito austríaco

8

O § 1, n.o 1, da Arbeitsruhegesetz (Lei relativa aos períodos de repouso, BGBl. 144/1983), na sua versão aplicável aos factos do processo principal (a seguir «ARG»), dispõe:

«Esta lei federal aplica‑se a todos os trabalhadores, salvo disposição em contrário desta mesma lei».

9

O § 7 desta lei prevê:

«(1)   Nos feriados, os trabalhadores têm direito a um período ininterrupto de repouso de pelo menos 24 horas, que deve começar nunca antes das 0 horas e o mais tardar às 6 horas do feriado.

(2)   Na aceção desta lei federal, são feriados:

1 de janeiro (Dia de Ano Novo), 6 de janeiro (Dia de Reis), Segunda‑Feira de Páscoa, 1 de maio (Dia do Trabalhador), Dia da Ascensão, Segunda‑Feira de Pentecostes, Corpo de Deus, 15 de agosto (Assunção), 26 de outubro (Dia Nacional), 1 de novembro (Dia de Todos os Santos), 8 de dezembro (Imaculada Conceição), 25 de dezembro (Natal) e 26 de dezembro (Dia de Santo Estêvão).

(3)   Para os membros das Igrejas Evangélicas das confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Evangélica Metodista, a Sexta‑Feira Santa é também feriado.

[…]»

10

Segundo o § 9 da mesma lei:

«(1)   O trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao trabalho não prestado devido a um feriado.

(2)   O trabalhador tem direito à remuneração que receberia se o trabalho não tivesse sido dispensado pelas razões referidas no n.o 1.

[…]

(5)   O trabalhador que prestar serviço durante o período de repouso do feriado tem direito, além da remuneração referida no n.o 1, à remuneração pelo trabalho prestado, exceto se for acordada uma recuperação do tempo de repouso nos termos do § 7, n.o 6.»

11

A Diretiva 2000/78 foi transposta para o direito austríaco, nomeadamente pela Gleichbehandlungsgesetz (Lei relativa à igualdade de tratamento, BGBl. I, 66/2004). Esta estabelece um princípio de não discriminação no âmbito da relação de trabalho, em especial em razão da religião ou das convicções, no que se refere à fixação da remuneração e às restantes condições de trabalho.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Por força do artigo § 7, n.o 3, da ARG, a Sexta‑Feira Santa é um feriado pago e acompanhado de um período de repouso de 24 horas, para os membros das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética, da Igreja Católica Antiga e da Igreja Evangélica Metodista (a seguir «igrejas referidas na ARG»). Se, não obstante, um membro de uma destas igrejas trabalhar durante esse dia, tem direito a uma remuneração adicional por esse feriado (a seguir «compensação por dia feriado»).

13

M. Achatzi é um trabalhador dependente da Cresco, agência de detetives privados, e não é membro de nenhuma das igrejas referidas na ARG. Considera que foi privado de forma discriminatória da compensação por dia feriado pelo trabalho que prestou em 3 de abril de 2015, Sexta‑Feira Santa e, a este título, pede ao seu empregador o pagamento de 109,09 euros, acrescidos de juros.

14

O tribunal de recurso reformou a sentença de primeira instância, que negou provimento ao recurso interposto por M. Achatzi.

15

Chamado a decidir um recurso interposto pela Cresco contra esta decisão de recurso, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) salienta, em primeiro lugar, que, dos treze feriados enumerados no § 7, n.o 2, da ARG, todos, exceto 1 de maio e 26 de outubro, que não têm conotação religiosa, estão relacionados com o cristianismo, sendo que dois deles estão mesmo exclusivamente ligados ao catolicismo. Por outro lado, todos os feriados são dias de folga e pagos para todos os trabalhadores, independentemente da sua pertença religiosa.

16

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em seguida, que o regime especial previsto no § 7, n.o 3, da ARG visa permitir aos membros de uma das igrejas referidas nessa disposição praticarem a sua religião num dia de celebração particularmente importante para eles.

17

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o § 7, n.o 3, da ARG faz depender da religião dos trabalhadores a concessão de um feriado adicional, tendo como consequência que as pessoas que não pertencem às igrejas referidas na ARG beneficiam de um feriado pago a menos do que os membros de uma dessas igrejas, o que constitui, em princípio, um tratamento menos favorável em razão da religião.

18

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a situação destas duas categorias de trabalhadores é comparável.

19

A este respeito, salienta que o § 7, n.o 3, da ARG tem como objetivo permitir aos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG praticarem a sua religião na Sexta‑Feira Santa, sem que para isso tenham de acordar um dia de férias com o seu empregador. Ora, os trabalhadores que são membros da Igreja Católica Romana, à qual pertence a maioria da população austríaca, beneficiam dessa possibilidade, na medida em que os feriados que são referidos no § 7, n.o 2, da ARG e que dizem respeito à sua religião são‑no para todos os trabalhadores.

20

No entanto, e ainda que o recorrente no processo principal não alegue que as suas necessidades religiosas na Sexta‑Feira Santa não foram tidas em conta, o referido órgão jurisdicional considera que, para apreciar a compatibilidade da legislação nacional em causa com a Diretiva 2000/78, há que ter em conta o facto de as necessidades religiosas de certos trabalhadores não serem tidas em consideração por essa legislação. É verdade que determinadas convenções coletivas de trabalho contêm disposições comparáveis ao § 7 da ARG, nomeadamente no que respeita ao Dia de Yom Kippur, da religião judaica, ou ao Dia da Reforma Protestante, das igrejas protestantes, mas, na falta destas, os trabalhadores estão largamente sujeitos à boa vontade do empregador.

21

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, por outro lado, que a diferença de tratamento em causa no processo principal só pode ser apreendida pelo direito da União, num litígio entre particulares como o do processo principal, se este direito for diretamente aplicável. Com efeito, sublinha que a Diretiva 2000/78 foi transposta pela Lei relativa à igualdade de tratamento, que não prevalece sobre a ARG, e que o teor claro do § 7, n.o 3, da ARG se opõe a uma interpretação conforme com o direito da União que estenda o regime da Sexta‑Feira Santa aos trabalhadores que não são membros das igrejas referidas na ARG.

22

O órgão jurisdicional de reenvio salienta também que, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 5, a Diretiva 2000/78 não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias, nomeadamente, para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros e salienta que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a liberdade de religião e a liberdade de culto figuram entre as bases da sociedade democrática.

23

Assim, o referido órgão jurisdicional pergunta‑se se se deve considerar que o regime previsto no § 7, n.o 3, da ARG constitui uma medida necessária para a proteção da liberdade de religião e de culto dos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG.

24

O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se ainda sobre se a diferença de tratamento em causa pode ser justificada ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, uma vez que constitui uma medida positiva e específica destinada a eliminar desvantagens existentes.

25

É certo que o referido órgão jurisdicional salienta que, em princípio, não existem no mercado de trabalho austríaco desvantagens estruturais para os trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG. No entanto, pode considerar‑se que obrigá‑los a trabalhar num dos dias mais importantes da sua religião, quando tal não é o caso, por exemplo, dos membros da Igreja Católica Romana, cujas grandes solenidades são feriado para todos os trabalhadores, constitui uma desvantagem deste tipo, que o § 7, n.o 3, da ARG visa assim compensar.

26

Por último, caso o Tribunal de Justiça considere que o regime legal da Sexta‑Feira Santa previsto no § 7, n.o 3, da ARG viola a Diretiva 2000/78, coloca‑se a questão de saber se essa violação deve ser compensada pela obrigação de o empregador, sociedade de direito privado, conceder esse feriado a todos os seus trabalhadores, quando o legislador austríaco só entendeu ter em conta as exigências justificadas por razões religiosas de um grupo de trabalhadores bem delimitado, a fim de salvaguardar os interesses dos empregadores, que se opõem a uma extensão excessiva do regime geral dos feriados.

27

Por outro lado, se se verificar que o regime legal da Sexta‑Feira Santa não constitui uma ação positiva ou uma medida específica, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se esta constatação deve conduzir à inaplicabilidade total do § 7, n.o 3, da ARG, de modo que nenhum trabalhador possa beneficiar, na Sexta‑Feira Santa, de um feriado ou de uma compensação por dia feriado.

28

Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o direito da União, em particular o artigo 21.o da [Carta], em conjugação com os artigos 1.o e 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2000/78], ser interpretado no sentido de que, no quadro de um litígio entre um trabalhador e um empregador [no contexto de] uma relação laboral de direito privado, se opõe a uma [legislação] nacional segundo a qual a Sexta‑Feira Santa é um dia feriado, com um período ininterrupto de, pelo menos, 24 horas de repouso, apenas para os membros [das Igrejas Evangélicas das Confissões de Augsburgo e Helvética], da Igreja Católica Antiga e da Igreja Evangélica Metodista e é devido, em caso de atividade assalariada do trabalhador apesar do período de repouso previsto, além do pagamento da remuneração pelo trabalho não prestado no feriado, também o pagamento da remuneração pelo trabalho prestado, a que não têm direito os trabalhadores que não pertençam a estas igrejas?

2)

Deve o direito da União, em especial o artigo 21.o da [Carta], em conjugação com o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva [2000/78], ser interpretado no sentido de que a legislação nacional [descrita] na primeira questão, que — tendo em conta a população total e [o facto de a maior parte da população pertencer] à Igreja Católica Romana — [só] confere direitos e benefícios a um grupo relativamente pequeno de membros de determinadas (outras) igrejas, não é afetada por essa diretiva, porque se trata de uma medida que, numa sociedade democrática, é necessária para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros, em particular, do direito à liberdade de culto?

3)

Deve o direito da União, em especial o artigo 21.o da [Carta], em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2000/78], ser interpretado no sentido de que a legislação nacional [descrita] na primeira questão é uma ação positiva e específica em benefício dos membros das igrejas referidas na primeira questão, para [garantir] a sua plena igualdade na vida profissional, e prevenir ou compensar desvantagens ligadas à sua religião, quando, desse modo, lhes é concedido o mesmo direito de praticar a sua religião durante o tempo de trabalho no quadro de uma festividade importante para essa religião, [à semelhança do que é reconhecido à] maioria dos trabalhadores que, de acordo com [outra disposição do direito] nacional, estão geralmente dispensados do trabalho durante as festividades da religião [a que pertence a maioria dos trabalhadores]?

Caso se conclua pela existência de uma discriminação na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2000/78]:

4)

Deve o direito da União, em especial o artigo 21.o da [Carta], em conjugação com os artigos 1.o, 2.o, n.o 2, alínea a), e 7.o, n.o 1, da Diretiva [2000/78], ser interpretado no sentido de que, [na medida em que] o legislador não [tenha adotado] um regime [jurídico] não discriminatório, [um empregador privado deve] garantir a todos os trabalhadores, independentemente da [sua] religião […], os direitos e benefícios [descritos] na primeira questão em relação à Sexta‑Feira Santa, ou deve a disposição nacional referida na primeira questão deixar de ser aplicada na totalidade, de modo [a] que os direitos e benefícios relativos à Sexta‑Feira Santa [descritos] na primeira questão não sejam reconhecidos a nenhum trabalhador?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

29

O Governo polaco considera que, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TFUE, a concessão por um Estado‑Membro de um feriado destinado a permitir a celebração de uma festividade religiosa não está abrangida pelo direito da União, pelo que o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões prejudiciais que lhe são submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

30

A este respeito, importa salientar que o artigo 17.o, n.o 1, TFUE prevê que a União respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros.

31

Esta disposição não tem, contudo, por consequência que uma diferença de tratamento contida numa legislação nacional que prevê a concessão a certos trabalhadores de um feriado destinado a permitir a celebração de uma festividade religiosa esteja excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 e que a conformidade dessa diferença de tratamento com esta diretiva escape a um controlo jurisdicional efetivo.

32

Com efeito, por um lado, a redação do artigo 17.o TFUE corresponde, em substância, à da Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das igrejas e das organizações não confessionais, anexa à ata final do Tratado de Amesterdão. Ora, o facto de esta ser expressamente referida no considerando 24 da Diretiva 2000/78 demonstra que o legislador da União teve necessariamente em conta a referida declaração aquando da adoção desta diretiva (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 57, e de 11 de setembro de 2018, IR, C‑68/17, EU:C:2018:696, n.o 48).

33

Por outro lado, o artigo 17.o TFUE exprime, de facto, a neutralidade da União no que respeita à organização pelos Estados‑Membros das suas relações com as igrejas e as associações ou comunidades religiosas (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 58, e de 11 de setembro de 2018, IR, C‑68/17, EU:C:2018:696, n.o 48). No entanto, as disposições nacionais em causa no processo principal não visam organizar as relações entre um Estado‑Membro e as igrejas, mas visam unicamente conceder aos trabalhadores, membros de determinadas igrejas, um feriado suplementar que coincide com uma festividade religiosa importante para essas igrejas.

34

Por conseguinte, a exceção de incompetência suscitada pelo Governo polaco deve ser julgada improcedente.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às três primeiras questões

35

Com as suas três primeiras questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional nos termos da qual, por um lado, a Sexta‑Feira Santa só é feriado para os trabalhadores que são membros de determinadas igrejas cristãs e, por outro, apenas esses trabalhadores têm direito, se tiverem de trabalhar durante esse feriado, a uma compensação por dia feriado, institui uma discriminação direta em razão da religião. Em caso de resposta afirmativa, pergunta também se as medidas previstas por esta legislação nacional podem ser consideradas medidas necessárias para efeitos da preservação dos direitos e liberdades de terceiros, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da referida diretiva, ou medidas específicas destinadas a compensar desvantagens relacionados com a religião, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva.

36

Em primeiro lugar, importa recordar que, em conformidade com o artigo 1.o da Diretiva 2000/78, esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

37

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o desta diretiva. O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva precisa que, para efeitos da aplicação do artigo 2.o, n.o 1, existe uma discriminação direta quando uma pessoa é tratada de maneira menos favorável do que outra pessoa que se encontra numa situação comparável, com base num dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva, entre os quais figura a religião.

38

Neste contexto, importa, em primeiro lugar, determinar se resulta da legislação em causa no processo principal uma diferença de tratamento entre trabalhadores com base na sua religião.

39

A este respeito, cumpre observar que o § 7, n.o 3, da ARG reconhece o direito a um feriado na Sexta‑Feira Santa apenas aos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG. Daqui decorre que a compensação por dia feriado que, por força do § 9, n.o 5, da ARG, o trabalhador que tiver de exercer a sua atividade profissional durante um feriado pode exigir só é devido aos trabalhadores que exercem a sua atividade profissional na Sexta‑feira Santa se forem membros de uma dessas igrejas.

40

Assim, a legislação em causa no processo principal instaura uma diferença de tratamento que se baseia diretamente na religião dos trabalhadores. Com efeito, o critério de diferenciação a que esta legislação recorre procede diretamente da pertença dos trabalhadores a uma determinada religião.

41

Em segundo lugar, há que analisar se essa diferença de tratamento respeita a categorias de trabalhadores que se encontram em situações comparáveis.

42

A este respeito, a exigência relativa ao caráter comparável das situações, para determinar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, deve ser apreciada tendo em conta todos os elementos que as caracterizam e, nomeadamente, à luz do objeto e da finalidade da legislação nacional que institui a distinção em causa [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, CHEZ Razpredelenie Bulgaria, C‑83/14, EU:C:2015:480, n.o 89, e de 26 de junho de 2018, MB (Mudança de sexo e pensão de reforma), C‑451/16, EU:C:2018:492, n.o 42].

43

Importa também precisar que, por um lado, não se exige que as situações sejam idênticas, mas simplesmente que sejam comparáveis, e, por outro, que a apreciação deste caráter comparável não deve ser efetuada de modo global e abstrato, mas de modo específico e concreto, atendendo à prestação em causa (Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia, C‑143/16, EU:C:2017:566, n.o 25 e jurisprudência referida).

44

No caso em apreço, o § 7, n.o 3, da ARG concede um período de repouso contínuo de 24 horas na Sexta‑Feira Santa apenas aos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG. Esta disposição estabelece, assim, uma diferença de tratamento quanto à concessão de um feriado entre estes trabalhadores e todos os outros trabalhadores.

45

A este respeito, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o período de repouso de 24 horas concedido na Sexta‑Feira Santa aos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG é justificado, pelas autoridades nacionais, pela importância que esse dia reveste para essas comunidades religiosas.

46

No entanto, como resulta da decisão de reenvio, a concessão de um feriado na Sexta‑Feira Santa a um trabalhador membro de uma das igrejas referidas na ARG não está sujeita à condição do cumprimento, por parte do trabalhador, de uma determinada obrigação religiosa nesse dia, mas está unicamente sujeita à pertença formal do referido trabalhador a uma dessas igrejas. Deste modo, o referido trabalhador continua a ter liberdade para dispor como entender do período referente a esse feriado, por exemplo para repouso ou lazer.

47

A este respeito, a situação desse trabalhador não se diferencia da de outros trabalhadores que desejem dispor de um período de repouso ou de lazer na Sexta‑Feira Santa, sem que estes possam, contudo, beneficiar do feriado correspondente.

48

Por outro lado, decorre da interpretação conjunta do § 7, n.o 3, e do § 9, n.o 5, da ARG que só os trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG podem beneficiar da compensação por dia feriado se trabalharem na Sexta‑Feira Santa.

49

Tendo em conta a natureza financeira da prestação em causa neste tratamento diferenciado, bem como a ligação indissociável que a une à concessão de um feriado na Sexta‑Feira Santa, há também que considerar, no que diz respeito à atribuição dessa prestação financeira, que a situação dos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG é comparável à de todos os outros trabalhadores, tenham estes uma religião ou não.

50

Com efeito, como resulta dos autos dos quais o Tribunal de Justiça dispõe, a concessão desta compensação ao trabalhador membro de uma das referidas igrejas que tenha de trabalhar na Sexta‑Feira Santa depende unicamente da pertença formal deste trabalhador a uma dessas igrejas. Assim, o referido trabalhador tem direito à referida compensação, ainda que tenha trabalhado na Sexta‑Feira Santa sem ter sentido a obrigação ou a necessidade de celebrar essa festividade religiosa. Por conseguinte, a sua situação não se diferencia da dos restantes trabalhadores que trabalharam na Sexta‑Feira Santa sem beneficiar dessa compensação.

51

Daqui decorre que a legislação nacional em causa tem por efeito tratar de forma diferente, em função da religião, situações comparáveis. Por conseguinte, institui uma discriminação direta em razão da religião, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78.

52

Em segundo lugar, importa determinar se esta discriminação direta é suscetível de ser justificada com base no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 ou do artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva.

53

Por um lado, segundo o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, esta não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

54

Ao adotar esta disposição, o legislador da União, em matéria de emprego e de atividade profissional, pretendeu evitar e arbitrar um conflito entre, por um lado, o princípio da igualdade de tratamento e, por outro, a necessidade de garantir a ordem, a segurança e a saúde públicas, a prevenção das infrações e a proteção dos direitos e liberdades individuais, indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática. Este mesmo legislador decidiu que, em certos casos enumerados no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, os princípios previstos por esta não se aplicam a medidas que contenham diferenças de tratamento com fundamento num dos motivos referidos no artigo 1.o da diretiva, desde que, contudo, tais medidas sejam necessárias à realização dos objetivos acima referidos (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 55).

55

Por outro lado, na medida em que o referido artigo 2.o, n.o 5, institui uma derrogação ao princípio da proibição das discriminações, deve ser interpretado de forma estrita. Os termos utilizados nesta disposição conduzem igualmente a essa abordagem (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 56 e jurisprudência referida).

56

No caso vertente, há que salientar, em primeiro lugar, que as medidas em causa no processo principal, isto é, o reconhecimento da Sexta‑Feira Santa como feriado para os trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG, bem como a concessão a esses trabalhadores de uma compensação por dia feriado no caso de terem de trabalhar durante o período de repouso referente a esse feriado, estão previstas na legislação nacional, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

57

Em segundo lugar, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, a concessão de um feriado na Sexta‑Feira Santa aos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG tem por objetivo tomar a importância particular que as celebrações religiosas associadas a esse dia revestem para os membros dessas igrejas em consideração.

58

Ora, é facto assente que a liberdade religiosa faz parte dos direitos e liberdades fundamentais reconhecidos pelo direito da União, devendo o conceito de «religião» ser entendido como abrangendo quer o forum internum, isto é, o facto de ter convicções, quer o forum externum, ou seja, a manifestação em público da fé religiosa (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 28, e de 14 de março de 2017, Bougnaoui e ADDH, C‑188/15, EU:C:2017:204, n.o 30). Daqui decorre que objetivo prosseguido pelo legislador austríaco figura de facto entre os enumerados no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

59

Em terceiro lugar, há ainda que determinar se estas medidas são necessárias para a proteção da liberdade de religião dos trabalhadores em causa.

60

A este respeito, importa cabe observar que, como confirmou o Governo austríaco na audiência no Tribunal de Justiça, a possibilidade de os trabalhadores que não pertencem às igrejas referidas na ARG celebrarem uma festividade religiosa que não coincida com um dos feriados enumerados no § 7, n.o 2, da ARG é tida em conta no direito austríaco, não através da concessão de um feriado suplementar, mas principalmente por via de um dever de solicitude dos empregadores em relação aos seus trabalhadores, que permite a estes últimos obter, sendo caso disso, o direito a ausentarem‑se do trabalho durante o tempo necessário ao cumprimento de certos ritos religiosos.

61

Daqui decorre que medidas nacionais como as que estão em causa no processo principal não podem ser consideradas necessárias para a proteção da liberdade de religião, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

62

Por outro lado, há que verificar se disposições como as que estão em causa no processo principal podem ser justificadas ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

63

Resulta desta disposição que o princípio da igualdade de tratamento não se opõe a que um Estado‑Membro mantenha ou adote, a fim de assegurar a plena igualdade na vida ativa, medidas específicas destinadas a prevenir ou a compensar desvantagens relacionadas com um dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o dessa diretiva.

64

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 tem como finalidade precisa e limitada autorizar medidas que, embora na aparência discriminatórias, visem efetivamente eliminar ou reduzir as desigualdades de facto que possam existir na vida social (v., por analogia, Acórdão de 30 de setembro de 2010, Roca Álvarez, C‑104/09, EU:C:2010:561, n.o 33 e jurisprudência referida).

65

Por outro lado, ao determinar o alcance de qualquer derrogação a um direito fundamental, como o direito à igualdade de tratamento, é preciso respeitar o princípio da proporcionalidade, que exige que as derrogações não ultrapassem os limites do adequado e necessário para atingir o fim prosseguido e exige a conciliação, na medida do possível, do princípio da igualdade de tratamento com as exigências do fim que desse modo é prosseguido (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2002, Lommers, C‑476/99, EU:C:2002:183, n.o 39).

66

No caso vertente, e sem que seja necessário determinar se o facto de a Sexta‑Feira Santa, que surge como um dos dias mais importantes da religião a que pertencem os trabalhadores membros de uma das igrejas referidas na ARG, não corresponder a um dos feriados enumerados no § 7, n.o 2, dessa lei constitui uma desvantagem no exercício da sua vida ativa, na aceção do artigo 7, n.o 1, da Diretiva 2000/78, há que salientar que não se pode considerar que a legislação nacional em causa no processo principal inclua medidas específicas destinadas a compensar uma «desvantagem» deste tipo no respeito do princípio da proporcionalidade e, na medida do possível, do princípio da igualdade.

67

Com efeito, conforme foi salientado no n.o 60 do presente acórdão, as disposições em causa no processo principal concedem um período de repouso de 24 horas, na Sexta‑Feira Santa, aos trabalhadores que são membros de uma das igrejas referidas na ARG, ao passo que os trabalhadores que pertencem a outras religiões cujas festividades importantes não coincidem com os feriados previstos no § 7, n.o 2, da ARG, só podem, em princípio, ausentar‑se do trabalho para cumprir os ritos religiosos referentes a essas festividades em virtude de uma autorização concedida pelo seu empregador no âmbito do dever de solicitude.

68

Daqui decorre que as medidas em causa no processo principal vão além do necessário para compensar esta suposta desvantagem e instituem uma diferença de tratamento entre trabalhadores, confrontados com obrigações religiosas comparáveis, que não garante, na medida do possível, o respeito do princípio da igualdade.

69

Tendo em conta todo o exposto, há que responder às três primeiras questões que:

o artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional nos termos da qual, por um lado, a Sexta‑Feira Santa só é feriado para os trabalhadores que são membros de determinadas igrejas cristãs e, por outro, apenas esses trabalhadores têm direito, se tiverem de trabalhar durante esse feriado, a uma compensação por dia feriado constitui uma discriminação direta em razão da religião.

as medidas previstas por esta legislação nacional não podem ser consideradas medidas necessárias para efeitos de preservação dos direitos e liberdades de terceiros, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da referida diretiva, nem medidas específicas destinadas a compensar desvantagens relacionadas com a religião, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva.

Quanto à quarta questão

70

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que, enquanto o Estado‑Membro em causa não tiver alterado a sua legislação que só concede o direito a um feriado na Sexta‑feira Santa aos trabalhadores membros de determinadas igrejas cristãs, a fim de restabelecer a igualdade de tratamento, um empregador privado sujeito a essa legislação tem a obrigação de conceder também aos seus outros trabalhadores o direito a um feriado na Sexta‑Feira Santa e, por conseguinte, de lhes reconhecer, se tiverem de trabalhar durante esse dia, o direito a uma compensação por dia feriado.

71

Decorre da resposta dada às três primeiras questões que a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma diferença de tratamento em razão da religião, como a instituída pelas disposições em causa no processo principal.

72

Todavia, importa salientar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações na esfera jurídica de um particular e não pode, portanto, ser invocada enquanto tal contra ele. Com efeito, alargar a invocabilidade das diretivas não transpostas, ou incorretamente transpostas, ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à União o poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares, quando esta só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Bauer e Willmeroth, C‑569/16 e C‑570/16, EU:C:2018:871, n.o 76 e jurisprudência aí referida).

73

Assim, uma diretiva não pode ser invocada num litígio entre particulares para afastar a regulamentação de um Estado‑Membro contrária a esta diretiva (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 44).

74

A este respeito, importa recordar, em segundo lugar, que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, tendo em conta o conjunto das regras do direito nacional e em aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, decidir se e em que medida uma disposição nacional é suscetível de ser interpretada em conformidade com a Diretiva 2000/78 sem proceder a uma interpretação contra legem dessa disposição nacional (Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 71, e de 11 de setembro de 2018, IR, C‑68/17, EU:C:2018:696, n.o 63).

75

Caso lhe seja impossível proceder a essa interpretação conforme, como parece resultar da decisão de reenvio, há que precisar, em terceiro lugar, que a Diretiva 2000/78 não instaura ela própria o princípio da igualdade de tratamento em matéria de emprego e de trabalho, princípio esse que tem a sua origem em diversos instrumentos internacionais e nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, mas tem unicamente por objeto estabelecer, nessas mesmas matérias, um quadro geral para lutar contra a discriminação baseada em diversos motivos, entre os quais figuram a religião ou as convicções, conforme resulta da epígrafe e do artigo 1.o desta diretiva (Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 75, e de 11 de setembro de 2018, IR, C‑68/17, EU:C:2018:696, n.o 67).

76

A proibição de qualquer discriminação baseada na religião ou nas convicções reveste caráter imperativo enquanto princípio geral de direito da União. Consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta, esta proibição basta, por si só, para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que os oponha num domínio abrangido pelo direito da União (Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 76).

77

Tendo em conta o efeito imperativo por ele produzido, o artigo 21.o da Carta não se distingue, em princípio, das diferentes disposições dos Tratados fundadores que proíbem discriminações em função de diversos motivos, mesmo quando essas discriminações resultam de contratos celebrados entre particulares (Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 77).

78

Por conseguinte, quando se verificar que as disposições nacionais em causa não podem ser interpretadas de uma maneira que seja conforme com a Diretiva 2000/78, o órgão jurisdicional de reenvio está, não obstante, obrigado a assegurar a proteção jurídica que decorre para os trabalhadores do artigo 21.o da Carta e a garantir o pleno efeito deste artigo.

79

Em quarto lugar, há que observar que, ao abrigo da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando seja detetada uma discriminação contrária ao direito da União, e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada. As pessoas desfavorecidas devem, assim, ser colocadas na mesma situação das pessoas que beneficiam da vantagem em causa (Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova, C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 66 e jurisprudência aí referida).

80

Nesse caso, o juiz nacional é obrigado a afastar todas as disposições nacionais discriminatórias, não tendo de pedir ou aguardar a sua eliminação prévia pelo legislador, e a aplicar aos membros do grupo desfavorecido o mesmo regime de que beneficiam as pessoas da outra categoria. Esta obrigação incumbe‑lhe independentemente da existência, no direito interno, de disposições que lhe atribuam competência para assim proceder (Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova, C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 67 e jurisprudência aí referida).

81

No entanto, esta solução só se pode aplicar na presença de um sistema de referência válido (Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova, C‑406/15, EU:C:2017:198, n.o 68 e jurisprudência aí referida).

82

É o que sucede no processo principal, dado que o regime aplicável aos membros das igrejas referidas na ARG continua a ser, na falta da aplicação correta do direito da União, o único sistema de referência.

83

Assim, enquanto o legislador nacional não tiver adotado medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, incumbe aos empregadores assegurar aos trabalhadores que não pertencem a uma dessas igrejas um tratamento idêntico àquele que as disposições em causa no processo principal reservam aos trabalhadores que são membros de uma das referidas igrejas.

84

A este respeito, cumpre salientar que resulta da legislação nacional pertinente que estes últimos trabalhadores estão obrigados a informar o seu empregador da sua pertença a uma das igrejas referidas na ARG, a fim de lhe permitir prever a sua ausência na Sexta‑Feira Santa.

85

Por conseguinte, enquanto não tiver ocorrido uma conformação legislativa, o empregador deve, por força do artigo 21.o da Carta, reconhecer aos trabalhadores que não pertencem a nenhuma das referidas igrejas o direito a feriado na Sexta‑Feira Santa, desde que esses trabalhadores tenham informado o empregador, antes desse dia, da sua intenção de não trabalhar nesse dia.

86

Daqui decorre também que um trabalhador que não pertença a nenhuma das igrejas referidas na ARG tem o direito de obter o pagamento, pelo seu empregador, da compensação prevista no § 9, n.o 5, da ARG, quando esse empregador tiver recusado o seu pedido de não ter de trabalhar nesse dia.

87

Em quinto lugar, importa recordar que as obrigações impostas aos trabalhadores, conforme recordadas nos n.os 85 e 86 do presente acórdão, só são válidas enquanto o legislador não tiver adotado medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento.

88

Com efeito, embora os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 16.o da Diretiva 2000/78, estejam obrigados a suprimir as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento, este artigo não lhes impõe, todavia, a adoção de medidas específicas em caso de violação da proibição de discriminação, mas permite‑lhes escolher, de entre as diferentes soluções adequadas à realização do objetivo que este pretende alcançar, a que lhes pareça melhor adaptada para esse efeito, em função das situações que possam ocorrer (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2018, Stollwitzer, C‑482/16, EU:C:2018:180, n.os 28 e 30).

89

Tendo em conta todo o exposto, há que responder à quarta questão que o artigo 21.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que, enquanto o Estado‑Membro em questão não tiver alterado a sua legislação que só concede o direito a um feriado na Sexta‑Feira Santa aos trabalhadores membros de determinadas igrejas cristãs, a fim de restabelecer a igualdade de tratamento, um empregador privado sujeito a essa legislação tem a obrigação de conceder também aos seus outros trabalhadores o direito a feriado na Sexta‑Feira Santa, desde que estes últimos tenham pedido previamente a esse empregador para não terem de trabalhar nesse dia, e, por conseguinte, de reconhecer a estes trabalhadores o direito a uma compensação por dia feriado quando o referido empregador tiver recusado esse pedido.

Quanto às despesas

90

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o e o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que uma legislação nacional nos termos da qual, por um lado, a Sexta‑Feira Santa só é feriado para os trabalhadores que são membros de determinadas igrejas cristãs e, por outro, apenas esses trabalhadores têm direito, se tiverem de trabalhar durante esse feriado, a uma compensação complementar à remuneração recebida pelos serviços prestados durante esse dia, constitui uma discriminação direta em razão da religião.

As medidas previstas por esta legislação nacional não podem ser consideradas medidas necessárias para efeitos da preservação dos direitos e liberdades de terceiros, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da referida diretiva, nem medidas específicas destinadas a compensar desvantagens relacionadas com a religião, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva.

 

2)

O artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que, enquanto o Estado‑Membro em questão não tiver alterado a sua legislação que só concede o direito a um feriado na Sexta‑Feira Santa aos trabalhadores membros de determinadas igrejas cristãs, a fim de restabelecer igualdade de tratamento, um empregador privado sujeito a essa legislação tem a obrigação de conceder também aos seus outros trabalhadores o direito a feriado na Sexta‑Feira Santa, desde que estes últimos tenham pedido previamente a esse empregador para não terem de trabalhar nesse dia, e, por conseguinte, de reconhecer a estes trabalhadores o direito a uma compensação por dia feriado quando o referido empregador tiver recusado esse pedido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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