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Document 62017CJ0106

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 31 de janeiro de 2018.
Paweł Hofsoe contra LVM Landwirtschaftlicher Versicherungsverein Münster AG.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Szczecinie.
Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.° 1215/2012 — Artigo 11.°, n.° 1, alínea b), e artigo 13.°, n.° 2 — Competência em matéria de seguros — Âmbito de aplicação pessoal — Conceito de “lesado” — Profissional do setor dos seguros — Exclusão.
Processo C-106/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:50

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

31 de janeiro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Artigo 11.o, n.o 1, alínea b), e artigo 13.o, n.o 2 — Competência em matéria de seguros — Âmbito de aplicação pessoal — Conceito de “lesado” — Profissional do setor dos seguros — Exclusão»

No processo C‑106/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecin, Polónia), por decisão de 30 de janeiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 28 de fevereiro de 2017, no processo

Paweł Hofsoe

contra

LVM Landwirtschaftlicher Versicherungsverein Münster AG,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: J. Malenovský, presidente de secção, D. Šváby (relator) e M. Vilaras, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da LVM Landwirtschaftlicher Versicherungsverein Münster AG, por M. Siewiera‑Misiuda, radca prawny,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e P. Lacerda, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Heller e A. Stobiecka‑Kuik, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Paweł Hofsoe à LVM Landwirtschaftlicher Versicherungsverein Münster AG (a seguir «LVM»), cuja sede é em Münster (Alemanha), a propósito da cobrança, pelo primeiro, de um crédito de indemnização de seguro a cargo da segunda nos tribunais polacos.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1215/2012,

3

O Regulamento n.o 1215/2012 enuncia, nos seus considerandos 15 e 18:

«(15)

As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

[…]

(18)

No respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral.»

4

O capítulo II deste regulamento, consagrado às regras de competência, inclui uma secção 1, com o título «Disposições gerais», que é composta pelos artigos 4.o a 6.o

5

O artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

6

Nos termos artigo 5.o, n.o 1, deste mesmo regulamento:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

7

As regras de competência em matéria de seguros, que são objeto do capítulo II, secção 3, do Regulamento n.o 1215/2012, figuram nos artigos 10.o a 16.o deste último.

8

O artigo 11.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«O segurador domiciliado no território de um Estado‑Membro pode ser demandado:

[…]

b)

Noutro Estado‑Membro, em caso de ações intentadas pelo tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, no tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio […]

[…]»

9

O artigo 13.o, n.o 2, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«O disposto nos artigos 10.o, 11.o e 12.o aplica‑se no caso de ação intentada pelo lesado diretamente contra o segurador, desde que tal ação direta seja possível.»

10

As regras de competência em matéria de contratos celebrados pelos consumidores figuram nos artigos 17.o a 19.o do mesmo regulamento.

11

Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa, o consumidor, para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a competência é determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 6.o e no artigo 7.o, ponto 5, se se tratar de:

a)

Contrato de compra e venda, a prestações, de bens móveis corpóreos;

b)

Contrato de empréstimo reembolsável em prestações, ou outra forma de crédito concedido para financiamento da venda de tais bens; ou

c)

Em todos os outros casos, contrato celebrado com uma pessoa com atividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou que dirija essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, desde que o contrato seja abrangido por essa atividade.»

12

O artigo 81.o deste regulamento prevê que este «[se aplica] a partir de 10 de janeiro de 2015, com exceção dos artigos 75.o e 76.o, que se aplicam a partir de 10 de janeiro de 2014».

Direito polaco

13

O artigo 509.o da ustawa Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964, na versão aplicável ao litígio no processo principal (Dz. U. de 1964, n.o 16, posição 93, na versão publicada no Dz. U. z 2016 r. poz. 380, a seguir «Código Civil»), dispõe:

«§ 1.   Um credor pode, sem o consentimento do devedor, transmitir o crédito a terceiros (cessão do crédito), a menos que a lei, uma restrição contratual ou a natureza da obrigação o impeçam.

§ 2.   A transmissão do crédito abrange a cessão de todos os direitos com ele conexos, nomeadamente, o direito aos juros de mora.»

14

Nos termos do artigo 822.o, n.o 4, desse código:

«A pessoa titular do direito à indemnização por danos resultantes de um facto abrangido pelo seguro de responsabilidade civil pode intentar uma ação diretamente contra o segurador.»

15

O artigo 20.o, n.o 1, da ustawa o ubezpieczeniach obowiązkowych, Ubezpieczeniowym Funduszu Gwarancyjnym i Polskim Biurze Ubezpieczycieli Komunikacyjnych (Lei relativa aos seguros obrigatórios, ao Fundo de garantia de seguros, e à Central polaca dos Seguradores de Responsabilidade Civil Automóvel), de 22 de maio de 2003 (Dz. U. de 2003, n.o 124, posição 1152), prevê:

«As ações de indemnização com base em contratos de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou que abrangem créditos que resultam desses contratos de seguro podem ser intentadas quer no órgão jurisdicional competente segundo as regras gerais de competência, quer no órgão jurisdicional do domicílio ou da sede do lesado ou do beneficiário por força do contrato de seguro.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Em 4 de julho de 2014, um veículo pertencente a uma pessoa singular com domicílio na Polónia foi danificado num acidente de viação na Alemanha, causado por uma cidadã alemã segurada pela LVM.

17

O proprietário desse veículo celebrou assim, em 12 de julho de 2014, um contrato de locação de um veículo de substituição com uma duração indeterminada. À razão de 200 zlotys polacos (PLN) (cerca de 47,50 euros) por dia e na medida em que a locação se prolongou até 22 de setembro de 2014, o custo da locação ascendeu a 14600 PLN (cerca de 3465 euros).

18

No entanto, a pessoa em causa só foi indemnizada em 2800 PLN (cerca de 665 euros) por uma sociedade que representa a LVM na Polónia.

19

Para obter os 11800 PLN (cerca de 2800 euros) restantes, a referida pessoa celebrou, em 22 de setembro de 2014, um contrato de cessão de créditos através do qual cedeu o seu direito à indemnização a P. Hofsoe, que exerce a sua atividade comercial em Szczecin (Polónia).

20

No âmbito dessa atividade, com base numa cessão de crédito contratual, o próprio A. Hofsoe encarrega‑se da cobrança, ao segurador, da indemnização que um lesado pode exigir.

21

Em 2 de fevereiro de 2015, com base no contrato de cessão de créditos referido no n.o 19 do presente acórdão, P. Hofsoe intentou no Sąd Rejonowy Szczecin‑Centrum w Szczecinie (Tribunal de Primeira Instância de Szczecin‑centro em Szczecin, Polónia) uma ação pedindo, a título principal, a condenação da LVM no pagamento de uma quantia de 11800 PLN (cerca de 2800 euros) a título de indemnização correspondente aos encargos de locação de um veículo de substituição.

22

Para estabelecer a competência desse órgão jurisdicional, enquanto tribunal do lugar do domicílio do lesado, P. Hofsoe invocou o artigo 20.o da Lei relativa aos seguros obrigatórios, ao Fundo de garantia de seguros, e à Central polaca dos Seguradores de Responsabilidade Civil Automóvel, de 22 de maio de 2003, e o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de dezembro de 2007, FBTO Schadeverzekeringen (C‑463/06, EU:C:2007:792).

23

No entanto, a LVM contestou a competência deste órgão jurisdicional polaco, com base no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, lido em conjugação com o seu artigo 11.o, n.o 2. Com efeito, defendia que o conceito de «lesado», na aceção do artigo 11.o, n.o 2, do referido regulamento, devia ser interpretado literalmente, pelo que P. Hofsoe não podia demandá‑la num órgão jurisdicional polaco na sua qualidade de cessionário do crédito do lesado.

24

O Sąd Rejonowy Szczecin‑Centrum w Szczecinie (Tribunal de Primeira Instância de Szczecin‑centro em Szczecin) considerou‑se, contudo, competente, por decisão de 13 de maio de 2015.

25

Em apoio do recurso que interpôs dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecin), a LVM alega principalmente que o órgão jurisdicional de primeira instância violou o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com o seu artigo 11.o, n.o 1, alínea b), ao declarar, contrariamente ao que resulta dos considerandos 15 e 18 do referido regulamento e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que P. Hofsoe devia ser considerado a parte mais fraca no litígio. Ora, este último não é o lesado enquanto tal, mas um profissional que atua no domínio da cobrança de créditos de indemnização a companhias de seguros. Além disso, enquanto derrogação à regra geral de competência prevista no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, o artigo 13.o, n.o 2, deste regulamento deve ser objeto de uma interpretação estrita.

26

Por seu lado, P. Hofsoe alega que a atribuição de competência ao juiz do lugar em que o tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário tiverem o seu domicílio, prevista no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 44/2001, que foi substituído pelo artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 (a seguir «forum actoris»), não está exclusivamente reservada à pessoa diretamente lesada, pelo que o cessionário do crédito do lesado pode também invocá‑la.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera necessário interrogar o Tribunal de Justiça, na medida em que o âmbito de aplicação ratione personae da atribuição de jurisdição prevista no artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 depende, no caso vertente, da interpretação do conceito de «lesado», na aceção do artigo 13.o, n.o 2, deste regulamento. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio só é competente se se considerar que o conceito de «lesado» engloba um profissional do setor dos seguros, cessionário do crédito de indemnização detido pela pessoa diretamente lesada contra o segurador do veículo que originou um acidente de viação.

28

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, por força do artigo 509.o, n.o 2, do Código Civil, «[a] transmissão do crédito abrange a cessão de todos os direitos com ele conexos». Nestas condições, a cessão de créditos deve acarretar a cessão do benefício da atribuição de jurisdição. Esta interpretação contribui para satisfazer o objetivo de proteção da parte fraca que está na base das regras de competência especiais aplicáveis em matéria de seguros.

29

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o conceito de «lesado», na aceção do artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001 e, portanto, do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, visa tanto a pessoa que sofreu diretamente o dano como uma pessoa que apenas o sofreu indiretamente. Assim, o referido conceito deve abranger a pessoa que exerce, enquanto pessoa singular, uma atividade profissional no domínio da cobrança de créditos de indemnização contra companhias de seguros, com base num contrato de cessão de créditos celebrado com a pessoa diretamente lesada. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta solução impõe‑se por maioria de razão porquanto, no caso em apreço, existe um desequilíbrio manifesto, do ponto de vista económico e organizacional, entre a posição de P. Hofsoe e a de um segurador enquanto pessoa coletiva cujas capacidades são, a este respeito, muito superiores.

30

Esta abordagem concreta das situações respetivas das partes no processo principal evidencia, assim, a diferença entre os factos que estão na origem do litígio do processo principal e os que deram origem aos acórdãos de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse (C‑347/08, EU:C:2009:561), e de 26 de maio de 2005, GIE Réunion européenne e o. (C‑77/04, EU:C:2005:327).

31

O órgão jurisdicional de reenvio observa, contudo, que a interpretação que preconiza para o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com o seu artigo 11.o, n.o 1, alínea b), é contrária ao princípio da interpretação estrita das exceções e, mais em especial, ao artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento, lido à luz do seu considerando 15.

32

Neste contexto, o Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecin) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve a remissão efetuada pelo artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento [n.o 1215/2012] para o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento ser interpretada no sentido de que uma pessoa singular, que é empresária e cuja atividade consiste, entre outras, em cobrar indemnizações a seguradores, invocando um contrato de aquisição do crédito da pessoa diretamente lesada, pode intentar uma ação relativa a esse crédito contra o segurador da responsabilidade civil do autor do acidente de automóvel, segurador esse que tem sede num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro do domicílio do lesado, num órgão jurisdicional deste último Estado‑Membro?»

Quanto à questão prejudicial

33

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com o seu artigo 11.o, n.o 1, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que pode ser invocado por uma pessoa singular cuja atividade profissional consiste, nomeadamente, em cobrar créditos de indemnização a seguradores e que se baseia num contrato de cessão de créditos celebrado com a vítima de um acidente de viação para demandar numa ação de responsabilidade civil o segurador do autor desse acidente, que tem a sua sede num Estado‑Membro diferente do do domicílio do lesado, num órgão jurisdicional deste último Estado‑Membro.

34

A título preliminar, há que salientar que resulta da decisão de reenvio, em primeiro lugar, que, uma vez que o recurso de P. Hofsoe no processo principal foi interposto em 4 de fevereiro de 2015, isto é, posteriormente a 10 de janeiro de 2015, é aplicável o Regulamento n.o 1215/2012, em conformidade com o seu artigo 81.o

35

Em segundo lugar, o artigo 822.o, n.o 4, do Código Civil confere à pessoa que tem direito a uma indemnização a faculdade de intentar uma ação diretamente contra o segurador, a qual, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, tem como consequência tornar aplicáveis os artigos 10.o a 12.o deste regulamento.

36

Em terceiro lugar, na medida em que o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 retomam, no essencial, as redações respetivas do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 44/2001, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça em relação às disposições deste último também é válida para as disposições equivalentes do Regulamento n.o 1215/2012 (v., por analogia, acórdãos de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.o 60, e de 21 de janeiro de 2016, SOVAG, C‑521/14, EU:C:2016:41, n.o 43).

37

Em quarto lugar, importa igualmente recordar que o Tribunal de Justiça declarou que a remissão feita pelo artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 tem por objeto acrescentar à lista dos demandantes, contida no artigo 11.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, as pessoas que tiverem sofrido um dano, sem que o círculo dessas pessoas tenha sido restringido às que o sofreram diretamente (acórdão de 20 de julho de 2017, MMA IARD, C‑340/16, EU:C:2017:576, n.o 33 e jurisprudência referida).

38

É assim que o forum actoris deve ser alargado, respetivamente, aos herdeiros de um segurado e ao empregador que manteve a remuneração de um trabalhador durante a baixa médica subsequente a um acidente de viação sofrido pelo seu empregado (acórdãos de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.o 44, e de 20 de julho de 2017, MMA IARD, C‑340/16, EU:C:2017:576, n.o 35).

39

Estas decisões baseiam‑se numa fundamentação segundo a qual, por um lado, o objetivo das disposições que figuram na secção 3 do capítulo II do Regulamento n.o 1215/2012 é proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que as normas gerais e, por outro lado, um cessionário dos direitos da pessoa diretamente lesada, que pode ele próprio ser considerado parte fraca, deve poder beneficiar das regras especiais de competência jurisdicional definidas nas disposições conjugadas do artigo 11.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.os 40 e 44).

40

Não obstante, as derrogações ao princípio da competência do foro do domicílio do demandado devem ter um caráter excecional e ser interpretadas estritamente (v., neste sentido, acórdãos de 17 de junho de 1992, Handte, C‑26/91, EU:C:1992:268, n.o 14; de 19 de janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton, C‑89/91, EU:C:1993:15, n.os 14 a 17; de 13 de julho de 2000, Group Josi, C‑412/98, EU:C:2000:399, n.os 49 e 50; e de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.os 36 a 39).

41

Nestas condições, a função de proteção desempenhada pelo artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, lido à luz do artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento implica que a aplicação das regras de competência especiais previstas por estas disposições não seja alargada a pessoas para as quais essa proteção não se justifica (v., neste sentido, acórdãos de 13 de julho de 2000, Group Josi, C‑412/98, EU:C:2000:399, n.os 65 e 66; de 26 de maio de 2005, GIE Réunion européenne e o., C‑77/04, EU:C:2005:327, n.o 20; e de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.o 41).

42

Daqui decorre que não se justifica qualquer proteção especial nas relações entre profissionais do setor dos seguros, onde nenhum deles se pode presumir em situação de fraqueza face ao outro (v. acórdãos de 26 de maio de 2005, GIE Réunion européenne e o., C‑77/04, EU:C:2005:327, n.o 20; de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse, C‑347/08, EU:C:2009:561, n.o 42; e de 21 de janeiro de 2016, SOVAG, C‑521/14, EU:C:2016:41, n.os 30 e 31).

43

Assim, uma pessoa, como P. Hofsoe, que exerce uma atividade profissional no domínio da cobrança dos créditos de indemnização de seguros, na qualidade de cessionário contratual desses créditos, não pode beneficiar da proteção especial que constitui o forum actoris.

44

Embora seja certo que, como precisa o considerando 18 do Regulamento n.o 1215/2012, o objetivo da secção 3 do capítulo II deste regulamento é proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que as regras gerais, afigura‑se que o pedido em causa no processo principal se inscreve nas relações entre profissionais e que não é suscetível de afetar a situação processual de uma parte considerada mais fraca (v., neste sentido, acórdão de 21 de janeiro de 2016, SOVAG, C‑521/14, EU:C:2016:41, n.os 29 e 30).

45

A este respeito, a circunstância de um profissional, como P. Hofsoe, exercer a sua atividade no âmbito de uma pequena estrutura não pode levar a que se considere tratar‑se de uma parte mais fraca do que o segurador. Com efeito, uma análise casuística da questão de saber se um profissional deste tipo pode ser considerado uma «parte mais fraca» para poder ser abrangido pelo conceito de «lesado», na aceção do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1512/2012, geraria um risco de insegurança jurídica e seria contrária ao objetivo do referido regulamento, enunciado no seu considerando 15, segundo o qual as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica (v., neste sentido, acórdão de 20 de julho de 2017, MMA IARD, C‑340/16, EU:C:2017:576, n.o 34).

46

Esta interpretação é, de resto, corroborada pelo objetivo recordado no considerando 15 do Regulamento n.o 1215/2012, segundo o qual as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido.

47

Nestas condições, há que responder à questão submetida que o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012, lido em conjugação com o seu artigo 11.o, n.o 1, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que não pode ser invocado por uma pessoa singular cuja atividade profissional consiste, nomeadamente, em cobrar créditos de indemnização a seguradores e que se baseia num contrato de cessão de créditos celebrado com a vítima de um acidente de viação para demandar numa ação de responsabilidade civil o segurador do autor desse acidente, que tem a sua sede num Estado‑Membro diferente do do domicílio do lesado, num órgão jurisdicional deste último Estado‑Membro.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1215/2012 do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, lido em conjugação com o seu artigo 11.o, n.o 1, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que não pode ser invocado por uma pessoa singular cuja atividade profissional consiste, nomeadamente, em cobrar créditos de indemnização a seguradores e que se baseia num contrato de cessão de créditos celebrado com a vítima de um acidente de viação para demandar numa ação de responsabilidade civil o segurador do autor desse acidente, que tem a sua sede num Estado‑Membro diferente do do domicílio do lesado, num órgão jurisdicional deste último Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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