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Document 62017CC0247

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 25 de julho de 2018.
Denis Raugevicius.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus.
Reenvio prejudicial — Cidadania da União Europeia — Artigos 18.o e 21.o TFUE — Pedido dirigido a um Estado‑Membro por um Estado terceiro com vista à extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, que exerceu o seu direito de livre circulação no primeiro desses Estados‑Membros — Pedido apresentado para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade e não para efeitos de procedimento criminal — Proibição de extraditar aplicada apenas aos cidadãos nacionais — Restrição à livre circulação — Justificação fundada na prevenção da impunidade — Proporcionalidade.
Processo C-247/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:616

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 25 de julho de 2018 ( 1 )

Processo C‑247/17

Denis Raugevicius

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigos 18.o e 21.o TFUE — Pedido dirigido a um Estado‑Membro por um Estado terceiro com vista à extradição de um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, que exerceu o seu direito de livre circulação no primeiro Estado‑Membro — Pedido de extradição apresentado para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade e não para efeitos de procedimento criminal — Proteção dos nacionais contra a extradição — Restrição à livre circulação — Objetivo de evitar o risco de impunidade de pessoas que tenham cometido uma infração — Objetivo de aumentar as possibilidades de reinserção social da pessoa condenada»

1.

O presente pedido de decisão prejudicial levará o Tribunal de Justiça a completar a sua jurisprudência em matéria de extradição de cidadãos da União Europeia que tenham exercido o seu direito à livre circulação num Estado‑Membro diferente daquele de que são nacionais.

2.

Enquanto que a jurisprudência constante no Tribunal de Justiça a partir do seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 2 ), é relativa aos pedidos de extradição efetuados por Estados terceiros para efeitos de ações penais, o presente processo diz respeito a um pedido de extradição dirigido pelas autoridades russas às autoridades finlandesas, relativo a Denis Raugevicius, de nacionalidade lituana e russa, para efeitos de execução de uma pena.

3.

Nas presentes conclusões, propomos ao Tribunal de Justiça que declare que os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro para fins de execução de uma pena de prisão que foi proferida nesse Estado, o Estado‑Membro requerido deve analisar se, tendo em conta os vínculos da pessoa condenada com esse Estado, a execução da pena nesse Estado‑Membro seria de molde a favorecer a reinserção social desta pessoa. Se for esse o caso, o referido Estado‑Membro deve pôr em prática todos os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal de que dispõe no que respeita ao Estado terceiro requerente a fim de obter o consentimento deste último para que a pena em causa seja executada no seu território, sendo o caso, depois de ter sido adaptada em função da pena prevista pela sua legislação penal para uma infração da mesma natureza.

I. Quadro jurídico

A.   Convenção Europeia de Extradição

4.

O artigo 1.o da Convenção Europeia de Extradição do Conselho da Europa de 13 de dezembro de 1957 ( 3 ) tem a seguinte redação:

«As Partes Contratantes comprometem‑se a entregar reciprocamente, segundo as regras e condições determinadas pelos artigos seguintes, as pessoas perseguidas em resultado de uma infração ou procuradas para o cumprimento de uma pena ou medida de segurança pelas autoridades judiciárias da Parte requerente.»

5.

O artigo 6.o da Convenção Europeia de Extradição, com a epígrafe «Extradição de Nacionais», prevê:

a)

As Partes Contratantes terão a faculdade de recusar a extradição dos seus nacionais.

b)

Cada Parte Contratante poderá, mediante declaração feita no momento da assinatura ou do depósito do respetivo instrumento de ratificação ou adesão, definir, no que lhe diz respeito, o termo “nacionais” para efeitos da presente Convenção.

c)

A qualidade de nacional será apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição. […]

2.   Se a Parte requerida não extraditar o seu nacional, deverá, a pedido da Parte requerente, submeter o assunto às autoridades competentes, a fim de que, se for caso disso, o procedimento criminal possa ser instaurado. Para esse efeito, os autos, informações e objetos relativos à infração serão enviados gratuitamente pela via prevista no n.o 1 do artigo 12.o. A Parte requerente será informada do seguimento que tiver sido dado ao pedido.»

6.

No que diz respeito ao artigo 6.o da Convenção Europeia de Extradição, a República da Finlândia fez a seguinte declaração:

«Para efeitos da presente Convenção, o termo “nacionais” designa os nacionais da Finlândia, da Dinamarca, da Islândia, da Noruega e da Suécia, bem como os estrangeiros com domicílio nesses Estados.»

B.   Direito finlandês

7.

Nos termos do artigo 9.o, terceiro parágrafo, da Suomen perustuslaki (Constituição finlandesa) (1999/731), «[n]enhum cidadão finlandês pode, contra a sua vontade, ser extraditado ou transferido para outro país. No entanto, a lei pode prever que um cidadão finlandês possa, em virtude de uma infração ou para efeitos de um processo […], ser extraditado ou transferido para um país no qual os seus direitos fundamentais e a sua proteção judicial sejam garantidos».

8.

A laki rikoksen johdosta tapahtuvasta luovuttamisesta (Lei relativa à Extradição por Infração) (456/1970) ( 4 ), de 7 de julho de 1970, dispõe, no seu artigo 2.o, que um cidadão finlandês não pode ser extraditado.

9.

O artigo 14.o, primeiro parágrafo, da Lei relativa à Extradição prevê:

«O Oikeusministeriö [(Ministério da Justiça, Finlândia)] decide se deve aceitar o pedido de extradição.»

10.

O artigo 16.o, primeiro parágrafo, da Lei relativa à Extradição dispõe:

«Se, no momento do inquérito ou num ato enviado ao Ministério da Justiça antes de ter sido proferida uma decisão no processo, a pessoa que é objeto de um pedido de extradição tiver declarado que considera que os requisitos legais da extradição não estão reunidos, o Ministério, se o pedido de extradição não for imediatamente indeferido, pede o parecer do Korkein oikeus [(Supremo Tribunal, Finlândia)] antes de tomar uma decisão sobre o processo. O Ministério pode solicitar um parecer igualmente noutros casos, quando o considerar necessário.»

11.

Nos termos do artigo 17.o da Lei relativa à Extradição, «[o] Korkein oikeus [(Supremo Tribunal)] examina se o pedido de extradição pode ser acolhido tendo em conta as disposições dos artigos 1.o a 10.o da presente lei e as disposições equivalentes de um acordo internacional de que a Finlândia seja parte. Se o Korkein oikeus [(Supremo Tribunal)] considerar que existe um obstáculo à extradição, o pedido de extradição não pode ser deferido».

12.

Além disso, uma pena privativa de liberdade proferida por um tribunal de um Estado que não faça parte da União pode ser executada na Finlândia em aplicação da laki kansainvälisestä yhteistoiminnasta eräiden rikosoikeudellisten seuraamusten täytäntöönpanossa (Lei relativa à cooperação internacional para execução de certas sanções penais) (21/1987), de 16 de janeiro de 1987. O artigo 3.o desta Lei tem a seguinte redação:

«Uma pena proferida por um tribunal de um Estado estrangeiro pode ser executada na Finlândia se:

1)

A condenação tiver adquirido força de caso julgado e for executória no Estado em que foi proferida;

[…]

3)

O Estado no qual a pena tiver sido proferida o tiver pedido ou o tiver consentido.

Uma pena privativa de liberdade pode ser executada na Finlândia em conformidade com o primeiro parágrafo se a pessoa condenada for um cidadão finlandês ou um nacional estrangeiro que reside de modo permanente na Finlândia e se a pessoa condenada em tal tiver consentido. […]»

II. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

13.

Em 1 de fevereiro de 2011, D. Raugevicius, que possui as nacionalidades lituana e russa, foi declarado culpado na Rússia por um crime em matéria de estupefacientes em razão da detenção, sem intenção de venda, de uma mistura que continha 3,04 gramas de heroína. Foi condenado a prisão com pena suspensa.

14.

Em 16 de novembro de 2011, um tribunal da região de Leninegrado (Rússia) revogou a suspensão devido ao desrespeito das obrigações de controlo e condenou D. Raugevicius a uma pena de prisão de quatro anos.

15.

Em 12 de julho de 2016, foi emitido um mandado de detenção internacional contra D. Raugevicius.

16.

Em 12 de dezembro de 2016, D. Raugevicius foi condenado por um käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância, Finlândia) a uma medida de proibição de viajar para fora do país.

17.

Em 27 de dezembro de 2016, a Federação da Rússia dirigiu à República da Finlândia um pedido de extradição, através do qual pedia que D. Raugevicius fosse detido e extraditado para a Rússia para execução de uma pena privativa de liberdade.

18.

D. Raugevicius opôs‑se à sua extradição invocando nomeadamente o facto de que vivia na Finlândia desde há muito tempo e tinha neste Estado‑Membro dois filhos de nacionalidade finlandesa.

19.

Em 7 de fevereiro de 2017, o Ministério da Justiça solicitou ao Korkein oikeus (Supremo Tribunal) um parecer sobre a questão de saber se existe algum obstáculo jurídico à extradição de D. Raugevicius para a Rússia.

20.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) expõe que, quando intervém para dar o seu parecer no âmbito de um pedido de extradição, o seu estatuto é diferente daquele que normalmente tem em matéria jurisdicional. No entanto, considera que, mesmo neste âmbito, deve ser qualificado como «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 5 ), atendendo à sua origem legal, à sua permanência, ao caráter obrigatório da sua jurisdição, à natureza contraditória do processo, à aplicação de regras de direito, bem como à sua independência. O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) acrescenta que se encontra efetivamente perante um litígio, uma vez que D. Raugevicius impugnou os requisitos legais da sua extradição e que o Ministério da Justiça considerou que não havia que indeferir imediatamente o pedido de extradição. Por último, o parecer que deve proferir é vinculativo, no sentido de que o pedido de extradição não pode ser deferido se considerar que existe um obstáculo à extradição. Nestas circunstâncias, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) considera que é chamado a pronunciar‑se no âmbito de um processo destinado a conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional.

21.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) salienta que o pedido de extradição se baseia na Convenção Europeia de Extradição e que esta, tal como outras convenções internacionais, não impõe a um Estado que recuse a extradição dos seus próprios nacionais que adote medidas com vista à execução de uma pena proferida noutro Estado. Não existe convenção alguma em matéria de extradição entre a União e a Federação da Rússia, e a República da Finlândia também não assinou nenhum acordo de extradição bilateral com a Federação da Rússia.

22.

De acordo com o Korkein oikeus (Supremo Tribunal), as convenções internacionais sobre o reconhecimento de decisões penais e a transferência de pessoas condenadas podem ser pertinentes, uma vez que o objetivo destas convenções é garantir que a pessoa condenada possa cumprir a sua pena no Estado do qual é nacional ou no Estado no qual reside, o que pode favorecer a sua reabilitação e a sua reinserção social.

23.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) salienta que, no Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 6 ), o Tribunal de Justiça pronunciou‑se pela primeira vez sobre os efeitos do direito da União sobre a extradição fora da União de um seu nacional, efetuada com base num acordo de extradição internacional celebrado pelo Estado‑Membro em causa. Recorda ainda que este acórdão tinha por objeto um pedido de extradição enviado por um Estado terceiro para efeitos de medidas de procedimento contra uma infração.

24.

Ora, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) deve agora debruçar‑se sobre uma situação diferente. O problema com o qual é confrontado é, assim, saber se as orientações dadas pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 7 ), podem ser diretamente aplicadas também nos casos em que um nacional da União foi objeto de um pedido de extradição para um Estado terceiro para fins de execução de uma pena de prisão. Por conseguinte, importa determinar se os mecanismos de cooperação em matéria penal do direito da União podem ser aplicados e, se for caso disso, de que forma, num caso em que a infração já foi objeto, num Estado terceiro, de uma decisão executória.

25.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) recorda que, por força do artigo 21.o TFUE, qualquer cidadão da União tem o direito de circular e de permanecer livremente no território dos Estados‑Membros. O risco de que esse cidadão possa ser extraditado para um Estado terceiro se abandonar o Estado‑Membro de que é nacional e for para o território de outro Estado‑Membro pode afetar a liberdade de circulação. O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) considera que, quanto a este entrave à liberdade de circulação, pouco importa que o pedido de extradição diga respeito a medidas de procedimento criminal ou à execução de uma pena num Estado terceiro. Além disso, a circunstância de o interessado possuir igualmente a nacionalidade do Estado terceiro que pede a sua extradição não é pertinente para o exame da sua situação ao abrigo do direito da União. O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) deseja, no entanto, obter do Tribunal de Justiça uma confirmação sobre estes pontos.

26.

Este órgão jurisdicional sublinha que existe uma diferença de tratamento entre um nacional finlandês e um nacional de outro Estado‑Membro, uma vez que apenas este último pode ser extraditado por força do direito finlandês. Ora, o referido órgão jurisdicional observa que, numa situação abrangida pelo direito da União, os nacionais e os nacionais de outros Estados‑Membros só podem ser colocados numa situação diferente se existirem motivos justificativos admitidos em virtude da jurisprudência do Tribunal de Justiça. A este respeito, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) menciona o objetivo de evitar o risco de impunidade das pessoas que tenham cometido uma infração, que foi considerado como um objetivo legítimo no Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 8 ). A extradição para efeitos de procedimento criminal, bem como a que tem por finalidade a execução de uma condenação, servem este propósito. Importa, por conseguinte, segundo este órgão jurisdicional, examinar se, no que respeita à execução de uma pena, os nacionais finlandeses se encontram numa situação que se distingue da dos restantes nacionais de outros Estados‑Membros.

27.

A este respeito, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) sublinha que, apesar de existir, em princípio, nos acordos internacionais de extradição uma obrigação de proceder criminalmente contra o cidadão nacional se ele não for extraditado, não existe uma obrigação de executar a pena no território nacional em caso de recusa de extradição. Tal resulta em particular do artigo 6.o, n.o 2, da Convenção Europeia de Extradição. Além disso, a República da Finlândia, como muitos outros Estados‑Membros, não é parte numa convenção como a convenção sobre o valor internacional das sentenças penais ( 9 ), da qual decorreria uma obrigação geral de executar as proferidas noutros Estados.

28.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) acrescenta que, no direito finlandês, a execução de uma condenação estrangeira proferida num Estado terceiro exige o consentimento não apenas do Estado que proferiu a condenação, mas também do Estado de execução, bem como o da pessoa condenada, salvo em circunstâncias excecionais que não estão aqui em causa. Resulta, assim, que a proteção contra a extradição da qual beneficiam unicamente os cidadãos nacionais não se justifica nem por uma obrigação do Estado nem por uma possibilidade real de executar no território finlandês penas proferidas no estrangeiro relativas aos seus próprios nacionais.

29.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) refere igualmente que, quando um pedido de extradição é apresentado para efeitos de execução de pena de prisão, a aplicação de um mecanismo de cooperação baseado na instauração de processos penais implica que seja intentado um novo processo para a mesma infração, que poderia colidir com o princípio de ne bis in idem. Com efeito, embora este princípio, que consta no artigo 50.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, seja aplicável entre Estados‑Membros da União e não seja consagrado da mesma forma fora desta, no entanto, alguns Estados‑Membros respeitam‑no, igualmente em caso de condenação proferida num Estado terceiro.

30.

Além disso, o exercício da ação penal no Estado‑Membro requerido pode não ser possível por outras razões jurídicas. Por exemplo, no presente processo, se D. Raugevicius fosse um cidadão finlandês, não podia ser perseguido na Finlândia, embora, no que diz respeito a infrações cometidas no estrangeiro, a República da Finlândia tenha o direito de instaurar processos penais, que assenta na nacionalidade. Com efeito, tendo em conta que a infração dizia respeito apenas a uma pequena quantidade de produtos estupefacientes destinados ao consumo pessoal, o direito de procedimento criminal na Finlândia estaria prescrito em aplicação do direito nacional.

31.

O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) pergunta‑se se é adequado aplicar o mecanismo de cooperação, conforme indicado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 10 ), para efeitos de procedimento criminal no caso de a infração já ter sido objeto de uma condenação proferida num Estado terceiro.

32.

Este órgão jurisdicional declara que se afigura possível, segundo a lógica do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 11 ), informar o Estado‑Membro de que o cidadão da União é nacional e aguardar que este emita um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal, ou mesmo para efeitos de execução da decisão penal, segundo o direito nacional. Mas, neste caso, coloca‑se a questão de saber qual o prazo em que este Estado‑Membro deve tomar a sua decisão, no interesse da pessoa visada pelo pedido de extradição. Além disso, num caso como o vertente, não é certo que o Estado‑Membro de que o interessado é nacional considere que deve instaurar um processo penal, em razão, nomeadamente, da prescrição do direito instaurar um processo penal ou da aplicação nacional do princípio ne bis in idem. Nesse caso, seria necessário saber se o Estado requerido é obrigado a extraditar o nacional de outro Estado‑Membro ou se deve, pelo contrário, recusar a extradição, e quais os fatores concretos que devem ser tomados em consideração.

33.

Nestas condições, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições nacionais relativas à extradição por uma infração penal ser avaliadas da mesma forma no que respeita à livre circulação de nacionais de outro Estado‑Membro, independentemente da questão de saber se um pedido de extradição de um Estado terceiro, assente numa convenção de extradição, é apresentado para efeitos da execução de uma pena de prisão ou ‑ como sucede no processo Petruhhin ‑ [que deu origem ao Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630),] para efeitos de exercício da ação penal? Assume relevância o facto de a pessoa cuja extradição é requerida possuir, a par da cidadania da União, também a nacionalidade do Estado que apresentou o pedido de extradição?

2)

Um regime jurídico nacional nos termos do qual um Estado‑Membro só não extradita os seus próprios nacionais, para efeitos da execução de uma pena fora do território da União Europeia, desfavorece injustificadamente os nacionais de outro Estado‑Membro? Num caso de execução de uma pena, devem também ser aplicados mecanismos do direito da União que permitam concretizar um objetivo por si só legítimo de forma menos intrusiva? Como se deve responder a um pedido de extradição, caso o mesmo tenha sido comunicado ao outro Estado‑Membro em aplicação deste tipo de mecanismos, mas este não tenha tomado quaisquer medidas a respeito do seu nacional, por exemplo devido à existência de obstáculos jurídicos?»

III. A nossa análise

34.

Recordamos que o problema das questões prejudiciais submetidas pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal) é saber se existe um obstáculo jurídico à extradição de D. Raugevicius para a Rússia, caso em que as autoridades finlandesas não poderiam aceitar o pedido de extradição formulado por este Estado terceiro.

35.

Através destas questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que, para responder a um pedido de extradição abrangido pelo âmbito de aplicação da Convenção Europeia de Extradição e que foi formulado por um Estado terceiro com vista à execução de uma pena proferida neste Estado, os nacionais de outro Estado‑Membro, que não seja o Estado‑Membro requerido, devem beneficiar da regra que proíbe a extradição por este último Estado‑Membro dos seus próprios nacionais.

36.

A título preliminar, observamos que a pena a executar resultou de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional da região de Leninegrado (Rússia), que revogou a pena suspensa de prisão em que D. Raugevicius tinha sido condenado em 1 de fevereiro de 2011, condenando este último a uma pena de prisão de quatro anos. Dado que a pronúncia desta nova pena parece ter sido motivada pelo incumprimento por D. Raugevicius de obrigações de controlo, é provável que a segunda pena tenha sido pronunciada por ausência deste último. Se esta constatação vier a ser confirmada pelo órgão jurisdicional de reenvio, este teria de examinar se a decisão penal a executar foi proferida em conformidade com o direito a um processo equitativo.

37.

Posto isto, resulta do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 12 ), que, na falta de uma convenção internacional entre a União e o Estado terceiro em causa, as regras em matéria de extradição são da competência dos Estados‑Membros ( 13 ).

38.

Contudo, nas situações abrangidas pelo direito da União, as regras nacionais em causa devem respeitar este último ( 14 ).

39.

Assim, as situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 18.o TFUE, interpretado em conjugação com as disposições do Tratado FUE sobre a cidadania da União, incluem as relativas ao exercício da liberdade de circular e de residir no território dos Estados‑Membros, tal como conferido pelo artigo 21.o TFUE ( 15 ).

40.

Por conseguinte, impõe‑se considerar que a situação de um cidadão da União, como D. Raugevicius, de nacionalidade lituana, que fez uso do seu direito de circular livremente na União ao se instalar num outro Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade, é abrangido pelo âmbito de aplicação dos Tratados, na aceção do artigo 18.o TFUE.

41.

Esta constatação não é de modo algum afetada pela circunstância, sublinhada pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal a), de que o interessado tem igualmente a nacionalidade do Estado terceiro que pede a sua extradição. Com efeito, a dupla nacionalidade de um Estado‑Membro e de um Estado terceiro não poderá privar o interessado das liberdades que para ele decorrem do direito da União enquanto nacional de um Estado‑Membro ( 16 ). Também não tem influência sobre a determinação do âmbito de aplicação do direito da União o facto de, ao contrário da situação do processo que deu origem ao Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 17 ), o pedido de extradição em causa no processo principal que foi efetuado para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade e não para efeitos de procedimento criminal.

42.

No âmbito de aplicação dos Tratados, o artigo 18.o TFUE proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

43.

A Convenção Europeia de Extradição permite, no seu artigo 6.o, n.o 1, alínea a), aos Estados Partes recusar a extradição dos seus próprios nacionais. Assim sendo, esse poder deve ser exercido em conformidade com o direito primário e, em particular, com as regras do Tratado FUE em matéria de igualdade de tratamento e de liberdade de circulação dos cidadãos da União ( 18 ).

44.

Assim, a aplicação por um Estado‑Membro de uma disposição do seu direito nacional segundo a qual nenhum cidadão nacional poderá ser extraditado, deve ser conforme com o Tratado FUE, nomeadamente com os artigos 18.o e 21.o do mesmo ( 19 ).

45.

A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que as normas nacionais de extradição de um Estado‑Membro que introduzam uma diferença de tratamento consoante a pessoa em causa seja nacional desse Estado‑Membro ou nacional de outro Estado‑Membro, na medida em que levam a não conceder aos nacionais de outros Estados‑Membros que se deslocaram para o território do Estado‑Membro requerido a proteção contra a extradição de que gozam os nacionais deste último Estado‑Membro, podem afetar a liberdade dos primeiros de circularem na União ( 20 ).

46.

Daqui resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a desigualdade de tratamento que consiste em permitir a extradição de um cidadão da União, nacional de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido, como D. Raugevicius, traduz‑se numa restrição à liberdade de circulação, na aceção do artigo 21.o TFUE ( 21 ).

47.

Tal restrição só pode ser justificada se se basear em considerações objetivas e se for proporcional ao objetivo legitimamente prosseguido pelas regras nacionais de extradição em causa ( 22 ).

48.

O Tribunal de Justiça reconheceu que o objetivo de evitar o risco de impunidade das pessoas que tenham cometido uma infração enquadra‑se no âmbito da prevenção da criminalidade e da luta contra este fenómeno. Este objetivo deve ser considerado, no contexto do espaço de liberdade, de segurança e de justiça sem fronteiras internas, referido no artigo 3.o, n.o 2, TUE, como tendo um caráter legítimo no direito da União ( 23 ).

49.

Contudo, as medidas restritivas de uma liberdade fundamental, como a prevista no artigo 21.o TFUE, só podem ser justificadas por considerações objetivas se estas forem necessárias para a proteção dos interesses que estas visam garantir e apenas na medida em que estes objetivos não possam ser alcançados por medidas menos restritivas ( 24 ).

50.

Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como acabámos de a descrever, coloca‑se, portanto, a questão de saber se a República da Finlândia pode agir no que respeita a D. Raugevicius de uma forma menos lesiva para o exercício da sua liberdade de circulação do que decidindo extraditá‑lo para a Rússia.

51.

Para determinar se existe uma medida alternativa menos lesiva para o exercício dos direitos conferidos pelo artigo 21.o TFUE, que permitiria alcançar tão eficazmente como uma decisão de extradição o objetivo de evitar o risco de impunidade de uma pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade num Estado terceiro, o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 25 ), a propósito de um pedido de extradição para efeitos de procedimento criminal, considerou que se deve privilegiar a troca de informações com o Estado‑Membro de que interessado é nacional, com vista, se for caso disso, a dar às autoridades deste Estado‑Membro a oportunidade de emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento criminal. Assim, segundo o Tribunal de Justiça, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado‑Membro celebrou um acordo de extradição, deve informar o Estado‑Membro da nacionalidade do referido cidadão e, se for caso disso, a pedido deste último Estado‑Membro, entregar‑lhe este cidadão, em conformidade com as disposições da Decisão‑quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre Estados‑Membros ( 26 ), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 ( 27 ), desde que este Estado‑Membro seja competente, ao abrigo do seu direito nacional, para condenar essa pessoa por factos cometidos fora do seu território nacional ( 28 ).

52.

No seu Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti ( 29 ), o Tribunal de Justiça considerou que esta solução, desenvolvida num contexto caracterizado pela falta de um acordo internacional em matéria de extradição entre a União e o Estado terceiro em causa, destina‑se a ser aplicada numa situação em que tal acordo confere ao Estado‑Membro requerido o poder de não extraditar os seus próprios nacionais.

53.

Contudo, em minha opinião, as circunstâncias específicas do presente processo impedem que se considere que a ativação do mecanismo de cooperação entre o Estado‑Membro requerido e o Estado‑Membro de que o interessado é nacional, tal como foi sublinhado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 30 ), possa ser considerada como uma alternativa adequada à extradição.

54.

Com efeito, este mecanismo baseia‑se, como já vimos, numa informação do Estado‑Membro requerido ao Estado‑Membro de que o interessado é nacional, com vista a facultar às autoridades deste último a oportunidade de emitir, se for caso disso, um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal.

55.

No entanto, recordamos que o pedido de extradição em causa no processo principal se destina à execução da pena na qual D. Raugevicius foi condenado na Rússia. Por conseguinte, é necessário indagar não se podem ser instaurados novos procedimentos criminais contra D. Raugevicius pelas autoridades judiciárias do Estado‑Membro de que é nacional, ou seja, a República da Lituânia, mas se a execução desta pena na União constitui ou não uma medida alternativa à extradição. Sublinhamos igualmente que uma solução com vista a dar às autoridades judiciárias lituanas a possibilidade de emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de instaurar novos procedimentos penais contra D. Raugevicius iria contra o princípio ne bis in idem.

56.

Também não nos parece possível construir um mecanismo através do qual as autoridades judiciárias lituanas pudessem emitir um mandado de detenção europeu para efeitos de execução de uma pena no território lituano. Para além do obstáculo jurídico que constitui o facto de a pena a executar ter sido proferida por uma jurisdição de um Estado terceiro, salientamos que, em tal hipótese, as autoridades finlandesas teriam fundamento para invocar o motivo de não execução facultativa do mandado de detenção europeu, previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑quadro 2002/584, ao abrigo do qual a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução desse mandado emitido para efeitos de cumprimento de uma pena privativa de liberdade quando a pessoa procurada «se se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente» e que este Estado‑Membro se compromete a executar essa pena em conformidade com o seu direito nacional.

57.

O Tribunal de Justiça já declarou que este motivo de não execução facultativa tem, nomeadamente, por finalidade permitir à autoridade judiciária de execução conferir uma importância particular à possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa procurada, uma vez expirada a pena a que esta última foi condenada ( 31 ).

58.

A este respeito, importa sublinhar que, como indica o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) na sua decisão de reenvio, D. Raugevicius opôs‑se à sua extradição invocando, nomeadamente, o facto de viver na Finlândia desde há muito tempo e de ter neste Estado‑Membro dois filhos de nacionalidade finlandesa.

59.

Estes factos não foram postos em causa no decorrer do presente processo. Além disso, observamos que o Tribunal de Justiça não teve ocasião de interrogar, durante a audiência de alegações que se realizou em 14 de maio de 2018, nem a República da Finlândia nem o representante de D. Raugevicius, para poder confirmar estes elementos e obter previsões acerca dos vínculos de ligação existentes entre D. Raugevicius e este Estado‑Membro, na medida em que nenhuma destas duas partes considerou útil participar nessa audiência. Apoiamo‑nos assim apenas nos elementos factuais de que dispomos, ou seja, os que resultam da decisão de reenvio.

60.

A circunstância de D. Raugevicius viver na Finlândia desde há muito tempo e de ter neste Estado‑Membro dois filhos de nacionalidade finlandesa leva‑nos a considerar que, para favorecer a sua reinserção social uma vez purgada a pena, é no território finlandês que deveria ser executada a pena proferida na Rússia, se for caso disso, depois de ter sido adaptada em função da pena prevista pela legislação penal finlandesa para uma infração da mesma natureza.

61.

A resposta a dar pela República da Finlândia ao pedido de extradição formulado pelas autoridades russas deve, portanto, ter em conta a função de reinserção da pena, que está estreitamente ligada ao conceito de «dignidade humana», consagrado no artigo 1.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

62.

A execução de uma pena tem lugar depois da pronúncia definitiva da condenação. Trata‑se assim, da última fase do processo penal, aquela durante a qual a sentença produz efeitos.

63.

Abrange todas as medidas com vista a, por um lado, garantir a execução material da pena e, por outro, a assegurar a reinserção social da pessoa condenada. Neste âmbito, as autoridades judiciárias competentes são incumbidas de determinar as modalidades relativas ao desenrolar da pena e ao ajustamento desta, decidindo, por exemplo, da colocação no exterior, das autorizações de saída, da semiliberdade, do fracionamento e da suspensão da pena, das medidas de liberação antecipada ou condicional do detido ou a colocação sob vigilância eletrónica. O direito de execução de penas abrange igualmente as medidas suscetíveis de serem adotadas depois da libertação da pessoa condenada, tais como a sua colocação sob vigilância judicial ou ainda a sua participação em programas de reabilitação, ou medidas de indemnização a favor das vítimas.

64.

Nesta ótica, todas as medidas relativas à execução e ao ajustamento das penas são individualizadas pelas autoridades judiciárias de forma a favorecer, no respeito dos interesses da sociedade e dos direitos das vítimas, além da prevenção da reincidência, a inserção ou reinserção social da pessoa condenada.

65.

A execução da pena no Estado‑Membro onde o interessado reside com a sua família contribui para reduzir o fosso entre este e a comunidade que irá reintegrar depois de executada a pena. A determinação deste lugar para a execução da pena é necessária para manter o vínculo social que o interessado teceu, que permitiu a sua inclusão na sociedade em causa e que favorecerá assim a sua reinserção social depois de ter sido purgada a pena privativa de liberdade.

66.

A transferência constitui uma medida de execução da pena ( 32 ). Permite a individualização da pena, com o objetivo de favorecer a reinserção social da pessoa condenada.

67.

Como já foi sublinhado pelo Tribunal de Justiça, a reinserção social do cidadão da União no Estado‑Membro onde está verdadeiramente integrado é do interesse não apenas deste último, mas também da União em geral ( 33 ).

68.

A importância atribuída pelo legislador da União ao objetivo da reinserção social é explicitamente confirmada, nomeadamente, pela Decisão‑quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia ( 34 ), cujo artigo 3.o, n.o 1, precisa que essa Decisão‑quadro tem em vista «facilitar a reinserção social da pessoa condenada».

69.

Além disso, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem salientou a obrigação dos Estados‑Membros de ter em conta o objetivo de reinserção social dos detidos na elaboração das suas políticas penais ( 35 ).

70.

Tendo em conta o objetivo de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade num Estado terceiro, os nacionais do Estado‑Membro requerido e os nacionais de outros Estados‑Membros que residam neste Estado não devem, em princípio, ser tratados de forma diferente ( 36 ).

71.

Com efeito, os nacionais de outros Estados‑Membros que tenham um vínculo real, estável e durável com a sociedade do Estado‑Membro requerido encontram‑se numa situação comparável à dos nacionais deste último Estado‑Membro. Ao tratá‑los de forma diferente, não lhes dando as mesmas oportunidades de reinserção social seria, por conseguinte, constitutivo de uma discriminação em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 18.o TFUE. Parece em contradição com a própria noção de «cidadania da União» afirmar que apenas as pessoas que dispõem da nacionalidade do Estado‑Membro requerido estão em condições de apresentar um tal vínculo ( 37 ).

72.

A função de reinserção da pena aparece assim como sendo uma norma equalizadora que, como tal, é inerente ao estatuto de cidadão da União.

73.

A este respeito, sublinhamos que uma diferença de tratamento entre os nacionais finlandeses e os nacionais de outros Estados‑Membros que residem na Finlândia não pode ser justificada, no caso em apreço, pelo objetivo de evitar a impunidade das pessoas que tenham cometido uma infração, tal como foi salientado pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 38 ).

74.

Com efeito, a execução no território finlandês de uma pena proferida na Rússia em relação a D. Raugevicius parece plausível a dois títulos.

75.

Em primeiro lugar, tal possibilidade parece‑nos decorrer das regras que constam da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas do Conselho da Europa, de 21 de março de 1983 ( 39 ).

76.

Em conformidade com o que é indicado no seu preâmbulo, esta Convenção institui uma cooperação internacional em matéria penal que «deve servir os interesses de uma boa administração da justiça e favorecer a reinserção social das pessoas condenadas».

77.

Entre as condições da transferência, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas prevê aquela segundo a qual «o condenado deve ser nacional do Estado de execução». Ao abrigo do artigo 3.o, n.o 4, desta mesma Convenção, «[q]ualquer Estado pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida ao Secretário‑Geral do Conselho da Europa, definir, no que lhe diz respeito e para os fins da presente Convenção, o termo “nacional”» ( 40 ). Ora, através de uma declaração depositada em 29 de janeiro de 1987, a República da Finlândia indicou que, «em conformidade com o artigo 3.o, n.o 4, entende pelo termo “nacional” como um nacional do Estado de execução e os estrangeiros que tenham o seu domicílio no Estado de execução» ( 41 ).

78.

A República da Finlândia escolheu, assim, alargar o benefício das disposições da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas aos «estrangeiros que tenham o seu domicílio» no seu território.

79.

No âmbito do exame da possibilidade de executar a pena na Finlândia, deveria igualmente ser tido em conta, se for o caso, o Protocolo Adicional à Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, de 18 de dezembro de 1997 ( 42 ), cujo artigo 2.o diz respeito às pessoas evadidas do Estado de condenação.

80.

Em segundo lugar e de qualquer forma, a possibilidade de executar no território finlandês a pena proferida na Rússia em relação a D. Raugevicius decorre da lei relativa à cooperação internacional sobre a execução de algumas sanções penais, cujo artigo 3.o prevê que uma pena proferida por um órgão jurisdicional de um Estado estrangeiro pode ser executada na Finlândia se a condenação tiver adquirido força de caso julgado e for exequível no Estado no qual foi proferida e se o Estado em que a pena foi proferida o tiver pedido ou em tal tiver consentido. Ao abrigo do mesmo artigo, uma pena privativa de liberdade pode ser executada na Finlândia se a pessoa condenada for um cidadão finlandês ou um nacional estrangeiro que resida de modo permanente na Finlândia e se a pessoa condenada em tal tiver consentido.

81.

Resulta dos elementos que precedem que, para garantir o objetivo de evitar o risco de impunidade das pessoas que tenham cometido uma infração e o de aumentar as possibilidades de reinserção social da pessoa procurada uma vez expirada a pena a que esta última foi condenada, não há lugar, em circunstâncias como as do processo principal, a solicitar um mecanismo de cooperação, inspirado no que foi estabelecido pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin ( 43 ), entre o Estado‑Membro requerido e o Estado‑Membro de que o interessado é nacional, cuja aplicação prática é complexa e cujas consequências são incertas. Com efeito, tendo em conta os vínculos de ligação que D. Raugevicius parece ter com a Finlândia, não haveria interesse nenhum, nem do ponto de vista da luta contra a impunidade nem do da reinserção social, em encorajar a execução na Lituânia da pena que lhe foi imposta. É por esta razão que consideramos que, neste contexto, não se afigura necessário informar o Estado‑Membro da nacionalidade do interessado para lhe oferecer a oportunidade de emitir um mandado de detenção europeu com vista ao exercício de ações penais ou à execução de uma pena.

82.

Em contrapartida, o Estado‑Membro que deva responder a um pedido de extradição nestas circunstâncias é obrigado, por força dos artigos 18.o e 21.o TFUE, a utilizar todos os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal de que dispõe no que respeita ao Estado terceiro requerente, a fim de obter o consentimento deste último para que a pena de prisão imposta ao interessado seja executada no seu território, sendo caso disso depois de ter sido adaptada em função da pena prevista pela sua legislação penal para uma infração da mesma natureza. Ao cooperar desta forma com o Estado terceiro que pede a extradição com vista a executar a pena no seu território, o Estado‑Membro requerido age de forma menos lesiva para o exercício do direito à livre circulação, evitando, na medida do possível, o risco de, na falta de execução da pena, a infração que deu origem à condenação ficar impune. Ao agir assim, o Estado‑Membro requerido favorece a reinserção social da pessoa condenada, uma vez purgada a sua pena. Afigura‑se‑nos, pois, fundamental ter em conta o objetivo de promover a reinserção social de forma concomitante com o objetivo de combater a impunidade, privilegiando a solução adequada para alcançar estes dois objetivos.

83.

Em suma, ao verificar se as medidas alternativas menos lesivas para a livre circulação de um cidadão da União do que uma extradição deste último, permitem atingir de forma igualmente eficaz o objetivo de evitar o risco de impunidade das pessoas que tenham cometido uma infração, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta um outro objetivo, igualmente fundamental em direito da União, ou seja, aquele que visa facilitar a reinserção social das pessoas condenadas. Nesta perspetiva, é adequado, como a Comissão Europeia acertadamente sublinhou, não examinar apenas as formas de cooperação interna em matéria penal que estão em vigor na União, mas igualmente as formas de cooperação em matéria penal entre Estados‑Membros e Estados terceiros resultantes de convenções internacionais, em particular as celebradas no âmbito de organizações internacionais com as quais a União coopera.

84.

Acrescentamos, por último, que uma decisão das autoridades finlandesas que recuse aceitar o pedido de extradição formulado pela Federação da Rússia não pode ser considerada contrária às disposições da Convenção Europeia de Extradição.

85.

Com efeito, como já referimos anteriormente, o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Convenção Europeia de Extradição permite à República da Finlândia recusar a extradição dos seus próprios nacionais. Devemos sublinhar que, em conformidade com a possibilidade aberta pelo artigo 6.o, n.o 1, alínea b), desta mesma Convenção, a República da Finlândia escolheu definir numa declaração o termo «nacionais», na aceção da referida Convenção, como designando «os nacionais da Finlândia, da Dinamarca, da Islândia, da Noruega e da Suécia bem como os estrangeiros domiciliados nestes Estados» ( 44 ).

86.

No caso em apreço, esta vontade equalizadora relativa à proteção contra a extradição expressa pela República da Finlândia nesta declaração não pode, tratando‑se de um cidadão da União como D. Raugevicius, permanecer letra morta. Os artigos 18.o e 21.o TFUE impõem à República da Finlândia que lhe dê o seu pleno efeito.

87.

Por conseguinte, consideramos que os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido em que, em circunstâncias como as do processo principal, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro para efeitos de execução de uma pena de prisão que foi proferida neste Estado, o Estado‑Membro requerido deve examinar se, à luz dos vínculos de ligação da pessoa condenada com este Estado, a execução da pena neste Estado‑Membro seria de molde a favorecer a reinserção social dessa pessoa ( 45 ). Se for esse o caso, o referido Estado‑Membro deve utilizar todos os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal de que dispõe em relação ao Estado terceiro requerente a fim de obter o consentimento deste último para que a pena seja executada no seu território, se for caso disso depois de ter sido adaptada em função da pena prevista pela sua legislação penal para uma infração da mesma natureza.

IV. Conclusão

88.

À luz das considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) da seguinte forma:

Os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido em que, em circunstâncias como as do processo principal, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro para efeitos de execução de uma pena de prisão que foi proferida neste Estado, o Estado‑Membro requerido deve examinar se, à luz dos vínculos de ligação da pessoa condenada com este Estado, a execução da pena neste Estado‑Membro seria de molde a favorecer a reinserção social dessa pessoa. Se for esse o caso, o referido Estado‑Membro deve utilizar todos os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal de que dispõe em relação ao Estado terceiro requerente a fim de obter o consentimento deste último para que a pena seja executada no seu território, se for caso disso depois de ter sido adaptada em função da pena prevista pela sua legislação penal para uma infração da mesma natureza.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 3 ) A seguir a «Convenção Europeia de Extradição».

( 4 ) A seguir a «Lei relativa à Extradição».

( 5 ) O Korkein oikeus (Supremo Tribunal) cita nomeadamente, a este respeito, o Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Epitropos tou Elegktikou Synedriou (C‑363/11, EU:C:2012:825, n.o 18).

( 6 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 7 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 8 ) C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 37.

( 9 ) Convenção Europeia sobre o valor internacional das sentenças penais, assinada em Haia, em 28 de maio de 1970.

( 10 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 11 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 12 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 13 ) V. Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 26).

( 14 ) V. Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 27).

( 15 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 33).

( 16 ) V. Acórdão de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 15).

( 17 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 18 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 42).

( 19 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 43).

( 20 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 44 e jurisprudência referida).

( 21 ) V., por analogia, Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 22 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 46 e jurisprudência referida).

( 23 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 47 e jurisprudência referida).

( 24 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222, n.o 48 e jurisprudência referida).

( 25 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 26 ) JO 2002, L 190, p. 1.

( 27 ) JO 2009, L 81, p. 24, a seguir a «Decisão‑quadro 2002/584».

( 28 ) V. Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 48 e 50).

( 29 ) C‑191/16, EU:C:2018:222.

( 30 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 31 ) V., nomeadamente, o Acórdão de 29 de junho de 2017, Popławski (C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 21 e jurisprudência referida).

( 32 ) V., a este respeito, TEDH, 27 de junho de 2006, Szabó c. Suède, CE:ECHR:2006:0627DEC002857803, p. 12.

( 33 ) V., nomeadamente, Acórdão de 17 de abril de 2018, B e Vomero (C‑316/16 e C‑424/16, EU:C:2018:256, n.o 75 e jurisprudência referida).

( 34 ) JO 2008, L 327, p. 27.

( 35 ) V., nomeadamente, TEDH, 30 de junho de 2015, Khoroshenko c. Russie, CE:ECHR:2015:0630JUD004141804 (§ 121).

( 36 ) V., por analogia, no que respeita ao artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑quadro 2002/584, o Acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 37 ) V., no mesmo sentido, as Conclusões do Advogado‑geral P. Mengozzi no processo Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:151, n.os 50 e 51), que sublinha, além disso, que «[l]a liberdade de circulação e residência consagrada pelo direito da União tem também como corolário o facto de hoje em dia já não ser possível presumir de forma irrefutável que as possibilidades de reinserção de uma pessoa condenada são mais elevadas apenas no Estado de que a referida pessoa é nacional» (n.o 51).

( 38 ) C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 37.

( 39 ) V., por analogia, para ter em consideração esta convenção com vista a estabelecer a possibilidade para um Estado‑Membro de executar uma pena proferida noutro Estado‑Membro, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.os 44 a 49).

( 40 ) O relatório explicativo da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas indica, a este respeito, que «[e]sta possibilidade, uma vez que corresponde à previsão do artigo 6.o[, n.o 1, alínea b),] da Convenção Europeia de Extradição, deve ser interpretada em sentido lato: trata‑se de permitir aos Estados Contratantes que alarguem a aplicação da Convenção a outras pessoas para além dos “nacionais”, no sentido restrito da legislação em matéria de nacionalidade do Estado em causa, por exemplo, aos apátridas ou a cidadãos de outros Estados mas que tenham raízes no país por aí têm residência permanente» (p. 4, § 20).

( 41 ) Sublinhado nosso. A existência de tal declaração é sublinhada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 5 de setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.o 48).

( 42 ) Quanto ao Protocolo que altera o Protocolo Adicional à Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, de 22 de novembro de 2017, até ao presente, não entrou em vigor.

( 43 ) C‑182/15, EU:C:2016:630.

( 44 ) Sublinhado nosso.

( 45 ) O Estado‑Membro requerido pode, a este respeito, apoiar‑se, por analogia, nos critérios que são enumerados no Considerando 9 da Decisão‑quadro 2008/909. V., sobre este assunto, Martufi, A., «Assessing the resilience of “social rehabilitation” as a rationale for transfer: A commentary on the aims of Framework Decision 2008/909/JHA», New Journal of European Criminal Law, Sage Publishing, New‑York, 2018, vol. 9, issue 1, pp. 43 a 61.

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