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Document 62017CC0154

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 10 de abril de 2018.
SIA «E LATS» contra Valsts ieņēmumu dienests.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa.
Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 311.o, n.o 1, ponto 1 — Regime especial dos bens em segunda mão — Conceito de “bens em segunda mão” — Bens que contêm metais preciosos ou pedras preciosas revendidos por um comerciante — Transformação dos referidos bens após a venda — Recuperação dos metais preciosos ou das pedras preciosas — Conceito de “metais preciosos ou pedras preciosas”.
Processo C-154/17.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:226

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 10 de abril de 2018 ( 1 )

Processo C‑154/17

SIA «E LATS»

sendo intervenientes:

Valsts ieņēmumu dienests

[Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Supremo Tribunal, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Conceito de “bens em segunda mão” — Conceito de “metais preciosos ou pedras preciosas”»

I. Introdução

1.

A SIA «E LATS» é um comerciante e sujeito passivo de IVA. Concede crédito a particulares, mediante garantia sob a forma de penhor de bens que contenham metais preciosos ou pedras preciosas. Os bens dados em penhor não reclamados são revendidos pela SIA «E LATS» a outros comerciantes, principalmente para extração de metais preciosos ou pedras preciosas. Esses comerciantes estão sujeitos a IVA.

2.

A SIA «E LATS» aplicou a estas operações de revenda um regime especial de IVA para bens em segunda mão. Contudo, a Administração Tributária competente não concordou que esse regime especial fosse aplicável. Considerou que os bens revendidos pela SIA «E LATS» não eram bens em segunda mão na aceção da legislação fiscal aplicável. Por conseguinte, exigiu que a SIA «E LATS» pagasse um montante adicional de IVA.

3.

Neste contexto, o Augstākā tiesa (Supremo Tribunal, Letónia) pediu ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre a interpretação da disposição específica da Diretiva 2006/112/CE (a seguir «Diretiva IVA») ( 2 ) que regula o IVA aplicável a bens em segunda mão. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto ao alcance da exceção relativa aos «metais preciosos ou pedras preciosas» constante da definição de «bens em segunda mão». Pergunta também se determinadas características da operação de revenda afetam o alcance dessa exceção.

II. Quadro legal

A.   Diretiva IVA

4.

O considerando 51 da Diretiva IVA dispõe que «[é] conveniente adotar um regime de tributação comunitário aplicável no setor dos bens em segunda mão, dos objetos de arte e de coleção e das antiguidades, a fim de evitar a dupla tributação e as distorções de concorrência entre sujeitos passivos».

5.

O capítulo 4 do título XII da Diretiva IVA contém regras relativas aos regimes especiais aplicáveis aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção e às antiguidades. Mais concretamente, o artigo 311.o dessa diretiva dispõe:

«1.   Para efeitos do presente capítulo e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, entende‑se por:

1)

“Bens em segunda mão”, os bens móveis corpóreos suscetíveis de serem reutilizados no estado em que se encontram ou após reparação, que não sejam objetos de arte e de coleção ou antiguidades, nem metais preciosos ou pedras preciosas, na definição que lhes é dada pelos Estados‑Membros;

[…]»

B.   Direito letão

6.

O artigo 138.o da Pievienotās vērtības nodokļa likums (a seguir «Lei do IVA») estabelece que é aplicável um regime especial de IVA às operações relativas a bens em segunda mão, objetos de arte e de coleção e antiguidades. Segundo o despacho de reenvio, esta disposição implementa, inter alia, o artigo 311.o da Diretiva IVA.

7.

De acordo com o despacho de reenvio, há outras normas nacionais relevantes, contidas nos artigos 183.o e 184.o do Ministru kabineta 2013. Gada 3. Janvāra noteikumi Nr. 17 «Pievienotās vērtības nodokļa likuma normu piemērošanas kārtība un atsevišķas prasības pievienotās vērtības nodokļa maksāšanai un administrēšanai» (Regulamento n.o 17 do Conselho de Ministros, de 3 de janeiro de 2013, relativo ao procedimento de implementação das disposições da Lei do IVA e a diversos requisitos para o pagamento e a administração do IVA; a seguir «Regulamento n.o 17»). O artigo 183.o do Regulamento n.o 17 define bens em segunda mão como bens corpóreos que tenham sido usados e sejam suscetíveis de ser reutilizados da mesma forma sem transformação ou após reparação, que não sejam objetos de arte e de coleção ou antiguidades. O artigo 184.o deste regulamento exclui os metais preciosos ou pedras preciosas do conceito de «bens em segunda mão», dispondo ainda que os artigos que contenham metais preciosos ou pedras preciosas são abrangidos pelo conceito de «bens em segunda mão» se tiverem sido entregues ou transferidos para venda pelo vendedor, referido no artigo 138.o, n.o 4, da Lei do IVA. Além disso, o segundo período do artigo 184.o dispõe que ‑os artigos que correspondam aos capítulos 71, 82, 83, 90 ou 96 da Nomenclatura Combinada devem ser considerados artigos que contêm metais preciosos ou pedras preciosas.

III. Factos, litígio no processo principal e questões prejudiciais

8.

A SIA «E LATS» (a seguir «recorrente») é comerciante e sujeito passivo de IVA. Concede crédito a particulares que, segundo o despacho de reenvio, não estão sujeitos a IVA. Ao conceder créditos, recebe em penhor bens que contenham metais preciosos ou pedras preciosas, como correntes, pendentes, anéis, alianças, colheres e material dentário.

9.

A recorrente revendeu bens dados em penhor não reclamados a outros comerciantes, que são também sujeitos passivos de IVA. Os bens foram classificados de acordo com o metal que continham, bem como com o seu grau de pureza. Foram revendidos a peso, de modo a que esses metais preciosos ou pedras preciosas pudessem ser extraídos (a seguir «operações em causa»).

10.

A recorrente aplicou às operações em causa o regime especial de IVA para bens em segunda mão, conforme previsto no artigo 138.o da Lei do IVA.

11.

A Valsts ieņēmumu dienests (a seguir «Administração Tributária», Letónia) considerou que os bens revendidos pela recorrente constituíam desperdícios: não eram bens em segunda mão e, portanto, o regime especial de IVA para bens em segunda mão não podia ser aplicado. Consequentemente, adotou uma decisão que exigia que a recorrente pagasse um montante adicional de IVA.

12.

A recorrente interpôs um recurso de anulação dessa decisão. O Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Regional Administrativo, Letónia) negou provimento ao recurso, considerando que a recorrente aplicara o artigo 138.o da Lei do IVA às operações em causa incorretamente. Considerou que os bens de ouro, prata e outros materiais preciosos tinham sido vendidos pela recorrente como desperdícios, não como bens em segunda mão.

13.

O processo está agora pendente no Augstākā tiesa (Supremo Tribunal), o órgão jurisdicional de reenvio. Este observa que se pode entender que o regime especial previsto no artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA não é aplicável a bens que contenham metais preciosos ou pedras preciosas que sejam vendidos, não como bens em segunda mão, mas unicamente para extração dos metais preciosos ou pedras preciosas neles contidos. Este tribunal considera que esses bens não são «bens em segunda mão», mas «metais preciosos ou pedras preciosas». Considera também que, a este respeito, o artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA não permite nenhuma discricionariedade dos Estados‑Membros.

14.

Nestas circunstâncias, o Augstākā tiesa (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, ser interpretado no sentido de que os artigos usados, adquiridos pelo comerciante [,] que contenham metais preciosos ou pedras preciosas (como no caso dos autos) e que sejam revendidos principalmente para extração dos metais preciosos ou das pedras preciosas neles presentes podem ser considerados bens em segunda mão?

2.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, é relevante, para efeitos de limitar a aplicação do regime especial, que o comerciante tenha conhecimento da intenção do comprador posterior de extrair os metais preciosos ou as pedras preciosas presentes nos artigos usados, ou são relevantes as características objetivas da operação (a quantidade dos produtos, o estatuto jurídico da contraparte na operação, etc.)?»

15.

Foram apresentadas observações escritas pelo Governo letão e pela Comissão Europeia. O Governo letão, a Comissão e a recorrente fizeram também alegações orais na audiência que teve lugar em 25 de janeiro de 2018.

IV. Apreciação

16.

As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Em primeiro lugar, estabelecerei o alcance e a lógica do conceito de «bens em segunda mão» constante do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA (A). Em segundo lugar, debruçar‑me‑ei sobre a exceção que esta disposição prevê para os metais preciosos ou pedras preciosas, procurando apreender o objetivo e a lógica dessa exceção (B). Com base nestes dois aspetos gerais, fornecerei, em seguida, algumas orientações relativas às circunstâncias relevantes que devem ser tidas em conta para apreciar se os bens em causa podem ser classificados como bens em segunda mão (C).

A.   Conceito de «bens em segunda mão»

17.

O artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA define bens em segunda mão como «bens móveis corpóreos suscetíveis de serem reutilizados no estado em que se encontram ou após reparação, que não sejam objetos de arte e de coleção ou antiguidades, nem metais preciosos ou pedras preciosas, na definição que lhes é dada pelos Estados‑Membros».

18.

Assim, para serem abrangidos pela definição prevista no artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA, os bens em questão devem reunir duas condições positivas: ‑i) «bens móveis corpóreos» que sejam ii) «suscetíveis de serem reutilizados no estado em que se encontram ou após reparação»; e uma condição negativa iii): «[não serem] objetos de arte e de coleção ou antiguidades, nem metais preciosos ou pedras preciosas, na definição que lhes é dada pelos Estados‑Membros».

19.

Não há dúvida de que os bens em causa são «bens móveis corpóreos». Assim, a primeira condição está claramente satisfeita. O ponto de discórdia no presente caso diz respeito à leitura conjugada da segunda condição (positiva) e à sua relação concreta com a terceira condição (negativa).

20.

Para apreciar essa interação, analisarei em primeiro lugar os objetivos prosseguidos pelo regime especial de IVA para bens em segunda mão (1), debruçando‑me em seguida, ‑sobre o primeiro elemento controverso da definição, ou seja, a «suscetibilidade de reutilização» (2).

1. Objetivos do regime especial de IVA aplicável a bens em segunda mão

21.

Os bens em segunda mão estão sujeitos ao regime da margem de lucro, que derroga o regime comum de IVA: em vez de ser calculado com base no preço de venda, o IVA devido é calculado com base na diferença entre os preços de venda e de compra dos bens ( 3 ).

22.

O regime da margem de lucro é uma exceção ao regime geral do IVA. O âmbito dos bens abrangidos por este regime deve ser interpretado de forma estrita ( 4 ) e não deve ir além do necessário para alcançar o objetivo pretendido ( 5 ).

23.

No entanto, os metais preciosos ou pedras preciosas estão excluídos do conceito de «bens em segunda mão» (e, da mesma forma, do regime derrogatório da margem de lucro). Assim, este conceito constitui efetivamente uma exceção a uma exceção, o que significa que os bens abrangidos pela exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas regressam ao regime geral de IVA ( 6 ).

24.

Resulta do considerando 51 da Diretiva IVA que o regime especial de IVA para bens em segunda mão foi introduzido para evitar a dupla tributação e as distorções de concorrência ( 7 ). Enquanto «o sistema comum do IVA, em princípio, tem por objetivo tributar o valor económico acrescentado às diferentes fases do processo de produção e de distribuição» ( 8 ), o IVA cobrado no que respeita a bens em segunda mão suscita o problema específico de o encargo com o IVA ser suportado duas vezes.

25.

Isto acontece quando um comerciante que é sujeito passivo adquire bens a uma pessoa que não é sujeito passivo e paga o IVA incluído no preço de compra, ao passo que o referido comerciante não pode deduzi‑lo posteriormente. Por outras palavras, quando uma pessoa que não é sujeito passivo de IVA compra bens, tem de pagar o IVA aplicável como parte do preço de compra. Quando essa pessoa vende estes bens a um sujeito passivo revendedor, esse sujeito passivo revendedor não terá, em princípio, a possibilidade de deduzir o IVA pago inicialmente e contido no preço de compra. Desta forma, o sujeito passivo revendedor tem de pagar IVA novamente e ocorre uma dupla tributação. Esta é precisamente a situação que o regime especial de IVA para bens em segunda mão procura evitar ao dispor que o IVA devido pelo sujeito passivo revendedor é determinado com base na diferença entre os preços de compra e de venda ( 9 ).

26.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça explicou que «[t]ributar pela totalidade do seu preço a entrega de bens em segunda mão […] por um sujeito passivo revendedor, quando o preço a que este adquiriu esses bens inclui uma quantia de IVA paga a montante por uma pessoa que pertence a uma das categorias identificadas no artigo 314.o, alíneas a) a d), da [Diretiva IVA], e que nem essa pessoa nem o sujeito passivo revendedor puderam deduzir, implicaria, com efeito, uma dupla tributação» ( 10 ).

27.

Esta dupla tributação no contexto dos bens em segunda mão foi reconhecida bastante cedo ( 11 ). A Comissão observou, a este propósito, que a inexistência de regras especiais relativas a objetos de arte, antiguidades, objetos de coleção e bens usados levava a uma situação em que «um produto final reintroduzido no circuito económico seria, uma vez mais, totalmente sujeito ao imposto sobre o valor acrescentado e o sujeito passivo que pretendesse revender o produto não poderia deduzir o imposto incluído no preço de compra. […] A diferença daí resultante na carga fiscal seria um incentivo ao contorno do circuito comercial normal». ( 12 )

2. Suscetibilidade de reutilização

28.

A segunda condição do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA, relativa à «suscetibilidade de reutilização», foi interpretada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Sjelle Autogenbrug. Este processo dizia respeito a veículos automóveis em fim de vida que tinham sido adquiridos para vender as suas peças como peças sobressalentes. O Tribunal de Justiça explicou que a «suscetibilidade de reutilização» tinha de ser analisada com base na questão de saber se o objeto em causa «conservara as funcionalidades» que possuía em novo ( 13 ). O Tribunal de Justiça considerou que o conceito de «bens em segunda mão» não exclui os «bens móveis corpóreos suscetíveis de serem reutilizados, no estado em que se encontram ou após reparação, provenientes de um outro bem no qual estavam incorporados enquanto elementos constitutivos. Com efeito, a circunstância de um bem usado constitutivo de um outro bem poder ser dele separado não põe em causa a qualificação do bem removido de “bem em segunda mão”, desde que possa ser reutilizado “no estado em que se encontra ou após reparação”» ( 14 ).

29.

O elemento chave da definição de «suscetibilidade de reutilização» é, assim, a conservação de funcionalidades do mesmo tipo. No entanto, no contexto do presente caso, afigura‑se que o preenchimento factual dessa condição é o pomo da discórdia entre as partes.

30.

Na audiência, a recorrente alegou essencialmente que a condição da «suscetibilidade de reutilização» foi satisfeita na medida em que os bens em causa, tais como anéis, ainda podem ser utilizados como anéis, independentemente de serem vendidos a peso (o que, segundo a recorrente, não é um fenómeno incomum no negócio da joalharia). Até uma aliança com uma inscrição (como a palavra «eternamente») pode ser considerada suscetível de ser reutilizada porque, claramente, continua a ser um anel e continua a poder ser utilizado como tal.

31.

A posição da recorrente sobre a suscetibilidade de reutilização não foi acolhida pelo Governo letão. Este Governo reconhece que, nos termos do direito nacional, designadamente do artigo 184.o do Regulamento n.o 17 ( 15 ), artigos que contenham metais preciosos ou pedras preciosas são considerados bens em segunda mão. Ao mesmo tempo, de acordo com esse Governo, esses artigos só podem ser classificados como bens em segunda mão se ainda forem suscetíveis de uma utilização do mesmo tipo, e desde que sejam avaliados com base no seu valor individual. Segundo este Governo, tal não era o caso dos bens em causa, vendidos a peso e como desperdícios para deles extrair os elementos preciosos.

32.

Na audiência, a recorrente explicou detalhadamente que apenas 5% dos bens dados em penhor não reclamados e revendidos considerados pelas autoridades tributárias no processo principal eram insuscetíveis de ser reutilizados e que repará‑los seria demasiado dispendioso. A recorrente alegou também que outros bens foram avaliados e vendidos individualmente para o comércio a retalho ou a granel, sendo, nesse caso, o seu preço determinado pelo peso. Segundo a recorrente, esses bens eram suscetíveis de ser reutilizados sem reparação. A recorrente alegou na audiência que as características acima descritas de 5% dos bens dados em penhor não reclamados afetaram as conclusões da Administração Tributária a respeito de todos considerados. O resultado foi que o tratamento em matéria de IVA reservado a esses 5% específicos dos bens foi aplicado aos bens considerados no seu todo.

33.

A Comissão considera que os bens em causa não eram suscetíveis de ser reutilizados devido à sua natureza (material dentário) ou devido ao seu estado (bens danificados ou personalizados). Segundo a Comissão, a insuscetibilidade de reutilização também é evidenciada pelas circunstâncias em que a operação em causa ocorreu.

34.

Uma correta compreensão dos elementos factuais relevantes é seguramente da maior importância para a apreciação do processo, inclusivamente pelo Tribunal de Justiça. Contudo, a análise dos factos cabe exclusivamente aos tribunais nacionais. O Tribunal de Justiça está vinculado pelos factos conforme apurados e apresentados pelo órgão jurisdicional de reenvio. Quero deixar claro este aspeto, atendendo a várias declarações relativas à matéria de facto feitas, em especial, pela recorrente, cujo propósito era essencialmente convencer o Tribunal de Justiça de que as autoridades nacionais e, implicitamente, os tribunais nacionais, omitiram factos relevantes e/ou analisaram‑nos de forma incorreta.

35.

Assim, o ponto de partida para a análise jurídica à luz do direito da UE baseia‑se na descrição dos bens efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio no despacho de reenvio e refletida na redação da sua primeira questão prejudicial. Por conseguinte, tomo como facto assente que, como refere a primeira questão, os artigos feitos de metais preciosos ou pedras preciosas foram revendidos pela recorrente para extração, ou seja, para serem reutilizados como matéria‑prima.

36.

Se for efetivamente esse o caso, o que compete apenas ao órgão jurisdicional nacional apurar e apreciar, então proponho que, em tal situação, pelos motivos que explicarei pormenorizadamente nas secções que se seguem das presentes conclusões, a exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas é, de facto, aplicável. Esses bens, tal como descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, não são bens em segunda mão e ficam sujeitos ao regime geral do IVA.

37.

Contudo, para além da análise essencialmente factual da natureza de uma determinada operação, existe uma questão mais complexa para a qual já chamei a atenção e que considero que está na base da primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional: a relação entre a condição da suscetibilidade de reutilização e a exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas. Concordo que se trata de uma relação difícil de descrever, porque a segunda condição constante do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA é definida pela utilização (funcionalidade) do objeto em causa, enquanto a terceira condição — a exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas — é definida pelo material em questão. Se acrescentarmos a essa complexidade o facto de a segunda condição se basear no direito da UE, enquanto a terceira condição compete expressamente aos Estados‑Membros definir, torna‑se bastante claro que as duas definições podem chocar ou sobrepor‑se.

38.

As alegações orais apresentadas na audiência revelaram incertezas acerca dessa relação: o facto de um anel usado ser de ouro exclui automaticamente esse anel do conceito de «bens em segunda mão» (e do regime da margem de lucro) porque, além de ser usado e de ser suscetível de ser reutilizado, é também feito de um metal precioso? Ou a condição de usado e a suscetibilidade de reutilização prevalecem sobre a qualidade de metal precioso ou pedra preciosa, o que significa que qualquer objeto usado que seja suscetível de ser reutilizado e feito de metais preciosos ou pedras preciosas deve ser sempre considerado um bem em segunda mão e, portanto, incluído no regime da margem de lucro?

39.

De modo a definir os termos concretos da relação entre estes dois conceitos, há que começar por esclarecer a finalidade específica, a lógica e a história da exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas.

B.   Exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas

40.

Numa primeira leitura do texto do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA, afigura‑se claro que os «metais preciosos ou pedras preciosas» estão simplesmente excluídos do conceito de «bens em segunda mão», à semelhança da exclusão dos «objetos de arte e de coleção [e das] antiguidades».

41.

Esta aparente igualdade de tratamento tem, contudo, de ser considerada no seu contexto. Os «objetos de arte e de coleção [e as] antiguidades» estão excluídos do conceito de «bens em segunda mão», mas ainda estão incluídas no regime da margem de lucro. Para esse efeito, são simplesmente definidos em diferentes disposições da Diretiva IVA ( 16 ). Em contrapartida, os metais preciosos ou pedras preciosas estão excluídos do conceito de «bens em segunda mão» e, da mesma forma, estão igualmente excluídos do regime da margem de lucro. Além disso, a definição de «metais preciosos ou pedras preciosas» é expressamente deixada aos Estados‑Membros.

42.

Uma vez que a redação do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA (incluindo as suas diferentes versões linguísticas) nada mais esclarece quanto aos termos concretos da relação entre os conceitos de suscetibilidade de reutilização e a exceção relativa aos metais preciosos ou pedras preciosas, passo a analisar a história legislativa dessa exceção (1) e, em seguida, analisarei os seus objetivos e a sua finalidade (2).

1. História legislativa

43.

A primeira proposta ( 17 ) que tomou em consideração os metais preciosos ou pedras preciosas no contexto do regime da margem de lucro definia «bens usados» como «bens móveis que não sejam [objetos de arte e de coleção e antiguidades], que tenham sido usados e sejam suscetíveis de ser reutilizados no estado em que se encontram ou após reparação» ( 18 ). É interessante notar que o artigo 3.o, n.o 4, dessa proposta dispunha que o regime para os bens usados «não é aplicável a entregas de bens usados feitos de ouro ou outro metal precioso ou que contenham pedras preciosas» ( 19 ). Simultaneamente, a definição proposta de «objetos de arte», «objetos de coleção» e «antiguidades» incluía bens «feitos de ouro ou outro metal precioso ou que contenham pedras preciosas, quando o valor desses materiais preciosos não exceda 50% do preço de venda» ( 20 ). No entanto, essa proposta foi retirada em novembro de 1987, devido à falta de acordo.

44.

Numa outra proposta ( 21 ), que acabou por conduzir à adoção da Diretiva 94/5/CE ( 22 ), a Comissão sugeriu que os objetos feitos de ouro ou de outro metal precioso ou que contivessem pedras preciosas continuassem a beneficiar do regime especial aplicável, inter alia, aos bens em segunda mão, quando o valor dessas matérias não excedesse 50% do preço de venda desses objetos ( 23 ).

45.

O Comité Económico e Social apoiou a introdução do regime especial e aprovou a exclusão dos metais preciosos ou pedras preciosas. No entanto, discordou de que o âmbito de aplicação desse regime especial devia depender do valor dos materiais incorporados. Observou que «[p]arece ser […] algo arbitrário o critério de distinção proposto pela Comissão, que só inclui no regime especial os objetos constituídos por pedras e metais preciosos quando o valor destes não exceda 50% do preço de venda. As dificuldades de uma avaliação objetiva prestar‑se‑iam provavelmente a inúmeras contestações ou fraudes. Teria, talvez, sido preferível excluir do regime especial os objetos que se prestem a reutilização como material de trabalho» ( 24 ).

46.

A versão adotada da Diretiva 94/5 inseriu um novo artigo 26.o‑A ( 25 ), que previa uma simples exclusão dos metais preciosos e das pedras preciosas, sem qualquer referência ao valor que esses elementos representam no valor total do objeto.

47.

À luz do exposto, a ideia da exclusão dos bens feitos de metais preciosos ou que contenham pedras preciosas do regime, bem como a ideia de um limiar de 50%, surgiram no processo legislativo como elementos relevantes para a delimitação do regime especial para, inter alia, bens em segunda mão.

48.

No entanto, apesar de ser instrutiva quanto a todos os problemas práticos encontrados durante o processo, a história legislativa não revela as razões precisas que conduziram à exclusão dos metais preciosos e das pedras preciosas do regime da margem de lucro. Para compreender essas razões, ‑é necessário voltarmo‑nos para a lógica (económica) inerente aos bens feitos de metais preciosos ou de pedras preciosas.

2. Lógica económica e objetivo

49.

Os objetos feitos de, ou que contenham, metais preciosos ou pedras preciosas têm uma natureza específica ( 26 ). A sua função (e valor) é dupla. Dependendo da qualidade e do estado de cada bem concreto, não só constituem um objeto especificamente fabricado ou produzido com uma determinada funcionalidade (valor funcional), mas encerram também o valor intrínseco atribuído pela sociedade aos metais preciosos ou às pedras preciosas neles contidos (valor «material» intrínseco).

50.

O problema prático demonstrado pela complexa história legislativa do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA é que, à luz da grande variedade de objetos feitos de, ou que contêm, elementos de metais preciosos ou de pedras preciosas, é difícil conceber um critério abstrato para avaliar, em geral, a importância relativa de cada um desses tipos de valores.

51.

Por um lado, posso certamente utilizar uma pepita de ouro como pisa‑papéis. Esta pode também ser vendida e reutilizada como pisa‑papéis. É, todavia, muito improvável que o preço desse pisa‑papéis seja determinado pela sua inegável eficiência a evitar que um maço de papéis voe, mesmo se houver uma forte rajada de vento. Ao invés, é provável que este seja determinado com base no preço de mercado atual do ouro. Nesse cenário, o preço do artigo será o preço da matéria‑prima de que é composto.

52.

Por outro lado, pode imaginar‑se um instrumento médico caro e complexo feito, entre outros, de vários metais preciosos ou mesmo (uma) pedra(s) preciosa(s). O valor dos metais preciosos ou das pedras preciosas do instrumento pode, em si mesmo, ser considerável, mas é provável que o valor funcional do instrumento, se for revendido plenamente operacional, seja muito mais alto do que o valor dos materiais preciosos de que é composto.

53.

No entanto, exemplos intrigantes à parte, é bastante claro que, para efeitos de aplicação do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA, é o primeiro cenário que é provável que seja relevante. Há uma variedade de objetos feitos de, ou que contêm, metais preciosos cujo valor, enquanto objetos com uma determinada funcionalidade, está longe de ser óbvio. Mas esses objetos continuam a ser comercializados por causa do seu conteúdo material precioso. No presente caso, afigura‑se dizer respeito, em especial, ao material dentário, aos pedaços de talheres partidos ou às joias partidas.

54.

É assim evidente que os objetos feitos de metais preciosos ou de pedras preciosas têm um «valor armazenado» que é independente do facto de a funcionalidade inicial do objeto ser também mantida ou não. Afinal, é por isto que os metais e as pedras em causa se chamam preciosos, é por isto que foram travadas guerras pela sua propriedade e é por isto que a descoberta de um tesouro de moedas, anéis e joias de uma rainha desconhecida transforma a feliz descobridora numa mulher rica ( 27 ), apesar de esta poder continuar a preferir joias mais leves e modernas para usar no dia a dia.

55.

À luz desta lógica económica, afigura‑se assim que a exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas se destina a situações em que, dito de forma simples, a funcionalidade original dos bens em segunda mão se perdeu ou seja irrelevante no contexto da operação em causa. Esses bens já não são revendidos pela sua funcionalidade, mas pelo valor inerente à matéria‑prima que os compõe. Consequentemente, estes bens saem do ciclo económico específico dos bens em segunda mão. Ao invés, entram num novo ciclo económico de «matéria‑prima», servindo na prática de base para a produção de novos artigos feitos de metais preciosos ou de pedras preciosas.

56.

Por último, em termos de analogia sistemática mais ampla, deve observar‑se que considerações semelhantes levaram o legislador da União a isentar totalmente de IVA o ouro para investimento ( 28 ). Na proposta que cria o regime especial do ouro, a Comissão referiu o problema da tributação residual e da dupla tributação, que constitui «a razão pela qual existe o regime especial proposto […] para os bens em segunda mão, os objetos de arte, antiguidades e objetos de coleção. […] Em contrapartida, o ouro enquanto objeto de investimento é passível de um número ilimitado de transações. […] [O]s sistemas de tributação da margem minimizam mas não eliminam completamente os efeitos do imposto residual: este último não deixa de aumentar em função da extensão do circuito económico, pelo próprio facto de o imposto sobre a margem se incorporar no preço e não poder ser deduzido pelo comprador seguinte. O valor extremamente elevado do ouro, bem como o grande número de transações sucessivas de que pode ser objeto vêm amplificar este fenómeno ( 29 )».

57.

A isenção aplicável ao ouro para investimento resulta do facto de se considerar que é «de natureza semelhante à de outros investimentos financeiros que estão isentos de imposto» ( 30 ). Diferentemente, as razões para a isenção desaparecem se o ouro para investimento for transformado, por exemplo, em joalharia. Continua a ser o mesmo material, mas a sua função no ciclo económico é vista de forma diferente ( 31 ).

3. Discricionariedade dos Estados‑Membros e respetivos limites

58.

Por último, o artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA dispõe que a definição de metais preciosos e pedras preciosas é dada pelos Estados‑Membros.

59.

A ampla margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem para estabelecer as condições de aplicabilidade da exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas não é, no entanto, ilimitado. Como conclusão desta secção, podem ser referidos dois tipos de limites: gerais e específicos.

60.

No que se refere aos limites gerais aplicáveis às exceções previstas na Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça reconheceu que, quando apliquem uma exceção, os Estados‑Membros devem respeitar, em especial, os princípios da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal ( 32 ), tomando em consideração o objetivo ( 33 ) prosseguido pela Diretiva IVA.

61.

O limite específico decorre do objetivo concreto da disposição interpretada, ou seja, no presente caso, o artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA. Uma vez mais, é evidente que esta disposição deixa aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação no que respeita à definição do conceito de «metais preciosos ou pedras preciosas», em especial para a definição dos tipos de metais preciosos e de pedras preciosas, bem como a natureza dos bens em questão. No entanto, o exercício dessa discricionariedade não pode privar o conceito de «bens em segunda mão» do seu conteúdo adequado através de uma definição excessivamente restrita do que pode constituir metais preciosos ou pedras preciosas. A consequência disto seria que quaisquer bens que contivessem metais preciosos ou pedras preciosas ficariam perpetuamente dentro do regime dos bens em segunda mão, independentemente da sua utilização continuada e da sua funcionalidade.

62.

Por outras palavras, a lógica económica básica da exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas tem de ser respeitada. Para que um objeto continue a ser abrangido pelo regime da margem de lucro aplicável aos bens em segunda mão, o objeto em causa deve manter alguma funcionalidade, além do seu conteúdo de material precioso ( 34 ).

C.   Apreciação de uma operação

63.

O critério chave para decidir se um artigo é abrangido pelo regime da margem de lucro dos bens em segunda mão ou se é remetido (através da exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas) para o regime geral do IVA é a conservação da funcionalidade (utilização) dos bens em causa. A lógica global é evitar a dupla tributação e a distorção da concorrência no contexto dos bens que são reintroduzidos no ciclo económico sem trazerem nenhum novo valor económico acrescentado.

64.

Como este processo demonstra, contudo, o problema está nos pormenores. Como deve ser aplicada essa regra geral em situações factuais complexas de artigos aparentemente misturados vendidos a granel? A orientação dada nesta secção relativamente a situações deste tipo tem necessariamente de ser limitada por dois motivos: em primeiro lugar, qualquer análise realizada num contexto semelhante estará muito dependente da matéria de facto e cabe órgão jurisdicional nacional fazê‑la. Em segundo lugar, a análise factual será mais enquadrada pelas normas nacionais que implementam o artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA e que, desde que respeitem os limites estabelecidos pelo direito da União, podem permitir bastante diferenciação, em especial em situações limite.

65.

Tendo em mente estas ressalvas, a secção final das presentes conclusões indicará, em primeiro lugar, o critério para levar a cabo essa avaliação (1), antes de se debruçar sobre os fatores concretos que poderão ser tidos em conta ao fazer essa apreciação (2).

1. Critério: conservação da funcionalidade (utilização) dos bens em causa

66.

Como já foi referido, a questão chave que deve ser colocada é a de saber se a funcionalidade dos bens em causa é preservada e se essa funcionalidade existe para além dos «meros» metais preciosos de que esse bem é composto.

67.

O debate que teve lugar na audiência revelou a complexidade dos cenários factuais que podem surgir na prática. Para começar, há alguns cenários que são claros.

68.

Em primeiro lugar, ‑houve consenso quanto a que a exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas é aplicável aos bens quando são vendidos como matéria‑prima. Concordo com esta posição. Em princípio, isto significa (a menos que se aplique outra disposição específica da Diretiva IVA, como a relativa ao ouro para investimento, objetos de coleção ou antiguidades) que uma pepita de ouro outrora mantida como um souvenir e posteriormente dada em penhora, em troca de um empréstimo, é classificada como metal precioso na aceção do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA. A exclusão do regime da margem de lucro afigura‑se lógica porquanto tais bens são suscetíveis de ser comercializados para serem de alguma forma modificados.

69.

Em segundo lugar, haverá objetos feitos de metais preciosos ou de pedras preciosas que serão vendidos tendo em conta o valor do material e também a sua função individual. É provável que tais objetos sejam vendidos de forma individualizada. Pode ser o caso, por exemplo, de um colar de ouro usado, cujo valor é certamente apreciado à luz da pureza do material utilizado, mas também tendo em conta o seu estado de conservação, que inclui saber se o colar continua a ser suscetível de ser usado como colar. A inclusão deste artigo no regime da margem de lucro afigura‑se adequada porquanto não é provável que tais bens sejam comercializados para reutilização como matéria‑prima.

70.

Tirando estes casos claros, que pode se considerar constituírem os extremos de um espetro, há vários cenários menos claros de permeio.

71.

Por um lado, existem objetos que, por motivos económicos, são vendidos a peso ou a granel, quando a sua funcionalidade não só se mantém como é mesmo tida em consideração. Pode ser o caso de um conjunto de anéis de prata de baixa qualidade, avaliados e vendidos ao quilo. À semelhança do que foi alegado pela recorrente na audiência, considero que o facto de determinados bens serem avaliados e vendidos ao quilo não impede necessariamente a possibilidade de esses objetos serem considerados bens em segunda mão, na aceção do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA, se a funcionalidade preservada for, de facto, um elemento relevante da operação. Na verdade, se a sua funcionalidade preservada for importante para determinar o seu valor, então não é provável que esses objetos sejam comercializados para reutilização como matéria‑prima.

72.

Por outro lado, contudo, impõe‑se uma conclusão diferente no caso de bens avaliados e vendidos a granel independentemente da sua funcionalidade. Nessa situação, a não consideração da sua funcionalidade original significa também a inexistência de individualização de cada um dos artigos. É o caso do material dentário ou de objetos danificados feitos de, ou que contêm, metais preciosos ou pedras preciosas, conforme debatido na audiência e referido pelo órgão jurisdicional de reenvio. Se a funcionalidade dos bens usados em causa já não for considerado o elemento relevante de toda a operação, ‑perde‑se o «estatuto de bens em segunda mão». Na verdade, se a funcionalidade se tornar irrelevante, afigura‑se difícil considerar que esses bens são objeto de operações para serem introduzidos e mantidos como tal no ciclo económico. A ratio do regime da margem de lucro desaparece então.

73.

Por último, na última categoria, pode estar a situação de facto específica de uma mistura dentro da mistura: num saco podem estar não só artigos misturados (anéis, colheres, pulseiras, pendentes), mas também uma mistura no sentido de alguns artigos poderem objetivamente ser suscetíveis de ser reutilizados, se alguém pretender tirá‑los do saco e utilizá‑los, ao passo que outros não.

74.

A forma de classificar essas situações limite está, uma vez mais, profundamente dependente da matéria de facto do caso, em conjunto com a forma como o Estado‑Membro tenha implementado a exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas prevista no artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA. Pessoalmente, entendo que faria muito sentido se, como regra geral, a finalidade predominante de cada operação levasse ao estabelecimento de uma fronteira à volta dos 50%: se a maioria dos artigos vendidos a granel fosse vendido como matéria‑prima para reutilização, então o facto de alguém ainda poder selecionar alguns artigos individualmente de um saco e utilizá‑los simplesmente não é relevante porque a finalidade geral da operação era diferente. Mas uma vez que, como foi explicado supra ( 35 ), as tentativas do legislador da União de introduzir tais limiares foram expressamente rejeitadas e foi dada discricionariedade aos Estados‑Membros, é preciso sermos fiéis a essa decisão e concluir que, com respeito pelos limites da discricionariedade dos Estados‑Membros especificados supra ( 36 ), cabe aos Estados‑Membros estabelecer regras para estas situações, incluindo os limiares aplicáveis.

2. Avaliação de uma operação: fatores

75.

Saber qual das categorias supra descritas se aplica é uma questão que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apurar, no respeito das regras nacionais específicas adotadas para a transposição do artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva IVA. Pelo que é referido no despacho de reenvio e, mais especificamente, na redação da primeira questão submetida, parece‑me que o órgão jurisdicional de reenvio já levou a cabo esta análise factual e concluiu que a finalidade da operação era extrair os metais preciosos ou as pedras preciosas e reutilizá‑los como matéria‑prima. Se for efetivamente essa a situação de facto, concordo que se deve aplicar a exceção relativa aos metais preciosos ou às pedras preciosas.

76.

Sem pôr de modo algum em causa essa análise factual, mas com vista a fornecer uma orientação geral, abordarei sucintamente alguns fatores que podem ser relevantes na realização dessa análise factual. Deve notar‑se que a orientação fornecida integra a resposta à primeira questão prejudicial submetida. Não diz respeito à segunda questão, que, atendendo à minha resposta à primeira, não necessita de ser tomada em consideração pelo Tribunal de Justiça.

77.

Antes de mais, deve afirmar‑se que uma análise deste tipo de uma operação deve ser objetiva. Visa apurar a finalidade da operação conforme seria entendida por um observador independente, tendo em conta as suas circunstâncias objetivas. Fazendo uma generalização relativamente aos vários fatores debatidos durante o presente processo, creio que estes podem ser divididos em três grupos diferentes.

78.

Em primeiro lugar, há os fatores que são relevantes e devem ser tidos em conta, como a apresentação dos bens para revenda, os métodos de avaliação desses bens e outras condições de venda, como as quantidades de bens vendidos em conjunto, e o facto de o comprador estar envolvido num determinado negócio, designadamente a transformação de metais preciosos ou pedras preciosas.

79.

Em segundo lugar, para além desses fatores objetivos, há também o intensamente debatido elemento da intenção subjetiva. A este respeito, concordo plenamente com o Governo letão e com a Comissão no sentido de que as intenções de uma ou de outra parte não podem ser decisivas. Tal intenção não pode autonomamente determinar a finalidade da operação e o regime de IVA aplicável ( 37 ). Isto também é verdade no que respeita ao «conhecimento que a recorrente tinha no momento da operação sobre a intenção dos respetivos compradores quanto à utilização a dar aos bens usados», referido pelo órgão jurisdicional de reenvio.

80.

Isto não significa que a intenção das partes não tenha qualquer relevância. Tem com certeza, mas não como fator determinante. É apenas uma das indicações (objetivas) que podem ajudar a explicar as verdadeiras natureza e finalidade da operação ao observador externo que avalia a operação como um todo. Isto está relacionado com o reconhecimento mais abrangente pelo Tribunal de Justiça do facto de que «a tomada em conta da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para [a] aplicação do sistema comum do IVA» ( 38 ).

81.

Em terceiro lugar, há fatores que, para o tipo específico de análise em questão, são simplesmente irrelevantes. É o caso do estatuto legal do comprador, como afirmaram igualmente o Governo letão e a Comissão.

82.

Por último, é claro que todos os fatores objetivos relevantes devem ser considerados e analisados no seu todo. Não devem ser considerados isoladamente uns dos outros. Assim, por exemplo, o facto de artigos que contenham metais preciosos ou pedras preciosas e que são vendidos a peso, mas mantêm a sua funcionalidade ( 39 ), poderem, em determinadas circunstâncias, continuar a ser considerados bens em segunda mão torna claro que o facto de se vender bens a peso não faz desaparecer, necessariamente e por si só, a relevância da funcionalidade desses bens. O mesmo se aplica ao método de avaliação: enquanto avaliar os bens com base no valor do material pode ser uma indicação de que os bens em causa são comercializados sem ter em consideração a sua função individual, é provável que tomar em conta o valor do material faça também parte da definição do preço de um anel de ouro. Por essa razão, e à semelhança do que observou a Comissão, considero que as circunstâncias objetivas relevantes da operação devem ser consideradas no seu todo e no âmbito da sua interação mútua.

V. Conclusão

83.

Tendo em conta o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Augstākā tiesa (Supremo Tribunal, Letónia) da seguinte forma:

O artigo 311.o, n.o 1, ponto 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «bens em segunda mão» não abrange bens usados adquiridos por um comerciante que contenham metais preciosos ou pedras preciosas, como os do processo principal, que sejam revendidos principalmente para a extração desses metais preciosos ou dessas pedras preciosas, se decorrer das circunstâncias objetivas da operação que esses bens são revendidos sem ter em consideração a funcionalidade dos bens em causa.

A questão de saber se é esse o caso deve ser apreciada com base nas circunstâncias objetivas da operação, consideradas no seu todo. Os elementos a ter em conta incluem: a apresentação dos bens para efeitos da sua revenda, os métodos de avaliação de tais bens, as quantidades de bens vendidos em conjunto e o facto de o comprador estar envolvido numa determinada negócio, como a transformação de metais preciosos ou pedras preciosas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

( 3 ) V. subsecção 1 da secção 2 do capítulo 4 da Diretiva IVA («Regime da margem de lucro»). O artigo 313.o, n.o 1, dispõe que «[o]s Estados‑Membros aplicam às entregas de bens em segunda mão, de objetos de arte e de coleção ou de antiguidades, efetuadas por sujeitos passivos revendedores, um regime especial de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, em conformidade com o disposto na presente subsecção». De acordo com o artigo 315.o, «[o] valor tributável das entregas de [inter alia, bens em segunda mão] é constituído pela margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor, deduzido o montante do IVA correspondente à própria margem de lucro. A margem de lucro do sujeito passivo revendedor é igual à diferença entre o preço de venda solicitado pelo sujeito passivo revendedor para os bens e o seu preço de compra».

( 4 ) No que respeita à interpretação do artigo 314.o da Diretiva IVA, v. Acórdão de 18 de maio de 2017, Litdana (C‑624/15, EU:C:2017:389, n.o 23 e jurisprudência referida).

( 5 ) Acórdão de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans (C‑280/04, EU:C:2005:753, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 6 ) V., num contexto diferente, Acórdão de 15 de janeiro de 2002, Libéros/Comissão (C‑171/00 P, EU:C:2002:17, n.o 27). V., também, Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Zoological Society (C‑267/00, EU:C:2001:698, n.o 19).

( 7 ) Este duplo objetivo foi recordado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 3 de março de 2011, Auto Nikolovi (C‑203/10, EU:C:2011:118, n.os 47 e 48).

( 8 ) Acórdão de 1 de abril de 2004, Stenholmen (C‑320/02, EU:C:2004:213, n.o 27).

( 9 ) V. neste sentido, por exemplo, Acórdão de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans (C‑280/04, EU:C:2005:753, n.os 38 a 41).

( 10 ) Acórdão de 18 de maio de 2017, Litdana (C‑624/15, EU:C:2017:389, n.o 26 e jurisprudência referida). V., também neste sentido, Acórdão de 1 de abril de 2004, Stenholmen (C‑320/02, EU:C:2004:213, n.o 25).

( 11 ) V. Acórdão de 5 de dezembro de 1989, ORO Amsterdam Beheer e Concerto (C‑165/88, EU:C:1989:608, n.o 16). V., por analogia, Acórdão de 27 de junho de 1989, Kühne/Finanzamt München III (C‑50/88, EU:C:1989:262, n.os 9 a 10). V., também, n.o 1.2 do Parecer do Comité Económico e Social, de 21 de junho de 1989, sobre a proposta de diretiva do Conselho que completa o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado e altera os artigos 32.o e 28.o da Diretiva 77/388/CEE — regime comum aplicável aos bens em segunda mão, objetos de arte, antiguidades e objetos de coleção (JO 1989, C 201, p. 6).

( 12 ) V. Proposta de Sétima Diretiva do Conselho relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ regime comum de imposto sobre o valor acrescentado aplicável no domínio dos objetos de arte, de coleção, antiguidades e bens em segunda mão (JO 1978, C 26, p. 2).

( 13 ) Acórdão de 18 de janeiro de 2017 (C‑471/15, EU:C:2017:20, n.os 32 a 33). O sublinhado é meu.

( 14 ) Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Sjelle Autogenbrug (C‑471/15, EU:C:2017:20, n.o 31).

( 15 ) N.o 7, supra, das presentes conclusões.

( 16 ) V. partes A, B e C do anexo IX da Diretiva IVA.

( 17 ) Proposta de Sétima Diretiva do Conselho de 11 de janeiro de 1978 relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios ‑ regime comum de imposto sobre o valor acrescentado aplicável no domínio dos objetos de arte, de coleção, antiguidades e bens em segunda mão (JO 1978, C 26, p. 2). Esta proposta foi objeto de alterações posteriores, mas essas alterações não são relevantes no presente contexto (JO 1979, C 136, p. 8).

( 18 ) V. artigo 3.o da proposta referida supra, na nota 17 (JO 1978, C 26, p. 2).

( 19 ) O sublinhado é meu.

( 20 ) V. artigo 2.o, n.o 4, da proposta referida supra, na nota 17.

( 21 ) Proposta de Diretiva do Conselho que completa o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado e altera os artigos 32.o e 28.o da Diretiva 77/388/CEE — [R]egime [especial] aplicável aos bens em segunda mão, objetos de arte, antiguidades e objetos de coleção, COM (88) 846 final (JO 1989, C 76, p. 10).

( 22 ) Diretiva 94/5/CE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1994 que completa o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e altera a Diretiva 77/388/CEE ‑ Regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objetos de arte e de coleção e às antiguidades (JO 1994, L 60, p. 16).

( 23 ) V. artigo 1.o da Proposta de Diretiva do Conselho que completa o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado e altera os artigos 32.o e 28.o da Diretiva 77/388/CEE — [R]egime [especial] aplicável aos bens em segunda mão, objetos de arte, antiguidades e objetos de coleção, COM (88) 846 final (JO 1989, C 76, p. 10).

( 24 ) N.o 3.1 do Parecer sobre a proposta de diretiva do Conselho que completa o sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado e altera os artigos 32.o e 28.o da Diretiva 77/388/CEE — [R]egime [especial] aplicável aos bens em segunda mão, objetos de arte, antiguidades e objetos de coleção (JO 1989, C 201, p. 6).

( 25 )

( 26 ) V., por analogia, no que respeita ao ouro para investimento, Acórdão de 26 de maio de 2016, Envirotec Denmark (C‑550/14, EU:C:2016:354, n.o 41).

( 27 ) Sob reserva, é claro, da legislação nacional relevante.

( 28 ) V. artigo 346.o da Diretiva IVA. O artigo 344.o da Diretiva IVA define «ouro para investimento».

( 29 ) Proposta de diretiva do Conselho que completa o sistema do imposto sobre o valor acrescentado e altera a Diretiva 77/388/CEE — regime especial aplicável ao ouro [COM (92) 441 final, pp. 6 e 7]. Esta proposta conduziu à Diretiva 98/80/CE do Conselho de 12 de outubro de 1998 que completa o sistema geral de imposto sobre o valor acrescentado e altera a Diretiva 77/388/CEE ‑ Regime especial aplicável ao ouro para investimento (JO 1998, L 281, p. 31).

( 30 ) Considerando 53 da Diretiva IVA.

( 31 ) Como é reconhecido no considerando 27 da Diretiva IVA. V., também, artigo 82.o da Diretiva IVA. V. ainda considerando 4 da Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 77/388/CEE no que se refere a certas medidas destinadas a simplificar o procedimento de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a lutar contra a fraude e a evasão fiscais e que revoga certas decisões que concedem derrogações [COM(2005) 89 final].

( 32 ) No que respeita aos vários conceitos da Diretiva IVA (ou das suas antecessoras) cuja definição é deixada aos Estados‑Membros, v., por exemplo, Acórdãos de 26 de maio de 2005, Kingscrest Associates and Montecello (C‑498/03, EU:C:2005:322, n.os 51 a 54); de 27 de abril de 2006, Solleveld (C‑443/04, EU:C:2006:257, n.os 27 a 36); de 28 de junho de 2007, JP Morgan Fleming Claverhouse Investment Trust e The Association of Investment Trust Companies (C‑363/05, EU:C:2007:391, n.os 41 a 49); de 15 de novembro de 2012, Zimmermann (C‑174/11, EU:C:2012:716, n.os 31 a 33); de 28 de novembro de 2013, MDDP (C‑319/12, EU:C:2013:778, n.os 37 e 38); e de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C‑464/12, EU:C:2014:139, n.o 42).

( 33 ) V., neste sentido, Acórdãos de 27 de abril de 2006, Solleveld (C‑443/04, EU:C:2006:257, n.o 35); de 28 de junho de 2007, JP Morgan Fleming Claverhouse Investment Trust e The Association of Investment Trust Companies (C‑363/05, EU:C:2007:391, n.o 43); e de 13 de março de 2014, ATP PensionService (C‑464/12, EU:C:2014:139, n.o 42).

( 34 ) V., igualmente, Capaccioli, S., «VAT Taxation of Gold in the European Union», EC Tax Review 2014, pp. 85 a 101, na p. 100: «[o] regime da margem de lucro é aplicável à joalharia usada apenas se a operação tiver uma “margem” sobre os metais preciosos nela contidos, o que significa que existe valor acrescentado relativamente ao metal. Se a operação consistir em substância na reutilização ou recuperação do ouro, a joalharia usada é considerada ouro sob a forma de matéria‑prima».

( 35 ) N.os 44 a 46, supra, das presentes conclusões. Reconheço com certeza o potencial de fraude identificado pelo Comité Económico e Social na sua oposição à introdução de qualquer limiar claro a este respeito (n.o 45, supra). Pergunto‑me, no entanto, de que forma esse problema reconhecido está a ser efetivamente resolvido ao não haver nenhum limiar ao nível da União e deixar‑se o problema para os Estados‑Membros?

( 36 ) N.os 58 a 62, supra, das presentes conclusões.

( 37 ) V., por analogia, Acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling (C‑439/04 e C‑440/04, EU:C:2006:446, n.os 41 e 42, bem como jurisprudência referida). V., também, no que respeita ao conceito de «entregas de serviços», Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey (C‑653/11, EU:C:2013:409, n.o 41).

( 38 ) Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey (C‑653/11, EU:C:2013:409, n.o 42 e jurisprudência referida).

( 39 ) Exemplo referido no n.o 71, supra, das presentes conclusões.

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