Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62016TJ0585

    Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção) de 15 de setembro de 2017.
    Carina Skareby contra Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE).
    Função pública — Funcionários — Liberdade de expressão — Dever de lealdade — Grave lesão dos interesses legítimos da União — Recusa de autorização de publicação de um artigo — Convite à alteração do texto — Artigo 17.o‑A do Estatuto — Objeto do recurso — Decisão de indeferimento da reclamação administrativa.
    Processo T-585/16.

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2017:613

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

    15 de setembro de 2017 ( *1 )

    «Função pública — Funcionários — Liberdade de expressão — Dever de lealdade — Grave lesão dos interesses legítimos da União — Recusa de autorização de publicação de um artigo — Convite à alteração do texto — Artigo 17.o A do Estatuto — Objeto do recurso — Decisão de indeferimento da reclamação administrativa»

    No processo T‑585/16,

    Carina Skareby, funcionária do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), residente em Louvain (Bélgica), representada por S. Rodrigues e C. Bernard‑Glanz, advogados,

    recorrente,

    contra

    Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), representado por S. Marquardt, na qualidade de agente, assistido por M. Troncoso Ferrer, F.‑M. Hislaire e S. Moya Izquierdo, advogados,

    recorrido,

    que tem por objeto um pedido, baseado no artigo 270.o TFUE, destinado, por um lado, à anulação da decisão de 5 de junho de 2015 do SEAE que recusa a publicação de um artigo e convida à alteração de dois parágrafos do texto proposto e, por outro, «na medida do necessário», da decisão de 18 de novembro de 2015 do SEAE que indefere a reclamação apresentada contra a decisão inicial,

    O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

    composto por: M. Prek, presidente, F. Schalin e M. J. Costeira (relatora), juízes,

    secretário: P. Cullen, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 3 de maio de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    Antecedentes do litígio

    1

    A recorrente, Carina Skareby, é funcionária do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE).

    2

    Por correio eletrónico de 19 de maio de 2015, a recorrente, através dos seus conselheiros jurídicos, informou o SEAE, nos termos do artigo 17.o‑A do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), da sua intenção de publicar, na revista Politico, um artigo intitulado «Carta aberta ao cidadão Herman», que consistia numa carta aberta ao antigo presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, destinada a chamar a sua atenção para o problema do assédio nas instituições europeias (a seguir «texto controvertido»).

    3

    Por nota de 5 de junho de 2015, o agente que exercia as funções de chefe de divisão da Divisão «Direitos e obrigações» da Direção «Recursos humanos» da Direção‑Geral «Administração e finanças» do SEAE respondeu indicando que dois parágrafos do artigo apresentado para autorização estavam em contradição com o «dever de lealdade e de reserva» a que a recorrente estava obrigada para com a instituição enquanto funcionária da União Europeia, na medida em que a recorrente atribuía diretamente, e sem qualquer prova, à direção do SEAE um comportamento específico que violava o Estatuto. Por conseguinte, pediu à recorrente que elaborasse um texto revisto tendo em conta esses objetivos, na falta do qual a publicação não poderia ser autorizada (a seguir «decisão de recusa de publicação»).

    4

    Os parágrafos do texto controvertido em causa, o quinto e décimo oitavo parágrafos (a seguir, em conjunto, «parágrafos controvertidos»), eram formulados nos seguintes termos:

    «O modus operandi da hierarquia das instituições europeias parece ser, como pude testemunhar, convencer todos os indivíduos que têm opiniões sobre a forma como as instituições são geridas de que fariam melhor em mudar de trabalho, aposentar‑se antecipadamente ou aceitar uma aposentação por invalidez. Passe à frente. Esqueça. Eis como os superiores podem continuar a assediar certos subordinados e a favorecer outros: talvez não seja uma estratégia planificada — mas é, no entanto, sistemática.

    […]

    O SEAE deve dar o exemplo na aplicação interna dos direitos, da transparência organizacional e do Estado de direito — ou não seremos credíveis na cena internacional.»

    5

    Por correio eletrónico de 1 de julho de 2015, a recorrente pediu, através dos seus advogados, explicações sobre a decisão de recusa de publicação, nomeadamente para saber de que modo eram os parágrafos controvertidos, para além da alegada violação do dever de lealdade e reserva, suscetíveis de «lesar gravemente os legítimos interesses da União», na aceção do artigo 17.o‑A do Estatuto.

    6

    Por correio eletrónico de 24 de julho de 2015, o jurista principal da Divisão «Direitos e obrigações» respondeu o seguinte:

    «Na [decisão de recusa de publicação] não indicámos que a matéria [era] suscetível de “lesar gravemente os legítimos interesses da União”.»

    No entanto, é importante repetir que o SEAE não autoriza [a] publicação [do texto controvertido] tal como está porque a consideramos uma violação do dever de lealdade e de reserva.

    A publicação está sujeita a autorização por força do artigo 17.o, n.o 1, do Estatuto […]

    Recomendamos veementemente à vossa cliente que não proceda a uma publicação sem a nossa autorização.»

    7

    Por correio eletrónico de 4 de setembro de 2015, a recorrente, através dos seus advogados, apresentou uma reclamação contra a decisão de recusa de publicação, em conformidade com o artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto. Nessa reclamação afirmava, em substância, em primeiro lugar, que o SEAE tinha violado o artigo 17.o‑A do Estatuto, uma vez que não tinha demonstrado que a publicação do texto controvertido era suscetível de «lesar gravemente os legítimos interesses da União» e, em segundo lugar, que tinha, por conseguinte, violado o direito à liberdade de expressão, garantido à recorrente pelo artigo 10.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e pelo artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    8

    Por decisão de 18 de dezembro de 2015, a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») do SEAE indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

    9

    A decisão de indeferimento da reclamação indica, em substância, que o artigo 17.o‑A do Estatuto exprime a ideia da necessidade permanente de um justo equilíbrio entre a garantia do exercício da liberdade de expressão dos funcionários da União e a proteção de um objetivo legítimo de interesse geral, nomeadamente a proteção dos interesses legítimos da União. A este respeito, a decisão de indeferimento da reclamação precisa, antes de mais, que o objeto do texto controvertido está ligado à atividade da União, em seguida, que o texto controvertido é suscetível de violar o «dever de lealdade e de reserva» e, por último, que essa violação constitui, em si, um risco real de prejuízo grave para os interesses da União, na aceção do artigo 17.o‑A do Estatuto. A decisão de indeferimento da reclamação salienta que a publicação do texto controvertido lesaria gravemente os legítimos interesses da União, na medida em que, por um lado, o texto controvertido não oferece qualquer prova para apoiar as alegações relativas ao assédio dos funcionários e, por outro, os parágrafos controvertidos não podem ser entendidos como uma opinião divergente da defendida pelo SEAE, antes sugerindo que há um problema não resolvido de assédio generalizado nas instituições da União, que, do ponto de vista do leitor médio, poderia ser entendido como significando que as instituições não implementaram uma política adequada para lutar contra o assédio. Além disso, a decisão de indeferimento da reclamação salienta que outros comentários poderiam ter sido formulados sobre numerosas partes do texto controvertido, mas que o SEAE apenas formulou comentários sobre dois parágrafos, o que demonstra que a decisão de indeferimento da reclamação é proporcionada e limitada ao estritamente necessário.

    Tramitação processual e pedidos das partes

    10

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 15 de março de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso. Este último foi registado sob o número F‑15/16.

    11

    A contestação do SEAE foi apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 10 de junho de 2016.

    12

    Em aplicação do artigo 3.o do Regulamento (UE, Euratom) 2016/1192 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 2016, relativo à transferência para o Tribunal Geral da União Europeia da competência para decidir, em primeira instância, dos litígios entre a União Europeia e os seus agentes (JO 2016, L 200, p. 137), o presente processo foi transferido para o Tribunal Geral no estado em que se encontrava à data de 31 de agosto de 2016. Foi registado com o número T‑585/16 e atribuído à Segunda Secção.

    13

    Tendo o encerramento da fase escrita do processo tido lugar antes da sua transferência para o Tribunal Geral, este último, por cartas do secretário de 9 de novembro de 2016, questionou as partes sobre a realização de uma audiência.

    14

    As partes foram ouvidas em alegações na audiência de 3 de maio de 2017.

    15

    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    declarar o seu recurso admissível;

    anular a decisão de recusa de publicação e, «na medida do necessário», a decisão de indeferimento da reclamação;

    condenar o SEAE nas despesas.

    16

    O SEAE conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    declarar o recurso improcedente;

    condenar a recorrente nas despesas.

    Questão de direito

    Observação liminar sobre o objeto do recurso

    17

    Importa salientar que a recorrente interpôs o presente recurso da decisão de recusa de publicação e, «na medida do necessário», da decisão de indeferimento da reclamação.

    18

    A este respeito, há que recordar que a reclamação administrativa e o seu indeferimento, expresso ou tácito, fazem parte integrante de um processo complexo e constituem apenas uma condição prévia do recurso judicial. Nestas condições, o recurso, ainda que formalmente interposto contra o indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do Tribunal o ato lesivo contra o qual foi apresentada a reclamação, salvo no caso de o indeferimento da reclamação ter um âmbito diferente do ato contra o qual ela foi apresentada. Uma decisão expressa de indeferimento de uma reclamação pode, atendendo ao seu conteúdo, não ter um caráter confirmativo do ato impugnado pelo recorrente. É o caso de uma decisão de indeferimento de uma reclamação na qual é feita uma reapreciação da situação do recorrente em função de novos elementos de direito e de facto ou de uma decisão que altera ou completa a decisão inicial. Nestes casos, o indeferimento da reclamação constitui um ato sujeito à fiscalização do juiz, que o toma em consideração na apreciação da legalidade do ato impugnado, ou que o considera mesmo um ato lesivo que se substitui a este último (v. acórdão de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.o 34 e jurisprudência referida).

    19

    Além disso, esta conceção é igualmente sustentada pela consideração segundo a qual o complemento da fundamentação, na fase da decisão de indeferimento da reclamação, é conforme com a finalidade do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, nos termos do qual a decisão sobre a própria reclamação deve ser fundamentada. Com efeito, esta disposição implica necessariamente que a autoridade que tem de se pronunciar sobre a reclamação não esteja vinculada apenas pela fundamentação, eventualmente insuficiente, ou mesmo inexistente no caso de uma decisão implícita de indeferimento, da decisão que é objeto da reclamação (v. acórdãos de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.o 35 e jurisprudência referida, e de 17 de janeiro de 2017, LP/Europol, T‑719/15 P, não publicado, EU:T:2017:7, n.o 19 e jurisprudência referida).

    20

    No caso em apreço, como resulta dos n.os 3, 8 e 9 supra, a decisão de indeferimento da reclamação não altera o sentido nem o alcance da decisão de recusa de publicação. Com efeito, a decisão de indeferimento da reclamação, por um lado, mantém a recusa de publicação do texto controvertido e, por outro, limita a exigência de alteração prévia do texto controvertido aos dois parágrafos que foram identificados na decisão de recusa de publicação.

    21

    Todavia, a fundamentação que consta da decisão de indeferimento da reclamação difere parcialmente da que consta da decisão de recusa de publicação. Com efeito, na decisão de recusa de publicação, a publicação do texto controvertido foi recusada no terreno da violação do «dever de lealdade e de reserva», uma vez que a recorrente atribuía diretamente, e sem qualquer prova, à direção do SEAE um comportamento específico que violaria o Estatuto. Ora, a decisão de indeferimento da reclamação baseia‑se, em substância, na existência de um risco real de prejuízo grave para os interesses da União, na aceção do artigo 17.o‑A do Estatuto. Mais precisamente considerou, em primeiro lugar, que o «dever de lealdade e de reserva» constituía, em si, um risco real de prejuízo grave para os seus interesses, em segundo, que o texto controvertido não oferecia qualquer prova para apoiar as alegações dele constantes e, em terceiro, que os parágrafos controvertidos negavam a existência de uma política destinada a lutar contra o assédio nas instituições da União.

    22

    Assim, há que reconhecer que a decisão de indeferimento da reclamação contém um complemento de fundamentação, que precisa e desenvolve a fundamentação que consta do ato contra o qual esta reclamação foi dirigida, no caso em apreço, a decisão de recusa de publicação.

    23

    Uma vez que esta fundamentação precisa e completa a fundamentação que consta da decisão de recusa de publicação, e tendo em conta o caráter evolutivo da fase pré‑contenciosa, há que ter em consideração a fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação para o exame da legalidade da decisão de recusa de publicação.

    Quanto ao mérito

    24

    Em apoio do seu pedido de anulação, a recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do direito à liberdade de expressão. O segundo fundamento é relativo a um erro de apreciação no que respeita à violação do «dever de lealdade e de reserva».

    25

    O Tribunal considera que é oportuno começar por examinar o segundo fundamento.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de apreciação no que respeita à violação do dever de lealdade

    26

    No âmbito do segundo fundamento, a recorrente invoca uma primeira acusação, segundo a qual a AIPN considerou erradamente que o primeiro, quarto a sétimo, décimo terceiro e décimo nono parágrafos do texto controvertido negam a existência de uma política do SEAE e da União destinada a lutar contra o assédio. Com efeito, a recorrente afirma que, nesses parágrafos, apenas expressou a ideia segundo a qual, por um lado, o assédio era um fenómeno largamente difundido e, por outro, que esta situação podia obstar à autoridade do SEAE e, subsequentemente, da União na cena mundial. Todavia, no texto controvertido, a recorrente não defende que o assédio «põe em perigo o bom funcionamento dos serviços» nem que «nenhum remédio está disponível». De qualquer forma, o texto controvertido não pode constituir uma «conduta atentatória da dignidade e do respeito devido à instituição» na aceção da jurisprudência aplicável.

    27

    No âmbito de uma segunda acusação, a recorrente salienta que a AIPN cometeu um erro «manifesto» de apreciação ao considerar que, no segundo e sexto parágrafos do texto controvertido, considerava o seu empregador um inimigo e nutria uma desconfiança de longa data em relação a ele. Com efeito, a recorrente afirma que, se os parágrafos em causa remetiam para uma «guerra», tratava‑se de uma «guerra nas instituições europeias» e não contra elas.

    28

    Com uma terceira acusação, a recorrente afirma que a AIPN considerou erradamente que resultava do terceiro e décimo quinto parágrafos do texto controvertido que «o assédio largamente difundido conduziu muitos funcionários a uma licença por doença prolongada ou a aposentarem‑se por invalidez». A este respeito, a recorrente defende que nunca avançou números relativamente às pessoas que se encontravam em licença por doença prolongada ou aposentadas por invalidez e que, por isso, não se pode deduzir do texto controvertido que eram muitas. Além disso, ainda que tenha expresso a opinião de que o assédio era um fenómeno largamente difundido e que muitos colegas se encontravam em licença por doença prolongada ou aposentados por invalidez, a AIPN cometeu um erro ao considerar que esta opinião traduzia uma conduta atentatória da dignidade e do respeito devido à instituição.

    29

    No âmbito de uma quarta acusação, a recorrente defende que a AIPN cometeu um erro de interpretação ao considerar que o décimo oitavo parágrafo do texto controvertido afirmava que o SEAE e a União «não dão o exemplo» com a sua política de tratamento dos processos de assédio nos seus serviços. Segundo a recorrente, o parágrafo em causa afirmava apenas que o SEAE devia ser exemplar, e não que não o era, sugerindo apenas que podia fazer mais.

    30

    Com uma quinta acusação, a recorrente afirma que os parágrafos controvertidos não continham qualquer insulto, nem exprimiam qualquer falta de respeito, agressividade ou outra forma de hostilidade, correspondendo apenas a uma manifestação da sua liberdade de expressão, que incluía o direito de exprimir opiniões discordantes ou minoritárias relativamente às defendidas pela instituição que a empregava, mesmo que essas opiniões pudessem ferir, chocar ou inquietar.

    31

    No âmbito de uma sexta acusação, a recorrente defende que a AIPN cometeu um erro «manifesto» de apreciação ao considerar que os parágrafos acima referidos eram contrários ao «dever de lealdade e de reserva» a que estava obrigada para com a instituição enquanto funcionária.

    32

    O SEAE contesta os argumentos da recorrente.

    33

    A título liminar, há que salientar que resulta dos n.os 3, 4, 8 e 9 supra que, por um lado, a decisão de recusa de publicação se limitou a indicar que dois parágrafos do texto controvertido, isto é, o quinto e décimo oitavo parágrafos, estavam em contradição com o «dever de lealdade e de reserva» a que a recorrente estava obrigada enquanto funcionária da União e, por outro, que esta limitação a dois parágrafos tinha sido mantida pela decisão de recusa da reclamação.

    34

    Assim, embora, na verdade, a decisão de indeferimento da reclamação contenha comentários sobre outros parágrafos do texto controvertido, esses comentários apenas podiam, todavia, ser considerados obiter dicta.

    35

    Daqui resulta que as acusações relativas aos parágrafos do texto controvertido que não sejam o quinto e décimo oitavo parágrafos são inoperantes, tendo em conta que não têm qualquer efeito útil sobre a legalidade da decisão de recusa de publicação.

    36

    Assim, há que decidir, por um lado, que a primeira acusação é parcialmente inoperante na medida em que respeita ao primeiro, quarto, sexto, sétimo, décimo terceiro e décimo nono parágrafos do texto controvertido e, por outro, que a segunda e terceira acusações são inoperantes na sua totalidade.

    37

    Desta forma, há que examinar unicamente a primeira e quarta a sexta acusações na medida em que se referem aos parágrafos controvertidos.

    38

    Com a primeira e quarta acusações, a recorrente afirma que a AIPN considerou erradamente que os parágrafos controvertidos, por um lado, negam a existência de uma política do SEAE e da União destinada a lutar contra o assédio e, por outro, enunciam que o SEAE e a União «não dão o exemplo» com a sua política de tratamento dos processos de assédio nos seus serviços.

    39

    A este respeito, importa recordar o texto dos parágrafos controvertidos:

    «O modus operandi da hierarquia das instituições europeias parece ser, como pude testemunhar, convencer todos os indivíduos que têm opiniões sobre a forma como as instituições são geridas de que fariam melhor em mudar de trabalho, aposentar‑se antecipadamente ou aceitar uma aposentação por invalidez. Passe à frente. Esqueça. Eis como os superiores podem continuar a assediar certos subordinados e a favorecer outros: talvez não seja uma estratégia planificada — mas é, no entanto, sistemática.

    […]

    O SEAE deve dar o exemplo na aplicação interna dos direitos, da transparência organizacional e do Estado de direito — ou não seremos credíveis na cena internacional.»

    40

    Há também que recordar que esses parágrafos controvertidos estão incluídos num texto que trata do problema do assédio nas instituições europeias. O quinto parágrafo do texto controvertido descreve, mais precisamente, um «modus operandi da hierarquia das instituições europeias» e acrescenta que os «superiores podem continuar a assediar certos subordinados e a favorecer outros» de forma «sistemática». Assim, neste contexto, esta afirmação, que recorre em particular às palavras «modus operandi» e «sistemática» significa que o assédio é um fenómeno generalizado por parte da hierarquia das instituições europeias.

    41

    Além disso, o décimo oitavo parágrafo do texto controvertido afirma que o SEAE «deve dar o exemplo na aplicação interna dos direitos, da transparência organizacional e do Estado de direito». Daqui resulta que o SEAE não é «um exemplo» na luta contra o assédio. Por outras palavras, esta instituição não dá «o exemplo» com a sua política de tratamento dos processos de assédio nos seus serviços.

    42

    Por outro lado, o décimo oitavo parágrafo do texto controvertido retoma a ideia, que resultava já do seu quinto parágrafo, de que não existe política efetiva de luta contra o assédio no SEAE e, por extensão, nas instituições da União.

    43

    Estas conclusões são, de resto, confirmadas pela própria recorrente na petição. Com efeito, admite, no n.o 44 da petição, que, no texto controvertido, «expressou a opinião de que o assédio [era] um fenómeno largamente difundido e a sua preocupação de que essa situação pudesse obstar à autoridade do SEAE e, subsequentemente, da União na cena mundial».

    44

    Daqui resulta que a AIPN não cometeu um erro de apreciação na sua interpretação dos parágrafos controvertidos.

    45

    Assim sendo, a primeira e quarta acusações devem ser afastadas por improcedentes.

    46

    Com a quinta acusação, a recorrente defende, em substância, que os parágrafos controvertidos não contêm qualquer insulto nem exprimem qualquer falta de respeito, agressividade ou outra forma de hostilidade, correspondendo apenas a uma manifestação da sua liberdade de expressão.

    47

    Todavia, como resulta dos n.os 3 e 9 supra, a decisão de recusa de publicação não foi adotada por o texto controvertido conter insultos ou exprimir uma qualquer falta de respeito, agressividade ou outra forma de hostilidade. Com efeito, a motivação da decisão de recusa de publicação explica que os parágrafos controvertidos estavam em contradição com o «dever de lealdade e de reserva» a que a recorrente estava obrigada para com a instituição enquanto funcionária da União.

    48

    Assim, na medida em que a AIPN não considerou que os parágrafos controvertidos continham insultos nem exprimiam uma qualquer falta de respeito, agressividade ou outra forma de hostilidade, há que afastar a quinta acusação por improcedente.

    49

    Por último, com a sexta acusação, a recorrente afirma que a AIPN cometeu um erro «manifesto» de apreciação ao considerar que os parágrafos controvertidos violavam o «dever de lealdade e de reserva» a que estava obrigada para com a instituição enquanto funcionária da União.

    50

    A este respeito, importa recordar os princípios decorrentes das disposições que regulam a relação entre a União e os seus funcionários e agentes.

    51

    Assim, antes de mais, segundo o artigo 11.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, o funcionário deve desempenhar as suas funções e pautar a sua conduta tendo unicamente em vista os interesses da União. A mesma disposição obriga o funcionário a desempenhar as funções que lhe sejam confiadas de forma objetiva e imparcial e observando o seu dever de lealdade para com a União.

    52

    Em seguida, segundo o artigo 12.o do Estatuto, o funcionário deve abster‑se de quaisquer atos e comportamentos que possam lesar a dignidade do seu cargo.

    53

    Por outro lado, segundo o artigo 12.o‑B, n.o 1, o funcionário é obrigado a pedir previamente a autorização da AIPN para exercer uma atividade externa, remunerada ou não.

    54

    Por último e sobretudo, segundo o artigo 17.o‑A, n.o 1, do Estatuto, o funcionário tem direito à liberdade de expressão, na observância dos seus «deveres de lealdade e imparcialidade». Este artigo constitui, como os artigos 11.o, 12.o e 12.o‑B, uma das expressões específicas do dever de lealdade que se impõe a todos os funcionários. Por força deste dever, o funcionário deve nomeadamente abster‑se de condutas atentatórias da dignidade e do respeito devido à instituição e às suas autoridades (v., quanto ao dever de lealdade no âmbito do artigo 17.o‑A do Estatuto, acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC, F‑80/11, EU:F:2013:159, n.o 61 e jurisprudência referida).

    55

    Além disso, importa salientar que resulta da jurisprudência que um funcionário não pode, oralmente ou por escrito, ou por atos de qualquer outra natureza, faltar aos seus deveres estatutários, resultantes designadamente dos artigos 11.o, 12.o, 12.o‑B e 17.o‑A do Estatuto, perante a União, que deve servir, quebrando assim a relação de confiança que o liga à mesma e tornando a seguir mais difícil, ou mesmo impossível, o cumprimento, em colaboração com esse funcionário, das funções confiadas à União (acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 47).

    56

    Por outro lado, há também que precisar que resulta nomeadamente das referências do artigo 11.o, primeiro parágrafo, do Estatuto às «suas funções» e à «sua conduta», do artigo 12.o do Estatuto a «quaisquer atos» e do artigo 12.o‑B a «uma atividade externa» que a preservação da relação de confiança impõe‑se não apenas na execução de tarefas específicas confiadas ao funcionário mas também a todo o conjunto das relações existentes entre o funcionário e a União (acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC, F‑80/11, EU:F:2013:159, n.o 65; v., também, neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 1991, Williams/Tribunal de Contas, T‑146/89, EU:T:1991:61, n.o 72).

    57

    A título liminar, importa observar que a decisão de recusa de publicação conclui que os parágrafos controvertidos estavam em contradição com o «dever de lealdade e de reserva». Todavia, resulta claramente desta decisão que ela versa, na realidade, sobre uma violação do dever de lealdade e que o dever de reserva só é mencionado, sem ter qualquer influência no caso em apreço. Assim, é à luz apenas do dever de lealdade que há que analisar o erro de apreciação invocado pela recorrente.

    58

    No caso em apreço, há que constatar que os parágrafos controvertidos contêm afirmações depreciativas, que lesam a honra de todas as pessoas que ocupam uma posição hierárquica nas instituições europeias. Contrariamente ao que alega a recorrente, as afirmações segundo as quais, por um lado, existe um «modus operandi das instituições europeias» ou uma «prática sistemática» que permite aos superiores «continuar a assediar certos subordinados e a favorecer outros» e, por outro, o SEAE não cumpre o seu dever de «dar o exemplo na aplicação interna dos direitos, da transparência organizacional e do Estado de direito» não podem ser qualificadas de simples opiniões discordantes ou minoritárias. Estas formulações devem ser consideradas suscetíveis, em si, de lesar a dignidade de todas as pessoas que ocupam uma posição hierárquica nas instituições europeias e, subsequentemente, das próprias instituições.

    59

    Com efeito, como afirma o SEAE, o assédio constitui uma prática ilegal, que pode pôr em perigo o funcionamento da instituição, sobretudo se é generalizada, como o texto controvertido afirma. Ora, afirmações que sugerem, por um lado, um comportamento gravemente repreensível por parte da hierarquia das instituições europeias, como o assédio, e, por outro, a falta de medidas adequadas das instituições para o remediar são suscetíveis de afetar a imagem, a dignidade e o respeito devido, em geral, a todas as pessoas que ocupam uma posição hierárquica nas instituições e, por conseguinte, às próprias instituições e, em particular, ao SEAE. Estas afirmações constituem, portanto, uma violação do dever de lealdade.

    60

    Daqui resulta que a AIPN considerou corretamente que as afirmações resultantes dos parágrafos controvertidos eram contrárias ao dever de lealdade que incumbia à recorrente enquanto funcionária.

    61

    Assim, esta última acusação não pode ser acolhida.

    62

    Em face do exposto, o segundo fundamento deve ser julgado totalmente improcedente, em parte por inoperante e em parte por infundado.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito à liberdade de expressão

    63

    No âmbito do seu primeiro fundamento, a recorrente afirma essencialmente que, ao não demonstrar que o texto controvertido era suscetível de causar um grave prejuízo aos interesses legítimos da União e ao recusar‑lhe a autorização de publicar o texto controvertido, a AIPN violou o artigo 17.o‑A do Estatuto e, consequentemente, a liberdade de expressão de que beneficiava nos termos do artigo 10.o da CEDH e do artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

    64

    A este respeito, a recorrente divide o presente fundamento em três partes. A primeira pretende contestar que a violação do «dever de lealdade e de reserva» consiste num risco real de prejuízo grave para os interesses legítimos da União, a segunda visa pôr em causa a exigência de acordo com a qual um funcionário que deseja publicar um artigo de imprensa deve dispor de provas que apoiem as suas declarações e a terceira visa contestar o argumento segundo o qual os parágrafos controvertidos negam a existência de uma política destinada a lutar contra o assédio nas instituições da União.

    – Quanto à primeira parte, destinada a contestar que a violação do dever de lealdade constitui um risco real de prejuízo grave para os interesses legítimos da União

    65

    Em primeiro lugar, a recorrente afirma que o acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC (F‑80/11, EU:F:2013:159), no qual a AIPN se baseou para defender que a violação do «dever de lealdade e de reserva» constituía em si um risco de prejuízo grave para o interesse público geral, não é transponível para o caso em apreço. Com efeito, segundo a recorrente, os factos que deram origem à prolação desse acórdão não são comparáveis aos que estão em causa no presente processo, na medida em que esse acórdão não foi adotado no contexto de um pedido de publicação, mas no âmbito do termo de um contrato de admissão.

    66

    O SEAE contesta o primeiro argumento da recorrente.

    67

    A este propósito, há que observar que a decisão de indeferimento da reclamação faz referência aos n.os 62 e 64 do acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC (F‑80/11, EU:F:2013:159), para apoiar a conclusão segundo a qual «a violação do dever de lealdade e de reserva constituía em si um risco de prejuízo grave para o interesse público geral».

    68

    Todavia, a referência ao acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC (F‑80/11, EU:F:2013:159), não constitui o fundamento específico da decisão de indeferimento da reclamação. Com efeito, a decisão de indeferimento da reclamação é motivada pela conclusão segundo a qual «a violação do dever de lealdade e de reserva constituía em si um risco de prejuízo grave para o interesse público geral» e não pela citação, por si só, do acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC (F‑80/11, EU:F:2013:159).

    69

    Por conseguinte, a legalidade da decisão de indeferimento da reclamação não pode ser posta em causa por um eventual erro relativo às referências jurisprudenciais utilizadas para apoiar a mesma decisão.

    70

    Assim, há que considerar inoperante esse primeiro argumento.

    71

    Em segundo lugar, a recorrente afirma, em substância, que a AIPN remete para um risco de prejuízo grave para «o interesse público geral», enquanto o artigo 17.o‑A do Estatuto refere apenas um risco de prejuízo para os «legítimos interesses da União». Ora, estes dois conceitos não se confundem e não são intercambiáveis.

    72

    O SEAE contesta o segundo argumento da recorrente.

    73

    A este respeito, basta observar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a decisão de indeferimento da reclamação não confunde de modo nenhum os dois conceitos de «interesse público geral» e de «legítimos interesses da União». Como resulta da passagem reproduzida infra, a decisão de indeferimento da reclamação indica unicamente que a proteção dos «interesses da União» constitui, entre outros, um objetivo de «interesse geral»:

    «Como o Tribunal de Justiça o qualificou, o artigo 17.o‑A do Estatuto exprime a ideia da necessidade permanente de um justo equilíbrio entre a garantia do exercício de um direito fundamental, como a liberdade de expressão, e a proteção de um objetivo legítimo de interesse geral, como o risco de lesão dos interesses da União resultante da publicação do texto (acórdãos de 13 de dezembro de 2001, Comissão/Cwik, C‑340/00 P, EU:C:2001:701, n.o 19, e de 14 de julho de 2000, Cwik/Comissão, T‑82/99, EU:T:2000:193, n.o 52).»

    74

    Por essa razão, este segundo argumento deve ser rejeitado.

    75

    Em terceiro lugar, a recorrente afirma que a jurisprudência não permite ilidir a presunção invocada pela AIPN, segundo a qual a violação do «dever de lealdade e de reserva» constitui em si um risco de prejuízo grave para os legítimos interesses da União. Segundo a recorrente, mesmo admitindo, por hipótese, que essa violação resultaria do texto controvertido, tal não permitiria que se deduzisse ipso facto que a publicação do texto controvertido constituía um risco real de prejuízo grave para os interesses da União.

    76

    O SEAE contesta o terceiro argumento da recorrente.

    77

    A este propósito há que recordar que, segundo jurisprudência assente, os funcionários e agentes da União gozam do direito à liberdade de expressão, incluindo em áreas cobertas pela atividade das instituições da União. Esta liberdade abrange a de exprimir, oralmente ou por escrito, opiniões discordantes ou minoritárias em relação às defendidas pela instituição em que trabalham (v. acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99, EU:C:2001:127, n.o 43 e jurisprudência referida).

    78

    No entanto, segundo jurisprudência igualmente constante, a liberdade de expressão é suscetível de ser objeto das limitações enunciadas no artigo 10.o, n.o 2, da CEDH, nos termos do qual o exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática (v. acórdão de 13 de dezembro de 2012, Strack/Comissão, T‑199/11 P, EU:T:2012:691, n.o 137 e jurisprudência referida).

    79

    Em particular, é legítimo submeter os funcionários, devido ao seu estatuto, a deveres como os constantes dos artigos 11.o, 12.o e 17.o‑A do Estatuto. Estes deveres, que constituem, na verdade, restrições ao exercício da liberdade de expressão, destinam‑se a preservar a relação de confiança que deve existir entre a instituição e os seus funcionários e podem encontrar a sua justificação no objetivo legítimo de proteger os direitos de outrem na aceção do artigo 10.o, n.o 2, da CEDH (acórdãos de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 44, e de 13 de dezembro de 2012, Strack/Comissão, T‑199/11 P, EU:T:2012:691, n.o 138).

    80

    De resto, importa observar que resulta do artigo 17.o‑A, n.o 2, do Estatuto que o funcionário que, individualmente ou em colaboração, tencione publicar ou mandar publicar qualquer texto relacionado com a atividade da União não o deve fazer sem autorização da AIPN. Entretanto, esta autorização só pode ser recusada se a publicação considerada for suscetível de «lesar gravemente os legítimos interesses da União».

    81

    A este título, a jurisprudência precisa que o artigo 17.o‑A, n.o 2, do Estatuto estabelece o princípio da concessão da autorização, que só excecionalmente pode ser recusada. Com efeito, dado que a referida disposição permite às instituições recusar a autorização de publicação, prevendo assim a possibilidade de uma ingerência séria na liberdade de expressão, que constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, a mesma deve ser interpretada restritivamente, de modo a que a autorização apenas possa ser recusada se a publicação em questão for suscetível de causar um grave prejuízo aos interesses da União (v. acórdão de 13 de dezembro de 2001, Comissão/Cwik, C‑340/00 P, EU:C:2001:701, n.os 17, 18 e jurisprudência referida).

    82

    Este regime reflete a relação de confiança que deve existir entre o empregador e os seus agentes e a sua aplicação só pode ser apreciada à luz do conjunto das circunstâncias do caso em apreço e das suas implicações no exercício da função pública (acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 56).

    83

    Daqui resulta que, ao exercer o seu controlo, o juiz da União deve verificar, tendo presentes todas as circunstâncias do caso, se foi respeitado um justo equilíbrio entre o direito fundamental do indivíduo à liberdade de expressão e o interesse legítimo da instituição em velar por que os seus funcionários e agentes trabalhem com observância dos deveres e responsabilidades ligados à sua função (acórdão de 6 de março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, EU:C:2001:127, n.o 48).

    84

    No caso em apreço, há que recordar que, como foi já concluído nos n.os 50 a 60 supra, a AIPN não cometeu um erro de apreciação ao considerar que os parágrafos controvertidos estavam em contradição com o dever de lealdade que incumbia à recorrente enquanto funcionária.

    85

    Com efeito, como foi demonstrado nos n.os 39 a 43 supra, resulta dos parágrafos controvertidos, por um lado, que existe um fenómeno generalizado de assédio por parte das pessoas que ocupam uma posição hierárquica em instituições europeias e, por outro, que essas instituições não têm uma política efetiva para remediar esse grave problema.

    86

    Nestas circunstâncias, como foi demonstrado nos n.os 58 a 60 supra, a publicação por um funcionário de um texto que contém parágrafos como os parágrafos controvertidos constitui uma violação do dever de lealdade do funcionário em causa na medida em que esta publicação for suscetível de afetar de forma seriamente negativa a imagem e a dignidade das pessoas que ocupam uma posição na hierarquia das instituições da União, das instituições, em geral, e do SEAE, em particular.

    87

    A este propósito, há que recordar que, segundo o artigo 17.o‑A, n.o 1, do Estatuto, o funcionário tem direito à liberdade de expressão, na observância, nomeadamente, do seu dever de lealdade (v. n.o 54 supra).

    88

    Por outro lado, a proteção das instituições europeias contra afirmações que podem afetar, de forma grave e seriamente negativa, a sua imagem constitui, em si, um objetivo de interesse geral e, mais precisamente, um interesse legítimo da União.

    89

    Assim, uma vez que os parágrafos controvertidos são suscetíveis de afetar seriamente a imagem e a dignidade das instituições europeias, a publicação do texto controvertido é suscetível de lesar gravemente os legítimos interesses da União.

    90

    De qualquer modo, importa salientar que o justo equilíbrio entre a garantia do direito à liberdade de expressão e a proteção dos interesses legítimos da União foi respeitado no caso em apreço. Com efeito, a restrição à liberdade de expressão constituída pela decisão de recusa de publicação limitava‑se a dois parágrafos em vinte e quatro que o texto controvertido continha, o que deixava ampla margem à recorrente para apresentar um texto revisto.

    91

    Daqui resulta que a AIPN concluiu corretamente que a publicação de um texto contendo parágrafos como os parágrafos controvertidos era suscetível de lesar gravemente os legítimos interesses da União, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, do Estatuto.

    92

    Assim, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada parcialmente inoperante e parcialmente improcedente.

    – Quanto à segunda parte, destinada a contestar a exigência segundo a qual um funcionário que deseje publicar um artigo deve dispor de prova que apoie as suas declarações

    93

    A recorrente defende, em substância, em primeiro lugar, que a exigência da AIPN de acordo com a qual um funcionário que deseje fazer uma publicação deve possuir provas para apoiar as suas declarações constitui uma restrição ao exercício da liberdade de expressão, em segundo lugar, que essa restrição não é prevista pela lei e, em terceiro lugar, que, ainda que tal disposição existisse, a exigência não seria proporcionada.

    94

    O SEAE contesta os argumentos da recorrente.

    95

    A este respeito, importa salientar, antes de mais, que as afirmações contidas nos parágrafos controvertidos, relativas a um alegado fenómeno de assédio generalizado por parte da hierarquia das instituições europeias e a alegada inexistência de política para o remediar, são enunciadas de forma vaga e geral, sem precisar nenhum elemento concreto para as apoiar. Em seguida, há que observar o caráter grave dessas afirmações, uma vez que sugerem a existência de comportamentos alegadamente generalizados e gravemente repreensíveis, mesmo ilegais, por parte das pessoas que ocupam uma posição hierárquica nas instituições. Por último, cumpre salientar que essas afirmações eram suscetíveis de afetar negativamente a imagem e a dignidade das próprias instituições e, por conseguinte, de lesar gravemente os legítimos interesses da União.

    96

    No caso em apreço, contrariamente ao que alega a recorrente, não se trata de exigir que o funcionário que deseje fazer uma publicação possua «provas para apoiar as suas declarações». Em contrapartida, trata‑se de exigir que as afirmações suscetíveis de atribuir comportamentos gravemente repreensíveis, mesmo ilegais, a um conjunto indeterminado de pessoas na hierarquia das instituições sejam fundamentadas e precisadas.

    97

    Por conseguinte, esta segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

    – Quanto à terceira parte, destinada a contestar o argumento segundo o qual os parágrafos controvertidos negam a existência de uma política destinada a lutar contra o assédio nas instituições da União

    98

    A recorrente afirma que o argumento aduzido pela AIPN segundo o qual os parágrafos controvertidos negam a existência de uma política destinada a lutar contra o assédio nas instituições da União não é apoiado por fundamentos factuais. Salienta que o texto controvertido respeita ao problema do assédio nas instituições da União, que considera estar muito difundido, mas que nunca afirmou que não existia política para tratar esse problema. De qualquer modo, a eventual negação da existência de uma política para lutar contra o assédio deve ser entendida unicamente como uma opinião discordante ou minoritária, em relação à defendida pela instituição, e, assim, insuscetível de constituir um risco real de prejuízo grave para os interesses legítimos da União.

    99

    O SEAE contesta o argumento da recorrente.

    100

    A este respeito, basta observar que, pelas razões já enunciadas nos n.os 58 e 59 supra, os parágrafos controvertidos não podem ser entendidos como simples opiniões divergentes ou minoritárias relativamente às da instituição, devendo ser consideradas suscetíveis, em si, de lesar a dignidade das instituições em causa.

    101

    Por conseguinte, esta terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

    102

    Tendo em conta as considerações expostas, há que concluir que, contrariamente ao que alega a recorrente, a AIPN, ao adotar a decisão de recusa de publicação, não violou o artigo 17.o‑A do Estatuto e subsequentemente a sua liberdade de expressão.

    103

    Assim sendo, importa considerar improcedente o primeiro fundamento, em parte por inoperante e em parte por infundado, e, consequentemente, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

    Quanto às despesas

    104

    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    105

    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos do pedido do SEAE.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    Carina Skareby é condenada nas despesas.

     

    Prek

    Schalin

    Costeira

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de setembro de 2017.

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    Top