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Document 62016CJ0642

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 17 de maio de 2018.
    Junek Europ-Vertrieb GmbH contra Lohmann & Rauscher International GmbH & Co. KG.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
    Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direito das marcas — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 13.o — Esgotamento do direito conferido pela marca — Importação paralela — Reacondicionamento do produto que ostenta a marca — Novo rótulo — Requisitos aplicáveis aos dispositivos médicos.
    Processo C-642/16.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:322

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    17 de maio de 2018 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direito das marcas — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 13.o — Esgotamento do direito conferido pela marca — Importação paralela — Reacondicionamento do produto que ostenta a marca — Novo rótulo — Requisitos aplicáveis aos dispositivos médicos»

    No processo C‑642/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), por decisão de 6 de outubro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2016, no processo

    Junek Europ‑Vertrieb GmbH

    contra

    Lohmann & Rauscher International GmbH & Co. KG,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits, A. Borg Barthet (relator), M. Berger, F. Biltgen, juízes,

    advogado‑geral: M. Bobek,

    secretário: K. Malacek, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 24 de janeiro de 2018,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Junek Europ‑Vertrieb GmbH, por J. Sachs e C. Sachs, Rechtsanwälte,

    em representação da Lohmann & Rauscher International GmbH & Co. KG, por C. Rohnke e M. Stütz, Rechtsanwälte,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e É. Gippini Fournier e T. Scharf, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da [União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Junek Europ‑Vertrieb GmbH, importador paralelo de produtos sanitários para utilização médica e de pensos médicos, à Lohmann & Rauscher International GmbH & Co. KG, fabricante de tais produtos, a respeito de pensos médicos fabricados por esta última que foram importados paralelamente e comercializados na Alemanha pela Junek Europ‑Vertrieb, depois de terem sido objeto de uma nova rotulagem.

    Quadro jurídico

    3

    O artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009, intitulado «Esgotamento do direito conferido pela marca [da União Europeia]», dispõe:

    «1.   O direito conferido pela marca [da União Europeia] não permite ao seu titular proibir a sua utilização para produtos comercializados na [União] sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

    2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    4

    A Lohmann & Rauscher International é titular da marca da União Europeia Debrisoft n.o 8852279, registada em 22 de junho de 2010, para «Produtos sanitários para uso médico», «esparadrapos» e «pensos médicos». Fabrica e comercializa, nomeadamente, o produto «Debrisoft para desbridação, STERILE, 10 x 10 cm, 5 unidades», que é um penso médico utilizado para o tratamento superficial de feridas.

    5

    A Junek Europ‑Vertrieb está estabelecida na Áustria e comercializa na Alemanha, através do canal das importações paralelas, produtos sanitários destinados a fins médicos e pensos médicos que são fabricados pela Lohmann & Rauscher International Alemanha e exportados para a Áustria.

    6

    Em 25 de maio de 2012, a Lohmann & Rauscher International comprou numa farmácia em Düsseldorf (Alemanha) uma caixa do produto «Debrisoft para desbridação, STERILE, 10 x 10 cm, 5 unidades» anteriormente importado da Áustria pela Junek Europ‑Vertrieb. Antes da venda na farmácia, esta sociedade tinha aposto nesta caixa um rótulo (a seguir «rótulo controvertido») que contém as seguintes informações, a saber, a empresa responsável pela importação, a sua morada e o seu número de telefone, um código de barras e um número farmacológico central. O rótulo foi aposto numa parte não impressa da caixa e não escondia a marca da Lohmann & Rauscher International.

    7

    A embalagem do produto foi alterada conforme a seguir se ilustra, encontrando‑se o rótulo controvertido em baixo à esquerda:

    Image

    8

    O rótulo controvertido, visto de mais perto, apresenta‑se da seguinte forma:

    Image

    9

    A Junek Europ‑Vertrieb não tinha informado previamente a Lohmann & Rauscher International da reimportação do produto em causa e também não tinha colocado à sua disposição uma embalagem do produto alterado com a aposição do rótulo controvertido. A Lohmann & Rauscher International considerou que o comportamento da Junek Europ‑Vertrieb constituía uma violação da marca Debrisoft de que é titular.

    10

    Por conseguinte, intentou no Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Dusseldorf, Alemanha) uma ação em que pediu, nomeadamente, que a Junek Europ‑Vertrieb seja proibida, sob pena de sanção pecuniária compulsória, de utilizar no comércio, sem a sua autorização, a referida marca para designar pensos médicos utilizados para desbridação e a condenação desta sociedade no sentido de retirar do mercado e de destruir os produtos em causa.

    11

    O Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Dusseldorf) julgou esta ação procedente.

    12

    Tendo a Junek Europ‑Vertrieb interposto recurso da decisão do Landgericht Düsseldorf (Tribunal Regional de Dusseldorf), o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Dusseldorf, Alemanha) negou provimento ao recurso sob reserva de a proibição de utilizar a marca em causa dizer unicamente respeito à Alemanha. A Junek Europ‑Vertrieb interpôs então recurso de «Revision» no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha).

    13

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a solução do litígio que lhe foi submetido depende da questão de saber se os princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no que respeita à importação paralela de medicamentos, segundo os quais a informação prévia e a disponibilização a favor do titular da marca de uma amostra da embalagem constituem o requisito para o esgotamento do direito conferido pela marca, também se aplicam à importação paralela de dispositivos médicos.

    14

    Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio expõe, por um lado, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é o reacondicionamento enquanto tal dos medicamentos que ostentam a marca que afeta o objetivo específico desta, que consiste em garantir a proveniência do produto que ostenta esta marca. Refere‑se, nomeadamente, aos Acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246), e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249), segundo os quais o Tribunal de Justiça declarou que um reacondicionamento de medicamentos efetuado por um terceiro sem autorização do titular é suscetível de criar riscos reais para esta garantia de proveniência e que uma nova rotulagem da embalagem também é abrangida pelo conceito de reacondicionamento.

    15

    Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a oposição do titular da marca à comercialização de medicamentos reacondicionados, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, a qual constitui uma derrogação à livre circulação de mercadorias, só pode, contudo, ser admitida se o exercício deste direito pelo titular constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 36.o TFUE (Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249). Daqui resulta que o titular da marca pode proibir a alteração que implica qualquer reacondicionamento de um medicamento que contenha a sua marca e que, pela sua própria natureza, cria o risco de que seja violado o estado original do medicamento, exceto se estiverem reunidos cinco requisitos, a saber:

    que seja provado que a utilização do direito de marca pelo titular desta para se opor à comercialização dos produtos reacondicionados sob esta marca contribui para compartimentar de forma artificial os mercados entre Estados‑Membros;

    que seja demonstrado que o reacondicionamento não pode afetar o estado originário do produto contido na embalagem;

    que se indique claramente na nova embalagem o autor do reacondicionamento do produto e o nome do fabricante deste;

    que a apresentação do produto reacondicionado não seja feita de tal forma que possa lesar a reputação da marca e a do seu titular; assim, a embalagem não deve ser defeituosa, de má qualidade ou não deve ter um aspeto não cuidado e,

    que o importador avise, antes da colocação à venda do produto reacondicionado, o titular da marca e lhe forneça, a seu pedido, uma amostra do produto reacondicionado.

    16

    Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a aplicação destes princípios não se limita aos casos de importações paralelas de medicamentos. Deste modo, no seu Acórdão de 11 de novembro de 1997, Loendersloot (C‑349/95, EU:C:1997:530), o Tribunal de Justiça declarou que os critérios relativos ao reacondicionamento dos medicamentos também podem, em princípio, aplicar‑se ao comércio paralelo das bebidas alcoólicas. Sublinha, por outro lado, que a questão de saber quais são os requisitos de esgotamento do direito conferido pela marca que se destinam a ser aplicados depende dos interesses legítimos do titular da marca que sejam pertinentes no caso concreto atendendo às particularidades do produto.

    17

    Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que há neste caso um novo rótulo. À semelhança do órgão jurisdicional que analisou o primeiro recurso interposto, considera que o rótulo controvertido aposto pela Junek Europ‑Vertrieb comporta informações importantes na língua do país de importação e que este rótulo é suscetível de fazer nascer junto do consumidor a suspeita de que o produto que lhe é proposto foi objeto, numa anterior fase da sua comercialização, de uma intervenção levada a cabo por um terceiro sem autorização do titular da marca, a qual afeta o produto no seu estado de origem.

    18

    Em quarto lugar, no que respeita à questão de saber se os princípios consagrados pelo Tribunal de Justiça para a importação paralela de medicamentos se podem aplicar sem restrições à importação paralela de dispositivos médicos, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, embora os dispositivos médicos não estejam, à semelhança dos medicamentos, sujeitos a processos de autorização, contudo, o processo de avaliação da conformidade necessário para que possam circular no mercado faz com que, tanto do ponto de vista do fabricante como do ponto de vista do consumidor, sejam produtos especialmente sensíveis em relação aos quais a garantia de proveniência assegurada pela marca reveste, devido à elevada responsabilidade do fabricante, uma especial importância.

    19

    Acrescenta que os dispositivos médicos, bem como os medicamentos, são produtos que apresentam uma relação direta com a saúde. Atendendo a que o consumidor atribui à sua própria saúde um valor e uma atenção especiais, não há que pôr em causa o postulado do órgão jurisdicional que conheceu do primeiro recurso segundo o qual os dispositivos médicos, à semelhança dos medicamentos, são produtos particularmente sensíveis para os quais a garantia de proveniência assegurada pela marca aposta no produto reveste, devido à elevada responsabilidade do produtor, uma especial importância.

    20

    Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Deve o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento […] n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o titular de um direito de marca se pode opor à comercialização de dispositivos médicos importados de outro Estado‑Membro [em] cuja embalagem interna e externa original o importador aplicou [um rótulo] extern[o] adicional, salvo se:

    se provar que o uso do direito de marca pelo titular para se opor à comercialização, sob essa marca, dos produtos reetiquetados contribui para estabelecer uma compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros;

    se demonstrar que a reetiquetagem não pode afetar o estado originário do produto contido na embalagem;

    se indicar claramente na nova embalagem quem reetiquetou o produto e quem é o fabricante do mesmo;

    a apresentação do produto reetiquetado não for tal que possa prejudicar a reputação da marca e a do seu titular, não podendo por isso a embalagem ser defeituosa, de má qualidade ou descuidada, e

    o importador, antes da colocação à venda do produto reetiquetado, informar o titular da marca e lhe fornecer, a seu pedido, uma amostra desse produto?»

    Quanto à questão prejudicial

    21

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o titular de uma marca se pode opor à comercialização posterior, por um importador paralelo, de um dispositivo médico na sua embalagem interior e exterior de origem quando um rótulo suplementar, como o que está em causa no processo principal, foi acrescentado pelo importador. Mais concretamente, pretende saber se os princípios consagrados pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o. (C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282), e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249), são aplicáveis sem restrições à importação paralela dos dispositivos médicos.

    22

    A título preliminar, há que recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça, bem como os princípios consagrados por esta no que respeita à importação paralela dos medicamentos.

    23

    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que a marca tem por objetivo específico assegurar a garantia de proveniência do produto que ostenta essa marca e que um reacondicionamento deste produto efetuado por um terceiro sem autorização do titular é suscetível de criar riscos reais para esta garantia de proveniência (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2016, Ferring Lægemidler, C‑297/15, EU:C:2016:857, n.o 14 e jurisprudência referida).

    24

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é o reacondicionamento, enquanto tal, dos produtos que ostentam a marca que afeta o objetivo específico desta, sem que seja necessário apreciar, neste contexto, quais são os efeitos concretos do reacondicionamento efetuado pelo importador paralelo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 15).

    25

    Além disso, há que salientar que o Tribunal de Justiça considerou, a respeito do artigo 7.o, n.o 2, da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), redigido em termos equivalentes aos do artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, que, ao abrigo desta disposição, a oposição do titular da marca ao reacondicionamento, na medida em que constitui uma derrogação à livre circulação de mercadorias, não pode proceder se o exercício deste direito por parte do titular constituir uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros na aceção da segunda frase do artigo 36.o TFUE (Acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o., C‑143/00, EU:C:2002:246, n.o 18, e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 16 e jurisprudência referida).

    26

    Constitui tal restrição dissimulada, na aceção desta última disposição, o exercício, por parte do titular de uma marca, do seu direito de se opor ao reacondicionamento se este exercício contribuir para compartimentar artificialmente os mercados entre os Estados‑Membros e se, além disso, o reacondicionamento for feito de modo a que os interesses legítimos do titular sejam respeitados, o que implica, designadamente, que o reacondicionamento não afete o estado originário do medicamento ou não seja suscetível de prejudicar a reputação da marca (Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 17 e jurisprudência referida).

    27

    O Tribunal de Justiça consagrou assim princípios relativos à limitação do esgotamento do direito conferido pela marca no âmbito da importação paralela de medicamentos (Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.o 79, e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 32).

    28

    Segundo esta jurisprudência, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, da Primeira Diretiva 89/104, o titular de uma marca pode opor‑se legitimamente à comercialização posterior de um produto farmacêutico importado de outro Estado‑Membro quando o importador tenha reacondicionado esse produto e nele tenha reaposto a marca, salvo se:

    se demonstrar que a utilização do direito de marca pelo titular desta para se opor à comercialização do produto reacondicionado com essa marca contribuiria para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros;

    se demonstrar que o reacondicionamento não pode afetar o estado originário do produto contido na embalagem;

    se indicar claramente na embalagem o autor do reacondicionamento do produto e o nome do fabricante deste;

    a apresentação do produto reacondicionado não for feita de modo a que possa lesar a reputação da marca e a do seu titular; desta forma, o rótulo não deve ser defeituoso, de má qualidade ou pouco cuidado; e

    o importador avisar, antes da colocação à venda do produto reacondicionado, o titular da marca e lhe fornecer, a seu pedido, uma amostra deste produto.

    29

    Desta forma, os cinco requisitos acima mencionados no número anterior, os quais, quando estiverem preenchidos, impedem o titular da marca de se opor legitimamente à comercialização posterior do produto em causa, só são aplicáveis quando o importador tiver reacondicionado esse produto.

    30

    No que respeita ao conceito de «reacondicionamento», o Tribunal de Justiça precisou que este inclui a nova rotulagem dos medicamentos que ostentem a marca (Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 28).

    31

    No entanto, importa sublinhar que os factos que deram origem aos Acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246), e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249), os quais diziam respeito à aposição de um rótulo adicional na embalagem dos medicamentos em causa, se distinguem dos factos que são objeto do processo principal.

    32

    Com efeito, resulta do n.o 7 do Acórdão de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246), bem como do n.o 24 do Acórdão de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249), que, nos processos que deram origem a estes acórdãos, nalguns casos, tinha sido aposto um rótulo que continha certas informações importantes, como o nome do importador paralelo e o seu número de autorização de importação paralela; noutros casos, o produto em causa tinha sido reacondicionado em caixas que tinham sido concebidas pelo importador paralelo e nas quais a marca tinha sido reproduzida e, ainda noutros casos, este produto tinha sido reacondicionado em caixas que tinham sido concebidas pelo importador paralelo e que não ostentavam a marca, mas sim o nome genérico do referido produto. O Tribunal de Justiça acrescentou que, em todos estes casos de reacondicionamento, as caixas continham uma bula destinada aos pacientes, que tinha sido redigida na língua do país de importação, a saber, a língua inglesa, e que ostentava a marca em causa.

    33

    Daqui resulta que, nos processos que deram origem aos referidos acórdãos, estava em causa uma intervenção do importador paralelo que implicava não apenas a aposição de um rótulo suplementar externo na embalagem dos medicamentos em causa ou o reacondicionamento dessa embalagem, mas também, em todos os casos, a abertura da embalagem de origem para nela inserir uma bula numa língua diferente da do país de origem do produto que ostentava a marca em causa.

    34

    Ora, no processo principal, há que constatar, por um lado, que o importador paralelo se limitou a apor um rótulo suplementar numa parte não impressa da embalagem de origem do dispositivo médico em causa, a qual, aliás, não foi aberta. Por outro, esta etiqueta tem uma dimensão pequena e comporta como únicas informações o nome do importador paralelo, bem como a sua morada e o seu número de telefone, um código de barras e um número farmacológico que serve para organizar a circulação dos produtos com as farmácias.

    35

    Na medida em que o acondicionamento do dispositivo médico em causa não foi alterado e em que a apresentação original da embalagem só foi afetada através da aposição de um rótulo de pequena dimensão que não esconde a marca e que designa o importador paralelo como responsável pela colocação no mercado com a indicação dos seus contactos, um código de barras e um número farmacológico, não se pode considerar que a aposição de tal rótulo constitui um reacondicionamento na aceção dos Acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, EU:C:2002:246), e de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o. (C‑348/04, EU:C:2007:249).

    36

    Por conseguinte, não se pode, seja como for, considerar que a aposição de tal rótulo afeta o objeto específico da marca, que consiste em garantir ao consumidor ou ao utilizador final a proveniência do produto que ostenta a marca.

    37

    Nestas condições, a aposição de um rótulo suplementar como o que está em causa no processo principal pelo importador paralelo, a saber, pela Junek Europ‑Vertrieb, na embalagem de origem do dispositivo médico, a qual não foi aberta, não constitui um motivo legítimo que justifique que o titular da marca, no presente caso, a Lohmann & Rauscher International, se oponha à comercialização posterior do dispositivo médico em causa.

    38

    Por conseguinte, a situação que está na origem do processo principal constitui uma situação de esgotamento do direito conferido pela marca nos termos do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009.

    39

    Atendendo às considerações que precedem, há que responder à questão que o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que o titular de uma marca não se pode opor à comercialização posterior, por um importador paralelo, de um dispositivo médico na sua embalagem interior e exterior de origem quando um rótulo suplementar, como o que está em causa no processo principal, tenha sido acrescentado pelo importador, o qual, devido ao seu conteúdo, à sua função, à sua dimensão, à sua apresentação e ao local em que foi colocado não apresenta riscos para a garantia da proveniência do dispositivo médico que ostenta a marca.

    Quanto às despesas

    40

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    O artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da [União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que o titular de uma marca não se pode opor à comercialização posterior, por um importador paralelo, de um dispositivo médico na sua embalagem interior e exterior de origem quando um rótulo suplementar, como o que está em causa no processo principal, tenha sido acrescentado pelo importador, o qual, devido ao seu conteúdo, à sua função, à sua dimensão, à sua apresentação e ao local em que foi colocado não apresenta riscos para a garantia da proveniência do dispositivo médico que ostenta a marca.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão

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