Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62016CJ0557

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 14 de março de 2018.
Processo instaurado por Astellas Pharma GmbH.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto-oikeus.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/83/CE — Medicamentos para uso humano — Artigos 28.o e 29.o — Procedimento descentralizado de autorização de introdução no mercado de um medicamento — Artigo 10.o — Medicamento genérico — Período de exclusividade dos dados do medicamento de referência — Poderes das autoridades competentes dos Estados‑Membros envolvidos para a determinação da data de início do período de exclusividade — Competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros envolvidos para controlar a determinação da data de início do período de exclusividade — Tutela jurisdicional efetiva — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o.
Processo C-557/16.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:181

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de março de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/83/CE — Medicamentos para uso humano — Artigos 28.o e 29.o — Procedimento descentralizado de autorização de introdução no mercado de um medicamento — Artigo 10.o — Medicamento genérico — Período de exclusividade dos dados do medicamento de referência — Poderes das autoridades competentes dos Estados‑Membros envolvidos para a determinação da data de início do período de exclusividade — Competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros envolvidos para controlar a determinação da data de início do período de exclusividade — Tutela jurisdicional efetiva — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o»

No processo C‑557/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por decisão de 31 de outubro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2016, no processo instaurado por

Astellas Pharma GmbH

sendo intervenientes:

Helm AG,

Lääkealan turvallisuus‑ ja kehittämiskeskuksen (Fimea),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de setembro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Astellas Pharma GmbH, por B. Sträter, Rechtsanwalt, M. I. Manley, solicitor, e M. Segercrantz, asianajaja,

em representação da Helm AG, por P. von Czettritz, Rechtsanwalt, e K. Nyblin, asianajaja,

em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e J. Van Holm, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por M. Browne, L. Williams, E. Creedon e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por S. Kingston, barrister,

em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por D. Robertson, J. Kraehling e G. Brown, na qualidade de agentes, assistidos por G. Peretz, barrister,

em representação do Reino da Noruega, por K. B. Moen, E. Sawkins Eikeland e I. S. Jansen, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Sipos e M. Huttunen, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de dezembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 28.o e 29.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67; retificações no JO 2009, L 87, p. 174, e no JO 2011, L 276, p. 63), conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 (JO 2012, L 299, p. 1) (a seguir «Diretiva 2001/83»), bem como do artigo 10.o dessa diretiva, conjugado com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado pela Astellas Pharma GmbH a respeito da decisão da Lääkealan turvallisuus‑ ja kehittämiskeskus (Agência Central para a Segurança e o Desenvolvimento de Medicamentos, Finlândia; a seguir «Fimea») que autoriza a introdução no mercado de um medicamento genérico denominado Alkybend, produzido pela Helm AG.

Quadro jurídico

3

O considerando 14 da Diretiva 2001/83 enuncia que a mesma constitui uma fase importante na realização do objetivo da livre circulação de medicamentos.

4

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva:

«Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de introdução no mercado, em conformidade com a presente diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 726/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1)], em conjugação com o Regulamento (CE) n.o 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativo a medicamentos para uso pediátrico [que altera o Regulamento (CEE) n.o 1768/92, as Diretivas 2001/20/CE e 2001/83 e o Regulamento (CE) n.o 726/2004 (JO 2006, L 378, p. 1)], e com o Regulamento (CE) n.o 1394/2007 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo a medicamentos de terapia avançada e que altera a Diretiva 2001/83 e o Regulamento (CE) n.o 726/2004 (JO 2007, L 324, p. 121)].

Sempre que um medicamento tiver obtido uma autorização inicial de introdução no mercado nos termos do primeiro parágrafo, quaisquer dosagens, formas farmacêuticas, vias de administração e apresentações adicionais, bem como quaisquer alterações e extensões, devem também receber uma autorização nos termos do primeiro parágrafo ou ser incluídas na autorização inicial de introdução no mercado. Considera‑se que todas estas autorizações de introdução no mercado fazem parte da mesma autorização de introdução no mercado global, nomeadamente para efeitos da aplicação do n.o 1 do artigo 10.o»

5

O artigo 8.o, n.o 3, alínea i), da referida diretiva prevê que o pedido de autorização de introdução no mercado deve ser acompanhado dos resultados dos ensaios farmacêuticos (físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos), pré‑clínicos (toxicológicos e farmacológicos) e clínicos.

6

O artigo 10.o da mesma diretiva dispõe:

«1.   Em derrogação da alínea i) do n.o 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à proteção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o há, pelo menos, oito anos num Estado‑Membro ou na Comunidade.

Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.

[…]

O período de dez anos referido no segundo parágrafo será alargado a um máximo de onze anos se, nos primeiros oito desses dez anos, o titular da autorização de introdução no mercado obtiver uma autorização para uma ou mais indicações terapêuticas novas que, na avaliação científica prévia à sua autorização, se considere trazerem um benefício clínico significativo em comparação com as terapias existentes.

2.   Para efeitos do presente artigo entende‑se por:

a)

Medicamento de referência, um medicamento autorizado, nos termos do artigo 6.o, em conformidade com o disposto no artigo 8.o;

b)

Medicamento genérico, um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade. […]

[…]

5.   Para além do disposto no n.o 1, quando for apresentado um pedido para uma nova indicação de uma substância bem estabelecida, será concedido um período de um ano de exclusividade dos dados, desde que tenham sido realizados ensaios pré‑clínicos ou clínicos relativos à nova indicação.

[…]»

7

O artigo 19.o, ponto 1, da Diretiva 2001/83 prevê que, para instruir o pedido apresentado nos termos dos artigos 8.o, 10.o, 10.o‑A, 10.o‑B e 10.o‑C desta, a autoridade competente do Estado‑Membro deve verificar a conformidade com estes artigos do processo apresentado e examinar se estão preenchidas as condições de concessão da autorização de introdução no mercado.

8

Segundo o artigo 26.o, n.o 2, desta diretiva, a autorização de introdução no mercado será igualmente recusada se as informações ou os documentos apresentados em apoio do pedido não cumprirem o disposto nos artigos 8.o, 10.o, 10.o‑A, 10.o‑B e 10.o‑C.

9

O artigo 28.o da referida diretiva, relativo ao procedimento de reconhecimento mútuo e procedimento descentralizado, dispõe:

«1.   Com vista à concessão de uma autorização de introdução no mercado de um medicamento em mais do que um Estado‑Membro, o requerente deve apresentar um pedido baseado num processo idêntico nesses Estados‑Membros. O processo deve incluir as informações e os documentos referidos nos artigos 8.o, 10.o, 10.o‑A, 10.o‑B, 10.o‑C e 11.o Os documentos apresentados devem incluir uma lista dos Estados‑Membros envolvidos pelo pedido.

O requerente deve solicitar a um dos Estados‑Membros que aja na qualidade de “Estado‑Membro de referência” e que prepare um relatório de avaliação sobre o medicamento, nos termos do n.o 2 ou do n.o 3.

2.   Se o medicamento tiver já recebido uma autorização de introdução no mercado no momento do pedido, os Estados‑Membros envolvidos reconhecerão a autorização de introdução no mercado concedida pelo Estado‑Membro de referência. Para tal, o titular da autorização de introdução no mercado solicita ao Estado‑Membro de referência que prepare um relatório de avaliação sobre o medicamento ou, se necessário, que atualize um relatório de avaliação existente. O Estado‑Membro de referência prepara ou atualiza o relatório de avaliação no prazo de 90 dias a contar da receção de um pedido válido. O relatório de avaliação, bem como o resumo das características do medicamento, a rotulagem e o folheto informativo aprovados, são enviados aos Estados‑Membros envolvidos e ao requerente.

3.   Se o medicamento não tiver recebido uma autorização de introdução no mercado no momento do pedido, o requerente solicitará ao Estado‑Membro de referência que prepare um projeto de relatório de avaliação, um projeto de resumo das características do medicamento e um projeto de rotulagem e de folheto informativo. O Estado‑Membro de referência prepara estes projetos no prazo de 120 dias a contar da receção de um pedido válido e transmite‑os aos Estados‑Membros envolvidos e ao requerente.

4.   No prazo de 90 dias após a receção dos documentos referidos nos n.os 2 e 3, os Estados‑Membros envolvidos aprovam o relatório de avaliação e o resumo das características do medicamento, bem como a rotulagem e o folheto informativo, e dão conhecimento deste facto ao Estado‑Membro de referência. Este constata o acordo geral, encerra o procedimento e dá conhecimento deste facto ao requerente.

5.   Cada Estado‑Membro em que tenha sido apresentado um pedido nos termos do n.o 1 toma uma decisão em conformidade com o relatório de avaliação, o resumo das características do medicamento, a rotulagem e o folheto informativo aprovados, no prazo de 30 dias a contar da constatação do acordo.»

10

Nos termos do artigo 29.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«Se, no prazo referido no n.o 4 do artigo 28.o, um Estado‑Membro não puder aprovar o relatório de avaliação, o resumo das características do medicamento, a rotulagem e o folheto informativo devido a um potencial risco grave para a saúde pública, deverá enviar uma fundamentação pormenorizada dos motivos da sua posição ao Estado‑Membro de referência, aos outros Estados‑Membros envolvidos e ao requerente. Os elementos do desacordo são comunicados sem demora ao grupo de coordenação.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Em 19 de julho de 2005, o Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte (Instituto Federal dos Medicamentos e Dispositivos Médicos, Alemanha; a seguir «Instituto Federal alemão») concedeu, nos termos da legislação nacional, à Astellas Pharma uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») para o medicamento denominado Ribomustin, cujo princípio ativo é a bendamustina, para duas indicações: o linfoma não‑hodgekin (LNH) e o mieloma múltiplo (MM).

12

No termo de um procedimento descentralizado, conforme previsto no artigo 28.o da Diretiva 2001/83, em que a República Federal da Alemanha era o Estado‑Membro de referência, a República Francesa foi o primeiro Estado‑Membro a conceder à Astellas Pharma, em 15 de julho de 2010, a AIM para um medicamento denominado Levact, cujo princípio ativo é também a bendamustina, indicado para o LNH, o MM e a leucemia linfoide crónica (LLC).

13

Em 7 de novembro de 2012, a Helm solicitou, mediante um procedimento descentralizado, uma AIM para o medicamento denominado Alkybend, em que o Estado‑Membro de referência era o Reino da Dinamarca e os Estados‑Membros envolvidos eram o Reino da Noruega e a República da Finlândia. No seu pedido, a Helm indicava que o Alkybend era um medicamento genérico cujo princípio ativo era o cloridrato de bendamustina e que o medicamento de referência era o Levact, mas que o Ribomustin devia ser considerado o medicamento de referência para a determinação do período de exclusividade dos dados.

14

Na sequência deste procedimento, que terminou em 17 de janeiro de 2014, a Fimea concedeu à Helm, em 28 de março de 2014, a AIM para o Alkybend, em conformidade com as conclusões do relatório de avaliação elaborado pela autoridade dinamarquesa competente. Segundo esse relatório, a AIM concedida para o Levact devia ser considerada parte da autorização concedida para o Ribomustin em 2005 e este último era o medicamento de referência para determinar a duração do período de exclusividade dos dados.

15

A Astellas Pharma interpôs recurso desta decisão no Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia), que lhe negou provimento por considerar que esta sociedade tinha obtido a primeira AIM em 19 de julho de 2005 e que, uma vez que, em virtude da aplicação de disposições transitórias, a duração do período de exclusividade para o Levact era de seis anos, a Fimea podia validamente conceder uma AIM à Helm para o Alkybend, em 28 de março de 2014.

16

Considerando que o período de exclusividade dos dados não começou em 19 de julho de 2005, mas em 15 de julho de 2010, data da primeira AIM concedida para o Levact, a Astellas Pharma apresentou ao órgão jurisdicional de reenvio, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), um pedido de anulação da decisão do tribunal de primeira instância e da decisão da Fimea.

17

Como fundamento deste pedido, a Astellas Pharma alega nomeadamente que a decisão do Instituto Federal alemão de 19 de julho de 2005 não está em conformidade com a Diretiva 2001/83 e não chegou a entrar em vigor no que se refere a uma das indicações solicitadas para o Ribomustin e recusada por esse instituto. Além disso, a Astellas Pharma alega que a obtenção da AIM para o Levact exigiu importantes ensaios complementares, incluindo para as indicações que o Instituto Federal alemão tinha autorizado para o Ribomustin.

18

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que a Astellas Pharma não participou no procedimento descentralizado de AIM relativo ao Alkybend e que, portanto, também não participou no procedimento na Fimea, pelo que não pôde garantir o período de exclusividade dos seus dados durante o procedimento descentralizado. A esse respeito, este órgão jurisdicional afirma que já decidiu anteriormente que o titular da AIM do medicamento de referência tem o direito de interpor recurso de uma decisão relativa à AIM concedida para o medicamento genérico, alegando que essa AIM viola o período de exclusividade dos dados do medicamento de referência pelo facto de, nomeadamente, fixar erradamente a data de início desse período. Em seu entender, esta solução está em conformidade com o Acórdão de 23 de outubro de 2014, Olainfarm (C‑104/13, EU:C:2014:2316).

19

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que resulta do artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 e do Acórdão de 16 de outubro de 2008, Synthon (C‑452/06, EU:C:2008:565), que um Estado‑Membro que recebe um pedido de reconhecimento mútuo não pode pôr em causa, a não ser por motivo de risco para a saúde pública, as apreciações feitas pelas autoridades do Estado‑Membro de referência no âmbito do procedimento de avaliação do medicamento. Do mesmo modo, em seu entender, as possibilidades de um Estado‑Membro que participa num procedimento descentralizado se opor a uma AIM estão limitadas aos casos em que se considere que o medicamento de referência apresenta um risco para a saúde pública.

20

Tendo em conta estes factos e após a aceitação, por unanimidade, das conclusões do relatório de avaliação elaborado no âmbito do procedimento descentralizado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta — se a Fimea não for competente para determinar com independência a data de início do período de exclusividade dos dados — como pode ser garantida a tutela jurisdicional efetiva dos direitos da Astellas Pharma na Finlândia. Para o caso de vir a ser considerado que o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro envolvido neste procedimento pode conhecer da impugnação relativa ao período de exclusividade dos dados do medicamento de referência, pergunta também se esse órgão jurisdicional pode apreciar, nesse âmbito, a conformidade, com a Diretiva 2001/83, da AIM inicial concedida ao titular da AIM deste medicamento noutro Estado‑Membro.

21

Nestas condições, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 28.o, n.o 5, e 29.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 […] ser interpretados no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro [envolvido] não tem competência própria, no âmbito da concessão de [AIM] de um medicamento genérico através do procedimento descentralizado previsto no artigo 28.o, n.o 3, d[esta] diretiva, para determinar [a data de início do período de exclusividade] dos dados do medicamento de referência?

2)

No caso de a resposta à primeira questão ser no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro não tem competência própria no âmbito da concessão da autorização nacional de introdução no mercado para determinar [a data de início do período de exclusividade] dos dados do medicamento de referência:

O órgão jurisdicional desse Estado‑Membro, na sequência de oposição deduzida pelo titular da [AIM] do medicamento de referência, deve determinar [a data de início do período de exclusividade] dos dados, ou está sujeito à mesma restrição que se aplica à […] autoridade [competente] do Estado‑Membro?

Como se assegura, neste caso, no órgão jurisdicional do Estado‑Membro [envolvido], ao titular da [AIM] do medicamento de referência o direito à tutela jurisdicional efetiva no sentido do artigo 47.o da [Carta] e do artigo 10.o da Diretiva 2001/83, no tocante à [exclusividade] dos dados?

O direito de ação para assegurar o direito à tutela jurisdicional efetiva implica o dever de o órgão jurisdicional do Estado‑Membro apreciar se a [AIM] original obtida noutros Estados‑Membros foi concedida de acordo com as disposições da Diretiva 2001/83?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

22

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 28.o e o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito de um procedimento descentralizado de AIM de um medicamento genérico, a própria autoridade competente do Estado‑Membro envolvido nesse procedimento pode determinar a data de início do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência, aquando da adoção, nos termos do artigo 28.o, n.o 5, desta diretiva, da sua decisão relativa à introdução no mercado do referido medicamento genérico nesse Estado‑Membro.

23

A este respeito, deve recordar‑se que o procedimento descentralizado previsto no artigo 28.o da Diretiva 2001/83 comporta várias etapas. Desde logo, o n.o 1 deste artigo prevê que, com vista à concessão de uma AIM de um medicamento em mais do que um Estado‑Membro, o requerente deve apresentar um pedido baseado num processo idêntico nesses Estados‑Membros, que deve incluir as informações e os documentos exigidos por essa diretiva assim como a lista dos Estados‑Membros envolvidos, e deve solicitar a um desses Estados‑Membros que aja na qualidade de Estado‑Membro de referência e que prepare um relatório de avaliação sobre o medicamento, um projeto de resumo das características do medicamento e um projeto de rotulagem e de folheto informativo. Em seguida, em conformidade com os n.os 3 e 4 do referido artigo, o Estado‑Membro de referência prepara estes projetos no prazo de 120 dias a contar da receção de um pedido válido e transmite‑os aos Estados‑Membros envolvidos e ao requerente. No prazo de 90 dias após a receção desses documentos, os Estados‑Membros envolvidos aprovam o relatório de avaliação e o resumo das características do medicamento, bem como a rotulagem e o folheto informativo, e dão conhecimento deste facto ao Estado‑Membro de referência. Este constata o acordo geral, encerra o procedimento e dá conhecimento deste facto ao requerente. Por último, nos termos do n.o 5 do mesmo artigo, cada Estado‑Membro em que tenha sido apresentado um pedido toma uma decisão em conformidade com o relatório de avaliação, o resumo das características do medicamento, a rotulagem e o folheto informativo aprovados, no prazo de 30 dias a contar da constatação do acordo.

24

Por outro lado, o artigo 29.o da Diretiva 2001/83 prevê um procedimento de resolução de diferendos, quando, no prazo de 90 dias previsto no artigo 28.o, n.o 4, da referida diretiva, um Estado‑Membro não puder aprovar o relatório de avaliação, o resumo das características técnicas do medicamento, a rotulagem e o folheto informativo, devido a um potencial risco grave para a saúde pública.

25

Resulta destas disposições que, conforme o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 70 das conclusões, os Estados‑Membros envolvidos participam no procedimento que termina com a constatação, pelo Estado‑Membro de referência, do acordo geral dos Estados‑Membros em que o pedido de AIM foi apresentado e que, feita essa constatação, as autoridades competentes desses Estados‑Membros têm de adotar uma decisão de AIM em conformidade com o relatório de avaliação do medicamento em causa.

26

Por conseguinte, uma vez constatado esse acordo geral, as autoridades competentes desses Estados‑Membros não têm a possibilidade, aquando da adoção da decisão relativa à introdução no mercado desse medicamento no seu território, de pôr em causa o resultado desse procedimento. Além de ser contrária à redação do artigo 28.o, n.o 5, da Diretiva 2001/83, uma interpretação que admitisse essa possibilidade privaria totalmente de sentido o procedimento descentralizado e comprometeria, nomeadamente, a realização do objetivo da livre circulação dos medicamentos, enunciado no considerando 14 desta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 16 de outubro de 2008, Synthon, C‑452/06, EU:C:2008:565, n.o 32).

27

No que se refere à questão de saber se o procedimento que termina com a constatação do acordo geral, no qual participam todos os Estados‑Membros em que o pedido de AIM foi apresentado, compreende a verificação do decurso do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência, deve salientar‑se que, por um lado, o artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 obriga o requerente, para fundamentar o seu pedido, a apresentar a todos esses Estados‑Membros um processo que inclua as informações e os documentos previstos, nomeadamente, no artigo 10.o desta diretiva. O n.o 1, primeiro parágrafo, deste último artigo dispensa o requerente de fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o da referida diretiva há, pelo menos, oito anos num Estado‑Membro ou na União Europeia. Assim, durante esse período de exclusividade, os dados relativos ao medicamento de referência ficam protegidos em benefício do titular da AIM desse medicamento, pelo que não estão disponíveis para fundamentar uma AIM de um medicamento genérico.

28

Por outro lado, resulta do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 que, para instruir um pedido apresentado nos termos do seu artigo 10.o, a autoridade competente do Estado‑Membro deve verificar a conformidade com este artigo do processo apresentado e examinar se estão preenchidas as condições de concessão da AIM. Segundo o artigo 26.o, n.o 2, dessa diretiva, a autorização deve ser recusada se as informações e os documentos apresentados em apoio desse pedido não cumprirem o disposto no referido artigo 10.o

29

Daqui decorre que o decurso do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência é uma condição prévia para a concessão de uma AIM de um medicamento genérico e que, no âmbito do procedimento descentralizado de AIM, todos os Estados‑Membros que nele participam devem verificar o cumprimento dessa condição. Cabe, portanto, a esses Estados, logo após a apresentação do pedido, e, em qualquer caso, antes da constatação do acordo geral, opor‑se a esse pedido se esta condição prévia não estiver preenchida.

30

Por conseguinte, tendo em conta a sistemática da Diretiva 2001/83, especialmente no caso de haver desacordo entre os Estados‑Membros que participam no procedimento descentralizado de AIM de um medicamento genérico quanto ao cumprimento desta condição prévia, um Estado‑Membro deve poder não aprovar o relatório de avaliação deste medicamento se considerar que essa condição não está preenchida. Consequentemente, há que considerar que um Estado‑Membro pode recusar a aprovação do relatório de avaliação do medicamento genérico no caso de desacordo sobre o cumprimento da condição prévia relativa ao decurso do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência.

31

Consequentemente, o procedimento que termina com a constatação do acordo geral, no qual participam todos os Estados‑Membros em que o pedido de AIM foi apresentado, compreende a verificação do decurso do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência, de modo que as autoridades competentes desses Estados‑Membros não podem, depois da constatação desse acordo, proceder novamente a essa verificação.

32

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 28.o e o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83 devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito de um procedimento descentralizado de AIM de um medicamento genérico, a própria autoridade competente do Estado‑Membro envolvido nesse procedimento não pode determinar a data de início do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência, aquando da adoção, nos termos do artigo 28.o, n.o 5, desta diretiva, da sua decisão relativa à introdução no mercado do referido medicamento genérico nesse Estado‑Membro.

Quanto à segunda questão

33

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o da Diretiva 2001/83, conjugado com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro envolvido num procedimento descentralizado de AIM, que conhece de um recurso interposto pelo titular da AIM do medicamento de referência contra a decisão de AIM de um medicamento genérico nesse Estado‑Membro, adotada pela autoridade competente deste Estado, tem competência para determinar a data de início do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência e para verificar se a AIM inicial do medicamento de referência foi concedida noutro Estado‑Membro em conformidade com as disposições dessa diretiva.

34

A este respeito, no n.o 37 do Acórdão de 23 de outubro de 2014, Olainfarm (C‑104/13, EU:C:2014:2316), o Tribunal de Justiça já salientou que o artigo 10.o da Diretiva 2001/83 fixa as condições em que o titular da AIM de um medicamento deve tolerar que o fabricante de outro medicamento se possa referir aos resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos que fazem parte do processo do pedido de AIM desse primeiro medicamento, em vez de ele próprio realizar tais ensaios, tendo em vista a obtenção de uma AIM para esse medicamento, e que daí resulta que este artigo confere correlativamente ao titular da AIM do primeiro medicamento o direito de exigir o respeito das prerrogativas que para ele decorrem dessas condições.

35

Assim, no n.o 38 do Acórdão de 23 de outubro de 2014, Olainfarm (C‑104/13, EU:C:2014:2316), o Tribunal de Justiça declarou que, sem prejuízo da legislação relativa à proteção da propriedade industrial e comercial, o titular da AIM de um medicamento tem o direito de exigir que, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83, esse medicamento não seja utilizado como medicamento de referência, tendo em vista autorizar a introdução no mercado de um medicamento de outro fabricante antes do decurso do prazo de oito anos a contar da emissão dessa AIM, ou que um medicamento cuja introdução no mercado tenha sido autorizada com base nesse artigo não seja comercializado antes do termo do período de dez anos, eventualmente alargado para onze anos, após a emissão da referida AIM.

36

Em consequência, nos n.os 39 e 40 do Acórdão de 23 de outubro de 2014, Olainfarm (C‑104/13, EU:C:2014:2316), o Tribunal de Justiça declarou que, ao abrigo do artigo 10.o da Diretiva 2001/83, conjugado com o artigo 47.o da Carta, deve ser reconhecido ao titular da AIM de um medicamento utilizado como medicamento de referência no âmbito de um pedido de AIM com base nesse artigo o direito a uma proteção jurisdicional efetiva no que se refere ao respeito dessas prerrogativas e que o referido titular dispõe, portanto, do direito de recurso contra a decisão da autoridade competente que concedeu uma AIM para um medicamento genérico, desde que se trate de obter a proteção jurisdicional de uma prerrogativa que esse artigo 10.o reconhece a esse titular.

37

Daqui resulta que o titular da AIM do medicamento de referência dispõe do direito de recurso contra a decisão da autoridade competente que concedeu uma AIM para o medicamento genérico com vista a obter o cumprimento do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência que resulta do artigo 10.o da Diretiva 2001/83 e, para esse efeito, deve poder contestar a determinação da data de início do período de exclusividade desses dados no âmbito desse recurso.

38

No sistema do procedimento descentralizado previsto no artigo 28.o da Diretiva 2001/83, conforme recordado no n.o 23 do presente acórdão, cada um dos Estados‑Membros em que foi apresentado um pedido adota, nos termos do artigo 28.o, n.o 5, desta diretiva, uma decisão de AIM do medicamento genérico no final do procedimento que termina com a constatação do acordo geral desses Estados‑Membros. Durante esse procedimento em que o titular da AIM do medicamento de referência não participa, a referida diretiva não prevê a adoção de outros atos contra os quais este possa interpor recurso nem um processo judicial que lhe permita exercer os seus direitos antes da adoção de uma decisão de AIM pela autoridade competente de um desses Estados‑Membros.

39

Daqui resulta que a tutela jurisdicional efetiva dos direitos de que dispõe o titular da AIM do medicamento de referência quanto ao período de exclusividade dos dados desse medicamento só pode ser garantida se esse titular puder exercer os seus direitos num órgão jurisdicional do Estado‑Membro cuja autoridade competente adotou uma decisão de AIM do medicamento genérico e se puder, nomeadamente, invocar perante o mesmo um erro relativo à determinação da data de início do período de exclusividade que afete essa decisão.

40

Todavia, essa exigência de tutela jurisdicional efetiva não implica que o titular da AIM do medicamento de referência possa pôr em causa perante esse órgão jurisdicional a conformidade com a Diretiva 2001/83 das decisões de AIM desse medicamento, tomadas noutros Estados‑Membros. Com efeito, esse titular dispõe do direito de recurso que pode exercer, ou que podia exercer nos prazos fixados, contra essas decisões nos órgãos jurisdicionais a quem incumbe a fiscalização da legalidade das decisões adotadas pelas autoridades nacionais competentes em cada Estado‑Membro.

41

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 10.o da Diretiva 2001/83, conjugado com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro envolvido num procedimento descentralizado de AIM, que conhece de um recurso interposto pelo titular da AIM do medicamento de referência contra a decisão de AIM de um medicamento genérico nesse Estado‑Membro, adotada pela autoridade competente deste Estado, tem competência para determinar a data de início do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência. Em contrapartida, esse órgão jurisdicional não tem competência para verificar se a AIM inicial do medicamento de referência foi concedida noutro Estado‑Membro em conformidade com as disposições dessa diretiva.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 28.o e o artigo 29.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito de um procedimento descentralizado de autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico, a própria autoridade competente do Estado‑Membro envolvido nesse procedimento não pode determinar a data de início do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência, aquando da adoção, nos termos do artigo 28.o, n.o 5, desta diretiva, da sua decisão relativa à introdução no mercado do referido medicamento genérico nesse Estado‑Membro.

 

2)

O artigo 10.o da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2012/26, conjugado com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro envolvido num procedimento descentralizado de autorização de introdução no mercado, que conhece de um recurso interposto pelo titular da autorização de introdução no mercado do medicamento de referência contra a decisão de autorização de introdução no mercado de um medicamento genérico nesse Estado‑Membro, adotada pela autoridade competente deste Estado, tem competência para determinar a data de início do período de exclusividade dos dados do medicamento de referência. Em contrapartida, esse órgão jurisdicional não tem competência para verificar se a autorização de introdução no mercado inicial do medicamento de referência foi concedida noutro Estado‑Membro em conformidade com as disposições dessa diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: finlandês.

Top