Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62016CJ0300

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 20 de setembro de 2017.
    Comissão Europeia contra Frucona Košice a.s.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Conceito de “auxílio” — Conceito de “vantagem económica” — Critério do credor privado — Condições de aplicabilidade — Aplicação — Obrigações de investigação a cargo da Comissão Europeia.
    Processo C-300/16 P.

    Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:706

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    20 de setembro de 2017 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Conceito de “auxílio” — Conceito de “vantagem económica” — Critério do credor privado — Condições de aplicabilidade — Aplicação — Obrigações de investigação a cargo da Comissão Europeia»

    No processo C‑300/16 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 26 de maio de 2016,

    Comissão Europeia, representada por K. Walkerová, L. Armati, T. Maxian Rusche e B. Stromsky, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrente,

    sendo a outra parte no processo:

    Frucona Košice a.s., com sede em Košice (Eslováquia), representada por K. Lasok, QC, B. Hartnett, barrister, J. Holmes, QC, e O. Geiss, Rechtsanwalt,

    recorrente em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, E. Regan, A. Arabadjiev (relator), C. G. Fernlund e S. Rodin, juízes,

    advogado‑geral: N. Wahl,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 15 de fevereiro de 2017,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de maio de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 16 de março de 2016, Frucona Košice/Comissão (T‑103/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2016:152), que anulou a Decisão 2014/342/UE da Comissão, de 16 de outubro de 2013, relativa ao auxílio estatal n.o SA.18211 (C 25/2005) (ex NN 21/2005) concedido pela República Eslovaca à Frucona Košice a.s. (JO 2014, L 176, p. 38; a seguir «decisão controvertida»).

    Antecedentes do litígio

    2

    Os antecedentes do litígio estão enunciados nos n.os 1 a 34 do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

    «Evolução da situação da [Frucona Košice] e processo de concordata

    1

    […] A Frucona Košice a.s. […] é uma sociedade de direito eslovaco que desenvolvia atividade, designadamente, no setor da produção de álcool e bebidas espirituosas.

    2

    Entre novembro de 2002 e novembro de 2003, a [Frucona Košice] beneficiou de vários adiamentos do pagamento de dívidas fiscais constituídas por impostos especiais de consumo de que era devedora. Os adiamentos de pagamento foram‑lhe concedidos após a constituição de garantias financeiras a favor da respetiva autoridade fiscal local, a saber, a repartição Košice IV (a seguir “autoridade fiscal local”).

    3

    Em 25 de fevereiro de 2004, em virtude de dificuldades financeiras a que tinha de fazer face, a [Frucona Košice] não estava em condições de pagar os impostos especiais de consumo de que era devedora, relativos ao mês de janeiro de 2004. Na sequência de uma alteração legislativa com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2004, a [Frucona Košice] deixou de poder obter o adiamento do pagamento desses impostos especiais de consumo.

    4

    Consequentemente, foi retirada à [Frucona Košice] a sua licença de produção e de transformação de álcool e de bebidas espirituosas. Desde então, limitou a sua atividade à distribuição, sob a marca Frucona, de bebidas espirituosas compradas à O.H., uma sociedade que, em conformidade com um acordo com a [Frucona Košice], as produzia, sob licença, nas fábricas de bebidas espirituosas desta última.

    5

    A [Frucona Košice] também se encontrou em situação de endividamento na aceção da zákon č. 328/1991 Zb. o konkurze a vyrovnaní (Lei n.o 328/1991 relativa à liquidação judicial e à concordata).

    6

    Em 8 de março de 2004, a [Frucona Košice] apresentou um pedido de início de um processo de concordata no Krajský súd v Košiciach [Tribunal Regional de Košice (Eslováquia)], propondo pagar a cada um dos seus credores 35% do montante que ela lhe devia (a seguir “proposta de concordata”). A dívida total da [Frucona Košice] ascendia a cerca de 644,6 milhões de coroas eslovacas (SKK) [(cerca de 21,4 milhões de euros)], dos quais cerca de 640,8 milhões de SKK [(cerca de 21,3 milhões de euros)] de dívida fiscal.

    7

    Por decisão de 29 de abril de 2004, o Krajský súd v Košiciacha [(Tribunal Regional de Košice)] autorizou a abertura do processo de concordata.

    8

    Durante uma audiência de concordata, em 9 de julho de 2004, os credores da [Frucona Košice], incluindo a autoridade fiscal local, aceitaram a proposta de concordata. No âmbito desse processo de concordata, a autoridade fiscal local agia como credor distinto, qualidade de que beneficiava devido às garantias constituídas a seu favor nos adiamentos do pagamento dos impostos especiais de consumo devidos pela [Frucona Košice] (v. n.o 2[,] supra).

    9

    Antes de 9 de julho de 2004, a [Frucona Košice] afirma ter nomeadamente submetido à autoridade fiscal local um relatório de auditoria elaborado por uma sociedade de auditoria independente (a seguir “relatório E”), a fim de permitir à referida autoridade avaliar as vantagens, respetivamente, da concordata e da liquidação judicial.

    10

    Em 21 de junho de 2004, a Administração Fiscal eslovaca efetuou uma inspeção nas instalações da [Frucona Košice]. Nessa inspeção, foi determinada a situação financeira desta última em 17 de junho de 2004.

    11

    Por decisão de 14 de julho de 2004, o Krajský súd v Košiciach [(Tribunal Regional de Košice)] homologou a concordata. Nos termos da concordata, o crédito da Administração Fiscal eslovaca devia ser reembolsado até 35%, ou seja, um montante a pagar de cerca de 224,3 milhões de SKK [(cerca de 7,45 milhões de euros)].

    12

    Por carta de 20 de outubro de 2004, a autoridade fiscal local indicou nomeadamente à [Frucona Košice] que as modalidades da concordata, segundo as quais parte da dívida fiscal não seria reembolsada, constituíam um auxílio de Estado indireto sujeito a autorização da Comissão das Comunidades Europeias.

    13

    Em 17 de dezembro de 2004, a [Frucona Košice] pagou nomeadamente à autoridade fiscal local o montante de 224,3 milhões de SKK [(cerca de 7,45 milhões de euros)], correspondente a 35% da sua dívida fiscal total. Por decisão de 30 de dezembro de 2004, o Krajský súd v Košiciach [(Tribunal Regional de Košice)] declarou o encerramento do processo de concordata. Em 18 de agosto de 2006, o Krajský súd v Košiciach [(Tribunal Regional de Košice)] fixou o montante a pagar à autoridade fiscal local em 224,1 milhões de SKK [(cerca de 7,44 milhões de euros)].

    Procedimento administrativo

    14

    Em 15 de outubro de 2004, a Comissão recebeu uma denúncia de um presumível auxílio ilegal a favor da [Frucona Košice].

    15

    Por carta de 4 de janeiro de 2005, a República Eslovaca informou a Comissão, na sequência do pedido de informações da mesma, da possibilidade de a [Frucona Košice] ter obtido um auxílio ilegal e pediu‑lhe que autorizasse esse auxílio como auxílio de emergência a uma empresa em dificuldade.

    16

    Após ter recolhido informações complementares, a Comissão, por carta de 5 de julho de 2005, notificou a República Eslovaca da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, relativamente à medida em causa. Essa decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2005, C 233, p. 47).

    17

    Por carta de 10 de outubro de 2005, a República Eslovaca comunicou à Comissão as suas observações sobre a medida em causa. De igual modo, por carta de 24 de outubro de 2005, a [Frucona Košice] comunicou à Comissão as suas observações sobre a medida em causa. Estas foram transmitidas à República Eslovaca para lhe permitir reagir, o que fez por carta de 16 de dezembro de 2005.

    Decisão inicial

    18

    Em 7 de junho de 2006, a Comissão adotou a Decisão 2007/254/CE, relativa ao auxílio estatal C 25/2005 (ex NN 21/2005) concedido pela República Eslovaca à Frucona Košice a.s. (JO 2007, L 112, p. 14; a seguir «decisão inicial»). O dispositivo desta decisão previa, no seu artigo 1.o, que o auxílio de Estado concedido pela República Eslovaca à [Frucona Košice], no montante de 416515990 SKK [(cerca de 13900000 euros)], era incompatível com o mercado comum e, no seu artigo 2.o, ordenava a recuperação desse auxílio.

    Tramitação processual no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

    19

    Em 12 de janeiro de 2007, a [Frucona Košice] interpôs no Tribunal Geral um recurso de anulação da decisão inicial.

    20

    Por acórdão de 7 de dezembro de 2010, Frucona Košice/Comissão [(T‑11/07, EU:T:2010:498)], o Tribunal Geral negou provimento a esse recurso.

    21

    Chamado a conhecer de um recurso interposto pela [Frucona Košice] ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça, por acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão [(C‑73/11 P, EU:C:2013:32)], anulou o acórdão [de 7 de dezembro de 2010, Frucona Košice/Comissão (T‑11/07, EU:T:2010:498)]. No quadro da apreciação do mérito do litígio em primeira instância, o Tribunal de Justiça declarou que, não tendo tomado em conta, na apreciação do critério do credor privado, a duração do processo de liquidação judicial, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ou, no caso de ter tomado esse elemento em consideração, não tinha fundamentado suficientemente a decisão inicial. Por último, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal Geral para que conhecesse dos fundamentos nele invocados sobre os quais não se tinha pronunciado.

    22

    Na sequência do acórdão [de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão (C‑73/11 P, EU:C:2013:32)], e a fim de colmatar as lacunas evidenciadas pelo Tribunal de Justiça, a Comissão, em 16 de outubro de 2013, adotou a [d]ecisão [controvertida], cujo artigo 1.o enuncia que a decisão inicial “é revogada”.

    23

    Foi em seguida que, por [despacho de 21 de março de 2014, Frucona Košice/Comissão (T‑11/07 RENV, não publicado, EU:T:2014:173)], o Tribunal Geral […] declarou que não havia que conhecer do mérito do recurso de anulação da decisão inicial.

    Decisão [controvertida]

    […]

    25

    Na decisão [controvertida], a Comissão considerou, nomeadamente, que era necessário analisar a questão de saber, em substância, se, ao aceitar a proposta de concordata e, portanto, a remissão de 65% do seu crédito, a autoridade fiscal local se comportou em relação à [Frucona Košice] como um credor privado em economia de mercado. A este respeito, precisou que a posição de credor da [Frucona Košice] da referida autoridade era invulgarmente forte pelo facto de essa autoridade se encontrar numa situação jurídica e económica mais favorável do que os credores privados da [Frucona Košice]. Com efeito, a autoridade fiscal local detinha mais de 99% de todos os créditos registados e era um credor distinto, cujos créditos podiam ser satisfeitos a qualquer momento do processo de liquidação judicial, graças à venda dos ativos garantidos (considerando 80 da decisão [controvertida]).

    26

    Em primeiro lugar, quanto ao critério do credor privado, a Comissão observou nomeadamente que a aplicabilidade deste critério dependia de o Estado‑Membro em causa ter conferido uma vantagem económica a uma empresa noutra qualidade que não na sua qualidade de poder público e que, se o Estado‑Membro invocasse este critério no procedimento administrativo, incumbia‑lhe, em caso de dúvida, demonstrar inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis que a medida aplicada estava ligada à sua qualidade de operador económico privado no mercado. A este respeito, fez referência ao acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF [(C‑124/10 P, EU:C:2012:318], n.os 81 a 85) (considerando 82 da decisão [controvertida]).

    27

    No considerando 83 da decisão [controvertida], a Comissão referiu o seguinte:

    “Em resumo, a República Eslovaca sustenta que, na sua opinião, a medida constitui um auxílio estatal. Reconheceu que, aquando do acordo, a questão do auxílio estatal, simplesmente, não foi considerada, e solicitou que a medida contestada fosse tratada como auxílio de emergência. Por conseguinte, parece que os requisitos da jurisprudência acima referidos não foram cumpridos neste caso e a medida contestada constitui auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, […] TFUE.”

    28

    Em segundo lugar, após ter observado, no considerando 84 da decisão [controvertida], que, “[f]oi [a Frucona Košice] que argumentou que a medida não constitu[ía] auxílio e apresentou os documentos já referidos, nomeadamente os relatórios elaborados por dois auditores”, a Comissão verificou se a República Eslovaca se tinha comportado, em relação à [Frucona Košice], como um credor privado.

    29

    Para este efeito, a Comissão, em primeiro lugar, comparou, tendo em conta as provas apresentadas pela [Frucona Košice], os processos de concordata e de liquidação judicial (considerandos 88 a 119 da decisão [controvertida]), em segundo lugar, comparou os processos de concordata e de execução fiscal (considerandos 120 a 127 da decisão [controvertida]) e, em terceiro lugar, apreciou as restantes provas produzidas pelas autoridades eslovacas e pela [Frucona Košice] (considerandos 128 a 138 da decisão [controvertida]). Em substância, a Comissão considerou que tanto o processo de liquidação judicial como o de execução fiscal eram, do ponto de vista da administração fiscal local, alternativas mais vantajosas do que a proposta de concordata (considerandos 119, 124 e 127 da decisão [controvertida]).

    30

    No considerando 139 da decisão [controvertida], a Comissão concluiu que o critério do credor privado não era respeitado e que a República Eslovaca tinha conferido à [Frucona Košice] uma vantagem que esta não teria conseguido obter em condições de mercado. No considerando 140 da referida decisão, concluiu que a anulação d[a] dívida aprovada pela autoridade fiscal local no âmbito da concordata constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por último, no considerando 182 desta mesma decisão, a Comissão concluiu que esse auxílio de Estado não era compatível com o mercado interno.

    31

    O dispositivo da decisão [controvertida] contém cinco artigos.

    32

    Segundo o artigo 1.o da decisão [controvertida], “[a] decisão [inicial] é revogada” (v. n.o 22[,] supra).

    33

    De acordo com o artigo 2.o da decisão [controvertida], o auxílio estatal concedido pela República Eslovaca à [Frucona Košice], no montante de 416515990 SKK [(cerca de 13900000 euros)], é incompatível com o mercado interno.

    34

    No artigo 3.o da decisão [controvertida], a Comissão ordena à República Eslovaca a recuperação do auxílio em causa, concedido ilegalmente à [Frucona Košice], acrescido de juros de mora.

    […]»

    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    3

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de fevereiro de 2014, a Frucona Košice interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

    4

    Apresenta quatro fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a violação dos direitos de defesa, o segundo, a erro de direito no considerando 83 da decisão controvertida, o terceiro, a erros de facto e de direito na consideração de que o processo de liquidação judicial era mais vantajoso do que a proposta de concordata, e o quarto, a erros de facto e de direito na consideração de que o processo de execução fiscal era mais vantajoso do que a proposta de concordata.

    5

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedentes o primeiro e o segundo fundamento do recurso e julgou procedentes o terceiro e o quarto fundamento. Consequentemente, anulou a decisão controvertida e condenou a Comissão nas despesas.

    Pedidos das partes

    6

    A Comissão pede que o Tribunal de Justiça:

    anule o acórdão recorrido;

    a título principal, negue provimento ao recurso de primeira instância e condene a Frucona Košice nas despesas; e

    a título subsidiário, devolva o processo ao Tribunal Geral e reserve para final a decisão quanto às despesas.

    7

    A Frucona Košice pede que o Tribunal de Justiça:

    negue provimento ao presente recurso e

    condene a Comissão nas despesas.

    Quanto ao recurso

    8

    A Comissão apresenta seis fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, a uma interpretação errada da decisão controvertida, o segundo e o quarto, a uma inobservância dos pressupostos de aplicabilidade do critério do credor privado, o terceiro, a uma má apreensão dos princípios do caso julgado e ne ultra petita, o quinto, a uma aplicação errada do critério do credor privado, e o sexto, a uma inobservância dos limites do seu dever de proceder a uma investigação diligente e imparcial.

    9

    Há que analisar, em primeiro lugar, o segundo e o quarto fundamento, em segundo lugar, o primeiro fundamento, em terceiro lugar, o terceiro fundamento, e, em último lugar, o quinto e o sexto fundamento.

    Quanto ao segundo e quarto fundamentos, relativos à aplicabilidade do critério do credor privado

    Argumentos das partes

    10

    Com o segundo fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 109 a 118 do acórdão recorrido, que o critério do credor privado pode ser utilmente invocado pelo beneficiário do auxílio.

    11

    Segundo a Comissão, esse critério refere‑se ao ponto de vista subjetivo do organismo público quando toma a decisão de adotar a medida em causa. Assim, por um lado, revelar ou não quais eram as suas intenções nesse momento é uma opção que constitui um direito subjetivo do Estado‑Membro em causa, pelo que esse direito não pode ser invocado por terceiros. Por outro lado, só esse Estado‑Membro dispõe de todos os elementos relevantes com base nos quais formou o seu ponto de vista no momento em que tomou a decisão de adotar a medida em causa. Cabe, pois, a esse Estado‑Membro invocar o critério do credor privado e apresentar os elementos necessários.

    12

    Ora, no caso, com resulta dos considerandos 128 a 132 da decisão controvertida, a Comissão estava na posse de elementos que demonstravam que a posição da República Eslovaca era clara e coerente, tanto em resposta à denúncia como no próprio momento da aprovação da concordata: esse Estado‑Membro sempre indicou que, em seu entender, se tratava de um auxílio de Estado.

    13

    A Comissão acrescenta que, se fosse correto considerar que o beneficiário do auxílio pode invocar o critério do credor privado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não exigir que a Frucona Košice demonstrasse, à semelhança de um Estado‑Membro, inequivocamente e com base em elementos objetivos e verificáveis, que a medida executada se integrava na qualidade de credor privado desse Estado‑Membro.

    14

    Com o quarto fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 247 do acórdão recorrido, que, para efeitos da aplicabilidade do critério do credor privado, a Comissão não pode distinguir consoante as diferentes soluções de substituição para a medida controvertida.

    15

    Uma vez que a aplicação do critério do credor privado assenta nos elementos fornecidos para demonstrar a sua aplicabilidade, o erro do Tribunal Geral reside no seu entendimento de que a aplicação desse critério é um exercício abstrato destinado a reconstituir automaticamente o comportamento do hipotético credor privado ideal, racional e plenamente informado.

    16

    Por conseguinte, visto ser claro que nenhuma informação sobre uma linha de conduta específica foi submetida ao credor público, não faria sentido qualquer comparação do comportamento dessa entidade com um credor privado numa situação semelhante. Este critério seria, pois, inaplicável no caso presente.

    17

    A Comissão refere que, no caso, está assente que, para efeitos do critério do credor privado, não tinha sido feita, nessa época, nenhuma comparação da proposta de concordata e do processo de execução fiscal. O Tribunal Geral deveria, portanto, ter‑se pronunciado sobre a questão de saber se o considerando 120 da decisão controvertida continha, na realidade, a conclusão tácita de que o critério do credor privado não era aplicável.

    18

    A Frucona Košice contesta o mérito da argumentação da Comissão.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    19

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que estejam preenchidos todos os pressupostos previstos nessa disposição. Assim, primeiro, deve ser uma intervenção do Estado ou por meio de recursos de Estado. Segundo, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas entre os Estados‑Membros. Terceiro, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Quarto, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group SA e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 53).

    20

    O conceito de «auxílio» abrange não apenas prestações positivas, como as subvenções, mas também as intervenções que, de diversas formas, aliviem os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por esse motivo, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (acórdão de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 30).

    21

    Contudo, os pressupostos que uma medida deve preencher para se enquadrar no conceito de «auxílio» na aceção do artigo 107.o TFUE não estão satisfeitos se a empresa beneficiária pudesse obter a mesma vantagem que lhe foi disponibilizada através de recursos do Estado em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado (acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 70 e jurisprudência aí referida).

    22

    Quando um credor público concede facilidades de pagamento de uma dívida de uma empresa, essa apreciação é feita por aplicação, em princípio, do critério do credor privado (acórdão de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 32).

    23

    Assim, o critério do credor privado não constitui uma exceção que só é aplicável a pedido de um Estado‑Membro, quando estão reunidos os elementos constitutivos do conceito de auxílio de Estado incompatível com o mercado interno, constante do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, este critério, quando seja aplicável, faz parte dos elementos que a Comissão tem de tomar em conta para determinar a existência de um auxílio desse tipo (v., neste sentido, acórdãos de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 103, e de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 32).

    24

    Consequentemente, quando se verifique que o critério do credor privado poderá ser aplicável, cabe à Comissão pedir a esse Estado‑Membro todas as informações relevantes que lhe permitam verificar se estão preenchidos os pressupostos da aplicação desse critério (acórdão de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 33).

    25

    Em primeiro lugar, resulta dessa jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando se verifica que o critério do credor privado poderá ser aplicável, cabe à Comissão analisar essa hipótese independentemente de qualquer pedido nesse sentido.

    26

    Por conseguinte, como salienta o advogado‑geral nos n.os 72 e 76 das conclusões, por um lado, nada se opõe a que o beneficiário do auxílio possa invocar a aplicabilidade desse critério e, por outro, se invocar esse critério, é à Comissão que cabe analisar a sua aplicabilidade e, se for caso disso, a sua aplicação.

    27

    Em segundo lugar, quanto à relevância do ponto de vista subjetivo do Estado‑Membro, há que salientar que, como refere o advogado‑geral no n.o 74 das conclusões, para se determinar se o critério do operador privado tem aplicação, há que tomar como ponto de partida a natureza económica da ação do Estado‑Membro, e não a forma como, subjetivamente, esse Estado‑Membro pensava agir ou as linhas de conduta alternativas encaradas por esse Estado‑Membro antes de adotar a medida em causa.

    28

    De qualquer forma, o critério do credor privado tende a examinar se a empresa beneficiária não teria manifestamente obtido facilidades comparáveis de um credor privado que se encontrasse numa situação tão próxima quanto possível da do credor público que tentasse obter o pagamento das quantias que lhe são devidas por um devedor que passa por dificuldades financeiras (acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 72) e, portanto, se essa empresa poderia ter obtido a mesma vantagem que lhe foi disponibilizada por meio de recursos do Estado em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado (acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 70).

    29

    Ora, daí resulta que o exame a que eventualmente deve proceder a Comissão não se pode limitar às opções que a autoridade pública competente tenha efetivamente levado em conta, devendo também necessariamente abranger todas as opções que um credor privado teria razoavelmente encarado nessa situação.

    30

    Quanto à argumentação invocada pela Comissão no âmbito do quarto fundamento, basta observar que o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito ao afirmar, no n.o 247 do acórdão recorrido, que, uma vez que o critério do credor privado era aplicável enquanto tal, a Comissão não pode distinguir, para efeitos da aplicabilidade desse critério, consoante as diferentes alternativas à medida controvertida.

    31

    Daí resulta que o segundo e o quarto fundamento devem ser julgados improcedentes.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma interpretação errada da decisão controvertida

    Argumentos das partes

    32

    A Comissão alega, com o primeiro fundamento, que o Tribunal Geral interpretou erradamente a decisão controvertida, ao considerar, nos n.os 101 a 104 do acórdão recorrido, que essa instituição tinha considerado, nessa decisão, que o critério do credor privado era aplicável aos factos do caso.

    33

    Assim, o Tribunal Geral considerou erradamente que se devia inferir do último período do considerando 80 dessa decisão que o critério do credor privado era aplicável no caso. Este erro de interpretação surge da leitura dos considerandos seguintes dessa decisão. Com efeito, o considerando 81 não é relativo especificamente aos pressupostos de aplicação desse critério, o considerando 82 precisa especificamente a situação no que respeita à aplicabilidade desse critério e o considerando 83, tal como os considerandos 128 a 132, é relativo à questão de saber se esse mesmo critério é aplicável.

    34

    A Frucona Košice contesta o mérito da argumentação da Comissão.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    35

    Antes de mais, não se pode deixar de observar que a decisão controvertida não especifica expressamente que o critério do credor privado seria inaplicável no caso presente. Pelo contrário, aplica esse critério, no qual se baseia expressamente a conclusão a que se chega nos considerandos 139 e 140 no sentido de que a medida controvertida constitui um auxílio de Estado.

    36

    Seguidamente, no caso de a Comissão ter dúvidas sobre a aplicabilidade desse critério, há que lembrar que, como resulta do n.o 24 do presente acórdão, deveria ter pedido ao Estado eslovaco informações relevantes a esse respeito e procedido a uma apreciação global desses elementos (v., neste sentido, acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 86). Ora, a decisão controvertida não contém nenhum sinal desse pedido ou desse exame.

    37

    Por último, refira‑se que a Comissão aplicou o critério do credor privado, indicando, nos n.os 84 e 86 da decisão controvertida, que o beneficiário tinha alegado que a aceitação da proposta de concordata não constituía um auxílio de Estado, pois o processo de liquidação judicial teria sido menos favorável ao Estado eslovaco.

    38

    Nestas condições, improcede o primeiro fundamento.

    Quanto ao terceiro fundamento, relativo aos princípios do caso julgado e ne ultra petita

    Argumentos das partes

    39

    A Comissão alega que o Tribunal Geral violou os princípios do caso julgado e ne eat iudex ultra petita partium ao considerar, nos n.os 123 a 126 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça tinha, tácita mas necessariamente, considerado, no seu acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão (C‑73/11 P, EU:C:2013:32), que o critério do credor privado era aplicável aos factos do caso e que, portanto, seguir a leitura da decisão controvertida proposta pela Comissão seria desrespeitar o caso julgado.

    40

    A Frucona Košice contesta a argumentação da Comissão.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    41

    Dado que o terceiro fundamento corresponde a um raciocínio por acréscimo em defesa da decisão do Tribunal Geral segundo a qual o critério do credor privado era aplicável aos factos do caso e visto terem sido julgados improcedentes o primeiro, segundo e quarto fundamentos, que criticam essa mesma decisão do Tribunal Geral, improcede o terceiro fundamento por ser irrelevante.

    Quanto ao quinto e sexto fundamentos, relativos à aplicação do critério do credor privado e ao dever de a Comissão levar a cabo uma investigação diligente e imparcial

    Argumentos das partes

    42

    Com o seu quinto fundamento, a Comissão, em primeiro lugar, alega que o critério do credor privado implica que deve determinar o ponto de vista subjetivo da autoridade pública e compará‑lo ao de um credor privado nas mesmas circunstâncias. A esse respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que apenas são relevantes os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis no momento em que essa autoridade pública tomou essa decisão.

    43

    A Comissão infere daí que cabe ao Estado‑Membro em causa demonstrar que, para tomar a sua decisão, tomou efetivamente em consideração esses elementos e evoluções, que devem ser comparáveis aos que um operador privado teria exigido conhecer antes de tomar a mesma decisão.

    44

    Com efeito, entende decorrer da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação do critério do credor privado exclui a possibilidade de este agir fortuitamente, mas sim unicamente com perfeito conhecimento de causa, uma vez que, segundo essa jurisprudência, não bastam as avaliações económicas feitas depois da concessão da vantagem em causa, o apuramento retrospetivo da rentabilidade efetiva do investimento realizado pelo Estado‑Membro em causa ou as justificações posteriores da opção efetivamente feita.

    45

    Isto não significa necessariamente que os interessados não podem apresentar informações ou elementos úteis para esclarecer a Comissão, por exemplo, sobre a natureza e o objeto da medida em causa, sobre o seu contexto ou sobre o objetivo prosseguido. Contudo, não cabe a esses interessados substituir pela sua apreciação a que foi efetivamente realizada pelo Estado‑Membro em causa no momento em que tomou a sua decisão, da mesma maneira que não cabe à Comissão reconstituir oficiosamente o comportamento do hipotético credor privado ideal, racional e plenamente informado.

    46

    Entende que as informações prestadas à Comissão além das invocadas pelo Estado‑Membro em causa se podem destinar a demonstrar que, com base nas informações que esse Estado‑Membro teve efetivamente em conta, um credor privado teria ou não agido da mesma forma. Estas informações não podem, porém, pretender justificar a decisão tomada por referência a informações ou elementos que não tenham sido efetivamente tidos em consideração pelo Estado‑Membro em causa.

    47

    Em segundo lugar, a Comissão refere que o Tribunal Geral, ao formular, no n.o 137 do acórdão recorrido, o seu critério de exame, não limitou a obrigação de verificação dessa instituição aos elementos relevantes de que esta dispunha. Afirma que esta omissão levou o Tribunal Geral a considerar, no n.o 201 do acórdão recorrido, que a Comissão deveria ter tentado obter informações suplementares para verificar e sustentar as suas conclusões, extraídas por dedução a partir do processo administrativo.

    48

    Nesse n.o 201, o Tribunal Geral criou assim uma nova exigência de a Comissão ter de reconstituir o comportamento do hipotético credor privado ideal, racional e plenamente informado, procurando todos os elementos e informações «imagináveis», exigência que entende ir contra a própria filosofia na base do critério do credor privado, a saber, uma apreciação do ponto de vista subjetivo da autoridade pública no momento da sua decisão.

    49

    Segundo a Comissão, os n.os 137 e 180 a 213 do acórdão recorrido baseiam‑se, pois, por um lado, na consideração errada de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça impunha à Comissão que procedesse a uma análise objetiva e completa das vantagens e dos inconvenientes do processo de liquidação judicial, e não a uma análise baseada na situação subjetiva da autoridade pública, e, por outro, numa leitura errada da decisão controvertida, no sentido de que dela resultaria que essa instituição teria procedido a essa análise.

    50

    Em terceiro lugar, a Comissão refere que a decisão controvertida se baseia na situação dos ativos da Frucona Košice em 17 de junho de 2004 e que, segundo o Tribunal Geral, ela tinha tido razão em não aceitar a metodologia do relatório E quanto à determinação dos coeficientes de liquidação desses ativos. Contudo, uma vez que essas informações económicas eram as únicas ao dispor da autoridade fiscal local quando decidiu aceitar a proposta de concordata, a consequência lógica dessas considerações de facto seria a de que um credor privado que dispusesse unicamente dessas informações não teria aceitado a concordata. Com efeito, se o seu comportamento tivesse consistido em pedir informações suplementares, esse credor não teria aceitado a proposta de concordata.

    51

    A Comissão considera que, visto lhe caber efetuar a sua verificação exclusivamente com base nas informações e elementos efetivamente na posse do credor público ou que fossem públicos e notórios, o processo administrativo sustentava, de qualquer forma, validamente, a sua conclusão de que um credor privado não teria aceitado a concordata. Afirma que, com efeito, o Tribunal Geral não indicou nenhum elemento adicional que fosse relevante no momento dos factos e que a Comissão tivesse deixado de ter em conta.

    52

    Entende, assim, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 186 e 235 do acórdão recorrido, que os elementos dos autos não eram suscetíveis de sustentar de forma bastante e unívoca as conclusões extraídas pela Comissão para a avaliação, no valor de 435 milhões de SKK (cerca de 14,5 milhões de euros), do produto da venda dos ativos numa liquidação judicial. A Comissão acrescenta que o Tribunal Geral não indica a extensão da prova a ser feita pela Comissão nem se considera que esse padrão obrigaria a Comissão a demonstrar inequivocamente qual teria sido o produto da venda.

    53

    Em quarto lugar, a Comissão alega que os erros de direito que referiu também viciaram as apreciações do Tribunal Geral relativas à duração do processo de liquidação judicial e do processo de execução fiscal. Com efeito, essas apreciações basearam‑se no mesmo critério errado e na rejeição da avaliação pela Comissão do produto da liquidação dos ativos da Frucona Košice.

    54

    Com o sexto fundamento, a Comissão entende que os n.os 191 a 195 do acórdão recorrido podem ser interpretados no sentido de acusarem a Comissão de violação do seu dever de proceder a uma investigação diligente e imparcial. Se essa interpretação estiver certa, a Comissão alega que o Tribunal Geral confere a esse dever um alcance errado e que lhe impôs um encargo excessivo.

    55

    A esse respeito, a Comissão refere que, nos n.os 187 e 191 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão teve razão em recusar o valor probatório do relatório E e que, portanto, efetuou deduções a partir dos elementos apresentados pela Frucona Košice ou por ela não impugnados. Seguidamente, decidiu condenar a Comissão por não ter pedido informações suplementares para verificar e sustentar as conclusões que tinha extraído desses elementos, sem explicar que tipo de elementos suplementares poderia eventualmente essa instituição ter pedido.

    56

    A Comissão baseou a sua apreciação nos elementos de que dispunha efetivamente nesse momento e entendeu que se podia basear no montante determinado pelo beneficiário, admitido pela autoridade fiscal e baseado em relatórios independentes, sem exigir a apresentação de outros relatórios. De qualquer forma, um credor público não teria aceitado que o seu devedor não sustentasse suficientemente a sua estimativa do valor dos ativos que oferece de garantia com vista a obter uma prorrogação do prazo para a sua dívida fiscal. No caso, a autoridade fiscal local dispunha das suas próprias conclusões sobre o valor desses ativos, como resulta da decisão de adiar a cobrança da dívida.

    57

    A Frucona Košice contesta a argumentação da Comissão.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    58

    A título preliminar, refira‑se que o quinto e sexto fundamentos visam, em substância, a extensão dos deveres de investigação a cargo da Comissão quando procede a apreciações relativas ao critério do credor privado, conforme fixada pelo Tribunal Geral na sua análise das partes da decisão controvertida relativas tanto aos processos de liquidação judicial como de execução fiscal.

    59

    De acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, na aplicação do critério do credor privado, cabe à Comissão efetuar uma apreciação global que leve em conta todos os elementos relevantes para o caso, que lhe permitam determinar se a empresa beneficiária não teria manifestamente obtido facilidades comparáveis de um credor privado (v., neste sentido, acórdãos de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 73, e de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 47).

    60

    A esse respeito, por um lado, deve ser considerada relevante qualquer informação suscetível de influenciar de forma não despicienda o processo decisório de um credor privado normalmente prudente e diligente, que se encontrasse na situação mais próxima possível da situação do credor público e que tentasse obter o pagamento das quantias que lhe são devidas por um devedor com dificuldades de pagamento (acórdãos de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 78, e de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 54).

    61

    Por outro lado, para efeitos da aplicação do critério do credor privado, só são relevantes os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis no momento em que foi tomada a decisão (v., neste sentido, acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 105).

    62

    Esse exame da Comissão quanto à questão de saber se determinadas medidas podem ser qualificadas de auxílios de Estado, pelo facto de as autoridades públicas não terem agido do mesmo modo que um vendedor privado, exige que se proceda a uma apreciação económica complexa (acórdãos de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 74, e de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 48).

    63

    A esse respeito, há que lembrar que, na fiscalização que os tribunais da União Europeia exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão no domínio dos auxílios de Estado, não cabe ao juiz da União substituir pela sua a apreciação económica da Comissão (acórdãos de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 75, e de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 49).

    64

    Contudo, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados relevantes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram (acórdãos de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 76, e de 21 de março de 2013, Comissão/Buczek Automotive, C‑405/11 P, não publicado, EU:C:2013:186, n.o 50).

    65

    No caso, há que analisar, em primeiro lugar, a argumentação apresentada pela Comissão no âmbito do quinto e sexto fundamentos, que se dirige contra a parte do acórdão recorrido relativa ao processo de liquidação judicial.

    66

    A esse respeito, primeiro, há que rejeitar os argumentos invocados pela Comissão e no sentido de que se deve, num primeiro momento, determinar o ponto de vista subjetivo da autoridade pública competente e, num segundo momento, comparar atitude dessa autoridade com a de um credor privado hipotético, uma vez que a relevância desse raciocínio já foi rejeitada no âmbito da análise do segundo e quarto fundamentos, na medida em que esse raciocínio assenta num alcance errado do critério do credor privado.

    67

    Segundo, na medida em que a Comissão acusa o Tribunal Geral, nomeadamente por não limitar o dever de verificação dessa instituição aos elementos de que dispunha, de ter criado uma nova exigência que lhe impõe um encargo excessivo de ter de procurar todos os elementos e informações «imagináveis», não se pode deixar de observar que a argumentação da Comissão procede de uma leitura errada do acórdão recorrido.

    68

    A esse respeito, antes de mais, refira‑se que o Tribunal Geral indicou, nomeadamente nos n.os 134 a 137 do acórdão recorrido, que a apreciação do critério do credor privado deve ser feita por referência à situação mais próxima possível da situação da autoridade pública em causa.

    69

    Seguidamente, nos n.os 138 a 143 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral expôs os princípios que, em seu entender, regem o ónus da prova da Comissão e, nesse contexto, referiu os elementos que essa instituição deve, se for caso disso, obter e ter em conta na sua análise, bem como os limites gerais dos seus deveres de investigação, conforme resultam da jurisprudência dos tribunais da União.

    70

    A esse respeito, recorde‑se ainda que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada pelo juiz da União em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 91 e jurisprudência aí referida).

    71

    Ora, os elementos de informação de que a Comissão «podia dispor» incluem os que se apresentassem como relevantes para a apreciação a efetuar de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 59 a 61 do presente acórdão e cuja apresentação ela pudesse obter, a seu pedido, no procedimento administrativo.

    72

    Por último, nos n.os 171 a 178 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral lembrou que, segundo a sua jurisprudência, a Comissão não tem a obrigação geral de acrescentar a participação de peritos externos e, com base nisso, rejeitou as alegações da Frucona Košice de que essa instituição deveria ter obtido novas peritagens externas.

    73

    Ora, os n.os 180 a 213 e 235 do acórdão recorrido, contra os quais se dirigem as críticas da Comissão referidas no n.o 64 do presente acórdão, não implicam, à luz desse contexto jurídico recordado pelo Tribunal Geral, novas exigências incompatíveis com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    74

    Assim, as considerações de facto constantes do n.o 185 do acórdão recorrido, segundo as quais a Comissão tinha determinado os coeficientes de liquidação por dedução com base nos elementos do processo administrativo, não tinha procedido a qualquer análise metodológica ou económica nem tinha pedido informações suplementares destinadas a verificar e sustentar as conclusões que tinha extraído desses elementos, não podem ser lidas no sentido de que contêm uma exigência que vai além das que resultam dos princípios lembrados pelo Tribunal Geral nos n.os 138 a 143 do acórdão recorrido ou que sejam incompatíveis com as que se expõem nos n.os 60 e 61 do presente acórdão.

    75

    As apreciações de facto feitas pelo Tribunal Geral nos n.os 186, 196, 200 e 201 do acórdão recorrido — segundo as quais os elementos do processo administrativo não eram suscetíveis de sustentar suficientemente as avaliações dos coeficientes de liquidação pela Comissão e que, portanto, esta deveria ter tentado obter informações suplementares para sustentar as suas conclusões —, em nada excedem os limites da fiscalização jurisdicional do erro manifesto de apreciação a ser efetuada pelo Tribunal Geral, por força da jurisprudência lembrada no n.o 64 do presente acórdão, nem se pode considerar que contêm uma exigência incompatível com os princípios expostos nos n.os 60 e 61 do presente acórdão.

    76

    Na medida em que, no n.o 186 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que os elementos do processo administrativo deveriam sustentar as conclusões extraídas pela Comissão não só de forma suficiente mas também unívoca, basta referir que resulta dos n.os 187 a 201 do acórdão recorrido que, de qualquer forma, o Tribunal Geral não procedeu à sua apreciação à luz dessa exigência, nem lhe fez referência no âmbito das considerações que constam dos n.os 196, 200, 201 e 235 do acórdão recorrido.

    77

    Com efeito, como refere o advogado‑geral nos n.os 125 e 131 das conclusões, o Tribunal Geral, nos n.os 191 a 195, 198 e 199 do acórdão recorrido, limitou‑se a referir contradições internas da decisão controvertida e a apurar o facto de nenhum elemento do processo administrativo ser suscetível de dar uma explicação relativa aos coeficientes de liquidação tidos em conta pela Comissão.

    78

    Assim, ao contrário do que alega a Comissão, o Tribunal Geral não aplicou um critério jurídico errado. Daí resulta que as alegações da Comissão devem ser julgadas em parte irrelevantes e em parte improcedentes.

    79

    Em segundo lugar, na medida em que a Comissão alega que os erros de direito que identificou viciaram igualmente a apreciação do Tribunal Geral relativa à duração do processo de liquidação judicial, que consta dos n.os 223 a 235 do acórdão recorrido, e a relativa ao processo de execução fiscal, que consta dos n.os 277 a 284 desse acórdão, basta observar que, uma vez que a análise das alegações da Comissão não levou a concluir pela existência de qualquer erro de direito, essa argumentação é desprovida de fundamento.

    80

    Por outro lado, nos n.os 279, 282 e 283 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão, antes de mais, não se tinha informado sobre a duração previsível de um processo de execução fiscal, seguidamente, não tinha tido em conta o facto de esta poder ser interrompida pela abertura de um processo de liquidação judicial e, por último, não se tinha informado dos custos que poderia ter esse processo.

    81

    Ora, essas considerações, na medida em que se referem a informações que um credor privado normalmente prudente e diligente, que estivesse numa situação comparável à da autoridade fiscal local, não poderia a priori ignorar, são suscetíveis, só por si, de justificar a decisão do Tribunal Geral de que a Comissão não teve em consideração todos os elementos relevantes (v., neste sentido, acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/ComissãoC‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.os 77, 78 e 81).

    82

    Além disso, resulta dos n.os 69 a 84 do presente acórdão que, contrariamente ao que alega a Comissão, resulta do acórdão recorrido que o Tribunal Geral precisou de forma suficiente, por um lado, a extensão dos deveres de investigação dessa instituição e, por outro, o tipo de elementos suplementares que essa instituição poderia ter pedido.

    83

    Daqui resulta que devem ser julgados improcedentes o quinto e o sexto fundamento.

    84

    Visto improcederem todos os fundamentos apresentados pela Comissão em apoio do presente recurso, há que lhe negar integralmente provimento.

    Quanto às despesas

    85

    Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

    86

    Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    87

    Tendo a Comissão sido vencida e tendo a Frucona Košice pedido a sua condenação, há que condená‑la nas despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    Top