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Document 62016CJ0290

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 6 de julho de 2017.
Air Berlin plc & Co. Luftverkehrs KG contra Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände - Verbraucherzentrale Bundesverband eV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Transporte — Regras comuns de exploração dos serviços aéreos na União — Regulamento (CE) n.o 1008/2008 — Disposições tarifárias — Artigo 22.o, n.o 1 — Artigo 23.o, n.o 1 — Informações exigidas na apresentação das tarifas ao dispor do público — Obrigação de indicar o montante real dos impostos, encargos, sobretaxas e taxas — Liberdade de tarifação — Faturação das taxas de processamento em caso de cancelamento da reserva de um voo pelo passageiro ou de não comparência no embarque — Proteção dos consumidores.
Processo C-290/16.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:523

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

6 de julho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte — Regras comuns de exploração dos serviços aéreos na União — Regulamento (CE) n.o 1008/2008 — Disposições tarifárias — Artigo 22.o, n.o 1 — Artigo 23.o, n.o 1 — Informações exigidas na apresentação das tarifas ao dispor do público — Obrigação de indicar o montante real dos impostos, encargos, sobretaxas e taxas — Liberdade de tarifação — Faturação das taxas de processamento em caso de cancelamento da reserva de um voo pelo passageiro ou de não comparência no embarque — Proteção dos consumidores»

No processo C‑290/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), por decisão de 21 de abril de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de maio de 2016, no processo

Air Berlin plc & Co. Luftverkehrs KG

contra

Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband eV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de março de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Air Berlin plc & Co. Luftverkehrs KG, por M. Knospe, Rechtsanwalt,

em representação da Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband eV, por P. Wassermann, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por K. Stranz e T. Henze, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls, K.‑P. Wojcik e F. Wilman, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir o processo sem conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 22.o, n.o 1, e do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Air Berlin plc & Co. Luftverkehrs KG (a seguir «Air Berlin») à Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände — Verbraucherzentrale Bundesverband eV (União federal das centrais e associações de consumidores, a seguir «Bundesverband»), a respeito de uma ação inibitória intentada pela Bundesverband contra as práticas da Air Berlin relativas à divulgação dos preços e às cláusulas contratuais gerais que figuram no seu sítio Internet.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 93/13/CEE

3

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), dispõe:

«1.   Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.   Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

[…]»

4

Em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, «[o]s Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas».

Regulamento n.o 1008/2008

5

Nos termos do considerando 16 do Regulamento n.o 1008/2008:

«Os clientes deverão poder comparar de forma efetiva os preços dos serviços aéreos das diferentes companhias aéreas. Por conseguinte, o preço final a pagar pelo cliente pelos serviços aéreos prestados com partida na Comunidade deverão ser sempre indicados, incluindo todos os impostos, encargos e taxas. […]»

6

O artigo 2.o deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

18)

“Tarifa aérea de passageiros”: o preço, expresso em euros ou na moeda local, a pagar às transportadoras aéreas, aos seus agentes ou a outros vendedores de bilhetes pelo transporte de passageiros por meio de serviços aéreos, bem como todas as condições de aplicação desses preços, incluindo a remuneração e as condições oferecidas às agências e outros serviços auxiliares;

[…]»

7

O artigo 22.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Liberdade de tarifação», prevê no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 16.o, as transportadoras aéreas comunitárias, e numa base de reciprocidade as transportadoras aéreas de países terceiros têm liberdade para fixar as tarifas aéreas de passageiros e de carga para serviços aéreos intracomunitários.»

8

O artigo 23.o deste mesmo regulamento, sob a epígrafe «Informação e não discriminação», dispõe, no seu n.o 1:

«As tarifas aéreas de passageiros e de carga ao dispor do público devem incluir as condições aplicáveis oferecidas ou publicadas sob qualquer forma, inclusive na internet, para serviços aéreos a partir de um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ao qual o Tratado seja aplicável. O preço final a pagar deve ser sempre indicado e deve incluir a tarifa aérea de passageiros ou de carga aplicável, bem como todos os impostos, encargos, sobretaxas e taxas aplicáveis que sejam impreteríveis e previsíveis no momento da publicação. Para além da indicação do preço final, devem especificar‑se pelo menos os seguintes elementos:

a)

Tarifa aérea de passageiros ou de carga;

b)

Impostos;

c)

Taxas de aeroporto; e

d)

Outros encargos, sobretaxas e taxas, tais como as relacionadas com a segurança ou o combustível;

sempre que os elementos enumerados n[o artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d)], tenham sido acrescentados à tarifa aérea de passageiros ou de carga. Os suplementos de preço opcionais devem ser comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer processo de reserva, e a sua aceitação pelo passageiro deve resultar de uma opção deliberada deste último.»

Direito alemão

9

O § 307, n.os 1 e 2, do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «BGB»), dispõe:

«(1)   São nulas as cláusulas contratuais gerais que, contrariamente às exigências da boa‑fé, sejam desproporcionadamente desfavoráveis à contraparte de quem as utiliza. […]

(2)   Em caso de dúvida, presume‑se que a cláusula é desproporcionadamente desfavorável, se:

1.

Não estiver em consonância com princípios fundamentais subjacentes à norma legal de que se afasta, ou

2.

Restringir de tal forma direitos ou obrigações essenciais resultantes da natureza do contrato que põe em risco a realização do objetivo do contrato.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 26 de abril de 2010, a Bundesverband simulou uma reserva, no sítio Internet da Air Berlin, de um voo de ida a partir do aeroporto de Berlim‑Tegel (Alemanha) com destino a Colónia (Alemanha). Na primeira etapa da reserva, apareceu uma lista que apresentava, sob forma de tabela, possibilidades de ligações aéreas a diferentes preços. Após a seleção de uma das ligações aéreas, uma tabela que continha diferentes elementos e o respetivo preço apresentava, designadamente, um montante de 3 euros, a título de «impostos e taxas». Noutra simulação de reserva efetuada pela Bundesverband nesse mesmo sítio Internet, em 20 de junho de 2010, de um voo de ida e volta a partir de Berlim‑Tegel com destino a Francoforte (Alemanha), aparecia um montante de 1 euro, a título de «impostos e taxas».

11

Segundo a Bundesverband, os montantes dos impostos e das taxas conforme indicados no sítio Internet da Air Berlin eram inferiores aos que eram efetivamente devidos pela companhia aérea, nos termos das tabelas de taxas aeroportuárias dos aeroportos em causa e eram, por conseguinte, suscetíveis de induzir o consumidor em erro. Considerando que esta indicação era contrária ao artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008, a Bundesverband intentou no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim) uma ação inibitória desta prática.

12

No âmbito desta mesma ação, o Bundesverband impugnou igualmente a legalidade da cláusula que figura no ponto 5.2. das Cláusulas Contratuais Gerais da Air Berlin, que podem ser consultadas no seu sítio Internet (a seguir «cláusulas contratuais gerais»), que prevê que a Air Berlin cobrará, a título das taxas de processamento, um montante de 25 euros, por reserva e por passageiro, do montante a reembolsar a este último quando não compareça no voo ou cancele a sua reserva. A Bundesverband explicou que esta cláusula viola o § 307 do BGB, na medida em que prejudica excessivamente as contrapartes da companhia aérea. Acrescentou que a Air Berlin não pode exigir uma taxa especial pelo cumprimento de uma obrigação legal.

13

O Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim) julgou o pedido da Bundesverband procedente e condenou a Air Berlin, sob pena de incorrer em sanções, por um lado, a abster‑se de, sob a rubrica «impostos e taxas», na indicação dos preços dos voos no seu sítio Internet, referir montantes que não correspondam aos que a companhia aérea deve efetivamente pagar e, por outro, a suprimir o ponto 5.2. das suas cláusulas contratuais gerais.

14

Tendo sido negado provimento ao recurso interposto pela Air Berlin no Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha), esta companhia aérea interpôs um recurso de «Revision» no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha).

15

O Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a interpretação a dar ao artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008. Com efeito, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à conformidade da indicação dos preços no sítio Internet da Air Berlin com as exigências impostas por essa disposição.

16

Em segundo lugar, o referido órgão jurisdicional pretende obter esclarecimentos quanto à interpretação do artigo 22.o, n.o 1, deste regulamento, a fim de determinar se a regra prevista nesta disposição, segundo a qual as transportadoras aéreas têm liberdade para fixar as tarifas aéreas de passageiros e de carga para serviços aéreos no interior da União, é suscetível de justificar a imposição, através das cláusulas contratuais gerais da Air Berlin, de taxas distintas aos passageiros que não compareceram a um voo ou que cancelaram a sua reserva.

17

Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 ser interpretado no sentido de que exige que as companhias aéreas devem, na divulgação da tarifa aérea de passageiros, indicar o montante efetivamente aplicável dos impostos, taxas de aeroporto e outros encargos, sobretaxas e taxas, referidos nas alíneas b) a d), não podendo, por conseguinte, incluir tais valores parcialmente na tarifa aérea de passageiros prevista na alínea a) desta disposição?

2)

Deve o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de um regime nacional em matéria de cláusulas contratuais gerais, elaborado com base no [d]ireito da União, nos termos do qual não pode ser cobrada uma taxa de processamento aos clientes que não compareçam no voo ou que cancelem uma reserva?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

18

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 deve ser interpretado no sentido de que, na publicação da tarifa aérea de passageiros, as companhias aéreas devem especificar o montante efetivamente aplicável dos impostos, das taxas de aeroporto e de outros encargos, sobretaxas e taxas, referidos no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d), desse regulamento e não podem, por conseguinte, incluir esses elementos parcialmente na tarifa aérea de passageiros, prevista no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alínea a), da referida disposição.

19

O artigo 23.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 1008/2008 prevê que, na publicação, incluindo na Internet, das tarifas aéreas de passageiros e de carga ao dispor do público, «[o] preço final a pagar deve ser sempre indicado e deve incluir a tarifa aérea de passageiros ou de carga aplicável, bem como todos os impostos, encargos, sobretaxas e taxas aplicáveis que sejam impreteríveis e previsíveis no momento da publicação». O artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 dispõe que, para além da indicação do preço final, devem especificar‑se a tarifa aérea de passageiros ou de carga, os impostos, as taxas de aeroporto e outros encargos, sobretaxas e taxas, tais como as relacionadas com a segurança ou o combustível, sempre que estes elementos tenham sido acrescentados às tarifas aéreas de passageiros ou de carga.

20

Segundo a Air Berlin, as transportadoras aéreas não estão obrigadas a indicar separadamente o montante dos impostos, das taxas aeroportuárias e dos outros encargos, sobretaxas e taxas enumerados no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d), do Regulamento n.o 1008/2008 no caso em que estes elementos estão incluídos na tarifa aérea de passageiros, referida no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alínea a), desse regulamento. Com efeito, a Air Berlin considera que apenas o preço final é determinante para efeitos de permitir ao cliente comparar os diferentes preços propostos pelas transportadoras aéreas.

21

A Bundesverband, o Governo alemão e a Comissão Europeia defendem, por seu lado, que o artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 obriga as transportadoras aéreas a especificar o montante dos diferentes componentes do preço total.

22

Há que recordar que, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (acórdão de 19 de julho de 2012, ebookers.com Deutschland, C‑112/11, EU:C:2012:487, n.o 12 e jurisprudência referida).

23

Resulta dos termos do artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 que a obrigação de precisar, pelo menos, a tarifa aérea de passageiros, os impostos, as taxas de aeroporto e os outros encargos, sobretaxas e taxas, quando esses elementos sejam acrescentados à tarifa aérea de passageiros, completa a obrigação de indicar o preço final que resulta do artigo 23.o, n.o 1, segundo período, desse regulamento (v., neste sentido, acórdão de 15 de janeiro de 2015, Air Berlin, C‑573/13, EU:C:2015:11, n.o 44).

24

Consequentemente, ao contrário do que a Air Berlin defende, designadamente ao invocar o considerando 16 do Regulamento n.o 1008/2008, uma transportadora aérea que se limitasse a indicar o preço final não preencheria os requisitos do artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, deste regulamento, uma vez que estes impõem indicar os montantes dos diferentes elementos que compõem esse preço.

25

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento aduzido pela Air Berlin de que a própria redação do artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 só obrigava as transportadoras aéreas a especificar os elementos enumerados no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d),deste regulamento «sempre que [estes] elementos […] tenham sido acrescentados à tarifa aérea de passageiros» e não quando tenham sido incluídos na referida tarifa.

26

Com efeito, o artigo 2.o, ponto 18, do Regulamento n.o 1008/2008, que define o conceito de «tarifa aérea de passageiros» não refere os impostos, as taxas de aeroporto, os outros encargos, as taxas e as sobretaxas como elementos incluídos na referida tarifa. Daqui decorre que as transportadoras aéreas não estão autorizadas a incluir estes elementos na tarifa aérea de passageiros que têm a obrigação de especificar nos termos do artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alínea a), deste regulamento.

27

Ao contrário do que defende igualmente a Air Berlin, tal interpretação do artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 não pode ter por efeito esvaziar esta disposição de sentido. Com efeito, a parte da frase «sempre que os elementos enumerados n[o artigo 23.o, n.o 1, terceiro parágrafo, alíneas b), c) e d)] tenham sido acrescentados à tarifa aérea de passageiros» destina‑se manifestamente a distinguir o caso em que as transportadoras aéreas escolhem deixar estes elementos a cargo dos seus clientes do caso em que os próprios escolhem suportá‑los, existindo apenas a obrigação de especificar os referidos elementos no primeiro caso.

28

Decorre do que precede que os diferentes elementos que compõem o preço final a pagar, referidos no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008, devem sempre ser dados a conhecer ao cliente nos montantes que representam no preço final.

29

Esta interpretação é corroborada pelo exame tanto dos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a disposição em causa no processo principal faz parte como do seu contexto.

30

O artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 destina‑se a garantir, designadamente, a informação e a transparência dos preços dos serviços aéreos com partida de um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro e contribui, por conseguinte, a assegurar a proteção do cliente recorrendo a estes serviços. A este respeito, estabelece obrigações de informação e transparência no que respeita, designadamente, às condições aplicáveis às tarifas aéreas de passageiros, ao preço final a pagar, à tarifa aérea de passageiros e aos elementos de preço impreteríveis e previsíveis que se juntem ao mesmo, bem como aos suplementos de preço opcionais respeitantes a serviços que completam o próprio serviço aéreo (acórdão de 18 de setembro de 2014, Vueling Airlines, C‑487/12, EU:C:2014:2232, n.o 32).

31

Ora, o objetivo de informação e de transparência dos preços não seria alcançado se o artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 devesse ser interpretado como oferecendo a escolha às transportadoras aéreas ou de incluir os impostos, as taxas de aeroporto, os outros encargos, as taxas e as sobretaxas na tarifa aérea de passageiros ou de indicar estes diferentes elementos de maneira separada.

32

De resto, uma interpretação diferente do artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 é suscetível de privar esta decisão de qualquer efeito útil. Com efeito, por um lado, uma inclusão parcial, na tarifa aérea de passageiros, dos elementos enunciados no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d), do Regulamento n.o 1008/2008 levaria apenas a especificar montantes sem relação com a realidade. Por outro lado, uma inclusão completa desses elementos na tarifa aérea de passageiros leva a que o montante indicado a título da tarifa aérea de passageiros possa ser igual ao preço final a pagar. Ora, a obrigação de especificar o preço final a pagar já está prevista no artigo 23.o, n.o 1, segundo período, deste regulamento.

33

Por último, há que examinar o argumento da Air Berlin de que a indicação dos montantes reais dos elementos referidos no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas c) e d), do Regulamento n.o 1008/2008 é impossível, na medida em que estes montantes são desconhecidos no momento da reserva do voo.

34

A este respeito, há que salientar que, no momento da compra de um bilhete, o cliente deve pagar um preço final e não provisório. Por conseguinte, embora o montante de certos encargos, sobretaxas e taxas, tais como os relacionados com o combustível, apenas possa, como defende a Air Berlin, ser conhecido com exatidão uma vez o voo efetuado e, por vezes, mesmo alguns meses depois desse voo, os montantes dos impostos, das taxas de aeroporto e dos outros encargos, sobretaxas e taxas, referidos no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d), do Regulamento n.o 1008/2008, que devem ser pagos pelo cliente, correspondem à estimativa feita pela transportadora aérea no momento da reserva do voo.

35

Neste sentido, o artigo 23.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 1008/2008 prevê, aliás, que os componentes do preço final a pagar pelo cliente são, além da tarifa aérea de passageiros ou de carga, todos os impostos, encargos, sobretaxas e taxas aplicáveis que sejam «previsíveis no momento da publicação».

36

Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento n.o 1008/2008 deve ser interpretado no sentido de que, na publicação das suas tarifas aéreas de passageiros, as transportadoras aéreas devem especificar, de maneira separada, os montantes devidos pelos clientes a título dos impostos, das taxas de aeroporto e de outros encargos, sobretaxas e taxas, referidos no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d), desse regulamento e não podem, por conseguinte, incluir esses elementos, ainda que parcialmente, na tarifa aérea de passageiros, prevista no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alínea a), do referido regulamento,.

Quanto à segunda questão

37

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a aplicação de uma regulamentação nacional que transpõe a Diretiva 93/13 possa conduzir à declaração da nulidade de uma cláusula que figura nas cláusulas contratuais gerais, que permite faturar taxas de processamento fixas distintas aos clientes que não compareçam no voo ou que cancelem a sua reserva.

38

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o ponto 5.2. das cláusulas contratuais gerais, que prevê a cobrança de 25 euros por passageiro e por reserva a título de taxas de processamento em caso de cancelamento de uma reserva de voo na tarifa económica ou de não comparência no embarque desse voo, prejudica excessivamente os clientes da Air Berlin e, em conformidade com o § 307, n.o 1, do BGB, é nulo.

39

O órgão jurisdicional de reenvio precisa igualmente que o § 307, n.o 1, primeiro período, e o § 307, n.o 2, ponto 1, do BGB transpõe, para o direito alemão, o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 6.o, n.o 1, primeiro período, primeira parte, da Diretiva 93/13.

40

A este respeito, a Air Berlin alega, nas suas observações escritas, que, para considerar abusiva a cláusula que figura no ponto 5.2 das cláusulas contratuais gerais, os órgãos jurisdicionais alemães de primeira instância e de recurso basearam‑se exclusivamente no direito nacional e não no direito da União.

41

Há que recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial, cabe unicamente ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade do direito da União à luz da situação de facto e de direito, tal como descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a fim de fornecer a este último os elementos úteis à resolução do litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, acórdão de 27 de abril de 2017, A‑Rosa Flussschiff, C‑620/15, EU:C:2017:309, n.o 35).

42

Nestas condições, há que responder à segunda questão prejudicial partindo do pressuposto, que é o do órgão jurisdicional de reenvio, de que a regulamentação nacional destinada a proteger os consumidores contra as práticas abusivas, designadamente, o § 307 do BGB, com base no qual a cláusula que figura no ponto 5.2 das cláusulas contratuais gerais é considerada abusiva pelo órgão jurisdicional de reenvio, assenta no direito da União, na medida em que esta regulamentação transpõe a Diretiva 93/13.

43

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se se, à luz do acórdão de 18 de setembro de 2014, Vueling Airlines (C‑487/12, EU:C:2014:2232), há que considerar que a liberdade reconhecida às transportadoras aéreas para fixar as tarifas aéreas de passageiros, nos termos do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008, se opõe a que uma regulamentação nacional, que transpõe o direito da União em matéria de proteção dos consumidores, é aplicável a essa cláusula.

44

Sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se as taxas de processamento fixas previstas pela cláusula que figura no ponto 5.2 das cláusulas contratuais gerais estão abrangidas pelo conceito de «tarifa aérea de passageiros» na aceção do Regulamento n.o 1008/2008 e, em seguida, se esta cláusula pode beneficiar da liberdade de tarifação prevista no artigo 22.o, n.o 1, deste regulamento, há que salientar que a Diretiva 93/13, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1, tem por objetivo a aproximação das disposições dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores. Trata‑se, assim, de uma diretiva geral de proteção dos consumidores, aplicável em todos os setores da atividade económica. Esta diretiva não tem por objetivo restringir a liberdade de tarifação das transportadoras aéreas, mas destina‑se a obrigar os Estados‑Membros a prever um mecanismo que garanta que o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual possa ser controlado para efeitos da proteção que deve ser dada ao consumidor por se encontrar numa situação de inferioridade face ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação (v., neste sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Matei, C‑143/13, EU:C:2015:127, n.o 51 e jurisprudência referida).

45

Neste contexto, a não aplicabilidade da referida diretiva no domínio dos serviços aéreos regido pelo Regulamento n.o 1008/2008 apenas pode ser admitida se estiver claramente prevista pelas disposições deste regulamento. Ora, nem a redação do artigo 22.o do referido regulamento, relativo à liberdade de tarifação, nem nenhuma das outras disposições do referido regulamento permite tirar tal conclusão, mesmo quando a Diretiva 93/13 já estava em vigor na data da adoção deste mesmo regulamento.

46

Também não pode ser deduzido do objetivo prosseguido pelo artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 que os contratos de transporte aéreo não estão sujeitos ao respeito das regras gerais que protegem os consumidores contra as cláusulas abusivas.

47

A este respeito, a Comissão salienta, com razão, que a liberdade de tarifação prevista no artigo 22.o do Regulamento n.o 1008/2008 é o resultado de uma eliminação progressiva do controlo dos preços exercido pelos Estados‑Membros a fim de abrir este setor à concorrência. Como o advogado‑geral Bot salientou no n.o 27 das suas conclusões no processo Vueling Airlines (C‑487/12, EU:C:2014:27), a liberalização do mercado aéreo tinha como objetivo chegar a uma maior diversificação da oferta e a uma tarifação mais baixa em benefício dos consumidores. Assim, o Regulamento (CEE) n.o 2409/92 do Conselho, de 23 de julho de 1992, sobre tarifas aéreas de passageiros e de carga (JO 1992, L 240, p. 15), revogado pelo Regulamento n.o 1008/2008, indicava no seu quinto considerando que era conveniente «acompanhar a liberdade de fixação das tarifas aéreas das devidas salvaguardas, por forma a preservar os interesses dos consumidores e da indústria».

48

O acórdão de 18 de setembro de 2014, Vueling Airlines (C‑487/12, EU:C:2014:2232) não pode conduzir a uma conclusão diferente. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 se opõe a uma regulamentação, como a que estava em causa nesse processo, que tem por objetivo obrigar, em quaisquer circunstâncias, as transportadoras aéreas a transportar as bagagens registadas dos seus passageiros sem que possa ser exigido um suplemento de preço por esse transporte. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não enunciou, de modo algum, que a liberdade de tarifação se opõe, de forma geral, à aplicação de qualquer regra de proteção dos consumidores. Muito pelo contrário, o Tribunal de Justiça indicou que, sem prejuízo da aplicação, designadamente, das normas adotadas em matéria de proteção dos consumidores, o direito da União não se opõe que os Estados‑Membros regulem aspetos relativos ao contrato de transporte aéreo, em especial, com o intuito de proteger os consumidores contra práticas abusivas, sob reserva de não poder pôr em causa as disposições tarifárias do Regulamento n.o 1008/2008 (v., neste sentido, acórdão de 18 de setembro de 2014, Vueling Airlines, C‑487/12, EU:C:2014:2232, n.o 44).

49

Assim, não é possível deduzir do referido acórdão que o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 se opõe à aplicação de uma regulamentação nacional que transpõe as disposições do direito da União em matéria de proteção dos consumidores, como as da Diretiva 93/13.

50

Resulta das considerações precedentes que a liberdade de tarifação dos serviços aéreos no interior da União, consagrada no artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008, não pode obstar à aplicação dessa regulamentação nacional às cláusulas dos contratos de transporte aéreo.

51

Uma resposta contrária conduziria a privar os consumidores dos direitos que lhes são conferidos pela Diretiva 93/13 no domínio da tarifação dos serviços aéreos e a permitir que as transportadoras aéreas pudessem, na falta de qualquer controlo, incluir nos contratos celebrados com os passageiros cláusulas abusivas relativamente à tarifação.

52

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a aplicação de uma regulamentação nacional que transpõe a Diretiva 93/13 possa conduzir à declaração da nulidade de uma cláusula que figura nas cláusulas contratuais gerais, que permite faturar taxas de processamento fixas distintas aos clientes que não compareçam no voo ou que cancelem a sua reserva.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade, deve ser interpretado no sentido de que, na publicação das sua tarifas aéreas de passageiros, as transportadoras aéreas devem especificar, de maneira separada, os montantes devidos pelos clientes a título dos impostos, das taxas de aeroporto e de outros encargos, sobretaxas e taxas, referidos no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alíneas b) a d), desse regulamento, e não podem, por conseguinte, incluir esses elementos, ainda que parcialmente, na tarifa aérea de passageiros, prevista no artigo 23.o, n.o 1, terceiro período, alínea a), do referido regulamento.

 

2)

O artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1008/2008 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a aplicação de uma regulamentação nacional que transpõe a Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, possa conduzir à declaração da nulidade de uma cláusula que figura nas cláusulas contratuais gerais, que permite faturar taxas de processamento fixas distintas aos clientes que não compareçam no voo ou que cancelem a sua reserva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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