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Document 62016CJ0126

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 22 de junho de 2017.
Federatie Nederlandse Vakvereniging e o. contra Smallsteps BV.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Midden-Nederland.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.o a 5.o — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — pre‑pack — Sobrevivência de uma empresa.
Processo C-126/16.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:489

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

22 de junho de 2017 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/23/CE — Artigos 3.o a 5.o — Transferências de empresas — Manutenção dos direitos dos trabalhadores — Exceções — Processo de insolvência — pre‑pack — Sobrevivência de uma empresa»

No processo C‑126/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Centrais), por decisão de 24 de fevereiro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de fevereiro de 2016, no processo

Federatie Nederlandse Vakvereniging,

Karin van den Burg‑Vergeer,

Lyoba Tanja Alida Kukupessy,

Danielle Paase‑Teeuwen,

Astrid Johanna Geertruda Petronelle Schenk

contra

Smallsteps BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Vilaras, J. Malenovský (relator), M. Safjan e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de janeiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Federatie Nederlandse Vakvereniging, de K. van den Burg‑Vergeer, L. T. A. Kukupessy, D. Paase‑Teeuwen e A. J. G. P. Schenk, por A. Simsek, advocaat,

em representação da Smallsteps BV, por B.F.H. Rumora‑Scheltema, T. ten Have e J. van Galen, advocaten,

em representação do Governo neerlandês, por J. Langer e M. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e M. Kellerbauer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de março de 2017,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.o a 5.o da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO 2001, L 82, p. 16).

2

Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Federatie Nederlandse Vakvereniging (a seguir «FNV»), uma organização sindical neerlandesa, Karin van den Burg‑Vergeer, Lyoba Tanja Alida Kukupessy, Danielle Paase‑Teeuwen e Astrid Johanna Geertruda Petronelle Schenk à Smallsteps BV a respeito da verificação de uma transferência das relações laborais para essa sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

3

A Diretiva 2001/23 codifica a Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO 1977, L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122), conforme alterada pela Diretiva 98/50/CE do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 201, p. 88).

4

O considerando 3 da Diretiva 2001/23 tem a seguinte redação:

«É necessário adotar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos.»

5

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/23 dispõe:

«A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.»

6

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva enuncia:

«Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.»

7

O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«A transferência de uma empresa ou estabelecimento de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efetuados por razões económicas, técnica ou de organização que impliquem mudanças no plano do emprego.»

8

Nos termos do artigo 5.o da mesma diretiva:

«1.   Salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros, os artigos 3.o e 4.o não se aplicam a uma transferência de empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento quando o cedente for objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência promovido com vista à liquidação do seu património e que esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, autorizado por uma entidade competente).

2.   Quando os artigos 3.o e 4.o se aplicarem a uma transferência no decurso de um processo de insolvência que tenha sido instaurado em relação a um cedente (independentemente do facto de tal processo ter ou não sido instaurado com o objetivo de proceder à liquidação do seu património), e desde que esse processo esteja sob o controlo de uma entidade oficial competente (que pode ser um administrador de falências, se determinado pela legislação nacional), o Estado‑Membro pode determinar que:

a)

Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 3.o, as dívidas do cedente decorrentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho pagáveis antes da data da transferência ou antes da abertura do processo de falência não sejam transferidas para o cessionário, desde que esse processo dê lugar, por força da legislação em vigor nesse Estado‑Membro, a uma proteção pelo menos equivalente à prevista para situações abrangidas pela Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador [JO 1980, L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219,]

e/ou, alternativamente, que:

b)

O cessionário, o cedente, ou a pessoa ou pessoas que exercem as funções do cedente, por um lado, e os representantes dos trabalhadores, por outro lado, possam acordar em certas alterações das condições de trabalho, na medida em que a legislação ou a prática em vigor o permitam, com o objetivo de salvaguardar as oportunidades de emprego através da garantia de sobrevivência da empresa, do estabelecimento ou da parte de empresa ou estabelecimento em questão.

3.   Os Estados‑Membros poderão aplicar o n.o 2, alínea b), a qualquer transferência sempre que o cedente esteja em situação de crise económica grave tal como definido na legislação nacional, desde que tal situação seja atestada por uma autoridade pública competente e seja suscetível de controlo judiciário, na condição de que tal disposição já exista na legislação nacional em 17 de julho de 1998.

[…]

4.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar o recurso abusivo a processos de insolvência de uma forma que retire aos trabalhadores os direitos previstos na presente diretiva.»

Direito neerlandês

9

As disposições de direito neerlandês que regulam os direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas são os artigos 7:662 a 7:666 e o artigo 7:670, n.o 8, do Burgerlijk Wetboek (Código Civil, a seguir «BW»).

10

O artigo 7:662, n.o 2, alínea a), do BW enuncia:

«Para efeitos da aplicação da presente secção, entende‑se por:

a)

transferência: a transferência, na sequência de um acordo, uma fusão ou cisão, de uma unidade económica que conserve a sua identidade;

[…]»

11

Mais precisamente, o artigo 7:663 do BW dispõe:

«A transferência de uma empresa implica a transferência automática, para o cessionário, dos direitos e obrigações que resultam, nesse momento para o empregador dessa empresa, de um contrato de trabalho que tenha celebrado com um trabalhador ativo dessa empresa. No entanto, durante um ano após a transferência, esse empregador e o cessionário continuam solidariamente vinculados ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho e nascidas antes desse momento.»

12

O artigo 7:666 do BW prevê:

«Os artigos 7:662 a 7:665 e o artigo 7:670, n.o 8, não se aplicam à transferência de uma empresa quando:

a)

o empregador seja declarado insolvente e a empresa faça parte da massa insolvente […]»

13

Nos termos do artigo 7:670 do BW:

[…]

8.   O empregador não pode rescindir o contrato de trabalho celebrado com o trabalhador ativo na sua empresa devido à transferência dessa empresa, na aceção do artigo 7:662, n.o 2, alínea a);

[…]»

14

Desde 2012, vários tribunais neerlandeses recorreram ao pre‑pack. Trata‑se de uma operação sobre os ativos preparada antes da declaração de insolvência com a colaboração do administrador da insolvência indigitado, designado por um tribunal, e executada por este imediatamente após a declaração de insolvência. No âmbito do pre‑pack, também é nomeado por esse tribunal um juiz‑comissário indigitado.

15

Atualmente, nos Países Baixos, nem a fase preparatória nem o pre‑pack enquanto tais são regulados pela lei, mas são o resultado da prática.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Até à sua insolvência, a Estro Groep BV era a maior empresa de infantários nos Países Baixos. Contava com perto de 380 estabelecimentos em todo o território neerlandês e empregava cerca de 3600 trabalhadores.

17

Em novembro de 2013, tornou‑se previsível que, na falta de um novo financiamento, a Estro Groep deixaria de poder cumprir as suas obrigações no verão do ano de 2014.

18

À procura de tal financiamento, a Estro Groep, numa primeira fase, chegou a acordo com os seus principais financiadores e acionistas, bem como com outros investidores, com vista a obter novos financiamentos. No entanto, essa concertação, denominada «Plano A» pela Estro Groep, não produziu frutos.

19

Paralelamente às negociações levadas a cabo no âmbito do Plano A, a Estro Groep elaborou um plano alternativo, chamado «projeto Butterfly». Este plano consistia na reativação de uma parte importante da Estro Groep na sequência de um pre‑pack. A referida reativação devia produzir‑se mediante a reativação de 243 dos 380 centros, a manutenção do emprego para perto de 2500 trabalhadores num total de cerca de 3600 e a continuidade do serviço em todos os estabelecimentos em julho de 2014.

20

Na execução do projeto Butterfly, o único potencial comprador com que a Estro Groep contactou foi a H.I.G. Capital, sociedade do mesmo grupo do seu acionista principal, a Bayside Capital. Não foi examinada nenhuma outra potencial opção.

21

Em 5 de junho de 2014, a Estro Groep apresentou ao rechtbank Amsterdam (Tribunal de Amesterdão, Países Baixos) um pedido de designação de um administrador da insolvência indigitado. Este foi designado em 10 de junho de 2014.

22

Em 20 de junho de 2014, foi constituída a Smallsteps, no âmbito do projeto Butterfly como empresa destinada a reativar, por conta da H.I.G. Capital, uma grande parte dos infantários da Estro Groep.

23

Em 3 de julho de 2014, todo o pessoal da Estro Groep recebeu uma mensagem por correio eletrónico que os informava de que o pedido de declaração de insolvência seria apresentado em 4 de julho de 2014 e que antes da apresentação desse pedido o pessoal poderia ser convocado para uma reunião.

24

Em 4 de julho de 2014, a Estro Groep apresentou ao rechtbank Amsterdam (Tribunal de Amesterdão) um pedido de suspensão de pagamentos. Em 5 de julho de 2014, este pedido foi transformado em pedido de declaração de insolvência tendo esta sido declarada no mesmo dia.

25

No mesmo dia, em 5 de julho de 2014, foi assinado um pre‑pack entre o administrador da insolvência e a Smallsteps, nos termos do qual esta última comprou cerca de 250 estabelecimentos e se comprometeu a oferecer emprego a perto de 2600 trabalhadores da Estro Groep no dia da declaração de insolvência.

26

Em 7 de julho de 2014, o administrador da insolvência despediu todos os trabalhadores da Estro Groep. A Smallsteps ofereceu um novo contrato de trabalho a cerca de 2600 trabalhadores anteriormente contratados pela Estro Groep, enquanto mais de um milhar acabaram por ser despedidos.

27

A FNV e as quatro codemandantes, que trabalhavam nos centros adquiridos pela Smallsteps, mas que, após a declaração de insolvência da Estro Groep, não receberam propostas de novos contratos de trabalho, interpuseram um recurso no órgão jurisdicional de reenvio, em que pedem, a título principal, que seja declarado que a Diretiva 2001/23 se aplica ao pre‑pack celebrado entre a Estro Gorep e a Smallsteps e que, assim, há que considerar que, essas quatro codemandantes são trabalhadoras de pleno direito da Smallsteps, conservando as suas condições de trabalho. A título subsidiário, pedem que se declare que os artigos 7:662 e seguintes do BW são aplicáveis uma vez que a transferência da empresa se verificou antes da data da declaração de insolvência da Estro Groep. A Smallsteps contesta os pedidos das recorrentes.

28

Nestas condições, o Rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos Centrais) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

No caso da transferência de uma empresa insolvente cuja insolvência foi precedida de um processo especial designado de pre‑pack, supervisionado pelo tribunal, e que visa expressamente a continuidade (de partes) da empresa, o processo de insolvência nos Países Baixos é compatível com a finalidade e o âmbito da Diretiva 2001/23[…] e, nesta perspetiva, o artigo 7:666, n.o 1, [initio e] alínea a), do BW (ainda) está em conformidade com a diretiva?

2)

A Diretiva 2001/23 é aplicável no caso de um “administrador da insolvência indigitado”, nomeado pelo tribunal, já se ter informado, ainda antes da insolvência, sobre a situação do devedor e sobre as possibilidades de uma eventual recuperação das atividades da empresa por um terceiro, e já ter preparado operações que devem ser efetuadas logo a seguir à declaração de insolvência para se poder realizar essa recuperação através de uma transação de ativos na qual a empresa do devedor, ou parte dela, é transferida à data da declaração de insolvência ou logo a seguir, e essas atividades forem total ou parcialmente continuadas de forma (quase) ininterrupta?

3)

Neste contexto, é relevante que a continuidade da empresa seja o objetivo primário do pre‑pack, ou que o administrador da insolvência (indigitado), através do pre‑pack e da venda dos ativos sob a forma de uma “going concern” [empresa em funcionamento] logo após a declaração de insolvência, pretenda maximizar os resultados para o conjunto de credores, ou que, no âmbito do pre‑pack, se tenha alcançado um acordo de vontades para a transferência de ativos (continuidade da empresa) antes da declaração de insolvência e que esse acordo seja formalizado e/ou concretizado depois da declaração de insolvência? Como se deverá encarar esta questão se o objetivo for tanto a continuidade da empresa como a maximização dos resultados?

4)

Para efeitos da aplicação da Diretiva 2001/23[…] e dos artigos 7:662 e seguintes do BW, o momento da transferência da empresa no âmbito de um pre‑pack que precede a declaração de insolvência é determinado pelo efetivo acordo de vontades sobre a transferência da empresa alcançado antes da declaração de insolvência, ou esse momento é determinado pelo momento em que a responsabilidade do empresário que explora a entidade em causa é efetivamente transferida do alienante para o adquirente?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

29

Na sequência das conclusões apresentadas pelo advogado‑geral, a Smallsteps solicitou, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de abril de 2017, que lhe fosse dada a possibilidade de reagir às mesmas, se necessário, após a reabertura da fase oral do processo. Em apoio do seu pedido, a Smallsteps alega, em substância, que as conclusões do advogado‑geral contêm alguns equívocos quanto ao processo de pre‑pack.

30

A este respeito, há que recordar que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de os interessados, referidos no artigo 23.o desse estatuto, apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (v., designadamente, acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk, C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 30).

31

Nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, em conformidade com o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (acórdão de 3 de dezembro de 2015, Banif Plus Bank, C‑312/14, EU:C:2015:794, n.o 33).

32

Por conseguinte, o desacordo de um interessado com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não constitui, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 26).

33

Assim sendo, o Tribunal de Justiça pode, em qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, nomeadamente se considerar que está insuficientemente esclarecido ou ainda quando a causa deva ser decidida com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou entre os interessados (v. acórdão de 9 de junho de 2016, Pesce e o., C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 27).

34

No entanto, no presente processo, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para decidir.

35

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça considera que não há que reabrir a fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira a terceira questões

36

A título liminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe, sendo caso disso, ao Tribunal de Justiça reformular as questões que lhe são submetidas (acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Município de Palmela, C‑144/16, EU:C:2017:76, n.o 20 e jurisprudência aí referida).

37

No caso em apreço, deve entender‑se que a primeira a terceira questões, que importa analisar em conjunto, visam, em substância, saber se a Diretiva 2001/23, e designadamente o seu artigo 5.o, n.o 1, deve ser interpretada no sentido de que a proteção dos trabalhadores garantida pelos artigos 3.o e 4.o dessa diretiva é mantida numa situação, como a que está em causa no processo principal, em que a transferência de uma empresa ocorre na sequência de uma declaração de insolvência no contexto de um pre‑pack, preparado anteriormente a essa declaração de insolvência e executado logo a seguir a esta, no âmbito do qual, nomeadamente, um «administrador da insolvência indigitado», nomeado por um tribunal, examina as possibilidades de uma eventual continuidade das atividades dessa empresa por um terceiro e prepara operações que devem ser efetuadas logo a seguir à declaração de insolvência para realizar essa continuidade das atividades, e, além disso, se é pertinente, a este respeito, que o objetivo prosseguido pela operação de pre‑pack vise tanto a prossecução das atividades da empresa em causa como a maximização do produto da cessão para o conjunto dos credores dessa empresa.

38

Antes de mais, há que salientar que, segundo o seu considerando 3, a Diretiva 2001/23 visa proteger os trabalhadores, em especial assegurando a manutenção dos seus direitos em caso de alteração da direção da empresa.

39

Para o efeito, o artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, dessa diretiva prevê que os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário. Por seu turno, o artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva protege os trabalhadores de qualquer despedimento efetuado pelo cedente ou pelo cessionário unicamente devido à referida transferência.

40

Por derrogação, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 enuncia que o regime de proteção, visado nos referidos artigos 3.o e 4.o, não se aplica às transferências de empresas efetuadas nas condições especificadas nessa disposição, salvo determinação em contrário dos Estados‑Membros.

41

Ora, o referido artigo 5.o, n.o 1, na medida em que torna, em princípio, inaplicável o regime de proteção dos trabalhadores no caso de determinadas transferências de empresa e se afasta assim do objetivo principal subjacente à Diretiva 2001/23, deve necessariamente ser objeto de interpretação estrita (v., quanto ao artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 77/187, conforme alterada pela Diretiva 98/50, acórdão de 4 de junho de 2002, Beckmann, C‑164/00, EU:C:2002:330, n.o 29).

42

Embora resulte da própria redação do primeiro membro de frase do n.o 1 do artigo 5.o da Diretiva 2001/23 que, em circunstâncias que justifiquem a aplicação dessa disposição, os Estados‑Membros têm a faculdade de aplicar o regime de proteção dos trabalhadores previsto nos artigos 3.o e 4.o dessa diretiva, no processo principal, contudo, o Estado‑Membro em causa não utilizou essa faculdade, como confirmou o Governo neerlandês na audiência.

43

Daqui decorre que o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23, na medida em que permite derrogar o regime de proteção dos trabalhadores, é aplicável a um processo como o que está em causa no processo principal, desde que, contudo, o processo visado cumpra os requisitos enunciados nessa disposição.

44

A este respeito, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 especifica ainda que o cedente deve ser objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência. Além disso, esse processo deve ser promovido para efeito da liquidação do património do cedente e estar sob o controlo de uma entidade oficial competente.

45

No que se refere, em primeiro lugar, ao requisito segundo o qual o cedente deve ser objeto de um processo de falência ou de um processo análogo por insolvência, este não se pode estender, tendo em conta a exigência de interpretação estrita, recordada no n.o 41 do presente acórdão, a uma operação que prepara a insolvência, mas que não conduz à mesma, como considerou o advogado‑geral no n.o 76 das suas conclusões.

46

Todavia, no caso em apreço, como resulta do n.o 14 do presente acórdão, a operação de pre‑pack em causa no processo principal foi efetivamente preparada antes da declaração de insolvência, mas foi executada posteriormente a esta última. Essa operação, que implica na realidade a insolvência, é, como tal, suscetível de ser abrangida pelo conceito de «processo de falência» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

47

Em segundo lugar, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 exige que o processo de falência ou um processo análogo por insolvência seja aberto para efeito da liquidação do património do cedente. A este respeito, entende‑se, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que um processo que visa a continuidade da atividade da empresa em causa não preenche esse requisito (v., neste sentido, acórdãos de 25 de julho de 1991, d’Urso e o., C‑362/89, EU:C:1991:326, n.os 31 e 32, e de 7 de dezembro de 1995, Spano e o., C‑472/93, EU:C:1995:421, n.o 25).

48

Quanto às diferenças entre esses dois tipos de processos, como especificou o advogado‑geral nos n.os 57 e 58 das suas conclusões, um processo visa a continuidade da atividade quando tem como objetivo salvaguardar o caráter operacional da empresa, ou as suas unidades viáveis. Em contrapartida, um processo tendente à liquidação do património visa maximizar a satisfação coletiva dos credores. Embora não se exclua que possa existir uma certa sobreposição entre esses dois objetivos prosseguidos por um determinado processo, o objetivo principal de um processo que visa a continuidade da atividade da empresa continua a ser, em todo o caso, a salvaguarda da empresa em causa.

49

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que uma operação de pre‑pack, como a que está em causa no processo principal, tem por objeto preparar a cessão da empresa nos mínimos detalhes de modo a permitir a rápida reativação das unidades viáveis da empresa a seguir à declaração de insolvência no intuito de evitar assim a rutura que resultaria da cessação abrupta das atividades dessa empresa na data da declaração de insolvência, de maneira a preservar o valor da referida empresa e o emprego.

50

Nestas condições, e sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve considerar‑se que, uma vez que tal operação não visa, em definitivo, a liquidação da empresa, o objetivo económico e social que prossegue não pode explicar nem justificar que, quando a empresa em causa é objeto de uma transferência total ou parcial, os seus trabalhadores sejam privados dos direitos que a Diretiva 2001/23 lhes reconhece (v., por analogia, acórdão de 7 de dezembro de 1995, Spano e o., C‑472/93, EU:C:1995:421, n.os 28 e 30).

51

Tendo em conta a observação efetuada no n.o 48 do presente acórdão, a mera circunstância de a referida operação de pre‑pack poder visar igualmente a maximização da satisfação dos credores não é suscetível de a transformar num processo aberto para efeitos da liquidação do património do cedente, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

52

Daqui decorre que há que considerar que tal operação tem por objetivo principal a salvaguarda da empresa em insolvência, pelo que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 47 do presente acórdão, não pode estar abrangida pelo artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

53

Em terceiro lugar, quanto ao requisito segundo o qual o processo referido no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 deve estar sob controlo de uma entidade oficial, importa salientar que a fase da operação de pre‑pack, como a que está em causa no processo principal, que antecede a declaração de insolvência, não tem nenhum fundamento na legislação nacional em causa.

54

Por conseguinte, essa operação não é levada a cabo sob o controlo do tribunal, mas, como decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, pela direção da empresa que dirige as negociações e adota as decisões que preparam a venda da empresa em insolvência.

55

Com efeito, apesar de nomeados pelo tribunal, a pedido da empresa em insolvência, o administrador da insolvência indigitado assim como o juiz‑comissário indigitado não dispõem formalmente de nenhum poder. Assim, não estão sujeitos a nenhum controlo por parte de uma autoridade pública.

56

Além disso, na medida em que, muito pouco tempo depois da abertura da insolvência, o administrador pede e obtém a autorização do juiz‑comissário para a cessão da empresa, é preciso que, antes da declaração da insolvência, este tenha sido informado e, em substância, não se tenha oposto a essa cessão.

57

Ora, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 82 das suas conclusões, esta maneira de proceder é suscetível de esvaziar quase totalmente de conteúdo qualquer eventual controlo do processo de insolvência por parte de uma autoridade pública competente e, assim, não cumpre o requisito de controlo por parte dessa autoridade enunciado no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23.

58

Decorre do exposto que uma operação de pre‑pack como a que está em causa no processo principal não cumpre todos os requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2001/23 e que, por conseguinte, não se pode admitir uma derrogação ao regime de proteção previsto nos artigos 3.o e 4.o dessa diretiva.

59

Em face das considerações anteriores, há que responder à primeira a terceira questões submetidas que a Diretiva 2001/23, e designadamente o seu artigo 5.o, n.o 1, deve ser interpretada no sentido de que a proteção dos trabalhadores garantida pelos artigos 3.o e 4.o dessa diretiva é mantida numa situação, como a que está em causa no processo principal, em que a transferência de uma empresa ocorre na sequência de uma declaração de insolvência no contexto de um pre‑pack, preparado anteriormente a essa declaração de insolvência e executado logo a seguir a esta, no âmbito do qual, nomeadamente, um «administrador da insolvência indigitado», nomeado por um tribunal, examina as possibilidades de uma eventual continuidade das atividades dessa empresa por um terceiro e prepara operações que devem ser efetuadas logo a seguir à declaração de insolvência para realizar essa continuidade das atividades, e, além disso, que não é pertinente, a este respeito, que o objetivo prosseguido pela operação de pre‑pack vise igualmente a maximização do produto da cessão para o conjunto dos credores dessa empresa.

Quanto à quarta questão

60

Tendo em conta a resposta dada à primeira a terceira questões, não há que responder à quarta questão.

Quanto às despesas

61

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

A Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, e designadamente o seu artigo 5.o, n.o 1, deve ser interpretada no sentido de que a proteção dos trabalhadores garantida pelos artigos 3.o e 4.o dessa diretiva é mantida numa situação, como a que está em causa no processo principal, em que a transferência de uma empresa ocorre na sequência de uma declaração de insolvência no contexto de um pre‑pack, preparado anteriormente a essa declaração de insolvência e executado logo a seguir a esta, no âmbito do qual, nomeadamente, um «administrador da insolvência indigitado», nomeado por um tribunal, examina as possibilidades de uma eventual continuidade das atividades dessa empresa por um terceiro e prepara operações que devem ser efetuadas logo a seguir à declaração de insolvência para realizar essa continuidade das atividades, e, além disso, que não é pertinente, a este respeito, que o objetivo prosseguido pela operação de pre‑pack vise igualmente a maximização do produto da cessão para o conjunto dos credores dessa empresa.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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