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Document 62016CC0683

    Conclusões do advogado-geral N. Wahl apresentadas em 25 de janeiro de 2018.
    Deutscher Naturschutzring – Dachverband der deutschen Natur- und Umweltschutzverbände eV contra Bundesrepublik Deutschland.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Köln.
    Reenvio prejudicial — Política comum das pescas — Regulamento (UE) n.o 1380/2013 — Artigo 11.o — Conservação dos recursos biológicos marinhos — Proteção do ambiente — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Competência exclusiva da União Europeia.
    Processo C-683/16.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:38

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    NILS WAHL

    apresentadas em 25 de janeiro de 2018 ( 1 )

    Processo C‑683/16

    Deutscher Naturschutzring, Dachverband der deutschen Natur‑ und Umweltschutzverbände e.V.

    contra

    República Federal da Alemanha

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia, Alemanha)]

    «Política comum das pescas — Conservação dos recursos biológicos marinhos — Proteção do ambiente — Preservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens — Competência exclusiva da União Europeia»

    1.

    Uma medida como a proibição geral de utilização de certos métodos e artes de pesca em áreas naturais protegidas tendo em vista a proteção de todo o ecossistema marinho está abrangida, para efeitos dos Tratados da União Europeia, pelo domínio da conservação dos recursos biológicos marinhos no âmbito da política comum das pescas (a seguir «PCP») ou pelo domínio da política do ambiente?

    2.

    É esta, em substância, a questão que se coloca no presente processo.

    I. Quadro jurídico

    A.   Regulamento (UE) n.o 1380/2013

    3.

    O Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho ( 2 ), contém disposições que visam a execução da PCP.

    4.

    O considerando 25 desse regulamento tem a seguinte redação:

    «A Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho [ ( 3 )], a Diretiva 92/43/CEE do Conselho [ ( 4 )], e a Diretiva 2008/56/CE [ ( 5 )] impõem determinadas obrigações aos Estados‑Membros em matéria de zonas de proteção especial, de zonas especiais de conservação e de áreas marinhas protegidas, respetivamente. Essas medidas poderão exigir a adoção de medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação da Política Comum das Pescas. Por conseguinte, é conveniente autorizar os Estados‑Membros a adotar, nas águas sob a sua soberania ou jurisdição, as medidas de conservação necessárias para o cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força dos referidos atos da União, sempre que essas medidas não afetem os interesses pesqueiros de outros Estados‑Membros. Nos casos em que essas medidas sejam suscetíveis de afetar os interesses pesqueiros de outros Estados‑Membros, deverá ser conferido à Comissão o poder de as adotar, e deverá recorrer‑se à cooperação regional entre os Estados‑Membros em causa.»

    5.

    O artigo 4.o, n.o 1 («Definições»), do Regulamento n.o 1380/2013 dispõe:

    «[…]

    5)

    “Navio de pesca da União”: um navio de pesca que arvore pavilhão de um Estado‑Membro e esteja registado na União;

    […]

    22)

    “Estado‑Membro com interesses diretos de gestão”: um Estado‑Membro que tem um interesse determinado quer por possibilidades de pesca quer por pescarias realizadas na sua zona económica exclusiva, ou, no Mar Mediterrâneo, por pescarias tradicionais no alto mar;

    […]»

    6.

    O artigo 11.o («Medidas de conservação necessárias para o cumprimento das obrigações da legislação ambiental da União») do mesmo regulamento estabelece:

    «1.   Os Estados‑Membros podem adotar medidas de conservação, que não afetem os navios de pesca de outros Estados‑Membros, aplicáveis às águas sob a sua soberania ou a sua jurisdição, necessárias para o cumprimento das suas obrigações nos termos do artigo 13.o, n.o 4, da Diretiva 2008/56/CE, do artigo 4.o da Diretiva 2009/147/CE ou do artigo 6.o da Diretiva 92/43/CEE, desde que essas medidas sejam compatíveis com os objetivos estabelecidos no artigo 2.o do presente regulamento, cumpram os objetivos da legislação aplicável da União que se destinam a aplicar e sejam pelo menos tão estritas como as medidas previstas pela legislação da União.

    2.   Caso um Estado‑Membro (“Estado‑Membro que iniciou o processo”) considere que devem ser adotadas medidas para dar cumprimento às obrigações previstas no n.o 1 e outros Estados‑Membros tenham interesses diretos de gestão na pescaria afetada por essas medidas, a Comissão fica habilitada a adotar essas medidas, a pedido, por meio de atos delegados nos termos do artigo 46.o Para esse efeito, aplica‑se, com as necessárias adaptações, o artigo 18.o, n.os 1 a 4 e n.o 6.

    […]»

    B.   Diretiva 92/43

    7.

    O artigo 6.o da Diretiva 92/43 (habitualmente designada por «Diretiva Habitats») estabelece:

    «1.   Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

    2.   Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.

    […]»

    C.   Diretiva 2004/35/CE

    8.

    A Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais ( 6 ), estabelece um quadro baseado no princípio do «poluidor‑pagador», para prevenir e reparar danos ambientais.

    II. Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

    9.

    A Deutscher Naturschutzring, Dachverband der deutschen Natur‑ und Umweltschutzverbände e.V. (a seguir «Deutscher Naturschutzring») é uma reconhecida associação de proteção da natureza com capacidade judiciária na Alemanha. Em 30 de julho de 2014, requereu ao Bundesamt für Naturschutz (Organismo Federal para a Conservação da Natureza, a seguir «Organismo Federal») que proibisse, em conformidade com a legislação nacional, as artes de pesca marítima que revolvem os fundos e o uso de redes de emalhar em algumas áreas da rede Natura 2000 ( 7 ) situadas na zona económica exclusiva alemã do mar do Norte e do mar Báltico (a seguir «medidas em causa no processo principal»).

    10.

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, nas referidas áreas pratica‑se a pesca marítima com diversos métodos de captura. Alguns desses métodos implicam a utilização de artes de pesca móveis de arrasto que afetam de forma negativa os recifes e os bancos de areia, e a utilização de redes fixas de emalhar e de tresmalho que têm como consequência a captura involuntária de toninhas e aves marinhas.

    11.

    O Organismo Federal indeferiu, em primeiro lugar, o pedido por decisão de 29 de outubro de 2014, seguidamente a reclamação deduzida pelo Deutscher Naturschutzring por decisão de 19 de dezembro de 2014. O Organismo Federal considerou que não tinha competência para adotar as medidas solicitadas, dado que, em princípio, são da competência exclusiva da União nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE. Na sua opinião, as medidas que afetem a pesca marítima com navios de pesca de outros Estados‑Membros na zona económica exclusiva alemã devem ser adotadas pelas instituições da União, em conformidade com os artigos 11.o e 18.o do Regulamento n.o 1380/2013.

    12.

    Em 27 de janeiro de 2015, a Deutscher Naturschutzring recorreu dessa decisão para o Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia, Alemanha). O referido órgão jurisdicional, tendo dúvidas quanto à correta interpretação das disposições pertinentes de direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 11.o do [Regulamento n.o 1380/2013] ser interpretado no sentido de que se opõe a medidas de um Estado‑Membro aplicáveis nas águas sob a sua soberania ou jurisdição que são necessárias para o cumprimento das obrigações do Estado‑Membro de acordo com o artigo 6.o da Diretiva [92/43], que tenham impacto nos navios de pesca de outros Estados‑Membros e pelas quais são proibidas nas áreas da [r]ede Natura 2000 artes profissionais de pesca marítima utilizando aparelhos que revolvem os fundos marítimos bem como redes fixas (“redes de emalhar e de tresmalho”)?

    Em particular:

    a)

    Deve o artigo 11.o do [Regulamento n.o 1380/2013] ser interpretado no sentido de que o conceito de “medidas de conservação” abrange os métodos de pesca referidos na primeira questão prejudicial?

    b)

    Deve o artigo 11.o do [Regulamento n.o 1380/2013] ser interpretado no sentido de que o conceito de “navios de pesca de outros Estados‑Membros” abrange também os navios de pesca de um outro Estado‑Membro que navegam arvorando a bandeira do Estado‑Membro República Federal da Alemanha?

    c)

    Deve o artigo 11.o do [Regulamento n.o 1380/2013] ser interpretado no sentido de que o conceito de “cumprir os objetivos da legislação aplicável na União” abrange também as medidas adotadas pelo Estado‑Membro que se limitam a favorecer o cumprimento dos objetivos mencionados na referida legislação?

    2)

    Deve o artigo 11.o do [Regulamento n.o 1380/2013] ser interpretado no sentido de que se opõe às medidas de um Estado‑Membro [aplicáveis] às águas sob sua soberania ou jurisdição que são necessárias para o cumprimento das obrigações que lhe incumbem de acordo com a [Diretiva 2004/35]?

    3)

    Caso a resposta [à] primeira e segunda questões seja, alternativa ou cumulativamente, negativa:

    A competência exclusiva da União Europeia no domínio da conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum das pescas prevista no artigo 3.o, n.o 1, alínea d), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, opõe‑se à adoção das referidas medidas pelo Estado‑Membro?»

    13.

    Apresentaram observações escritas a Deutscher Naturschutzring, o Organismo Federal, os Governos espanhol, polaco e português e a Comissão. A Deutscher Naturschutzring, o Organismo Federal, os Governos alemão, espanhol e português e a Comissão também apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 22 de novembro de 2017.

    III. Análise

    A.   Quanto à primeira questão

    14.

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção, por um Estado‑Membro, de medidas aplicáveis nas águas sob a sua soberania ou jurisdição para cumprir as obrigações decorrentes do artigo 6.o da Diretiva 92/43, quando essas medidas sejam suscetíveis de afetar os navios de pesca de outros Estados‑Membros ao proibirem a utilização de artes de pesca que revolvem os fundos marítimos, bem como de redes fixas. Para o efeito, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, em especial, que esclareça o significado dos termos «medidas de conservação», «navios de pesca de outros Estados‑Membros» e «[cumprir] os objetivos da legislação aplicável da União» utilizados nessa disposição.

    15.

    O Organismo Federal, os Governos alemão, espanhol e polaco, bem como a Comissão, propõem que seja dada resposta afirmativa à questão. No seu entender, uma vez que medidas como a proibição geral de utilização de certos métodos de pesca em áreas da rede Natura 2000 são suscetíveis de afetar os navios de pesca de outros Estados‑Membros, essas medidas só podem ser adotadas pela Comissão. Alegam, designadamente, que o conceito de «medidas de conservação» constante do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 abrange medidas como as que estão em causa no processo principal.

    16.

    Em contrapartida, o Governo português e a Deutscher Naturschutzring consideram que a resposta a esta questão deve ser negativa. Sustentam, em especial, que medidas como as que estão em causa no processo principal, devido ao seu objetivo ambiental, estão excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1380/2013 e, consequentemente, podem ser adotadas unilateralmente por um Estado‑Membro.

    17.

    Seguidamente, explicarei por que motivo subscrevo a primeira posição. No meu entender, medidas como as que estão em causa no processo principal são, por natureza, medidas que se enquadram no domínio da conservação dos recursos biológicos marinhos no âmbito da PCP. Por conseguinte, nos termos do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013, um Estado‑Membro não pode adotar nenhuma medida deste tipo em relação a áreas situadas na sua zona económica exclusiva quando essa medida afetar os direitos de pesca de outros Estados‑Membros.

    1. Introdução: quanto à política das pescas e à política do ambiente

    18.

    Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE, a União tem competência exclusiva no domínio da conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da PCP. Em contrapartida, os demais aspetos da PCP e do ambiente fazem parte, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, alíneas d) e e), TFUE, dos domínios de competência partilhada da União.

    19.

    Um dos principais argumentos aduzidos pelo Governo português e pela Deutscher Naturschutzring em apoio do seu ponto de vista é o de que, uma vez que o Regulamento n.o 1380/2013 foi adotado com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, só respeita a medidas relativas às pescas, e não a medidas adotadas para proteção do ambiente.

    20.

    Contudo, o Tribunal de Justiça já rejeitou um argumento muito semelhante no acórdão Mondiet ( 8 ). Nesse processo o Tribunal de Justiça devia apreciar, entre outras questões, a legalidade de uma disposição que, para fins ambientais, proibia a utilização de certos métodos e artes de pesca, constante de uma medida da União adotada com fundamento em bases jurídicas no âmbito da PCP.

    21.

    No seu acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que a disposição em causa previa certas medidas técnicas de conservação dos recursos do mar e tinha sido adotada para proteger os fundos de pesca. O Tribunal de Justiça considerou que o facto de a referida disposição prosseguir também um objetivo ambiental não exigia uma base jurídica adicional para a sua adoção. O Tribunal de Justiça observou que, segundo o artigo 130.o‑R, n.o 2, do Tratado CEE então em vigor (atualmente substituído, no essencial, pelo artigo 11.o TFUE), as exigências em matéria de proteção do ambiente são uma componente das outras políticas da Comunidade. Por conseguinte, considerou que o mero facto de uma medida comunitária ter em conta essas exigências não significava que estivesse necessariamente inserida na política da Comunidade em matéria de ambiente ( 9 ).

    22.

    Na minha opinião, essas considerações são totalmente transponíveis para as medidas em causa no processo principal. Pela sua própria natureza, o conteúdo dessas medidas diz respeito à PCP e em especial à conservação dos recursos biológicos marinhos. Essas medidas proíbem a utilização de certos métodos e artes de pesca, regulamentando assim o modo como as atividades de pesca podem ser executadas em certas áreas, e, consequentemente, afetam a quantidade de recursos biológicos marinhos capturados nessas áreas.

    23.

    É um facto que essas medidas também afetariam espécies diferentes daquelas que estão sujeitas a captura e, de um modo geral, todo o ecossistema das áreas. Porém, isso não é suficiente para as excluir do âmbito de aplicação da PCP. A este respeito, basta salientar que todas as espécies animais — incluindo as espécies marinhas sujeitas a captura — só podem viver, reproduzir‑se e desenvolver‑se se o seu ecossistema estiver suficientemente conservado. Qualquer alteração significativa dos elementos biológicos e/ou não biológicos de um ecossistema marinho é suscetível de ter impacto nas unidades populacionais de peixes nessas áreas. É por esse motivo que o Regulamento n.o 1380/2013 pretende implementar uma abordagem ecossistémica à gestão das pescas, a fim de assegurar que os impactos negativos das atividades de pesca no ecossistema marinho sejam reduzidos ao mínimo e de evitar, tanto quanto possível, a degradação do ambiente marinho ( 10 ).

    24.

    Ao contrário do Governo português, não interpreto o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo Kramer e o. ( 11 ) no sentido de que apenas as medidas respeitantes aos recursos marinhos suscetíveis de exploração comercial estão abrangidas pela PCP. Independentemente do facto de esse acórdão ter sido proferido numa altura em que o Tratado CEE não continha qualquer disposição específica em matéria ambiental (muito menos uma disposição que consagrasse o princípio da integração atualmente previsto no artigo 11.o TFUE ( 12 )), o Tribunal de Justiça limitou‑se a declarar que o elemento determinante para que uma medida de conservação esteja incluída na PCP é que, a longo prazo, essa medida seja necessária «para garantir um rendimento ótimo e permanente da pesca» ( 13 ). Pelos motivos expostos no número anterior, considero que as medidas em causa no presente processo satisfazem essa exigência.

    25.

    Esta interpretação é corroborada pelo considerando 25 do Regulamento n.o 1380/2013, que reconhece que as Diretivas 2009/147, 92/43 e 2008/56 impõem determinadas obrigações aos Estados‑Membros em matéria de zonas de proteção especial e que, para as cumprirem, os Estados‑Membros podem ter de adotar «medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação da [PCP]».

    26.

    Com efeito, a ideia subjacente ao artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE é que o exercício de conciliação entre o objetivo puramente económico de exploração ótima dos recursos marinhos e o objetivo de natureza mais ambiental de conservação e gestão sustentável desses recursos e, consequentemente, dos ecossistemas marinhos na sua totalidade deveria ser realizado ao nível da União. Se os Estados‑Membros pudessem adotar unilateralmente medidas suscetíveis de afetar imediata e diretamente os locais, o modo e a intensidade das atividades de pesca, a eficácia e a coerência da PCP ficaria comprometida, dando origem a uma fragmentação e distorção do mercado interno.

    27.

    Importa ter em conta que, segundo jurisprudência constante, uma medida da União que prossiga duas finalidades ou que tenha duas componentes deve assentar numa única base jurídica, a saber, a exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante, se uma destas for identificável como principal ou preponderante, ao passo que a outra apenas é acessória ( 14 ). Por conseguinte, o facto de o Regulamento n.o 1380/2013 se basear exclusivamente no artigo 43.o, n.o 2, TFUE não significa que não possa conter disposições (de natureza acessória) que, devido ao seu conteúdo ou finalidade, pertençam (ou simplesmente afetem) outras políticas da União, por exemplo, a do ambiente. Esse entendimento é particularmente válido em relação a disposições que, como o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013, visam regular a relação entre instrumentos adotados em diferentes domínios de ação da União.

    28.

    Assim, mesmo que se considerasse que uma disposição como o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 possui principalmente conteúdo ambiental ou prossegue principalmente uma finalidade ambiental, isso não significaria que não poderia ser incluída num instrumento jurídico adotado sobre uma única base jurídica em matéria de pesca. Com efeito, poderia ser entendida como uma disposição de natureza acessória, relacionada com o ambiente, licitamente incluída num instrumento que prossegue objetivos mais vastos de política da pesca.

    29.

    Obviamente, isto não significa que uma disposição equivalente ou semelhante ao artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 não possa ser incluída num instrumento que prossiga um objetivo ambiental mais vasto e, portanto, baseado (apenas ou também) no artigo 192.o TFUE. Por outras palavras, o facto de medidas com as propostas pela Deutscher Naturschutzring se destinarem a proteger o ecossistema marinho no seu conjunto (e não apenas ou principalmente os recursos marinhos suscetíveis de exploração comercial) não significa que não sejam validamente reguladas pelo artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013. Se essa disposição é válida (e nenhuma parte alegou o contrário), não vejo como possam ser ignoradas as regras que estabelece.

    30.

    À luz do exposto, as medidas em causa no processo principal estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da PCP e, em especial, da conservação dos recursos biológicos marinhos, e não pelo âmbito de aplicação da política da União em matéria de ambiente. Uma vez que a primeira corresponde a um domínio da competência exclusiva da União, essas medidas só podem ser adotadas pelas suas instituições, a menos que a União delegue ou autorize as autoridades dos Estados‑Membros a fazê‑lo.

    31.

    É com base nestas premissas que analisarei os diferentes aspetos das questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Ainda que, como alega o Organismo Federal, alguns desses aspetos não sejam decisivos para responder à primeira questão, examinarei todos eles por um critério de exaustividade.

    2. Quanto ao conceito de «medidas de conservação»

    32.

    O artigo 7.o do Regulamento n.o 1380/2013 contém uma lista não exaustiva de medidas que devem ser consideradas «medidas de conservação» para efeitos desse regulamento, que inclui «[m]edidas necessárias para dar cumprimento às obrigações estabelecidas na legislação ambiental da União, adotadas nos termos do artigo 11.o» ( 15 ). Inclui igualmente «medidas técnicas» como as «características das artes de pesca e as regras relativas à sua utilização», as «especificações relativas à construção das artes de pesca», e as «restrições ou proibições da utilização de determinadas artes de pesca, e das atividades de pesca, em certas zonas ou certos períodos» ( 16 ). O conceito de «medida técnica» também é definido no artigo 4.o, n.o 1, ponto 20, do mesmo regulamento como qualquer «medida que regulamenta a composição das capturas por espécies e por tamanhos e os impactos nas componentes dos ecossistemas resultantes das atividades de pesca, estabelecendo condições para a utilização e a estrutura das artes de pesca e restrições do acesso às zonas de pesca».

    33.

    Decorre, assim, da própria redação do Regulamento n.o 1380/2013 que medidas como as que estão em causa no processo principal — que regulam e proíbem a utilização de certos métodos e artes de pesca — estão abrangidas pelo conceito de «medidas de conservação» para efeitos desse regulamento.

    3. Quanto ao conceito de «navios de pesca de outros Estados‑Membros»

    34.

    Seguidamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que clarifique o significado da expressão «navios de pesca de outros Estados‑Membros».

    35.

    A este respeito, observo que, em primeiro lugar, o artigo 4.o, n.o 1, ponto 5, do Regulamento n.o 1380/2013 define os navios de pesca da União com referência ao pavilhão que arvoram e ao seu país de registo. Em segundo lugar, o artigo 19.o do mesmo regulamento, relativo às medidas de conservação das unidades populacionais de peixes nas águas da União adotadas pelos Estados‑Membros, também faz referência a navios de pesca que arvoram o pavilhão do Estado‑Membro interessado. Em terceiro lugar, uma referência a essas duas exigências parece também decorrer do artigo 24.o, n.o 1, do mesmo regulamento, nos termos do qual «[o]s Estados‑Membros registam as informações sobre a propriedade, sobre as características por navio e por arte e sobre a atividade dos navios de pesca da União que arvoram o seu pavilhão necessárias para a gestão das medidas estabelecidas pelo presente regulamento». Por conseguinte, o Regulamento n.o 1380/2013 parece tomar como ponto de referência para determinar a nacionalidade de um navio tanto o seu pavilhão como o local de registo.

    36.

    Por conseguinte, os dois conceitos devem, em princípio, coincidir. Com efeito, segundo o artigo 91.o («Nacionalidade dos navios») da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ( 17 ), «[t]odo o Estado deve estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registo de navios no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar.» O artigo 94.o («Deveres do Estado de bandeira») dessa Convenção acrescenta que todo o Estado deve «exercer, de modo efetivo, a sua jurisdição e o seu controlo em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira» e, em especial, «[m]anter um registo de navios no qual figurem os nomes e as características dos navios que arvorem a sua bandeira», e «[e]xercer a sua jurisdição de conformidade com o seu direito interno sobre todo o navio que arvore a sua bandeira […] em questões administrativas, técnicas e sociais que se relacionem com o navio». Em conformidade com essas regras de direito internacional púbico, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que um navio tem apenas, em princípio, uma única nacionalidade, a saber, a do Estado em que está registado ( 18 ).

    37.

    Consequentemente, a expressão «navios de pesca de outros Estados‑Membros» que figura no artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 deve ser interpretada no sentido de que se refere aos navios registados em Estados‑Membros diferentes daqueles que exercem soberania ou jurisdição sobre as águas em causa (e, portanto, que arvorem o pavilhão de tais Estados‑Membros).

    38.

    Neste contexto, gostaria de acrescentar que, na sistemática do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013, a nacionalidade dos navios afetados pelas medidas de conservação necessárias para o cumprimento da legislação ambiental da União é um elemento crucial. Com efeito, nos termos do n.o 1 dessa disposição, o Estado‑Membro interessado pode adotar, por sua própria iniciativa, medidas de conservação que afetem unicamente navios nacionais, desde que as condições pertinentes sejam preenchidas. Em contrapartida, as medidas de conservação que possam afetar também navios de outros Estados‑Membros devem ser adotadas pela Comissão, em conformidade com os procedimentos específicos estabelecidos no artigo 11.o, n.os 2 a 6, e no artigo 18.o do Regulamento n.o 1380/2013 ( 19 ).

    39.

    Esta exigência de incidência nos navios de outros Estados‑Membros está prevista no artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1380/2013, que faz referência a «outros Estados‑Membros [que] tenham interesses diretos de gestão na pescaria afetada [pelas] medidas [em causa]». Por seu turno, essa expressão encontra‑se definida no artigo 4.o, n.o 1, ponto 22, do Regulamento n.o 1380/2013 nos seguintes termos: «“Estado‑Membro com interesses diretos de gestão”: um Estado‑Membro que tem um interesse determinado quer por possibilidades de pesca quer por pescarias realizadas na sua zona económica exclusiva […]».

    40.

    Como observam, com razão, o Organismo Federal e a Comissão, desta disposição decorre que, por princípio, é necessária a intervenção da Comissão nos termos do artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1380/2013 quando as medidas de conservação afetem os navios de outros Estados‑Membros que pescam na área em causa ou que, apesar de não pescarem (ou de ainda não pescarem) na área em causa, têm o direito de o fazer.

    4. Quanto à expressão «cumpr[ir] os objetivos da legislação aplicável da União»

    41.

    Por último, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que clarifique a expressão «cumpr[ir] os objetivos da legislação aplicável da União» referido no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se essa expressão significa que as medidas de conservação em questão devem, elas próprias, ser suficientes para alcançar os objetivos da legislação aplicável da União ou se, pelo contrário, basta que simplesmente contribuam para a concretização desses objetivos.

    42.

    A questão aqui suscitada é provavelmente mais terminológica do que substantiva.

    43.

    Parece‑me que, quando uma ou mais medidas são adotadas com vista a proteger o ambiente, só raramente as autoridades poderão ter a certeza de que os objetivos prosseguidos serão totalmente e seguramente alcançados devido a essas mesmas medidas. Com efeito, muitas vezes é difícil avaliar a eficácia das medidas planeadas ex ante, e o resultado poderá depender de diversos fatores, alguns dos quais não podem ser inteiramente controlados ou previstos. Isto também é válido quando uma ação é considerada necessária para responder a fenómenos com múltiplas e variadas causas, que podem até ser objeto de uma certa controvérsia do ponto de vista científico. Além disso, as metas ambientais são frequentemente objetivos a longo prazo que apenas podem ser alcançados através de uma multiplicidade de medidas que podem ter de ser adaptadas ao longo do tempo, em função da evolução da situação.

    44.

    É certo que o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 também visa medidas de conservação «necessárias» para o cumprimento da legislação ambiental da União ( 20 ), o que poderá sugerir que apenas estão abrangidas por esta disposição as medidas indispensáveis para alcançar os objetivos anunciados.

    45.

    Contudo, a referida expressão pode ser explicada pelo facto de o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 exigir que os Estados‑Membros conciliem dois tipos de objetivos, por vezes concorrentes: os objetivos da PCP (enunciados no artigo 39.o TFUE e no artigo 2.o do Regulamento n.o 1380/2013) e os objetivos ambientais prosseguidos pelas disposições de direito da União referidas no artigo 11.o, n.o 1, do referido regulamento.

    46.

    A necessidade de os Estados‑Membros procederem a essa conciliação torna‑se evidente quando todas as condições estabelecidas no artigo 11.o, n.o 1, para a adoção de medidas de conservação pelos Estados‑Membros são examinadas em conjunto. Por um lado, essa disposição estabelece que as medidas devem ser «compatíveis com os objetivos estabelecidos no artigo 2.o [desse] regulamento». Por outro lado, acrescenta que essas medidas devem também ser suscetíveis de «cumpr[ir] os objetivos da legislação aplicável da União que se destinam a aplicar».

    47.

    Por outras palavras, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 exige que os Estados‑Membros avaliem a proporcionalidade das medidas previstas. Um elemento fundamental dessa avaliação é, segundo jurisprudência assente ( 21 ), a confirmação de que essas medidas são aptas e necessárias — concebidas como medidas que provavelmente contribuirão de forma positiva e significativa — para a concretização dos objetivos ambientais prosseguidos pelo artigo 13.o, n.o 4, da Diretiva 2008/56, pelo artigo 4.o da Diretiva 2009/147 e pelo artigo 6.o da Diretiva 92/43.

    48.

    Por conseguinte, a expressão «cumpr[ir] os objetivos da legislação aplicável da União» que figura no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 significa que as medidas de conservação em questão devem contribuir de forma positiva e significativa para a concretização dos objetivos ambientais prosseguidos pelas disposições aí referidas.

    5. Conclusão quanto à primeira questão

    49.

    Para concluir esta questão, gostaria de salientar novamente que as medidas em causa no processo principal estão abrangidas, pela sua própria natureza, pelo âmbito de aplicação do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013. É inegável que: i) as medidas em causa no processo principal são consideradas, pelo menos pela Deutscher Naturschutzring, necessárias para cumprir as obrigações estabelecidas no artigo 6.o da Diretiva 92/43; e que ii) essas medidas, ao proibirem a utilização de certos métodos de pesca por todos os navios que pesquem em determinadas áreas protegidas, são suscetíveis de afetar os interesses pesqueiros de Estados‑Membros diferentes da República Federal da Alemanha ( 22 ).

    50.

    À luz do exposto, entendo que o Tribunal de Justiça deve responder à primeira questão prejudicial no sentido de que, interpretado corretamente, o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 se opõe à adoção, por um Estado‑Membro, de medidas aplicáveis nas águas sob a sua soberania ou jurisdição que visam cumprir as obrigações decorrentes do artigo 6.o da Diretiva 92/43 quando essas medidas afetem os navios de pesca de outros Estados‑Membros ao proibirem a utilização de artes de pesca que revolvem os fundos marítimos e de redes fixas.

    B.   Quanto à segunda questão

    51.

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 se opõe a medidas de um Estado‑Membro aplicáveis às águas sob sua soberania ou jurisdição que sejam necessárias para cumprir as obrigações que lhe incumbem de acordo com a Diretiva 2004/35.

    52.

    O órgão jurisdicional de reenvio formulou esta questão em termos demasiado vagos não lhe podendo ser dada uma resposta útil. É evidente que o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 não pode ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção, por um Estado‑Membro, de qualquer tipo de medidas aplicáveis às águas sob sua soberania ou jurisdição que seja considerada necessária para cumprir as obrigações que lhe incumbem de acordo com a Diretiva 2004/35.

    53.

    Por conseguinte, é necessário reformular a questão. No essencial, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 se opõe a medidas de um Estado‑Membro aplicáveis às águas sob sua soberania ou jurisdição, como as que estão em causa no processo principal, ainda que sejam consideradas necessárias para cumprir as obrigações que lhe incumbem de acordo com a Diretiva 2004/35.

    54.

    Para começar, devo admitir que não compreendo por que razão medidas como as que estão em causa no processo principal podem ser consideradas necessárias para que a República Federal da Alemanha cumpra as obrigações decorrentes da Diretiva 2004/35.

    55.

    O princípio fundamental dessa diretiva é o da responsabilização financeira do operador cuja atividade tenha causado danos ambientais ou a ameaça iminente de tais danos, a fim de induzir os operadores a tomarem medidas e a desenvolverem práticas por forma a minimizar os riscos de danos ambientais e, consequentemente, reduzir a sua exposição a responsabilidade financeira. Para tal, a Diretiva 2004/35 visa estabelecer um quadro comum de prevenção e reparação de danos ambientais a custos razoáveis para a sociedade ( 23 ).

    56.

    Há que salientar que, no seu considerando 13, a mesma diretiva explica que «[n]em todas as formas de danos ambientais podem ser corrigidas pelo mecanismo da responsabilidade [nela estabelecido]. Para que este seja eficaz, tem de haver um ou mais poluidores identificáveis, o dano tem de ser concreto e quantificável e tem de ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e o ou os poluidores identificados. Por conseguinte, a responsabilidade não é um instrumento adequado para tratar a poluição de caráter disseminado e difuso, em que é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos com atos ou omissões de determinados agentes individuais».

    57.

    Porém, o tipo de dano que a Deutscher Naturschutzring pretende evitar com a adoção das medidas em causa no processo principal parece ter precisamente um caráter disseminado e difuso. Os argumentos da Deutscher Naturschutzring aparentemente baseiam‑se na premissa de que qualquer tipo de utilização dos métodos e artes de pesca controvertidos provoca inevitavelmente danos no ecossistema marinho das áreas protegidas.

    58.

    Além disso, as obrigações substantivas fundamentais que decorrem das disposições da Diretiva 2004/35 têm por destinatários os operadores económicos, e não as autoridades dos Estados‑Membros.

    59.

    Todavia, a este propósito, a Deutscher Naturschutzring invoca os artigos 12.o e 13.o da Diretiva 2004/35, que em substância exigem que os Estados‑Membros implementem i) procedimentos administrativos que permitam às pessoas interessadas pedir a intervenção das autoridades competentes dos Estados‑Membros nos termos dessa diretiva em caso de danos ambientais ou de ameaça iminente desses danos, e ii) procedimentos de recurso que permitam a essas pessoas impugnar os atos ou omissões das referidas autoridades. Não obstante, como referem claramente os considerandos 24 a 26 da referida diretiva, esses procedimentos devem ser entendidos como meios de aplicação ou execução da diretiva. Por outras palavras, o âmbito desses procedimentos está confinado ao objeto da Diretiva 2004/35 que, segundo o seu artigo 1.o, consiste em estabelecer um quadro de responsabilidade ambiental baseado no princípio do «poluidor‑pagador».

    60.

    Assim sendo, não existe qualquer fundamento para interpretar os artigos 12.o e 13.o da Diretiva 2004/35 no sentido de que obrigam os Estados‑Membros a instituírem um sistema de procedimentos administrativos e de recurso que permitam aos interessados pedir a intervenção das autoridades em relação a qualquer atividade humana suscetível de produzir qualquer tipo de efeito no ambiente.

    61.

    Também tenho dúvidas quanto à aplicabilidade da Diretiva 2004/35 ao caso em apreço por força do seu artigo 5.o, que permite que, em certas circunstâncias, os Estados‑Membros exijam que os operadores tomem as «medidas de prevenção necessárias». As medidas de prevenção só podem ser impostas «em resposta a um acontecimento, ato ou omissão que tenha causado uma ameaça iminente de danos ambientais» ( 24 ). Acresce que, como exposto anteriormente, esses danos devem ser «concreto[s] e quantificáv[eis]» e imputáveis a um ou mais «poluidores identificáveis».

    62.

    Em qualquer caso — independentemente da questão da aplicabilidade da Diretiva 2004/35 a uma situação como a que está em causa no processo principal —, entendo que a resposta à segunda questão prejudicial decorre da resposta proposta para a primeira questão. Se as medidas em causa no processo principal devem, pela sua própria natureza, ser incluídas no domínio da conservação dos recursos biológicos marinhos no âmbito da PCP, essas medidas só podem ser adotadas se e quando as regras dessa política o permitirem. O artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 é a disposição‑chave nessa matéria.

    63.

    Ora, o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 dispõe que, nos casos em que afetem também os navios de pesca de outros Estados‑Membros, apenas a Comissão está habilitada a adotar tais medidas. Além disso, o artigo 11.o só permite a adoção das medidas de conservação que sejam necessárias para cumprir as obrigações estabelecidas em três disposições específicas da legislação ambiental da União: o artigo 13.o, n.o 4, da Diretiva 2008/56, o artigo 4.o da Diretiva 2009/147 e o artigo 6.o da Diretiva 92/43. Nenhuma disposição da Diretiva 2004/35 é mencionada no artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013.

    64.

    Como observa a Comissão, nada indica que essa lista de disposições legais deva ser considerada meramente exemplificativa. Pelo contrário, a redação do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 sugere que a lista é exaustiva. Com efeito, se o legislador da União tivesse pretendido estabelecer uma cláusula mais geral sobre a relação entre a PCP e toda a legislação ambiental da União, o facto de serem apenas mencionadas essas três disposições (e não outras) teria sido uma opção algo estranha.

    65.

    Além disso, na minha opinião, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 não pode ser aplicado por analogia a medidas que se afigurem necessárias para o cumprimento de outras disposições da legislação ambiental da União. Ao habilitar os Estados‑Membros a intervir a título excecional num domínio que é da competência exclusiva da União, essa disposição constitui uma exceção à regra geral e deve ser interpretada de forma restritiva ( 25 ).

    66.

    Por estes motivos, entendo que o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a medidas de um Estado‑Membro aplicáveis às águas sob sua soberania ou jurisdição, como as que estão em causa no processo principal, ainda que sejam consideradas necessárias para cumprir as obrigações que lhe incumbem de acordo com a Diretiva 2004/35.

    C.   Quanto à terceira questão

    67.

    Uma vez que a terceira questão só foi colocada na eventualidade de a resposta à primeira e/ou segunda questão ser negativa, não é necessário responder‑lhe. Com efeito, das considerações precedentes decorre claramente que as medidas em causa no processo nacional estão abrangidas, pela sua própria natureza, pelo domínio da conservação dos recursos biológicos marinhos no âmbito da PCP e, como tal, são da competência exclusiva União por força do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE.

    68.

    Por conseguinte, na falta de uma disposição expressa de direito da União que autorize ou delegue nos Estados‑Membros a adoção de tais medidas, estes não estão habilitados a fazê‑lo.

    IV. Conclusão

    69.

    Em conclusão, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Verwaltungsgericht Köln (Tribunal Administrativo de Colónia, Alemanha) nos seguintes termos:

    o artigo 11.o do Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho, opõe‑se à adoção, por um Estado‑Membro, de medidas aplicáveis nas águas sob a sua soberania ou jurisdição que visam cumprir as obrigações decorrentes do artigo 6.o da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, quando essas medidas afetem os navios de pesca de outros Estados‑Membros ao proibirem a utilização de artes de pesca que revolvem os fundos marítimos e de redes fixas;

    medidas como a proibição de artes de pesca que revolvem os fundos marítimos, bem como de redes fixas, estão abrangidas pelo conceito de «medidas de conservação» para efeitos do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013;

    a expressão «navios de pesca de outros Estados‑Membros» constante do artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 refere‑se a navios registados em Estados‑Membros (e, portanto, que arvorem o pavilhão de Estados‑Membros) diferentes daqueles que exercem soberania ou jurisdição sobre as águas em causa;

    a expressão «cumpr[ir] os objetivos da legislação aplicável da União» constante do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 significa que as medidas de conservação devem contribuir de forma positiva e significativa para a concretização dos objetivos ambientais prosseguidos pelas disposições aí referidas;

    o artigo 11.o do Regulamento n.o 1380/2013 opõe‑se a medidas de um Estado‑Membro aplicáveis às águas sob sua soberania ou jurisdição, como as que estão em causa no processo principal, ainda que sejam consideradas necessárias para o Estado‑Membro cumprir as obrigações que lhe incumbem de acordo com a Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais.


    ( 1 ) Língua original: inglês.

    ( 2 ) JO 2013, L 354, p. 22.

    ( 3 ) Diretiva de 30 de novembro de 2009 relativa à conservação das aves selvagens (JO 2010, L 20, p. 7).

    ( 4 ) Diretiva de 21 de maio de 1992 relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7).

    ( 5 ) Diretiva de 17 de junho de 2008 que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política para o meio marinho (Diretiva‑Quadro Estratégia Marinha) (JO 2008, L 164, p. 19).

    ( 6 ) JO 2004, L 143, p. 56.

    ( 7 ) V. artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 92/43: «É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada “Natura 2000”. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.»

    ( 8 ) Acórdão de 24 de novembro de 1993, Mondiet (C‑405/92, EU:C:1993:906).

    ( 9 ) Acórdão de 24 de novembro de 1993, Mondiet (C‑405/92, EU:C:1993:906, n.os 17 a 28). V., também, conclusões do advogado‑geral C. Gulman no mesmo processo (EU:C:1993:822, n.os 12 a 17). Esses princípios foram igualmente confirmados em jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça: v., por exemplo, acórdão de 19 de setembro de 2002, Huber (C‑336/00, EU:C:2002:509, n.o 33).

    ( 10 ) V., em especial, artigo 2.o, n.o 3, artigo 4.o, n.o 1, ponto 9, e considerando 13 do Regulamento n.o 1380/2013.

    ( 11 ) Acórdão de 14 de julho de 1976, Kramer e o. (3/76, 4/76 e 6/76, EU:C:1976:114).

    ( 12 ) Esse princípio foi inicialmente introduzido nos Tratados pelo Ato Único Europeu no referido artigo 130.o‑R, n.o 2, do Tratado CEE.

    ( 13 ) Acórdão de 14 de julho de 1976, Kramer e o. (3/76, 4/76 e 6/76, EU:C:1976:114, n.os 56 a 59).

    ( 14 ) V. acórdão de 11 de junho de 2014, Comissão/Conselho (C‑377/12, EU:C:2014:1903, n.o 34 e jurisprudência aí referida).

    ( 15 ) Artigo 7.o, n.o 1, alínea i), do Regulamento n.o 1380/2013.

    ( 16 ) Artigo 7.o, n.o 2, alíneas a), b) e c), do Regulamento n.o 1380/2013.

    ( 17 ) Celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982, e entrada em vigor em 16 de novembro de 1994. V. Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 e do Acordo de 28 de julho de 1994, relativo à aplicação da parte XI da convenção (JO 1998, L 179, p. 1).

    ( 18 ) V., em especial, acórdãos de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 13), e de 2 de dezembro de 1992, Comissão/Irlanda (C‑280/89, EU:C:1992:481, n.o 24).

    ( 19 ) V., também, considerando 25 do Regulamento n.o 1380/2013.

    ( 20 ) O sublinhado é meu.

    ( 21 ) O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que o princípio da proporcionalidade exige que as medidas adotadas pelas instituições da União, ou pelos Estados‑Membros quando atuem no domínio do direito da União, sejam aptas a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não ultrapassem os limites do necessário à realização desses objetivos, sendo certo que, quando seja necessário optar entre diversas medidas adequadas, há que recorrer à menos limitativa e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos. V., por exemplo, acórdão de 14 de junho de 2017, TofuTown.com (C‑422/16, EU:C:2017:458, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

    ( 22 ) O último elemento foi novamente confirmado na audiência pelo Governo alemão.

    ( 23 ) V. considerandos 2 e 3 da Diretiva 2004/35.

    ( 24 ) Artigo 2.o, ponto 10, da Diretiva 2004/35 (o sublinhado é meu).

    ( 25 ) O facto de ser a União que confere aos Estados‑Membros o poder de adotar as medidas referidas no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1380/2013 torna‑se ainda mais evidente se compararmos a versão alemã do referido regulamento com outras versões linguísticas. Enquanto a versão alemã refere «die Mitgliedstaaten haben das Recht» (artigo 11.o, n.o 1) e «die Mitgliedstaaten […] zu ermächtigen» (considerando 25), outras versões, como, por exemplo, a inglesa, a espanhola, a francesa e a italiana, deixam claro que é a União que autoriza os Estados‑Membros a intervir.

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