EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62016CC0488

Conclusões do advogado-geral M. Wathelet apresentadas em 11 de janeiro de 2018.
Bundesverband Souvenir - Geschenke - Ehrenpreise eV contra Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO).
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca nominativa NEUSCHWANSTEIN — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c) — Motivos absolutos de recusa — Caráter descritivo — Indicação de proveniência geográfica — Caráter distintivo — Artigo 52.o, n.o 1, alínea b) — Má‑fé.
Processo C-488/16 P.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:3

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 11 de janeiro de 2018 ( 1 )

Processo C‑488/16 P

Bundesverband Souvenir – Geschenke – Ehrenpreise eV

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Processo de declaração de nulidade — Marca nominativa NEUSCHWANSTEIN — Indeferimento do pedido de declaração de nulidade — Motivos absolutos de recusa — Artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) 207/2009 — Caráter descritivo — Indicação de proveniência geográfica — Caráter distintivo — Artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Má‑fé»

I. Introdução

1.

Com o presente recurso, a sociedade Bundesverband Souvenir – Geschenke – Ehrenpreise eV (a seguir «BSGE») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral de 5 de julho de 2016, Bundesverband Souvenir – Geschenke – Ehrenpreise/EUIPO – Freistaat Bayern (NEUSCHWANSTEIN) (T‑167/15, não publicado, EU:T:2016:391), no qual aquele rejeitou o recurso de anulação da decisão da Quinta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 22 de janeiro de 2015 (processo R 28/2014‑5), relativo a um processo de declaração de nulidade entre a BSGE e o Freistaat Bayern (Estado Livre da Baviera, Alemanha) (a seguir «acórdão recorrido»).

II. Antecedentes do litígio

2.

Em 22 de julho de 2011, o Estado Livre da Baviera apresentou ao EUIPO, com base no Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), um pedido de registo do sinal nominativo «NEUSCHWANSTEIN» (a seguir «marca contestada») como marca da União Europeia.

3.

A denominação «NEUSCHWANSTEIN» faz referência ao célebre castelo de Neuschwanstein, situado no município de Schwangau (Alemanha), que pertence atualmente ao Estado Livre da Baviera e foi construído, não tendo chegado a ser concluído, entre 1869 e 1886, no reinado de Luís II da Baviera.

4.

Os produtos e serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 3, 8, 14 a 16, 18, 21, 25, 28, 30, 32 a 36, 38 e 44 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado (a seguir «Acordo de Nice»).

5.

O pedido de marca da União Europeia foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 166/2011, de 2 de setembro de 2011, e a marca foi registada em 12 de dezembro de 2011, com o número 10144392.

6.

Em 10 de fevereiro de 2012, a BSGE apresentou um pedido de declaração de nulidade contra a marca contestada, para todos os produtos e serviços indicados no n.o 4 das presentes conclusões, ao abrigo do artigo 52.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do mesmo regulamento.

7.

Em 21 de outubro de 2013, a Divisão de Anulação do EUIPO indeferiu o pedido de declaração de nulidade, concluindo que a marca contestada não era composta por indicações que pudessem servir para designar a proveniência geográfica, nem por outras características inerentes aos produtos e serviços visados, e que, por conseguinte, não tinha havido violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009. Além disso, entendeu que, tendo a marca em causa um caráter distintivo para os produtos e serviços indicados, não violava o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), deste mesmo regulamento. Por último, considerou que a BSGE não tinha feito prova de que o pedido de registo da marca contestada havia sido efetuado de má‑fé e que, consequentemente, não tinha havido violação do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento.

8.

Em 20 de dezembro de 2013, a BSGE interpôs recurso no EUIPO, ao abrigo dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009, contra a decisão da Divisão de Anulação.

9.

Por decisão de 22 de janeiro de 2015, a Quinta Câmara de Recurso do EUIPO confirmou a decisão da Divisão de Anulação e negou provimento ao recurso. Em concreto, considerou que a marca contestada não era nem indicativa de uma proveniência geográfica na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 nem desprovida do caráter distintivo exigido pelo artigo 7.o, n.o 1, alínea b), deste mesmo regulamento. Concluiu ainda que a má‑fé do Estado Livre da Baviera não tinha sido demonstrada na aceção do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do mencionado regulamento.

III. Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

10.

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de abril de 2015, a BSGE interpôs um recurso em que pediu a anulação da decisão da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de 22 de janeiro de 2015.

11.

Em apoio do seu recurso, a recorrente invocou três fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, à violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento e à violação do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento.

12.

O Tribunal Geral começou por examinar o segundo fundamento de recurso, pelo qual a BSGE sustentava que a Quinta Câmara de Recurso do EUIPO tinha violado o artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009, ao considerar que a marca contestada não era descritiva dos produtos e serviços em causa. Este fundamento foi julgado improcedente, em substância, no n.o 27 do acórdão recorrido, ao considerar que, sendo o castelo de Neuschwanstein, antes do mais, um local museológico, não é, enquanto tal, um lugar de produção de bens ou de prestação de serviços, pelo que a marca contestada não pode ser indicativa da proveniência geográfica dos produtos e dos erviços por ela abrangidos.

13.

O Tribunal Geral julgou igualmente improcedente o primeiro fundamento pelo qual a BSGE sustentava que a Quinta Câmara de Recurso do EUIPO tinha violado o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 pelo facto de ter considerado que a marca contestada não era desprovida de caráter distintivo. A este propósito, decidiu, em substância, nos n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, que os produtos e serviços em causa eram produtos destinados ao consumo corrente e serviços da vida quotidiana, que se distinguem de artigos de recordação e de outros serviços relativos a uma atividade turística unicamente pela sua denominação e que o elemento verbal constitutivo da marca contestada era um nome de fantasia sem ligação descritiva com os produtos e serviços comercializados ou propostos.

14.

O Tribunal Geral julgou, por fim, improcedente o terceiro fundamento pelo qual a BSGE sustentava que a Quinta Câmara de Recurso do EUIPO tinha violado o artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, pelo facto de ter considerado que a má‑fé do Estado Livre da Baviera não estava provada. A este propósito, decidiu, em particular, no n.o 55 do acórdão recorrido, que a BSGE não tinha feito prova que permitisse justificar as circunstâncias objetivas em que o Estado Livre da Baviera tinha tido conhecimento da existência da comercialização, pela BSGE ou por terceiros, de alguns dos produtos e dos serviços em causa.

15.

Por consequência, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na totalidade.

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16.

No presente recurso, a BSGE conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular o registo da marca NEUSCHWANSTEIN; e

condenar o EUIPO nas despesas.

17.

O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso e condenar a BSGE nas despesas.

18.

O Estado Livre da Baviera conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso e condenar a BSGE nas despesas, incluindo as despesas por ele efetuadas.

19.

Foi realizada uma audiência em 29 de novembro de 2017, na qual a BSGE, o EUIPO e o Estado Livre da Baviera foram convidados a concentrar as suas alegações na segunda parte do primeiro fundamento e na primeira parte do segundo fundamento do recurso.

V. Quanto ao presente recurso

20.

Em conformidade com o convite do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões são dirigidas à segunda parte do primeiro fundamento e à primeira parte do segundo fundamento do recurso.

A.   Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a uma violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009

1. Argumentos das partes

21.

No que respeita à segunda parte do primeiro fundamento, a BSGE critica o Tribunal Geral por ter ignorado o interesse geral subjacente ao artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 e a jurisprudência decorrente, nomeadamente, do acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230), quando decidiu, no n.o 27 do acórdão recorrido, que o castelo de Neuschwanstein não é, em si mesmo, um lugar de produção de bens ou de prestação de serviços, pelo que a marca contestada não pode ser indicativa da proveniência geográfica dos produtos e serviços por ela abrangidos.

22.

Segundo a BSGE, o castelo de Neuschwanstein é geograficamente localizável e, consequentemente, o sinal «NEUSCHWANSTEIN» pode ser indicativo de uma proveniência geográfica na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009, devido à comercialização, nesse local, dos produtos e serviços abrangidos pela marca contestada.

23.

O EUIPO e o Estado Livre da Baviera subscrevem a análise feita pelo Tribunal Geral no n.o 27 do acórdão recorrido.

24.

Segundo o EUIPO, não resulta dos elementos dos autos que a marca contestada seja utilizada para comercializar artigos de recordação específicos e para propor serviços particulares, de modo que o público relevante fosse levado a pensar que se trata de uma indicação de proveniência geográfica. Considera que os produtos e os serviços abrangidos pela marca contestada se destinam ao consumo corrente, que não têm características específicas e só podem tornar‑se artigos de recordação pela aposição do sinal «NEUSCHWANSTEIN».

25.

O Estado Livre da Baviera entende que o artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 pode servir de fundamento para excluir o registo dos nomes de objetos que são geograficamente localizáveis como marca da União Europeia, mas unicamente quando o sinal em causa apresenta um caráter objetivamente descritivo em relação aos produtos e serviços reivindicados, o que não é o caso dos produtos e serviços abrangidos pela marca contestada.

26.

Com efeito, segundo o Estado Livre da Baviera, os sentimentos agradáveis ou as associações positivas que a marca contestada possa suscitar no público relevante e o lugar da comercialização dos produtos e dos serviços abrangidos pela referida marca não são suficientes para considerar que o sinal «NEUSCHWANSTEIN» constitui uma indicação de proveniência geográfica na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009.

2. Apreciação

27.

O artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009 impede o registo das marcas da União Europeia compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar, entre outras, a proveniência geográfica do produto ou da prestação do serviço para os quais o registo é requerido.

28.

De acordo com uma jurisprudência constante, «o artigo [7.o], n.o 1, alínea c), [do Regulamento n.o 207/2009] prossegue um fim de interesse geral, que exige que os sinais ou indicações descritivas das categorias de produtos ou serviços para os quais é pedido o registo possam ser livremente utilizados por todos, nomeadamente como marcas coletivas ou em marcas complexas ou gráficas. Esta disposição impede, portanto, que tais sinais ou indicações sejam reservados a uma única empresa com base no seu registo como marca» ( 2 ).

29.

Mais especialmente quanto aos sinais ou indicações que possam servir para designar a proveniência geográfica, nomeadamente os nomes geográficos, o Tribunal de Justiça decidiu que «existe um interesse geral em preservar a sua disponibilidade devido, designadamente, à sua capacidade não apenas para salientar eventualmente a qualidade de outras propriedades das categorias de produtos em causa mas também para influenciar de forma diversa as preferências dos consumidores, por exemplo, ao ligar os produtos a um lugar que pode suscitar sentimentos positivos» ( 3 ).

30.

Baseando‑se nesta consideração de interesse geral, o Tribunal de Justiça decidiu que era necessário verificar se um nome geográfico designava um lugar que apresenta atual ou potencialmente, para os meios interessados, uma ligação com a categoria de produtos ou de serviços em causa e, se fosse o caso, devia ser recusado o registo desse nome como marca da União Europeia ( 4 ).

31.

Com efeito, a exigência que tal ligação exista ou possa ser estabelecida entre o produto ou o serviço em causa e o nome geográfico decorre do conceito, propriamente dito, de «proveniência geográfica». Nesse sentido, a fim de recusar o registo como marca da União Europeia de um nome geográfico, é necessário que este nome possa indicar uma proveniência, ou seja, a existência de uma ligação entre o produto ou o serviço e o nome geográfico ( 5 ), uma vez que, em si, um nome geográfico não demonstra automaticamente tal proveniência. De acordo com o muito ilustrativo exemplo evocado pelo advogado‑geral G. Cosmas, ninguém pensa que as canetas Mont Blanc provenham da montanha homónima ( 6 ).

32.

No entanto, como o Tribunal de Justiça decidiu, a existência deste vínculo entre um produto e uma localização geográfica não depende apenas do lugar onde o produto foi ou poderia ter sido fabricado, mas também pode depender doutros elementos de conexão, como o lugar onde este produto foi concebido e desenhado ( 7 ).

33.

A este propósito, no n.o 27 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu que o castelo de Neuschwanstein não é um lugar geográfico, mas sim um local museológico cuja função principal é a conservação do património e não o fabrico ou a comercialização de artigos de recordação ou a prestação de serviços. Além disso, de acordo com o Tribunal Geral, o castelo de Neuschwanstein não é conhecido pelos seus artigos de recordação, que não são fabricados no castelo, mas, e apenas, aí comercializados para fins turísticos. Por conseguinte, o Tribunal Geral decidiu que o sinal «NEUSCHWANSTEIN» não podia ser indicativo de uma proveniência geográfica na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009.

34.

É verdade que, nesse número do acórdão, o Tribunal Geral procedeu a uma série de constatações factuais que não podem ser contestadas em sede de recurso, a não ser em caso de desvirtuação dos factos, o que a BSGE não alega.

35.

Porém, a qualificação jurídica de certos factos, como a designação de uma proveniência geográfica pelo sinal «NEUSCHWANSTEIN», é suscetível de ser examinada no âmbito do presente recurso.

36.

Do meu ponto de vista, a questão de saber se, como sustenta a BSGE, o castelo de Neuschwanstein é ou não um lugar geográfico, ou se é tão famoso que, aos olhos do público relevante, o nome de «Neuschwanstein» prevalece sobre o nome do lugar onde se situa o castelo (no caso, o município de Schwangau), não é determinante. Em contrapartida, o que importa é que os sinais ou indicações que compõem a marca da União Europeia possam servir de base para designar uma proveniência geográfica dos produtos ou dos serviços por aquela abrangidos.

37.

É precisamente por essa razão que a BSGE critica o Tribunal Geral por não ter considerado o lugar de comercialização dos artigos de recordação como elemento de conexão que poderia servir de ligação entre os produtos e o sinal «NEUSCHWANSTEIN» e indicar, assim, uma proveniência geográfica na aceção do n.o 36 do acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230).

38.

Não partilho desse entendimento, pelas seguintes razões.

39.

É preciso notar, em primeiro lugar, que, do ponto de vista jurídico, os produtos abrangidos pela marca contestada não compreendem os artigos de recordação, mas sim os produtos abrangidos pelas classes indicadas no n.o 3 do acórdão recorrido, como, por exemplo, t‑shirts, facas, garfos, pratos, bules, etc. Com efeito, nos temos do Acordo de Nice, não existe nenhuma classe com a designação «artigos de recordação», pois, se existisse, tal classe seria tão heterogénea que não conseguiria designar uma categoria específica de produtos. Acresce que, enquanto objetos que evocam uma pessoa, um local ou um acontecimento, os artigos de recordação são objetos que suscitam emoções. Ora, as emoções humanas não podem ser abrangidas por uma marca da União Europeia, visto que não constituem produtos ou serviços na aceção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009. Por essa razão, e ao invés do pretendido pela BSGE, o presente recurso não versa sobre a proveniência geográfica dos artigos de recordação, mas sim dos produtos de consumo corrente.

40.

Quanto ao local de comercialização como elemento de conexão de um produto a um lugar geográfico, resulta da redação do n.o 36 do acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230), que o Tribunal de Justiça não limitou os elementos de conexão ao lugar de fabrico dos produtos em causa, pois decidiu que «não se pode excluir que a ligação entre a categoria de produtos e o lugar geográfico depende doutros elementos de conexão, por exemplo, o facto de o produto ter sido concebido e desenhado no lugar geográfico em causa».

41.

No entanto, tal não implica necessariamente que o lugar de comercialização possa servir de elemento de conexão entre o produto ou o serviço e o lugar em causa, isto mesmo para os artigos de recordação. Como a BSGE admite no n.o 28 do seu recurso, é possível que um artigo de recordação que ostente a marca contestada seja vendido fora das imediações do castelo de Neuschwanstein. A própria existência dessa possibilidade reforça o argumento de que o lugar de comercialização de um artigo que ostenta a marca contestada não é necessariamente um elemento de conexão desse artigo com o castelo de Neuschwanstein.

42.

Por último, o lugar de comercialização, enquanto tal, não serve para demonstrar uma proveniência geográfica, porque o lugar de venda de um produto não é descritivo das suas propriedades, qualidades ou outras características ( 8 ) e, por conseguinte, o público relevante não pode associar a um produto determinadas propriedades, qualidades ou outras características com base no facto de que foi adquirido num determinado lugar geográfico. Em contrapartida, o público relevante pode estabelecer essa ligação entre um produto e o lugar geográfico do seu fabrico ou da sua conceção e do seu design pensando que o produto beneficiará de propriedades, de qualidades ou de outras características (designadamente, uma técnica, uma tradição, um trabalho artesanal), considerando que foi fabricado ou concebido e desenhado num determinado lugar geográfico. Por exemplo, o público relevante associa determinadas qualidades às porcelanas de Limoges, pelo que, no que diz respeito aos produtos em porcelana, o sinal «Limoges» é descritivo de uma proveniência geográfica.

43.

No presente caso, a BSGE não alega que o público relevante associa ou pode associar determinadas propriedades, qualidades ou outras características aos produtos e serviços abrangidos pela marca contestada com base no facto de terem sido comercializados no castelo de Neuschwanstein. Na verdade, como decidiu o Tribunal Geral no n.o 27 do acórdão recorrido, «o castelo de Neuschwanstein não é conhecido pelos artigos de recordação ali vendidos ou pelos serviços propostos».

44.

Por estas razões, considero que, ao decidir, no n.o 27 do acórdão recorrido, que a marca contestada não pode ser indicativa da proveniência geográfica dos produtos e dos serviços por esta abrangidos, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito na interpretação e na aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009. Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

B.   Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a uma violação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009

1. Argumentos das partes

45.

Na primeira parte do segundo fundamento, a BSGE sustenta, em substância, que, ao decidir, nos n.os 41 e 42 do acórdão recorrido, que a marca contestada tinha caráter distintivo, o Tribunal Geral violou o artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, pois a simples aposição do sinal «NEUSCHWANSTEIN» nos artigos de recordação não era suficiente para distinguir os produtos e os serviços abrangidos pela marca contestada dos vendidos e fornecidos nas imediações do castelo de Neuschwanstein.

46.

Além disso, a BSGE sustenta que o Tribunal Geral tem um raciocínio circular ao afirmar, no n.o 41 do acórdão recorrido, que o sinal «NEUSCHWANSTEIN» designa não apenas o castelo na sua qualidade de lugar museológico mas também a marca contestada propriamente dita. O mesmo se diga do n.o 42 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral considerou que a marca contestada permitiria, sob a sua insígnia, comercializar produtos ou prestar serviços cuja qualidade podia ser controlada pelo Estado Livre da Baviera, apesar de tal não constituir um indício do caráter distintivo do sinal «NEUSCHWANSTEIN», mas ser uma consequência do registo deste como marca da União Europeia. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral antecipou a decisão sobre a questão de saber se o sinal poderia constituir ou não uma marca da União Europeia.

47.

O EUIPO e o Estado Livre da Baviera consideram que a primeira parte do segundo fundamento é inadmissível na medida em que não suscita uma questão de direito e pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie de novo sobre o caráter distintivo do sinal «NEUSCHWANSTEIN». O EUIPO sublinha que, na vida comercial, é costume os museus e as sociedades que exploram lugares culturais ou sítios de interesse turístico ou cultural comercializarem produtos com o próprio nome, sendo essas denominações usadas como marcas.

48.

A título subsidiário, o Estado Livre da Baviera alega que a primeira parte do segundo fundamento é improcedente. Com efeito, o Tribunal Geral provou que os meios interessados estão familiarizados com o facto de as atrações turísticas e os museus constituírem empresas que não fornecem apenas uma prestação de lazer cultural, mas que, atualmente, também fabricam e comercializam produtos com o nome do seu estabelecimento, para completar a sua prestação principal. Foi também corretamente que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 43 do acórdão recorrido, que o público relevante não apreenderia a marca contestada apenas como uma referência ao castelo, mas, pelo menos, também como «uma indicação da origem comercial dos produtos e dos serviços em causa».

2. Apreciação

a) Quanto à admissibilidade

49.

Da mesma maneira que o EUIPO e o Estado Livre da Baviera, considero que a BSGE, na medida em que critica o Tribunal Geral por ter fundamentado o caráter distintivo do sinal «NEUSCHWANSTEIN» afirmando que este designa não apenas o castelo enquanto museu mas também a própria marca contestada, pretende que o Tribunal de Justiça se pronuncie novamente sobre o referido sinal, que, em seu entender, não tem caráter distintivo e apenas deveria ser apreendido pelo público relevante como fazendo referência ao castelo. Como resulta de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça ( 9 ), tal argumentação não pode ser invocada em sede de recurso, sob pena de desvirtuação dos factos e dos elementos de prova, o que, de resto, não foi alegado no caso presente.

50.

Em contrapartida, a BSGE, na medida em que critica o Tribunal Geral por ter fundamentado insuficientemente a conclusão segundo a qual a marca contestada tem caráter distintivo, suscita uma questão de direito que, enquanto tal, pode ser invocada em sede de recurso ( 10 ).

b) Quanto ao mérito

51.

Segundo jurisprudência constante, a fundamentação de um acórdão deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do Tribunal Geral, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da decisão tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional ( 11 ).

52.

No meu entendimento, os n.os 41 e 43 do acórdão recorrido não padecem de insuficiente fundamentação, pelas razões seguintes.

53.

O n.o 41 do acórdão recorrido salienta, em substância, que os produtos e serviços abrangidos pela marca contestada são produtos de consumo corrente e serviços da vida quotidiana, que se distinguem dos artigos de recordação e de outros serviços relativos a uma atividade turística pela sua simples denominação, na medida em que esta designa não só o castelo na sua qualidade de lugar museológico mas também a própria marca contestada. Quanto aos produtos e aos serviços abrangidos por esta, o Tribunal Geral decidiu que os produtos em causa não eram fabricados, mas unicamente comercializados no castelo de Neuschwanstein, e que os serviços em causa não eram todos propostos no local.

54.

A descrição dos produtos e dos serviços em causa como produtos e serviços destinados ao consumo corrente e à vida quotidiana, que se distinguem de outros produtos (artigos de recordação) e serviços relativos a uma atividade turística unicamente pela sua denominação, constitui uma constatação factual que a BSGE não pode atacar no presente recurso, salvo em caso de desvirtuação, que não invocou. O mesmo se diga da constatação, por um lado, de que os produtos abrangidos pela marca contestada não eram fabricados no castelo de Neuschwanstein, apesar de serem aí comercializados, e, por outro, de que os serviços abrangidos pela marca contestada não eram todos propostos no local.

55.

Ao contrário do sustentado pela BSGE, o raciocínio do Tribunal Geral segundo o qual o sinal «NEUSCHWANSTEIN» é simultaneamente a marca contestada e o nome do castelo onde os produtos e os serviços por ela abrangidos são comercializados não é circular.

56.

De facto, se, como no presente caso, o sinal «NEUSCHWANSTEIN» não é descritivo de uma proveniência geográfica dos produtos e dos serviços por ele abrangidos, então, a priori, nada impede o Estado Livre da Baviera de registar como marca da União Europeia o nome do lugar museológico de que é proprietário. Neste caso, é normal que o nome desse lugar e da marca sejam idênticos.

57.

De seguida, no n.o 42 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sustentou que o sinal «NEUSCHWANSTEIN» não era descritivo dos produtos e dos serviços abrangidos pela marca contestada, fundando‑se no facto de que a simples aposição desta nos produtos e nos serviços em causa era o que permitia distingui-los dos produtos e dos serviços de outras empresas.

58.

Antes de mais, e como já mencionei no n.o 39 das presentes conclusões, o Acordo de Nice não contém nenhuma classe de produtos ou de serviços com a designação de «artigos de recordação». Por conseguinte, foi acertadamente que o Tribunal Geral examinou a questão de saber se o sinal «NEUSCHWANSTEIN» era descritivo dos produtos e dos serviços abrangidos destinados ao consumo corrente e à vida quotidiana e não dos artigos de recordação.

59.

De acordo com uma jurisprudência constante, uma marca da União Europeia pode não ser descritiva, mas deverá ser «adequada a identificar o produto para o qual é pedido o registo como sendo proveniente de uma empresa determinada e, portanto, a distinguir esse produto dos das outras empresas» ( 12 ).

60.

O Tribunal Geral decidiu corretamente que, sendo um nome de fantasia que significa «nova pedra do cisne», o sinal «NEUSCHWANSTEIN» não poderia ser descritivo dos produtos e dos serviços abrangidos pela marca contestada, porque não é descritivo das suas características, como seria, por exemplo, o sinal verbal «ecoDoor» para produtos energeticamente eficientes ( 13 ).

61.

No presente caso, a única relação que poderia existir, segundo a BSGE, entre o sinal «NEUSCHWANSTEIN» e os produtos e serviços abrangidos pela marca contestada é o seu lugar de comercialização nas imediações do castelo homónimo. Ora, como expliquei no n.o 42 das presentes conclusões, o lugar de comercialização não é uma característica dos produtos e dos serviços abrangidos pela marca contestada ( 14 ).

62.

Assim, é possível seguir o raciocínio do Tribunal Geral segundo o qual é a simples aposição do sinal não descritivo «NEUSCHWANSTEIN» (que não tem, aos olhos dos meios interessados, nenhuma ligação com os produtos e os serviços em causa, a não ser o lugar da sua comercialização nas imediações do castelo homónimo) que permite ao público relevante distinguir os produtos e os serviços em causa dos das outras empresas.

63.

No n.o 43 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não acolheu os argumentos da BSGE e da Quinta Câmara de Recurso do EUIPO de que o sinal «NEUSCHWANSTEIN» era um meio publicitário ou um slogan. Em contrapartida, o Tribunal Geral concluiu que tal sinal permitia ao público relevante não só distinguir a origem comercial dos produtos e dos serviços abrangidos pela marca contestada como estabelecer uma relação com uma visita ao castelo. Com efeito, esta dupla função é a consequência inevitável da escolha do proprietário de um lugar museológico de registar o nome deste como marca da União Europeia, o que não é proibido. Neste sentido, o Tribunal Geral fundamentou o caráter distintivo do sinal «NEUSCHWANSTEIN» no sentido de que permite ao público relevante associar os produtos e os serviços abrangidos pela marca contestada ao Estado Livre da Baviera.

64.

Por estas razões, entendo que há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

VI. Conclusão

65.

Por estas razões, e sem prejuízo do exame dos outros fundamentos do recurso, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e a primeira parte do segundo fundamento do presente recurso.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.o 25). V., também, neste sentido, acórdãos de 8 de abril de 2003, Linde e o. (C‑53/01 a C‑55/01, EU:C:2003:206, n.o 73); de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.o 52); de 23 de outubro de 2003, IHMI/Wrigley (C‑191/01 P, EU:C:2003:579, n.o 31); de 12 de fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland (C‑363/99, EU:C:2004:86, n.o 54); de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI (C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.o 37); de 10 de julho de 2014, BSH/IHMI (C‑126/13 P, não publicado, EU:C:2014:2065, n.o 19); e de 6 de julho de 2017, Moreno Marín e o. (C‑139/16, EU:C:2017:518, n.o 23).

( 3 ) Acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.o 26).

( 4 ) V. acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.os 31 a 33 e 37).

( 5 ) V., neste sentido, acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.o 33), e conclusões do advogado‑geral G. Cosmas nos processos apensos Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1998:198, n.os 35 a 37).

( 6 ) V. conclusões do advogado‑geral G. Cosmas nos processos apensos Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1998:198, n.o 35).

( 7 ) V. acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.os 36 e 37).

( 8 ) V. acórdão de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI (C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.o 50).

( 9 ) V. acórdão de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 35); e despachos de 26 de setembro de 1994, X/Comissão (C‑26/94 P, EU:C:1994:346, n.o 13), e de 9 de março de 2012, Atlas Transport/IHMI (C‑406/11 P, não publicado, EU:C:2012:136, n.o 32).

( 10 ) V. acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI (C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.o 63 e jurisprudência referida).

( 11 ) V. acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.o 136), e de 24 de janeiro de 2013, 3F/Comissão (C‑646/11 P, não publicado, EU:C:2013:36, n.o 63).

( 12 ) V. acórdão de 4 de maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.o 46). V., também, neste sentido, acórdãos de 18 de junho de 2002, Philips (C‑299/99, EU:C:2002:377, n.o 35); de 8 de abril de 2003, Linde e o. (C‑53/01 a C‑55/01, EU:C:2003:206, n.o 40); e de 6 de maio de 2003, Libertel (C‑104/01, EU:C:2003:244, n.o 62).

( 13 ) V. acórdão de 10 de julho de 2014, BSH/IHMI (C‑126/13 P, não publicado, EU:C:2014:2065, n.os 24 a 27).

( 14 ) Recordo a sobreposição que existe entre os âmbitos de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 207/2009 no sentido de que um sinal descritivo não pode ser distintivo. V. acórdãos de 12 de fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland (C‑363/99, EU:C:2004:86, n.os 67, 85 e 86), e de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI (C‑51/10 P, EU:C:2011:139, n.os 46 e 47).

Top