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Document 62016CC0218

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 17 de maio de 2017.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:387

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 17 de maio de 2017 ( 1 ) ( 2 )

Processo C‑218/16

Aleksandra Kubicka

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Gorzowie Wielkopolskim (Tribunal Regional de Gorzów Wielkopolski, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Sucessões e certificado sucessório europeu — Âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.o 650/2012 — Bem imóvel situado num Estado‑Membro que não reconhece o legado vindicatório — Recusa de reconhecimento dos efeitos reais de tal legado»

I. Introdução

1.

O Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu ( 3 ), que entrou em vigor em 16 de agosto de 2012, é, nos termos do seu artigo 84.o, segundo parágrafo, aplicável, com exceção de algumas disposições gerais, desde 17 de agosto de 2015.

2.

O Tribunal de Justiça é questionado pela primeira vez ( 4 ) sobre a interpretação de disposições do Regulamento n.o 650/2012, especialmente das exceções previstas no artigo 1.o, n.o 2, alíneas k) e l), deste regulamento, que excluem do seu âmbito de aplicação «[a] natureza dos direitos reais» e «[q]ualquer inscrição num registo de direitos sobre um bem imóvel ou móvel, incluindo os requisitos legais para essa inscrição, e os efeitos da inscrição ou não inscrição desses direitos num registo» ( 5 ).

3.

A nossa reflexão vai incidir sobre uma questão muito delicada, a da delimitação do âmbito da lei sucessória e da lei sobre direitos reais, que foi objeto de numerosas negociações, como sublinharam tanto a Comissão Europeia nas suas observações escritas ( 6 ) como a doutrina ( 7 ).

4.

Concretamente, no processo principal, trata‑se de determinar se as disposições que excluem os casos de aplicação do direito do local da situação do bem em causa podem justificar uma recusa do reconhecimento dos efeitos reais de um legado vindicatório, pelo qual o direito sobre o bem é transmitido diretamente ao legatário na abertura da sucessão, quando tem por objeto o direito de propriedade sobre um imóvel situado num Estado‑Membro que não conhece essa forma de legado, mas apenas o legado obrigacional (per damnationem). Em aplicação desta disposição, o herdeiro é obrigado a transferir o direito sobre o bem para o legatário, o que confere a este o direito de exigir a execução do legado.

5.

Depois de explicar as razões pelas quais as exceções de inadmissibilidade devem ser julgadas improcedentes, analisarei porque se justifica considerar:

que o debate não incide sobre o direito de propriedade que o legatário adquirirá, que não é conhecido no Estado‑Membro onde é invocado, mas sobre as modalidades de reconhecimento da transferência desse direito com vista à sua inscrição num registo predial;

que a exclusão dos requisitos relativos a essa inscrição deve ser interpretada restritivamente, e

que, consequentemente, numa situação como a do processo principal, por força do artigo 23.o do Regulamento n.o 650/2012, o legado que tem por objeto um direito real, que o Estado‑Membro do local da situação do imóvel conhece, deve produzir efeitos para o legatário, independentemente do local onde deva ser registado, uma vez que o direito sobre o bem imóvel lhe foi transmitido diretamente, por efeito da lei sucessória, designada nos termos do artigo 22.o deste regulamento.

6.

Por conseguinte, proporemos responder negativamente à questão submetida.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

7.

Os considerandos 7, 9, 15, 16, 18, 19, 37 e 67 do Regulamento n.o 650/2012 enunciam:

«(7)

É conveniente facilitar o bom funcionamento do mercado interno suprimindo os entraves à livre circulação de pessoas que atualmente se defrontam com dificuldades para exercerem os seus direitos no âmbito de uma sucessão com incidência transfronteiriça. No espaço europeu de justiça, os cidadãos devem ter a possibilidade de organizar antecipadamente a sua sucessão. É necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários, das outras pessoas próximas do falecido, bem como dos credores da sucessão.

[…]

(9)

O âmbito de aplicação do presente regulamento deverá abranger todas as questões de direito civil da sucessão por morte, ou seja, todas as formas de transferência de bens, direitos e obrigações por morte, independentemente de se tratar de um ato voluntário de transferência ao abrigo de uma disposição por morte, ou de uma transferência por sucessão ab intestato.

[…]

(15)

O presente regulamento deverá permitir a criação ou a transferência por sucessão de um direito sobre um bem imóvel ou móvel, tal como previsto na lei aplicável à sucessão. Não deverá, contudo, afetar o número limitado (“numerus clausus”) dos direitos reais conhecidos no direito nacional de alguns Estados‑Membros. Um Estado‑Membro não deverá ser obrigado a reconhecer um direito real sobre um bem situado no seu território se esse direito real não for conhecido na sua ordem jurídica.

(16)

No entanto, a fim de permitir que os beneficiários gozem, noutro Estado‑Membro, dos direitos que foram criados ou lhes foram transferidos por sucessão, o presente regulamento deverá prever a possibilidade de adaptar um direito real desconhecido ao direito real equivalente mais próximo previsto na lei desse outro Estado‑Membro. No contexto dessa adaptação, deverão ser tidos em conta os objetivos e os interesses visados pelo direito real em causa e os efeitos que lhe estão associados. Para determinar o direito real equivalente mais próximo, podem ser contactadas as autoridades ou pessoas competentes do Estado cuja lei se aplicou à sucessão, a fim de obter mais informações sobre a natureza e os efeitos do direito em causa. Para esse efeito, poderão ser utilizadas as redes existentes no domínio da cooperação judiciária em matéria civil e comercial, bem como quaisquer outros meios disponíveis que facilitem a compreensão de legislação estrangeira.

[…]

(18)

Deverão ficar excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento os requisitos para a inscrição num registo de um direito sobre um bem imóvel ou móvel. Por conseguinte, deverá ser a lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo (a lex rei sitae, para os bens imóveis) que determinará em que condições legais e de que forma deve ser feita a inscrição no registo e quais as autoridades, tais como as conservatórias de registo predial ou os notários, encarregadas de verificar se estão cumpridos todos os requisitos e se a documentação apresentada ou produzida é suficiente ou contém as informações necessárias. As autoridades podem, em particular, verificar se o direito do falecido sobre os bens da herança, mencionados no documento apresentado para efeitos de registo, está exarado como tal no registo ou pode ser de outra forma comprovado nos termos da lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo. A fim de evitar a duplicação de documentos, as autoridades de registo deverão aceitar os documentos que foram exarados pelas autoridades competentes de outro Estado‑Membro e cuja circulação seja prevista pelo presente regulamento. Em particular, o certificado sucessório europeu, emitido nos termos do presente regulamento, deverá constituir um documento válido para a inscrição dos bens da sucessão num registo de um Estado‑Membro. Tal não deverá impedir que as autoridades responsáveis pelo registo peçam à pessoa que solicita o registo que apresente as informações ou os documentos suplementares exigidos pela lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo, por exemplo, informações ou documentos relacionados com o pagamento de impostos. A autoridade competente poderá indicar à pessoa que requer o registo a forma como podem ser prestadas as informações e os documentos em falta.

(19)

Também deverão ficar excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento os efeitos da inscrição de um direito num registo. Deverá, pois, caber à lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo determinar se a inscrição tem efeito, por exemplo, declarativo ou constitutivo. Assim, por exemplo, se a aquisição de um direito sobre um bem imóvel exigir a inscrição num registo, nos termos da lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo, a fim de garantir o efeito erga omnes dos registos ou proteger os negócios jurídicos, o momento da referida aquisição deverá ser regido pela lei desse Estado‑Membro.

[…]

(37)

Para que os cidadãos possam beneficiar, com toda a segurança jurídica, das vantagens oferecidas pelo mercado interno, o presente regulamento deverá permitir‑lhes conhecer antecipadamente qual será a lei aplicável à sua sucessão. Deverão ser introduzidas normas harmonizadas de conflitos de leis para evitar resultados contraditórios. A regra principal deverá assegurar previsibilidade no que se refere à lei aplicável com a qual a sucessão apresente uma conexão estreita. Por razões de segurança jurídica e para evitar a fragmentação da sucessão, essa lei deverá regular a totalidade da sucessão, ou seja, todos os bens da herança, independentemente da natureza dos bens e independentemente de estes se encontrarem situados noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro.

[…]

(67)

A fim de que as sucessões com incidência transfronteiriça na União sejam decididas de uma forma célere, fácil e eficaz, o herdeiro, o legatário, o executor testamentário ou o administrador da herança deverão poder provar facilmente a sua qualidade e/ou os seus direitos e poderes noutro Estado‑Membro, por exemplo no Estado‑Membro onde se situam os bens da herança. Para o efeito, o presente regulamento deverá prever a criação de um certificado uniforme, o certificado sucessório europeu (a seguir designado por “certificado”), que será emitido para fins de utilização noutro Estado‑Membro. A fim de respeitar o princípio da subsidiariedade, este certificado não deverá substituir os documentos internos que possam existir para fins semelhantes nos Estados‑Membros.»

8.

Nos termos do artigo 1.o deste regulamento:

«1.   O presente regulamento é aplicável às sucessões por morte. Não é aplicável às matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2.   São excluídos do âmbito de aplicação do presente regulamento:

[…]

k)

A natureza dos direitos reais; e

l)

Qualquer inscrição num registo de direitos sobre um bem imóvel ou móvel, incluindo os requisitos legais para essa inscrição, e os efeitos da inscrição ou não inscrição desses direitos num registo.»

9.

Nos termos do artigo 21.o, n.o 1, do referido regulamento, que estabelece a regra geral relativa à lei aplicável à sucessão:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito.»

10.

O artigo 22.o do Regulamento n.o 650/2012, com a epígrafe «Escolha da lei», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Uma pessoa pode escolher como lei para regular toda a sua sucessão a lei do Estado de que é nacional no momento em que faz a escolha ou no momento do óbito.

[…]

2.   A escolha deve ser feita expressamente numa declaração que revista a forma de uma disposição por morte ou resultar dos termos dessa disposição.»

11.

O artigo 23.o deste regulamento, com a epígrafe «Âmbito da lei aplicável», prevê, no seu n.o 1 e no seu n.o 2, alínea e):

«1.   A lei designada nos termos do artigo 21.o ou do artigo 22.o regula toda a sucessão.

2.   Essa lei rege, nomeadamente:

[…]

e)

A transmissão dos bens, direitos e obrigações que compõem a herança aos herdeiros e, consoante o caso, aos legatários, incluindo as condições e os efeitos da aceitação da sucessão ou do legado ou do seu repúdio.»

12.

Nos termos do artigo 31.o do referido regulamento, com a epígrafe «Adaptação dos direitos reais»:

«No caso de uma pessoa invocar um direito real sobre um bem a que tenha direito ao abrigo da lei aplicável à sucessão e a legislação do Estado‑Membro em que o direito é invocado não reconhecer o direito real em causa, esse direito deve, se necessário e na medida do possível, ser adaptado ao direito real equivalente mais próximo que esteja previsto na legislação desse Estado, tendo em conta os objetivos e os interesses do direito real em questão e os efeitos que lhe estão associados.»

13.

O capítulo V do Regulamento n.o 650/2012 é consagrado aos atos autênticos e às transações judiciais.

14.

Nos termos do artigo 59.o, n.o 1, deste regulamento, com a epígrafe «Aceitação dos atos autênticos», «[u]m ato autêntico exarado num Estado‑Membro tem noutro Estado‑Membro a mesma força probatória que tem no Estado‑Membro de origem, ou efeitos o mais equiparáveis possível, desde que tal não seja manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro em causa».

15.

No capítulo VI do referido regulamento, consagrado ao certificado sucessório europeu, o artigo 62.o, com a epígrafe «Criação de um certificado sucessório europeu», enuncia:

«1.   O presente regulamento cria um certificado sucessório europeu […], que deve ser emitido para fins de utilização noutro Estado‑Membro e produzir os efeitos enunciados no artigo 69.o

2.   O recurso ao certificado [sucessório europeu] não é obrigatório.

[…]»

16.

O artigo 63.o do Regulamento n.o 650/2012, com a epígrafe «Finalidade do certificado [sucessório europeu]», enuncia, no seu n.o 1 e no seu n.o 2, alínea b):

«1.   O certificado [sucessório europeu] destina‑se a ser utilizado pelos herdeiros, pelos legatários que tenham direitos na sucessão e pelos executores testamentários ou administradores de heranças que necessitem de invocar noutro Estado‑Membro a sua qualidade ou exercer os seus direitos de herdeiros ou legatários e/ou os seus poderes de executores testamentários ou administradores de uma herança.

2.   O certificado [sucessório europeu] pode ser utilizado, nomeadamente, para comprovar um ou mais dos seguintes elementos específicos:

[…]

b)

A atribuição de um bem ou bens determinados específicos que façam parte da herança ao herdeiro ou herdeiros ou ao legatário ou legatários, consoante o caso, mencionados no certificado [sucessório europeu].»

17.

O artigo 68.o deste regulamento, inserido no mesmo capítulo, com a epígrafe «Conteúdo do certificado [sucessório europeu]», dispõe:

«Tanto quanto seja necessário para a finalidade da emissão, o certificado [sucessório europeu] inclui as seguintes informações:

[…]

m)

A lista dos bens e/ou direitos que cabem a um determinado legatário;

[…]»

18.

O artigo 69.o do referido regulamento, com a epígrafe «Efeitos do certificado [sucessório europeu]», enuncia nos seus n.os 2 e 5:

«2.   Presume‑se que o certificado [sucessório europeu] comprova com exatidão os elementos estabelecidos nos termos da lei aplicável à sucessão ou de qualquer outra legislação aplicável a determinados elementos. Presume‑se que quem [esse] certificado mencionar como herdeiro, legatário, executor testamentário ou administrador da herança tem a qualidade mencionada no certificado e/ou é titular dos direitos ou dos poderes indicados no certificado e que não estão associadas a esses direitos ou poderes outras condições e/ou restrições para além das referidas no certificado [sucessório europeu].

[…]

5.   O certificado [sucessório europeu] constitui um documento válido para a inscrição de bens da sucessão no registo competente de um Estado‑Membro, sem prejuízo do disposto no artigo 1.o, n.o 2, alíneas k) e l).»

B.   Direito polaco

1. Código Civil

19.

Nos termos do artigo 981.o 1, n.o 1, do Kodeks Cywilny (Código Civil, a seguir «Código Civil»):

«O testador pode determinar, por testamento lavrado sob a forma de instrumento notarial, que o bem objeto de um legado seja transmitido a determinada pessoa no momento da abertura da sucessão (legado vindicatório).»

20.

Segundo o n.o 2, ponto 2), deste artigo:

«O objeto desse legado poderá ser, nomeadamente:

[…]

2)

um direito de propriedade transmissível.

[…]»

21.

O artigo 968.o do Código Civil diz respeito ao legado obrigacional, no qual o testador pode escolher qualquer forma testamentária admissível, incluindo o testamento hológrafo.

2. Código do Notariado

22.

Nos termos do artigo 81.o da Prawo o notariacie (Lei que aprova o Código do Notariado, a seguir «Código do Notariado») de 14 de fevereiro de 1991 ( 8 ), conforme alterada pela Lei de 13 de dezembro de 2013 ( 9 ), o notário está obrigado a recusar a prática de um ato notarial ilícito.

23.

O artigo 83.o, n.o 2, do Código do Notariado prevê que a recusa de prática de um ato notarial está sujeita a fiscalização se o interessado interpuser recurso. Esse recurso é objeto, em primeiro lugar, de um procedimento de auto revisão, pelo próprio notário, que lhe pode dar provimento e praticar o ato em questão. Se o próprio notário negar provimento ao recurso, este é analisado pelo Sąd Okręgowy (Tribunal Regional, Polónia) do lugar do cartório do notário. Segundo a jurisprudência nacional, o Sąd Okręgowy (Tribunal Regional) decide em segunda instância.

III. Factos do litígio do processo principal e questão prejudicial

24.

Aleksandra Kubicka, cidadã polaca, mãe de dois menores, filhos do seu casamento com um cidadão alemão, é coproprietária com este, na proporção de 50% cada um, de um imóvel situado em Frankfurt an der Oder (Alemanha), no qual reside a família.

25.

Para fazer o seu testamento, A. Kubicka dirigiu‑se a um notário em Słubice (Polónia). Pretendia que o seu cônjuge recebesse, no momento da abertura da sua sucessão, a quota‑parte dos direitos de que é titular no imóvel comum. Optou por fazer um legado vindicatório, conforme previsto na lei sucessória polaca, no artigo 981.o1 do Código Civil. Quanto ao remanescente do seu património, preferiu manter a ordem sucessória legal, nos termos da qual o cônjuge e os filhos herdam em partes iguais.

26.

Invocando o artigo 81.o do Código do Notariado, o notário substituto, Marcin Margoński, recusou a prática de um ato testamentário contendo um legado vindicatório.

27.

Para justificar que esse legado era contrário à legislação, à doutrina e à jurisprudência alemãs relativas aos direitos reais e à obrigação do registo predial, que devia ter em conta por força do artigo 1.o, n.o 2, alíneas k) e l), e do artigo 31.o do Regulamento n.o 650/2012, esse notário substituto salientou que:

no direito alemão, só é autorizado, nos termos do artigo 2174.o do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil), o legado obrigacional que produz efeitos obrigacionais;

segundo jurisprudência alemã constante, anterior à entrada em vigor deste regulamento, os efeitos reais dos legados vindicatórios estrangeiros, que têm por objeto um imóvel situado na Alemanha, não são reconhecidos uma vez que a lei aplicável à sucessão não pode determinar a aquisição de direitos sobre esse bem;

assim, a inscrição do legatário no registo predial só pode ser feita por um ato notarial que contenha um contrato de transmissão da propriedade sobre o imóvel entre os herdeiros e o legatário para efeitos de execução do legado, ou na falta deste, por uma decisão judicial que o substitua; e

desde a entrada em vigor do referido regulamento, esses legados vindicatórios são objeto de uma adaptação a legados obrigacionais, com base no artigo 31.o deste mesmo regulamento.

28.

O notário substituto justificou também a sua análise recordando os fundamentos da lei alemã que aplica o Regulamento n.o 650/2012, a saber, a Internationales Erbrechtsverfahrensgesetz (Lei relativa aos procedimentos em matéria de direito sucessório internacional), de 29 de junho de 2015 ( 10 ), que contém a seguinte passagem: «[e]m contrapartida, o direito alemão não conhece o legado vindicatório, pelo que não é obrigatório reconhecê‑lo no âmbito [deste] regulamento [artigo 1.o, n.o 2, alínea k), do mesmo regulamento]. O direito alemão já procedia anteriormente à adaptação de um legado dessa natureza para o transformar num direito obrigacional (legado obrigacional). O artigo 31.o [do referido] regulamento não altera em nada a situação existente».

29.

A. Kubicka interpôs recurso perante o notário substituto, alegando que não há nenhuma disposição no Regulamento n.o 650/2012 que justifique não reconhecer os efeitos reais do legado vindicatório previsto pela lei sucessória que escolheu.

30.

Tendo este confirmado a sua recusa de prática do ato notarial, A. Kubicka interpôs então recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

31.

Este considerou que lhe era pedido para apreciar em que medida os efeitos resultantes da lei sucessória podem ser limitados pela lei da situação do bem.

32.

Nestas condições, o Sąd Okręgowy w Gorzowie Wielkopolskim (Tribunal Regional de Gorzów Wielkopolski, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 1.o, n.o 2, alíneas k) e l), e 31.o do Regulamento [n.o 650/2012] ser interpretados no sentido de que permitem a recusa do reconhecimento dos efeitos reais de um legado vindicatório (legatum per vindicationem), conforme previsto no direito sucessório [polaco], se esse legado tiver por objeto o direito de propriedade sobre um bem imóvel situado num Estado‑Membro cujo direito não reconhece os legados com efeitos reais imediatos?»

IV. A nossa análise

A.   Quanto à admissibilidade da questão prejudicial

33.

Os Governos alemão e húngaro alegaram, nas suas observações escritas, a inadmissibilidade da questão prejudicial pelo facto de ser hipotética.

34.

Importa recordar, a título preliminar que, segundo jurisprudência constante, «o processo previsto no artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Daqui decorre que compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, a quem o litígio é submetido e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições de proferir o seu julgamento, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça deve, em princípio, decidir. Todavia, o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas» ( 11 ).

35.

O Governo húngaro pediu ao Tribunal de Justiça para não responder à questão prejudicial pelo facto de respeitar a uma recusa em reconhecer um efeito do legado sobre os direitos reais que a autoridade alemã responsável pelo registo predial ainda não proferiu, uma vez que não ocorreu o óbito da testadora. Este Governo considera que esta questão se limita a solicitar uma interpretação das disposições nacionais polacas e alemãs relativas ao legado com vista a determinar a relação entre ambas.

36.

Sublinhamos, por referência ao considerando 7 do Regulamento n.o 650/2012, que este visa favorecer a organização pelos cidadãos europeus da sua sucessão, e garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários. Consequentemente, são admissíveis as questões que digam respeito a situações em que sejam opostos ao testador limites à liberdade de testar. Também não se pode conceber, por razões de segurança jurídica, que a questão só possa ser tratada uma vez aberta a sucessão, quando surgem dificuldades de interpretação na fase da prática do ato.

37.

Segundo o Governo alemão, o órgão jurisdicional de reenvio entende que deve verificar a ilicitude do ato escolhido pela recorrente, à luz do artigo 81.o do Código do Notariado, sem, todavia, precisar de que forma é que essa ilicitude resultaria, nos termos do direito polaco, da falta de reconhecimento do legado vindicatório pelo direito alemão.

38.

No entanto, sublinhamos, como também foi recordado na audiência, que a obrigação do notário de recusar praticar um ato que infringiria os requisitos legais deve ser entendida de maneira ampla. Inclui necessariamente, tratando‑se de uma autoridade pública, o dever de aconselhamento e o dever de verificar a eficácia do ato à luz do objetivo prosseguido pela pessoa em causa.

39.

E, no litígio do processo principal, como resulta do pedido de decisão prejudicial, trata‑se da vontade da testadora de organizar a transmissão direta do bem sem necessidade de cumprimento de outras formalidades após o seu falecimento.

40.

Foi confirmada a pertinência da análise do direito positivo alemão pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual um legado vindicatório de direitos exercidos sobre um imóvel situado na Alemanha não pode produzir efeitos ( 12 ).

41.

Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre a contestação da recusa do notário em praticar tal ato, conforme previsto pela lei escolhida pela testadora, mas não reconhecido pela lei da situação do imóvel, há que considerar que o pedido de interpretação não é hipotético.

42.

Consequentemente, na nossa opinião, a questão prejudicial é admissível.

B.   Quanto ao mérito

43.

O litígio no processo principal tem por objeto a transferência, por efeito de um legado, do direito de propriedade de A. Kubicka, cidadã polaca, sobre um imóvel, situado na Alemanha, após o seu falecimento.

44.

Essa disposição mortis causa é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 650/2012, conforme resulta dos seus artigos 1.o e 3.o, n.o 1, alínea a).

45.

As modalidades dessa transferência devem estar sujeitas, por princípio, à lei sucessória escolhida por A. Kubicka. Com efeito, nos termos do artigo 22.o deste regulamento, esta pode escolher como lei para regular toda a sua sucessão a lei do Estado de que é nacional no momento da sua escolha. E o artigo 23.o, n.o 2, alínea e), do referido regulamento prevê que essa lei regula, nomeadamente, a transmissão dos direitos que compõem a herança aos legatários. Esta análise é corroborada pelo considerando 42 do mesmo regulamento nos termos do qual «[a] lei designada como lei aplicável à sucessão deverá regular a sucessão desde a sua abertura até à transferência aos beneficiários da propriedade dos bens que fazem parte da herança nos termos dessa lei […]».

46.

Com esse legado, A. Kubicka pretende transmitir ao legatário a sua quota‑parte da plena propriedade de um bem, ou seja, um direito real reconhecido nos dois sistemas jurídicos em causa, de acordo com a titularidade atual.

47.

Por conseguinte, a escolha de um legado vindicatório em vez de um legado obrigacional não altera o conteúdo do direito que será exercido sobre o bem. Limita‑se a organizar a transferência direta de um direito real, em vez de uma transmissão indireta mediante a constituição de um direito pessoal a favor do legatário.

48.

Ora, a exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea k), do Regulamento n.o 650/2012 não abrange esta divergência de modalidade de transmissão, ao contrário do que alega o Governo alemão. Com efeito, só a determinação da natureza e do número de direitos reais deve continuar a ser da competência da lei da situação do imóvel, como precisa, muito claramente, o considerando 15 deste regulamento.

49.

Portanto, a referência ao artigo 1.o, n.o 2, alínea k), do referido regulamento pode ser afastada do debate devido ao seu âmbito de aplicação.

50.

Consequentemente, o mesmo se passa com o artigo 31.o do Regulamento n.o 650/2012, que só é aplicável, de acordo com a sua redação, no caso de «uma pessoa invocar um direito real sobre um bem a que tenha direito ao abrigo da lei aplicável à sucessão e a legislação do Estado‑Membro em que o direito é invocado não reconhecer o direito real em causa».

51.

Logo, resta colocar a seguinte última questão, apresentada como determinante pelo Governo alemão ( 13 ): a exclusão do artigo 1.o, n.o 2, alínea l), deste regulamento pode limitar os efeitos da lei sucessória sobre a transmissão do bem, conforme definidos no artigo 23.o, alínea e), do referido regulamento?

52.

Por outras palavras, se, nos termos da lei sucessória escolhida pelo testador, um herdeiro se tornar proprietário de um imóvel, e o título dever ser inscrito no registo predial de outro Estado‑Membro, pode este opor‑lhe a lei da situação do bem, que prevê requisitos de fundo diferentes, para proceder a esse registo constitutivo do direito?

53.

Os elementos de resposta podem ser retirados da análise das disposições do artigo 1.o, n.o 2, alínea l), do Regulamento n.o 650/2012 e dos objetivos que este prossegue.

54.

Antes de mais, recordemos aqui novamente, para efeitos da discussão, que, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea l), do referido regulamento, é excluída do seu âmbito de aplicação «[q]ualquer inscrição num registo de direitos sobre um bem imóvel ou móvel, incluindo os requisitos legais para essa inscrição, e os efeitos da inscrição ou não inscrição desses direitos num registo».

55.

O considerando 18 do Regulamento n.o 650/2012 esclarece o seu alcance, que deve ser entendido estritamente uma vez que se trata de uma exclusão: «deverá ser a lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo (a lex rei sitae, para os bens imóveis) que determinará em que condições legais e de que forma deve ser feita a inscrição no registo e quais as autoridades, tais como as conservatórias de registo predial ou os notários, encarregadas de verificar se estão cumpridos todos os requisitos e se a documentação apresentada ou produzida é suficiente ou contém as informações necessárias. […] Em particular, o certificado sucessório europeu, emitido nos termos do presente regulamento, deverá constituir um documento válido para a inscrição dos bens da sucessão num registo de um Estado‑Membro. […] A autoridade competente poderá indicar à pessoa que requer o registo a forma como podem ser prestadas as informações e os documentos em falta».

56.

Como evocaram, nomeadamente o Governo espanhol e a Comissão ( 14 ), os requisitos legais estabelecidos por esta disposição, relativos, entre outros, ao prazo de inscrição e às condições de forma, destinam‑se a garantir a segurança inerente a qualquer forma de registo de transmissão de direitos. E é precisamente para facilitar o cumprimento desses requisitos, que não afetam as condições de fundo da transferência do direito real, e a circulação dos títulos que foi criado o certificado sucessório europeu ( 15 ).

57.

Nesta fase da análise, poderia considerar‑se desde já que as disposições do artigo 1.o, n.o 2, alínea l), do referido regulamento não podem ser interpretadas no sentido de que permitem fundamentar uma recusa de reconhecimento dos efeitos de um legado sujeito à lei sucessória escolhida.

58.

Todavia, como alega o Governo alemão, poder‑se‑ia ponderar uma solução contrária tendo por base os termos da última parte da frase desse artigo, a saber, «e os efeitos da inscrição ou não inscrição desses direitos num registo»?

59.

O considerando 19 do mesmo regulamento é muito claro quanto ao sentido desses termos. A questão de saber se a inscrição produz um efeito declarativo ou constitutivo de direito é expressamente prevista neste considerando. O momento da aquisição também é referido a título de exemplo como estando excluído do âmbito do direito sucessório.

60.

Não se pode fazer, em todos os casos, do requisito de inscrição uma condição para a aquisição do direito real. Com efeito, esta reserva deve ser necessariamente conjugada com o princípio da unidade da lei sucessória, conforme previsto no artigo 23.o, n.o 2, alínea e), do Regulamento n.o 650/2012, segundo o qual o direito sucessório regula «a transmissão dos bens, direitos e obrigações […] aos herdeiros e […] aos legatários». Uma interpretação diferente reduziria consideravelmente o alcance deste princípio, quando se deve ter em conta o objetivo prosseguido pelo legislador da União.

61.

A este propósito, importa recordar que este regulamento se inscreve na perspetiva mais geral de manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que seja assegurada a livre circulação das pessoas ( 16 ).

62.

O referido regulamento responde à necessidade de assegurar a compatibilidade das regras aplicáveis em matéria de conflitos de leis e de competência, que são especialmente exacerbadas em matéria de sucessão, por causa da variedade das questões a resolver que a sua complexidade gera (determinação dos beneficiários, dos seus direitos, por vezes consoante o bem em causa, as modalidades de administração ou de liquidação da herança, etc.).

63.

Do mesmo modo, o objetivo concreto primordial do Regulamento n.o 650/2012 é o expresso no seu considerando 7. Este esclarece que «[n]o espaço europeu de justiça, os cidadãos devem ter a possibilidade de organizar antecipadamente a sua sucessão. É necessário garantir eficazmente os direitos dos herdeiros e dos legatários […]».

64.

Os meios utilizados para esse fim são descritos, nomeadamente, no considerando 8 deste regulamento, nos termos do qual, «o presente regulamento deverá agrupar as disposições sobre […] o reconhecimento […] dos atos autênticos e […] a criação do certificado sucessório europeu», e no considerando 37 deste mesmo regulamento relativo à harmonização das normas de conflitos de leis «independentemente da natureza dos bens e independentemente de estes se encontrarem situados noutro Estado‑Membro ou num Estado terceiro».

65.

Importa também sublinhar que esta vontade de simplificação se traduziu na elaboração de um certificado sucessório europeu. Este permite nomeadamente aos herdeiros e aos legatários provarem o seu estatuto e os seus direitos noutro Estado‑Membro e, em especial, a atribuição de um bem determinado ao legatário mencionado nesse certificado ( 17 ).

66.

Assim, nos termos do artigo 69.o, n.o 5, do referido regulamento, esse certificado constitui um documento válido para a inscrição de bens da sucessão no registo competente de um Estado‑Membro.

67.

Tão pouco se pode argumentar que esta disposição visa também o caso de exclusão previsto no artigo 1.o, n.o 2, alínea l), do Regulamento n.o 650/2012. O seu alcance deve ser limitado às modalidades específicas do procedimento de inscrição nos registos ( 18 ), pelos motivos já expostos no n.o 55 das presentes conclusões, decorrentes do considerando 18 deste regulamento. Daqui se deduz que, na prática, podem ser exigidos outros documentos ou informações em complemento do certificado sucessório europeu, quando, por exemplo, este não contém elementos suficientemente precisos para identificar o bem cuja transmissão de propriedade deve ser registada.

68.

Foi no sentido destas análises que, segundo as indicações dadas pela Comissão ( 19 ), no âmbito das negociações prévias à adoção do referido regulamento, as propostas do Governo alemão destinadas a manter a aplicação do direito relativo à inscrição nos registos do Estado‑Membro onde se situa o bem transmitido para estabelecer as condições em que o direito de propriedade é transferido foram rejeitadas ou alteradas.

69.

Além disso, a Comissão salientou que o Reino dos Países Baixos, cujo direito sucessório também não prevê o legado vindicatório, adaptou as suas disposições em matéria de registo, aquando da transposição do Regulamento n.o 650/2012, de maneira a permitir ao legatário vindicatório registar o seu direito de propriedade com base no certificado sucessório europeu que comprova que o legatário adquiriu o bem imóvel por legado ( 20 ).

70.

Esta solução garante plena eficácia à escolha da lei sucessória.

71.

Apresenta também um interesse essencial em matéria de partilhas, uma vez que as dificuldades se podem colocar nos mesmos termos.

72.

Deve igualmente ser apreciada em correlação com o mecanismo de adaptação, previsto no artigo 31.o deste regulamento, quando os direitos adquiridos não são reconhecidos pela lei aplicável no local do seu registo, o que demonstra a impossibilidade de excluir um direito e a vontade firme do legislador da União de atribuir um efeito útil à escolha da lei sucessória.

73.

Consequentemente, tendo em atenção todos estes elementos, pensamos que, numa situação como a do processo principal, o artigo 1.o, n.o 2, alíneas k) e l), ou o artigo 31.o do referido regulamento devem ser interpretados no sentido de que não permitem a recusa do reconhecimento dos efeitos reais do legado vindicatório (legatum per vindicationem), conforme previsto no direito sucessório, se esse legado tiver por objeto o direito de propriedade sobre um bem imóvel situado num Estado‑Membro cujo direito não reconhece os legados com efeitos reais imediatos.

V. Conclusão

74.

Tendo em atenção as considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Sąd Okręgowy w Gorzowie Wielkopolskim (Tribunal Regional de Gorzów Wielkopolski, Polónia) da seguinte maneira:

Numa situação como a do processo principal, o artigo 1.o, n.o 2, alíneas k) e l), ou o artigo 31.o do Regulamento (UE) n.o 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, devem ser interpretados no sentido de que não permitem a recusa do reconhecimento dos efeitos reais do legado vindicatório (legatum per vindicationem), conforme previsto no direito sucessório, se esse legado tiver por objeto o direito de propriedade sobre um bem imóvel situado num Estado‑Membro cujo direito não reconhece os legados com efeitos reais imediatos.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) O n.o 19 do presente texto foi objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

( 3 ) JO 2012, L 201, p. 107.

( 4 ) Estão pendentes dois outros pedidos de decisão prejudicial. Foram submetidos pelo Kammergericht Berlin (Tribunal Regional Superior de Berlim, Alemanha). O primeiro (C‑558/16) diz respeito à interpretação do artigo 1.o, n.o 1, do artigo 67.o, n.o 1, e do artigo 68.o, alínea l), do referido regulamento, num caso de recusa de emissão do certificado sucessório europeu ao cônjuge sobrevivo pelo facto de a sua quota‑parte da herança resultar parcialmente da aplicação de uma disposição abrangida pelo regime matrimonial de bens, que está excluído do âmbito de aplicação deste mesmo regulamento. O segundo (C‑20/17) diz respeito à interpretação do artigo 4.o do Regulamento n.o 650/2012, em relação à determinação da competência internacional em matéria de emissão dos certificados sucessórios nacionais que não foram substituídos pelo certificado sucessório europeu.

( 5 ) Pode salientar‑se que constam disposições idênticas no Regulamento (UE) n.o 2016/1103 do Conselho, de 24 de junho de 2016, que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais (JO 2016, L 183, p. 1), aplicável a partir de 29 de janeiro de 2019. V., em particular, considerandos 27 e 28 e artigo 1.o, n.o 2, alínea g) (com o aditamento das palavras «sobre um bem» a seguir a natureza dos direitos reais) e h), deste regulamento. Prevê também, no seu considerando 25 e no seu artigo 29.o, um mecanismo de adaptação de direitos reais desconhecidos.

( 6 ) V. n.os 47 a 61 dessas observações e, em especial, a referência às propostas da República Federal da Alemanha no sentido de consagrar a transformação de legados não reconhecidos pelo direito alemão em legados por este admitidos, detalhadas na nota 18 das presentes conclusões.

( 7 ) V. Bonomi, A., e Wautelet, P., Le droit européen des succession, Commentaire du règlement (UE) n.o 650/2012, de 4 de julho de 2012, 2.a edição, Bruylant, Bruxelas, 2016, n.os 105 e segs., p. 127. V., também, Bergquist, U., Damascelli, D., Frimston, R., Lagarde, P., Odersky, F., e Reinhartz, B., Commentaire du règlement européen sur les successions, Dalloz, Paris, 2015, I, n.o 71, p. 44.

( 8 ) Dz. U. n.o 22, posição 91.

( 9 ) Dz. U. de 2014, posição 164.

( 10 ) BGBl. I, p. 1042.

( 11 ) Acórdão de 2 de março de 2017, Pérez Retamero (C‑97/16, EU:C:2017:158, n.os 20 a 22 e jurisprudência referida).

( 12 ) V. n.o 20 das observações escritas do Governo alemão.

( 13 ) Por comparação com a precedente, v. n.o 38 das observações escritas desse governo.

( 14 ) V., respetivamente, n.os 43 e 39 dessas observações e, no mesmo sentido, Bonomi, A., e Wautelet, P., op. cit., n.os 125 a 130, pp. 135 a 137.

( 15 ) V., capítulo VI deste regulamento e, especialmente, os seus artigos 62.o e 69.o

( 16 ) V. considerando 1 deste regulamento.

( 17 ) V., neste sentido, considerandos 18 e 67, artigo 63.o, n.o 2, alínea b), e artigo 68.o, alínea m), deste regulamento.

( 18 ) V. n.o 45 das observações da Comissão e Bonomi, A., e Wautelet, P., op. cit., n.os 62 a 66, pp. 900 a 904.

( 19 ) V. n.os 47 a 61 das suas observações escritas, que recordam as propostas relativas ao atual considerando 18, e que citam, antes de mais, o documento do Conselho 7869/12, de 26 de março de 2012 (proposta excluída: «[…], se estiverem reunidas as condições fixadas na lei do Estado‑Membro onde tem de ser feito o registo» e substituída por «Em particular, o certificado sucessório europeu, emitido nos termos do presente regulamento, deverá constituir um documento válido para a inscrição dos bens da sucessão no registo de um Estado‑Membro»). Depois é citado o documento do Conselho 16458/11, de 8 de novembro de 2011 (rejeição da proposta de aditamento: «No caso de uma inscrição com efeito declarativo, é aplicável a lei do Estado‑Membro onde está situado o bem imóvel de forma a que seja inscrita a transmissão da propriedade», e aceitação da proposta «[…] Tal não deverá impedir que as autoridades responsáveis pelo registo peçam à pessoa que solicita o registo que apresente as informações ou os documentos suplementares exigidos pela lei do Estado‑Membro no qual é mantido o registo […]», completado pelo legislador com a seguinte ilustração: «por exemplo, informações ou documentos relacionados com o pagamento de impostos. A autoridade competente poderá indicar à pessoa que requer o registo a forma como podem ser prestadas as informações e os documentos em falta»).

( 20 ) V. n.o 46 das suas observações escritas e referências citadas, a saber, artigo 27.o‑A da Kadasterwet (Lei relativa ao registo predial), de 3 de fevereiro de 2005 (Stb. 2005, n.o 107), aditado pelo artigo 13.o da Uitvoeringswet Verordening erfrecht (Lei que transpõe este regulamento), de 5 de novembro de 2014 (Stb. 2014, n.o 430).

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