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Document 62015CJ0656

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 9 de novembro de 2017.
    Comissão Europeia contra TV2/Danmark A/S.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Serviço público de radiodifusão — Medidas adotadas pelas autoridades dinamarquesas relativamente ao radiodifusor dinamarquês TV2/Danmark — Conceito de “auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais”.
    Processo C-656/15 P.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:836

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    9 de novembro de 2017 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Serviço público de radiodifusão — Medidas adotadas pelas autoridades dinamarquesas relativamente ao radiodifusor dinamarquês TV2/Danmark — Conceito de “auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais”»

    No processo C‑656/15 P,

    que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 7 de dezembro de 2015,

    Comissão Europeia, representada por B. Stromsky, T. Maxian Rusche e L. Grønfeldt, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrente,

    apoiada por:

    Órgão de Fiscalização da AECL, representado por C. Zatschler, M. Schneider, Í. Isberg e C. Perrin, na qualidade de agentes,

    interveniente no presente recurso,

    sendo as outras partes no processo:

    TV2/Danmark A/S, com sede em Odense (Dinamarca), representada por O. Koktvedgaard, advokat,

    recorrente em primeira instância,

    Reino da Dinamarca, representado por C. Thorning, na qualidade de agente, assistido por R. Holdgaard, advokat,

    Viasat Broadcasting UK Ltd, com sede em West Drayton (Reino Unido), representada por M. Honoré e S. Kalsmose‑Hjelmborg, advokater,

    intervenientes em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Arabadjiev, S. Rodin e E. Regan, juízes,

    advogado‑geral: M. Wathelet,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de maio de 2017,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação parcial do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2015, TV2/Danmark/Comissão (T‑674/11, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2015:684), que, por um lado, anulou a Decisão 2011/839/UE da Comissão, de 20 de abril de 2011, relativa às medidas adotadas pela Dinamarca (C 2/03) a favor da TV2/Danmark (JO 2011, L 340, p. 1, a seguir «decisão controvertida»), por a Comissão ter considerado que as receitas publicitárias dos anos 1995 e 1996 pagas à TV2/Danmark por intermédio da Fundo TV2 constituíam auxílios de Estado, e, por outro, negou provimento, quanto ao restante, ao recurso interposto pela TV2/Danmark A/S que tinha por objeto a anulação parcial desta decisão.

    Factos na origem do litígio

    2

    A TV2/Danmark é uma sociedade de radiodifusão dinamarquesa que foi criada em 1986. Estabelecida inicialmente sob a forma jurídica de empresa estatal autónoma, foi transformada, com efeitos contabilísticos e fiscais, a partir de 1 de janeiro de 2003, em sociedade anónima. A TV2/Danmark é a segunda estação de televisão pública na Dinamarca, sendo a primeira a Danmarks Radio.

    3

    A missão da TV2/Danmark consiste em produzir e em emitir programas de televisão nacionais e regionais. Esta emissão pode efetuar‑se nomeadamente através de equipamento de rádio, de satélite ou por cabo. As obrigações de serviço público que incumbem à TV2/Danmark são fixadas pelo Ministro da Cultura.

    4

    Para além dos organismos públicos de radiodifusão, operam no mercado dinamarquês de televisão organismos de radiodifusão comerciais. Trata‑se, designadamente, por um lado, da Viasat Broadcasting UK Ltd (a seguir «Viasat») e, por outro, do conjunto constituído pela SBS TV A/S e pela SBS Danish Television Ltd (a seguir «SBS»).

    5

    A TV2/Danmark foi inicialmente constituída com o auxílio de um empréstimo estatal sujeito a juros e a sua atividade deveria, tal como a da Danmarks Radio, ser financiada com a ajuda do produto da taxa paga por todos os telespetadores dinamarqueses. Todavia, o legislador decidiu que, contrariamente à Danmarks Radio, a TV2/Danmark também teria possibilidade de beneficiar, designadamente, do produto da atividade publicitária.

    6

    Na sequência de uma denúncia apresentada, em 5 de abril de 2000, pela SBS Broadcasting AS/Tv Danmark, o sistema de financiamento da TV2/Danmark foi objeto de exame pela Comissão na sua Decisão 2006/217/CE, de 19 de maio de 2004, relativa aos auxílios estatais concedidos pela Dinamarca à TV2/Danmark (JO 2006, L 85, p. 1, e retificação no JO 2006, L 368, p. 112, a seguir «decisão TV2 I»). Esta decisão abrangia o período entre o ano de 1995 e o ano de 2002 e referia‑se às seguintes medidas: as receitas provenientes da taxa, as transferências de fundos destinados ao financiamento da TV2/Danmark (Fundo TV2 e Radiofonden), as quantias concedidas ad hoc, a isenção do imposto sobre as pessoas coletivas, a isenção do pagamento dos juros e do reembolso do capital dos empréstimos concedidos à TV2/Danmark quando da sua constituição, a garantia estatal para os empréstimos de funcionamento e as condições favoráveis de pagamento da taxa devida pela TV2/Danmark pela utilização da frequência de transmissão nacional (a seguir, consideradas em conjunto, «medidas em causa»). Por último, a investigação da Comissão abrangeu ainda a autorização concedida à TV2/Danmark para emitir em frequências locais em rede e a obrigação de todos os proprietários de instalações com antenas coletivas de difundirem os programas de serviço público da TV2 nas suas instalações.

    7

    No termo do exame das medidas em causa, a Comissão considerou que estas constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, por o regime de financiamento da TV2/Danmark, que visava compensar o custo das prestações de serviço público desta empresa, não preencher a segunda e a quarta das quatro condições consagradas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415, a seguir, no que respeita a estas condições, «condições Altmark»).

    8

    Além disso, a Comissão decidiu que os referidos auxílios, concedidos entre o ano de 1995 e o ano de 2002 pelo Reino da Dinamarca à TV2/Danmark, eram compatíveis com o mercado interno em conformidade com o disposto no artigo 106.o, n.o 2, TFUE, com exceção de um montante de 628,2 milhões de coroas dinamarquesas (DKK) (cerca de 85 milhões de euros) que qualificou de «sobrecompensação». A Comissão ordenou assim ao Reino da Dinamarca que recuperasse este montante, acrescido de juros, junto da TV2/Danmark.

    9

    A decisão TV2 I foi objeto de quatro recursos de anulação interpostos, por um lado, pela TV2/Danmark (processo T‑309/04) e pelo Reino da Dinamarca (processo T‑317/04) e, por outro, pelos concorrentes da TV2/Danmark, a Viasat (processo T‑329/04) e a SBS (processo T‑336/04).

    10

    Por acórdão de 22 de outubro de 2008, TV2/Danmark e o./Comissão (T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, EU:T:2008:457), o Tribunal Geral anulou a referida decisão. No seu acórdão, o Tribunal Geral considerou que a Comissão concluíra corretamente que a missão de serviço público confiada à TV2/Danmark correspondia à definição dos serviços de interesse económico geral da radiodifusão. Todavia, considerou também que a decisão TV2 I padecia de várias ilegalidades.

    11

    Assim, em primeiro lugar, ao apreciar a questão de saber se as medidas em análise na decisão TV2 I utilizaram recursos estatais, o Tribunal Geral constatou que a Comissão, para efeitos da qualificação ou não como recursos estatais, não tinha fundamentado a sua apreciação quanto à tomada em consideração, de facto, das receitas publicitárias dos anos de 1995 e de 1996. Em segundo lugar, o Tribunal Geral constatou que o exame, por parte da Comissão, da questão de saber se a segunda e quarta condições Altmark se encontravam preenchidas não se baseava numa análise séria das condições jurídicas e económicas concretas à luz das quais foi fixado o montante da taxa atribuído à TV2/Danmark. Consequentemente, a decisão TV2 I padecia de falta de fundamentação quanto a esta questão. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral constatou que as apreciações da Comissão relativas à compatibilidade do auxílio à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, em especial à existência de uma sobrecompensação, padeciam, também estas, de falta de fundamentação. Segundo o Tribunal Geral, esta falta de fundamentação resultava da inexistência de apreciação precisa e circunstanciada das condições concretas, jurídicas e económicas que presidiram à determinação do montante da taxa atribuído à TV2/Danmark durante o período de inquérito.

    12

    Na sequência da anulação da decisão TV2 I, a Comissão reexaminou as medidas em causa. Nesta ocasião, consultou o Reino da Dinamarca e a TV2/Danmark e, por outro lado, recebeu observações de terceiros.

    13

    No termo deste exame, a Comissão adotou a decisão controvertida.

    14

    Esta decisão tem por objeto as medidas adotadas relativamente à TV2/Danmark entre o ano de 1995 e o ano de 2002. Contudo, aquando do seu exame, a Comissão também tomou em consideração medidas de recapitalização adotadas durante o ano de 2004 no seguimento da decisão TV2 I.

    15

    Na decisão controvertida, a Comissão manteve a sua posição quanto à qualificação das medidas em causa de «auxílios de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Num primeiro momento, considerou que as receitas publicitárias referentes aos anos de 1995 e de 1996 constituíam recursos estatais e, num segundo momento, ao verificar a existência de uma vantagem seletiva, considerou que as medidas em causa não preenchiam a segunda e quarta condições Altmark. Em contrapartida, ao passo que, na decisão TV2 I, a Comissão tinha considerado que a quantia de 628,2 milhões de DKK (cerca de 85 milhões de euros) constituía uma sobrecompensação incompatível com o artigo 106.o, n.o 2, TFUE, na decisão controvertida, entendeu que esta quantia era uma reserva de capitais próprios adequada para a TV2/Danmark. No dispositivo desta decisão, a Comissão declarou o seguinte:

    «Artigo 1.o

    «O auxílio estatal concedido entre 1995 e 2002 pela Dinamarca à TV2/Danmark, sob a forma de recursos provenientes das taxas de televisão e de outras medidas descritas na presente decisão, é compatível com o mercado interno na aceção do artigo 106.o, n.o 2, [TFUE].»

    Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    16

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de dezembro de 2011, a TV2/Danmark interpôs um recurso em que pediu a anulação parcial da decisão controvertida.

    17

    A título principal, a TV2/Danmark pediu ao Tribunal Geral que anulasse a decisão controvertida, na parte em que a Comissão tinha considerado que as medidas em causa constituíam auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    18

    A título subsidiário, a TV2/Danmark pediu ao Tribunal Geral que anulasse a decisão controvertida, na parte em que a Comissão tinha considerado que:

    todas em medidas em causa constituíam auxílios novos;

    as receitas provenientes da taxa que, entre o ano de 1997 e o ano de 2002, foram transferidas para a TV2/Danmark, e em seguida foram transferidas para as estações regionais da TV2/Danmark, constituíam auxílios de Estado concedidos à TV2/Danmark;

    as receitas publicitárias que, em 1995 e em 1996, bem como aquando da liquidação da Fundo TV2 em 1997, foram transferidas desta última para a TV2/Danmark constituíam auxílios de Estado concedidos à TV2/Danmark.

    19

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida por a Comissão ter considerado que as receitas publicitárias dos anos de 1995 e de 1996 pagas à TV2/Danmark através da Fundo TV2 constituíam auxílios de Estado e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

    Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    20

    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de fevereiro de 2016, o Órgão de Fiscalização da AECL, pediu, ao abrigo do artigo 40.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, para intervir, no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão. Por decisão de 11 de março de 2016, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu este pedido.

    21

    Com o seu presente recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido na parte em que anula a decisão controvertida por a Comissão ter considerado que as receitas publicitárias dos anos de 1995 e de 1996 pagas à TV2/Danmark através da Fundo TV2 constituíam auxílios de Estado;

    julgar improcedente o terceiro pedido formulado a título subsidiário pela TV2/Danmark em primeira instância; e

    condenar a TV2/Danmark nas despesas.

    22

    A TV2/Danmark pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    negar provimento ao recurso; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    23

    O Órgão de Fiscalização da AECL pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido na parte em que anula a decisão controvertida por esta decisão ter concluído que as receitas publicitárias dos anos de 1995 e de 1996 constituíam auxílios de Estado; e

    julgar improcedente o terceiro pedido formulado a título subsidiário pela TV2/Danmark em primeira instância.

    24

    A Viasat pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

    anular o acórdão recorrido na parte em que anula a decisão controvertida que constata que as receitas publicitárias transferidas em 1995 e em 1996 para a TV2/Danmark pela Fundo TV2 constituíam uma medida de auxílio;

    julgar improcedente o terceiro pedido formulado a título subsidiário pela TV2/Danmark no processo que correu no Tribunal Geral; e

    condenar a TV2/Danmark nas despesas.

    25

    O Reino da Dinamarca pede ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso.

    Quanto ao presente recurso

    Argumentos das partes

    26

    Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca um fundamento único através do qual alega, em substância, que, quando considerou que a Comissão tinha erradamente qualificado de «auxílio de Estado» as receitas publicitárias do ano de 1995 e do ano de 1996 transferidas da TV2 Reklame A/S para a TV2/Danmark, através da Fundo TV2, o Tribunal Geral interpretou erradamente o conceito de «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    27

    A este respeito, a Comissão sustenta que, na medida em que a TV2 Reklame era uma empresa pública cujo único acionista era o Estado dinamarquês, esta sociedade estava totalmente sob o controlo e à disposição deste último, pelo que se devia ter considerado que os seus recursos constituíam recursos estatais, na aceção desta disposição.

    28

    Em especial, a Comissão alega que a origem dos recursos em causa não é pertinente para esta qualificação e que a natureza inicialmente prevista destes recursos não pode privar estes últimos do seu caráter de recursos estatais.

    29

    Ora, ao declarar, nos n.os 208, 211 e 212 do acórdão recorrido, que os recursos provenientes de terceiros, tais como empresas públicas, só deviam ser considerados recursos estatais se tivessem sido voluntariamente colocados à disposição do Estado pelos seus proprietários, ou abandonados por estes últimos e geridos pelo Estado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

    30

    A Comissão também considera que é supérfluo analisar se o Estado exerce um controlo sobre os recursos em causa, uma vez que o controlo exercido pelo Estado sobre uma empresa pública implica que este exerce um controlo sobre os recursos desta.

    31

    Deste modo, a Comissão considera que, nos n.os 212, 214 e 215 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar de forma demasiado restritiva o conceito de «controlo» no âmbito da apreciação da questão de saber se o Estado dinamarquês exercia um controlo sobre os recursos transferidos da TV2 Reklame para a TV2/Danmark, através da Fundo TV2.

    32

    Neste contexto, a Comissão sustenta que o elemento determinante não reside na questão de saber se as autoridades dinamarquesas, no presente caso o Ministro da Cultura, dispuseram efetivamente desses recursos e decidiram da sua afetação, mas no facto de terem tido essa possibilidade. Assim, a circunstância de, nos anos de 1995 e de 1996, o Ministro da Cultura ter decidido transferir a integralidade dos lucros da TV2 Reklame para a Fundo TV2 não é pertinente para saber se os referidos recursos eram controlados pelo Estado, uma vez que este teve possibilidade de decidir que os mesmos serviriam para outro fim que não para essa transferência.

    33

    Por outro lado, segundo a Comissão, o Tribunal Geral, nos n.os 209 e 213 do acórdão recorrido, interpretou erradamente o acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2001:160), e traçou um paralelismo desadequado entre este último acórdão e o presente processo.

    34

    O Órgão de Fiscalização AECL e a Viasat consideram, à semelhança da Comissão, que, ao declarar que as receitas publicitárias em causa não constituíam «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, nem, por conseguinte, um auxílio de Estado, na aceção desta disposição, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

    35

    A TV2/Danmark e o Reino da Dinamarca contestam a argumentação da Comissão.

    36

    Alegam nomeadamente que o controlo do Estado dinamarquês sobre as receitas publicitárias pagas à TV2/Danmark através da Fundo TV2 durante os anos de 1995 e de 1996 era teórico, porque a possibilidade de dispor destas receitas estava subordinada à condição de as necessidades de financiamento da TV2/Danmark terem sido previamente satisfeitas, e de, efetivamente, a integralidade das referidas receitas ter sido transferida para a TV2/Danmark.

    37

    A TV2/Danmark e o Reino da Dinamarca consideram que o raciocínio da Comissão assenta numa interpretação errada do direito dinamarquês.

    38

    Por outro lado, a TV2/Danmark e o Reino da Dinamarca consideram que, ao efetuar uma aproximação entre as circunstâncias em causa no presente processo e a situação que deu origem ao acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2001:160), o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito.

    39

    Por último, o Reino da Dinamarca considera que a distinção efetuada pelo Tribunal Geral entre as receitas publicitárias transferidas da TV2 Reklame para a TV2/Danmark através da Fundo TV e os recursos provenientes da taxa audiovisual transferidos da Fundo TV2 para a TV2/Danmark se justifica pelo facto de os primeiros terem a sua origem em pagamentos efetuados por anunciantes privados à TV2 Reklame, ao passo que os segundos são o resultado de uma taxa cobrada pelo Estado para assegurar o financiamento do serviço público dinamarquês de radiodifusão.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    40

    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de «auxílio», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que todos os requisitos a que se refere essa disposição estejam preenchidos (v. acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 63 e jurisprudência referida).

    41

    A referida disposição enuncia quatro requisitos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdãos de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 75; de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 64; e de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 15).

    42

    No presente caso, só o primeiro destes requisitos é controvertido.

    43

    No que respeita a este requisito, relativo ao facto de a vantagem ser direta ou indiretamente concedida através de recursos do Estado, há que recordar que uma medida que não implique uma transferência de recursos do Estado pode ser abrangida pelo conceito de «auxílio», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., designadamente, acórdãos de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 36; de 30 de maio de 2013, Doux Élevage e Coopérative agricole UKL‑ARREE, C‑677/11, EU:C:2013:348, n.o 34, e de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 19).

    44

    Deste modo, o conceito de intervenção «através de recursos estatais», na aceção desta disposição, visa incluir, além das vantagens conferidas diretamente pelo Estado, as conferidas por intermédio de um organismo público ou privado, designado ou instituído por esse Estado com o objetivo de gerir o auxílio (v. acórdãos de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, EU:C:2001:160, n.o 58; de 30 de maio de 2013, Doux Élevage e Coopérative agricole UKL‑ARREE, C‑677/11, EU:C:2013:348, n.o 26; e de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 20).

    45

    Com efeito, o direito da União não pode permitir que se contornem as disposições em matéria de auxílios de Estado através da simples criação de instituições autónomas incumbidas de distribuir auxílios (v. acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 23).

    46

    Por outro lado, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Consequentemente, mesmo que as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrem de modo permanente na posse da Fazenda Pública, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, assim, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de «recursos estatais» (v. acórdãos de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 37; de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 70; de 30 de maio de 2013, Doux Élevage e Coopérative agricole UKL‑ARREE, C‑677/11, EU:C:2013:348, n.o 35; e de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 21).

    47

    Daqui resulta que, na medida em que recursos de empresas públicas sejam controlados pelo Estado e estejam assim à disposição deste, estes recursos são abrangidos pelo conceito de «recursos estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, através do exercício da sua influência dominante sobre essas empresas, o Estado pode perfeitamente orientar a utilização dos respetivos recursos para financiar, eventualmente, benefícios específicos a favor de outras empresas (v., neste sentido, acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, EU:C:2002:294, n.o 38).

    48

    A circunstância de os recursos em causa serem geridos por entidades distintas da autoridade pública ou de serem de origem privada não é relevante a este respeito (v., neste sentido, acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 35, e de 8 de maio de 2003, Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, C‑328/99 e C‑399/00, EU:C:2003:252, n.o 33).

    49

    Como foi indicado pelo Tribunal Geral, no n.o 176 do acórdão recorrido, durante o ano de 1995 e o ano de 1996, os espaços publicitários da TV2/Danmark não eram comercializados pela própria TV2/Danmark, mas por uma sociedade terceira, a TV2 Reklame, e a receita desta comercialização era transferida para a TV2/Danmark através da Fundo TV2.

    50

    A este respeito, não se contesta que, à semelhança da TV2/Danmark, a TV2 Reklame e a Fundo TV2 eram empresas públicas detidas pelo Estado dinamarquês, e que lhes foi atribuída a gestão da transferência, para a TV2/Danmark, das receitas provenientes da comercialização dos referidos espaços publicitários.

    51

    Assim, todo o canal percorrido por estas receitas até à sua transferência para a TV2/Danmark era regulado pela legislação dinamarquesa, nos termos da qual empresas públicas especialmente mandatadas pelo Estado tinham por missão gerir as referidas receitas.

    52

    As receitas em questão estavam, assim, sob controlo público e à disposição do Estado, que podia decidir da sua afetação.

    53

    Deste modo, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 43 a 48 do presente acórdão, as receitas em causa constituem «receitas estatais», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

    54

    Daqui resulta que, quando declarou, no n.o 220 do acórdão recorrido, que as receitas dos anos de 1995 e de 1996, provenientes da comercialização, pela TV2 Reklame, dos espaços publicitários da TV2/Danmark, e transferidas para esta última através da Fundo TV2, não constituíam recursos estatais e que, por conseguinte, a Comissão as tinha erradamente qualificado de «auxílio de Estado», o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

    55

    Conforme foi já recordado no n.o 48 do presente acórdão e contrariamente ao que resulta do n.o 211 do acórdão recorrido, o facto de estas receitas, que provinham dos anunciantes, serem de origem privada não é relevante a este respeito e não é pertinente no que respeita à questão de saber se eram controladas pelas autoridades dinamarquesas.

    56

    Por outro lado, foi sem razão que, nos n.os 208 e 212 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que recursos gerados por empresas públicas, quando provinham de terceiros, só podiam constituir recursos estatais se fossem voluntariamente colocados à disposição do Estado pelos seus proprietários ou abandonados por estes e o Estado tivesse assumido a sua gestão.

    57

    Com efeito, ao contrário do que foi afirmado pelo Tribunal Geral, tal consideração não encontra nenhum fundamento na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

    58

    Sucede o mesmo com as considerações que figuram nos n.os 214, 215 e 217 do acórdão recorrido, segundo as quais apenas a parte destas receitas que, por decisão do Ministro da Cultura, não era transferida para a TV2/Danmark era suscetível de constituir um recurso estatal e que o facto de não existir uma obrigação anual de transferir as referidas receitas da Fundo TV2 para a TV2/Danmark não podia conduzir a uma apreciação diferente.

    59

    Com efeito, conforme foi constatado nos n.os 49 a 52 do presente acórdão, a existência de um controlo público sobre as receitas publicitárias em causa resultava do facto de estas serem geridas por empresas públicas detidas pelo Estado dinamarquês. É aliás facto assente que, nos termos da legislação dinamarquesa, o Ministro da Cultura tinha possibilidade de decidir que essas receitas seriam afetadas a outro fim que não à transferência para a Fundo TV2.

    60

    Por último, a situação em causa no presente processo não é comparável com aquela que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2001:160), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação, imposta às empresas privadas de fornecimento de eletricidade, de comprar a preços mínimos fixos a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis não engendrava nenhuma transferência direta ou indireta de recursos estatais para as empresas produtoras deste tipo de eletricidade (v. acórdãos de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, EU:C:2001:160, n.o 59; de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 74; e de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 34).

    61

    Com efeito, este último processo dizia respeito a empresas privadas que não estavam mandatadas pelo Estado‑Membro em causa para gerir um recurso estatal, mas estavam obrigadas a uma obrigação de compra através dos seus recursos financeiros próprios (v. acórdãos de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 74; de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 35; e despacho de 22 de outubro de 2014, Elcogás, C‑275/13, não publicado, EU:C:2014:2314, n.o 32).

    62

    Por outro lado, no referido processo, os fundos em causa não podiam ser considerados um recurso estatal porque em nenhum momento estiveram sob controlo público (v. acórdão de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 36, e despacho de 22 de outubro de 2014, Elcogás, C‑275/13, não publicado, EU:C:2014:2314, n.o 32).

    63

    Ora, conforme foi já salientado, o presente processo diz respeito a empresas públicas, concretamente à TV2 Reklame e à Fundo TV2, criadas, detidas e mandatadas pelo Estado dinamarquês para gerir as receitas provenientes da comercialização dos espaços publicitários de outra empresa, a saber, a TV2 Danmark, de tal forma que estas receitas estavam sob o controlo e à disposição do Estado dinamarquês.

    64

    Por conseguinte, quando declarou, no n.o 213 do acórdão recorrido, que a situação em causa no presente processo era análoga à que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2001:160), o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

    65

    Nestas condições, há que julgar procedente o fundamento único invocado pela Comissão em apoio do seu presente recurso e anular o acórdão recorrido, na parte em que anulou a decisão controvertida por a Comissão ter considerado que as receitas publicitárias dos anos de 1995 e de 1996 pagas à TV2/Danmark através da Fundo TV2 constituíam auxílios de Estado.

    Quanto ao recurso no Tribunal Geral

    66

    Em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

    67

    No presente caso, o Tribunal de Justiça considera que há que decidir definitivamente o recurso que tem por objeto a anulação da decisão controvertida interposto pela TV2/Danmark.

    68

    A este respeito, basta salientar que, pelos motivos enunciados nos n.os 43 a 64 do presente acórdão, há que julgar improcedente o quarto fundamento invocado pela TV2/Danmark, invocado em apoio do terceiro pedido apresentado a título subsidiário.

    69

    Por conseguinte, há que negar provimento ao recurso da TV2/Danmark.

    Quanto às despesas

    70

    Em conformidade com o disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

    71

    De acordo com o disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    72

    Tendo a Comissão e a Viasat pedido a condenação da TV2/Danmark nas despesas e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, a integralidade das despesas efetuadas pela Comissão e pela Viasat tanto em primeira instância como no âmbito do presente recurso.

    73

    O artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, deste regulamento, prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio suportam as suas próprias despesas.

    74

    O Reino da Dinamarca, que tinha a qualidade de interveniente em primeira instância, suporta as suas próprias despesas.

    75

    Nos termos do artigo 140.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, igualmente aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no seu artigo 184.o, n.o 1, o Órgão de Fiscalização da AECL, quando intervenha no litígio, deve igualmente suportar as suas próprias despesas.

    76

    Por conseguinte, como parte interveniente no âmbito do presente recurso, o Órgão de Fiscalização da AECL suporta as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

     

    1)

    O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 24 de setembro de 2015, TV2/Danmark/Comissão (T‑674/11, EU:T:2015:684), é anulado na parte em que anulou a Decisão 2011/839/UE da Comissão, de 20 de abril de 2011, relativa às medidas adotadas pela Dinamarca (C 2/03) a favor da TV2/Danmark, por a Comissão Europeia ter considerado que as receitas publicitárias dos anos de 1995 e de 1996 pagas à TV2/Danmark através da Fundo TV2 constituíam auxílios de Estado.

     

    2)

    É negado provimento ao recurso de anulação interposto pela TV2/Danmark A/S que tinha por objeto a Decisão 2011/839.

     

    3)

    A TV2/Danmark A/S suporta, além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas efetuadas pela Comissão Europeia e pela Viasat Broadcasting UK Ltd tanto em primeira instância como no âmbito do presente recurso.

     

    4)

    O Reino da Dinamarca e o Órgão de Fiscalização da AECL suportam as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: dinamarquês.

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