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Document 62015CJ0282

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 19 de janeiro de 2017.
    Queisser Pharma GmbH & Co. KG contra Bundesrepublik Deutschland.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Braunschweig.
    Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Artigos 34.o a 36.o TFUE — Situação puramente interna — Segurança dos géneros alimentícios — Regulamento (CE) n.o 178/2002 — Artigo 6.o — Princípio da análise de riscos — Artigo 7.o — Princípio da precaução — Regulamento (CE) n.o 1925/2006 — Legislação de um Estado‑Membro que proíbe o fabrico e a colocação no mercado de suplementos alimentares que contenham aminoácidos — Situação em que a autorização de uma derrogação temporária a esta proibição é abrangida pelo poder discricionário da autoridade nacional.
    Processo C-282/15.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:26

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    19 de janeiro de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Artigos 34.o a 36.o TFUE — Situação puramente interna — Segurança dos géneros alimentícios — Regulamento (CE) n.o 178/2002 — Artigo 6.o — Princípio da análise de riscos — Artigo 7.o — Princípio da precaução — Regulamento (CE) n.o 1925/2006 — Legislação de um Estado‑Membro que proíbe o fabrico e a colocação no mercado de suplementos alimentares que contenham aminoácidos — Situação em que a autorização de uma derrogação temporária a esta proibição é abrangida pelo poder discricionário da autoridade nacional»

    No processo C‑282/15,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Braunschweig (Tribunal Administrativo de Braunschweig, Alemanha), por decisão de 27 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de junho de 2015, no processo

    Queisser Pharma GmbH & Co. KG

    contra

    Bundesrepublik Deutschland,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Bobek,

    secretário: K. Malacek, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 12 de maio de 2016,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Queisser Pharma GmbH & Co. KG, por A. Meisterernst, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e B. Beutler, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid e E. Manhaeve, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de julho de 2016,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), do Regulamento (CE) n.o 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo à adição de vitaminas, minerais e determinadas outras substâncias aos alimentos (JO 2006, L 404, p. 26), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 108/2008 do Parlamento e do Conselho, de 15 de janeiro de 2008 (JO 2008, L 39, p. 11) (a seguir «Regulamento n.o 1925/2006»), e dos artigos 34.o a 36.o TFUE.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Queisser Pharma GmbH & Co. KG (a seguir «Queisser Pharma») à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha) a propósito de um pedido de autorização de derrogação da proibição de fabrico e comercialização de um suplemento alimentar que contém o aminoácido L‑Histidina.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Regulamento n.o 178/2002

    3

    O artigo 1.o do Regulamento n.o 178/2002 define o seu objeto e âmbito de aplicação do seguinte modo:

    «1.   O presente regulamento prevê os fundamentos para garantir um elevado nível de proteção da saúde humana e dos interesses dos consumidores em relação aos géneros alimentícios, tendo nomeadamente em conta a diversidade da oferta de géneros alimentícios, incluindo produtos tradicionais, e assegurando, ao mesmo tempo, o funcionamento eficaz do mercado interno. Estabelece princípios e responsabilidades comuns, a maneira de assegurar uma sólida base científica e disposições e procedimentos organizacionais eficientes para servir de base à tomada de decisões em questões de segurança dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais.

    2.   Para efeitos do n.o 1, o presente regulamento estabelece os princípios gerais que regem os géneros alimentícios e os alimentos para animais em geral e, em particular, a sua segurança a nível comunitário e nacional.

    […]»

    4

    O artigo 3.o deste regulamento prevê:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    […]

    11)

    ‘avaliação dos riscos’, um processo de base científica constituído por quatro etapas: identificação do perigo, caracterização do perigo, avaliação da exposição e caracterização do risco;

    […]»

    5

    O capítulo II do referido regulamento, com o título «Legislação alimentar geral», é composto pelos artigos 4.o a 21.o O referido artigo 4.o, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê nos seus n.os 2 e 3:

    «2.   Os princípios estabelecidos nos artigos 5.o a 10.o constituem um quadro geral de caráter horizontal que deve ser respeitado aquando da adoção de quaisquer medidas.

    3.   A fim de obedecer ao disposto nos artigos 5.o a 10.o, os princípios e procedimentos da legislação alimentar vigente serão adaptados o mais rapidamente possível e, o mais tardar, até 1 de janeiro de 2007.»

    6

    O artigo 6.o do Regulamento n.o 178/2002, sob a epígrafe «Análise dos riscos», prevê:

    «1.   A fim de alcançar o objetivo geral de um elevado nível de proteção da vida e da saúde humanas, a legislação alimentar basear‑se‑á na análise dos riscos, exceto quando tal não for adequado às circunstâncias ou à natureza da medida.

    2.   A avaliação dos riscos basear‑se‑á nas provas científicas disponíveis e será realizada de forma independente, objetiva e transparente.

    3.   A gestão dos riscos terá em conta os resultados da avaliação dos riscos, em especial os pareceres da Autoridade a que se refere o artigo 22.o, outros fatores legítimos para a matéria em consideração e o princípio da precaução sempre que se verifiquem as condições previstas no n.o 1 do artigo 7.o, a fim de alcançar os objetivos gerais da legislação alimentar definidos no artigo 5.o»

    7

    O artigo 7.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Princípio da precaução», prevê:

    «1.   Nos casos específicos em que, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistam incertezas a nível científico, podem ser adotadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de proteção da saúde por que se optou na Comunidade, enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos.

    2.   As medidas adotadas com base no n.o 1 devem ser proporcionadas e não devem impor mais restrições ao comércio do que as necessárias para se alcançar o elevado nível de proteção por que se optou na Comunidade, tendo em conta a viabilidade técnica e económica e outros fatores considerados legítimos na matéria em questão. Tais medidas devem ser reexaminadas dentro de um prazo razoável, consoante a natureza do risco para a vida ou a saúde e o tipo de informação científica necessária para clarificar a incerteza científica e proceder a uma avaliação mais exaustiva do risco.»

    8

    O artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002, sob a epígrafe «Requisitos de segurança dos géneros alimentícios», dispõe:

    «1.   Não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

    2.   Os géneros alimentícios não serão considerados seguros se se entender que são:

    a)

    prejudiciais para a saúde;

    b)

    impróprios para consumo humano.

    […]

    7.   São considerados seguros os géneros alimentícios que estejam em conformidade com as disposições comunitárias específicas que regem a sua segurança, no que diz respeito aos aspetos cobertos por essas disposições.

    […]

    9.   Na ausência de disposições comunitárias específicas, os géneros alimentícios são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições específicas da legislação alimentar do Estado‑Membro em cujo território são comercializados, desde que tais disposições sejam formuladas e aplicadas sem prejuízo do Tratado [FUE], nomeadamente dos artigos [34.o e 36.o].»

    9

    O artigo 53.o deste regulamento visa as medidas de emergência aplicáveis aos géneros alimentícios e aos alimentos para animais de origem comunitária ou importados de países terceiros. O artigo 55.o do Regulamento n.o 178/2002 diz respeito ao plano geral de gestão de crises.

    Regulamento n.o 1925/2006

    10

    Os considerados 1 e 2 do Regulamento n.o 1925/2006 enunciam:

    «(1)

    Existe uma ampla gama de nutrientes e outros ingredientes que podem ser usados no fabrico de alimentos, nomeadamente as vitaminas, os minerais — incluindo os oligoelementos, os aminoácidos, os ácidos gordos essenciais, as fibras, diversas plantas e extratos vegetais. A sua adição aos alimentos está sujeita, nos Estados‑Membros, a normas nacionais diferentes que obstam à livre circulação desses produtos e criam desigualdades nas condições de concorrência, tendo assim um impacto direto no funcionamento do mercado interno. Por conseguinte, é necessário adotar normas comunitárias que harmonizem as disposições nacionais relacionadas com a adição de vitaminas, minerais e determinadas outras substâncias aos alimentos.

    (2)

    O presente regulamento destina‑se a regulamentar a adição de vitaminas e de minerais aos alimentos, bem como a utilização de determinadas outras substâncias ou ingredientes que contenham substâncias que não sejam vitaminas nem minerais e sejam adicionados aos alimentos ou usados no fabrico de alimentos em condições que resultem na ingestão de quantidades muito superiores às suscetíveis de serem normalmente ingeridas no quadro de um regime alimentar equilibrado e variado e/ou que representem um risco potencial para os consumidores. Caso não existam disposições comunitárias específicas relativas à proibição ou restrição do uso de substâncias ou ingredientes que contenham substâncias que não sejam vitaminas nem minerais previstas no presente regulamento ou noutras disposições comunitárias específicas, pode ser aplicada a regulamentação nacional pertinente, sem prejuízo do disposto no Tratado.»

    11

    O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    […]

    2)

    ‘Outra substância’, uma substância que não seja uma vitamina ou um mineral, que possua efeitos nutricionais ou fisiológicos.»

    12

    O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Substâncias sujeitas a restrições, proibidas ou sob controlo comunitário», prevê:

    «1.   Deve observar‑se o procedimento previsto no presente artigo sempre que uma substância que não seja uma vitamina nem um mineral, ou um ingrediente que contenha uma substância que não seja uma vitamina nem um mineral, sejam adicionados a um alimento ou sejam utilizados no fabrico de um alimento em condições que resultem na ingestão dessa substância em quantidades muito superiores às suscetíveis de serem normalmente ingeridas no quadro de um regime alimentar equilibrado e variado e/ou que representem, por outras razões, um risco potencial para os consumidores.

    2.   Por sua própria iniciativa ou com base em informações prestadas pelos Estados‑Membros, a Comissão pode tomar uma decisão que tenha por objeto alterar elementos não essenciais do presente regulamento, na sequência da avaliação pela Autoridade, em cada caso, das informações disponíveis, pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 14.o, no sentido de incluir, se necessário, a substância ou o ingrediente no Anexo III. Nomeadamente:

    a)

    Se tiver sido identificado um efeito nocivo para a saúde, a substância e/ou o ingrediente que contém a substância serão introduzidos:

    i)

    na Parte A do Anexo III, e será proibida a sua adição aos alimentos ou a sua utilização no fabrico de alimentos; ou

    ii)

    na Parte B do Anexo III, e a sua adição aos alimentos ou a sua utilização no fabrico de alimentos só será permitida nas condições aí especificadas;

    b)

    Se tiver sido identificada a possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistirem incertezas de caráter científico, a substância deve ser inscrita na Parte C do Anexo III.

    […]»

    13

    O artigo 11.o deste mesmo regulamento, sob a epígrafe «Disposições nacionais», prevê no seu n.o 2:

    «Caso um Estado‑Membro, na falta de disposições comunitárias, considere necessário aprovar nova legislação:

    a)

    Sobre a adição obrigatória de vitaminas e minerais a determinados alimentos ou categorias de alimentos; ou

    b)

    Sobre a proibição ou restrição da utilização de determinadas outras substâncias no fabrico de alimentos específicos,

    deve notificar a Comissão nos termos do artigo 12.o»

    Direito alemão

    14

    O Lebensmittel‑ und Futtermittelgesetzbuch (Código dos Géneros Alimentícios e dos Géneros destinados à Alimentação Animal, BGB1. 2005 I., p. 2618) tem por objeto proteger a saúde humana através de medidas de prevenção no domínio privado ou prevenir um risco que esses produtos apresentam ou podem apresentar. O órgão jurisdicional de reenvio tem como referência a versão do referido código publicada em 3 de junho de 2013 (BGBl. 2013 I, p. 1426), conforme alterada pelo artigo 2.o da Lei de 5 de dezembro de 2014 (BGBl. 2014 I, p. 1975) (a seguir «LFGB»).

    15

    Em conformidade com o § 1, n.o 3, do LFGB, este destina‑se a transpor e dar execução a atos jurídicos da União Europeia relativos a domínios abrangidos por ele, como é o caso do Regulamento n.o 178/2002.

    16

    O § 2 do LFGB, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

    «[…]

    2.   Entende‑se por ‘género alimentício’ os géneros alimentícios tal como definidos no artigo 2.o do Regulamento [n.o 178/2002].

    3.   Entende se por ‘aditivo alimentar’ os aditivos alimentares tal como definidos no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1333/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo aos aditivos alimentares [(JO 2008, L 354, p. 16)], com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (UE) n.o 298/2014 da Comissão, de 21 de março de 2014 [(JO 2014, L 89, p. 36)]. Equiparam se aos aditivos alimentares:

    1)

    As substâncias não consumidas habitualmente como género alimentício em si mesmas e habitualmente não utilizadas como ingrediente característico na alimentação, com ou sem valor nutritivo, e cuja adição intencional aos géneros alimentícios, com outro objetivo para além do tecnológico na fase de fabrico ou tratamento, tenha por efeito, ou possa legitimamente considerar‑se como tendo por efeito, que elas próprias ou os seus produtos de degradação ou de reação se tornem direta ou indiretamente um componente desses géneros alimentícios; são de excluir as substâncias de origem natural ou que são quimicamente iguais às substâncias naturais e que, de acordo com o uso geral, são predominantemente utilizadas em virtude do seu valor nutritivo e organoléptico ou como estimulante,

    […]

    3)

    aminoácidos e os seus derivados,

    […]»

    17

    O § 4 do LFGB, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê no seu n.o 1:

    «As disposições da presente lei

    […]

    2)

    que regem os aditivos alimentares também se aplicam às substâncias que lhes são equiparáveis nos termos do § 2, n.o 3, segunda frase, ou em virtude do ponto 2 do n.o 3,

    […]»

    18

    O § 5 do LFGB, sob a epígrafe «Proibições que visam a proteção da saúde», dispõe no seu n.o 1:

    «É proibido fabricar ou tratar géneros alimentícios para outrem de uma forma que torne o seu consumo prejudicial para a saúde na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento [n.o 178/2002]. Tal não prejudica

    1)

    a proibição prevista no artigo 14.o, n.o 1, em conjugação com o n.o 2, alínea a), do Regulamento [n.o 178/2002], relativo à colocação no mercado de géneros alimentícios prejudiciais para a saúde, […]

    […]»

    19

    O § 6 do LFGB, relativo às proibições relativas aos aditivos alimentares, precisa no seu n.o 1:

    «É proibido,

    1)

    durante o fabrico ou tratamento de géneros alimentícios destinados a ser colocados no mercado

    a)

    Utilizar aditivos alimentares não autorizados não misturados ou misturados com outras substâncias,

    […]

    2)

    Colocar no mercado géneros alimentícios que foram fabricados ou tratados em violação da proibição prevista no n.o 1 ou que não correspondam a um regulamento adotado nos termos do § 7, n.os 1 ou 2, pontos 1 ou 5,

    […]»

    20

    Ao abrigo do § 7 do LFGB, o Bundesministerium (Ministério Federal, Alemanha) pode autorizar derrogações às proibições previstas no § 6, n.o 1, do LFGB.

    21

    O § 54, n.os 2 e 3, do LFGB tem a seguinte redação:

    «2.   O Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit [(Instituto Federal de proteção dos consumidores e da segurança dos géneros alimentícios, Alemanha)] […] adotará decisões de alcance geral desde que razões imperiosas de proteção da saúde a elas não se oponham. Tais decisões devem ser solicitadas pela entidade que pretender introduzir os produtos no país em primeiro lugar. Na apreciação dos riscos que um produto apresenta para a saúde, serão tomados em consideração os conhecimentos provenientes da investigação internacional e, no que respeita aos géneros alimentícios, os hábitos alimentares na República Federal da Alemanha. As decisões de alcance geral previstas no primeiro período produzem efeitos relativamente a todos os importadores dos produtos em causa provenientes dos Estados‑Membros da União Europeia ou de outros Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.

    3.   Uma descrição exata do produto e os documentos disponíveis necessários à tomada de decisão deverão ser juntos ao pedido. O pedido deve ser decidido num prazo razoável. Caso não possa proferir‑se decisão num prazo de vinte e quatro dias, o requerente deve ser informado das razões que motivam o atraso.»

    22

    O § 68 do LFGB enuncia:

    «1.   A pedido do interessado, em determinados casos concretos, é possível autorizar derrogações às disposições da presente lei […] nos termos dos n.os 2 e 3.

    2.   As derrogações apenas podem ser autorizadas

    1)

    no âmbito do fabrico, do tratamento e da colocação no mercado de determinados géneros alimentícios […] desde que sejam expectáveis resultados que possam assumir relevância para alterar ou complementar as disposições aplicáveis a géneros alimentícios, […], sob supervisão oficial ou desde que ainda não se tenha verificado uma aproximação das legislações a atos […], da União Europeia; neste âmbito, importa ter devidamente em conta os interesses dos particulares dignos de proteção bem como todos os fatores passíveis de influenciarem a situação concorrencial do setor industrial em causa,

    […]

    4)

    nos restantes casos, em que as circunstâncias particulares, em particular o risco de deterioração de géneros alimentícios […] as tornam imprescindíveis para evitar situações injustas; […]

    3.   As derrogações apenas podem ser admitidas quando se verifiquem factos que permitam concluir que a saúde humana ou animal não está em risco; […]

    4.   A autorização de derrogações nos termos do n.o 2, pontos 1 e 3, é abrangida pela competência do Instituto Federal de proteção dos consumidores e da segurança dos géneros alimentícios […]. A autorização pode estar sujeita a condições.

    5.   A derrogação nos termos do n.o 2 pode ser concedida por um período máximo de três anos. Nos casos previstos no n.o 2, ponto 1), essa derrogação pode ser renovada três vezes, a pedido do interessado […], de cada vez pelo período máximo de três anos, desde que se continuem a verificar os [requisitos] da autorização […]

    6.   A autorização de uma derrogação pode ser revogada a qualquer momento por razões relevantes. Esta circunstância será referida na autorização.

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    23

    A Queisser Pharma, empresa com sede na Alemanha, produz um suplemento alimentar denominado «Doppelherz aktiv + Eisen + Vitamin C + Histidin + Folsäure», cuja dose recomendada implica a ingestão quotidiana, nomeadamente, de 100 mg de aminoácido L‑ Histidina e de 10 mg de ferro.

    24

    Em 27 de março de 2006, a Queisser Pharma apresentou no Instituto Federal de proteção dos consumidores e da segurança dos géneros alimentícios (a seguir «Instituto») um pedido de derrogação ao abrigo do § 68 do LFGB para poder fabricar e comercializar este produto como suplemento alimentar na República Federal da Alemanha.

    25

    Por decisão de 2 de novembro de 2012, o Instituto indeferiu este pedido com fundamento no facto de não estarem preenchidos os requisitos para a concessão de uma derrogação nos termos do § 68 do LFGB. Segundo o Instituto, em conformidade com o disposto no § 68, n.o 3, do LFGB, a derrogação só poderia ser concedida se existissem elementos de facto que permitissem pensar que não seria expectável nenhum risco para a saúde humana ou animal. Ora, embora o Instituto tenha considerado que a L‑Histidina que compunha o produto em causa no processo principal não apresentava riscos para a saúde, não deixou de levantar dúvidas a respeito da inocuidade deste produto pelo facto de o mesmo implicar a ingestão quotidiana de 10 mg de ferro.

    26

    Na sequência do indeferimento da reclamação que apresentou contra esta decisão, a Queisser Pharma intentou uma ação declarativa no Verwaltungsgericht Braunschweig (Tribunal Administrativo de Braunschweig, Alemanha) para obter uma declaração no sentido de que não era necessária qualquer derrogação ao abrigo do § 68, n.o 1, primeiro período, do LFGB para poder fabricar e comercializar o produto controvertido.

    27

    Por decisão de 17 de fevereiro de 2015, adotada durante o processo no órgão jurisdicional de reenvio, o Instituto revogou a sua decisão de 2 de novembro de 2012 e concedeu à Queisser Pharma uma autorização de derrogação ao abrigo do § 68 do LFGB por um período de três anos. A este respeito, o Instituto indicou que, ao contrário do que tinha considerado naquela última decisão, o ferro contido no produto em causa no processo principal não devia ser tomado em consideração aquando da análise dos requisitos exigidos no § 68 do LFGB. No entanto, a Queisser Pharma decidiu manter a sua ação no órgão jurisdicional de reenvio.

    28

    A este respeito, o órgão jurisdicional observa que, ao abrigo do direito alemão em matéria de contencioso administrativo, o recurso interposto em 22 de março de 2013 pela Queisser Pharma é admissível uma vez que esta sociedade tem um interesse legítimo em obter uma declaração no sentido de que não era necessário solicitar uma derrogação.

    29

    O órgão jurisdicional de reenvio, baseando‑se nomeadamente na jurisprudência nacional, em particular na jurisprudência do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha), coloca a questão de saber se o sistema de derrogação previsto no LFGB respeita o direito da União. Com efeito, segundo esta jurisprudência, as disposições nacionais em matéria de segurança dos géneros alimentícios devem ser conformes com o direito primário da União, nomeadamente com os artigos 34.o e 36.o TFUE, não estando estes artigos apenas reservados às situações transfronteiriças, o que decorre da remissão específica para estes artigos constante do artigo 14.o, n.o 9, do Regulamento n.o 178/2002. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da legislação nacional em causa no processo principal com os artigos 34.o a 36.o TFUE no que respeita à inobservância do princípio da proporcionalidade.

    30

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal com o Regulamento n.o 178/2002 e com o Regulamento n.o 1925/2006. Com efeito, segundo esse órgão jurisdicional, os artigos 6.o, 7.o e 14.o do Regulamento n.o 178/2002 poderiam ser entendidos no sentido de que regulam o domínio da segurança dos géneros alimentícios de forma exaustiva, de modo que só poderia ser decretada uma proibição nacional de géneros ou ingredientes alimentícios se estivessem preenchidos os requisitos enunciados nos referidos artigos. De igual modo, poderia considerar‑se que o processo previsto no artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006 regulamenta de forma exaustiva a possibilidade de adicionar aminoácidos a suplementos alimentares, o que teria por efeito impedir a adoção de uma regulamentação nacional em sentido contrário.

    31

    Assim, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a legislação nacional em causa no processo principal é contrária ao direito da União, na medida em que, por um lado, de modo geral, proíbe a utilização de aminoácidos nos géneros alimentícios, independentemente da questão de saber se existem razões suficientes para suspeitar que existe um risco para a saúde, e, por outro lado, introduz restrições à possibilidade de obter uma derrogação.

    32

    Nestas circunstâncias, o Verwaltungsgericht Braunschweig (Tribunal Administrativo de Braunschweig) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem os artigos 34.o, 35.o e 36.o [TFUE], em conjugação com o artigo 14.o do Regulamento [n.o 178/2002], ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime nacional que proíbe o fabrico, o tratamento e a colocação no mercado de um suplemento alimentar que contém aminoácidos (neste caso, L‑Histidina) desde que para tal não seja concedida uma autorização [de derrogação] que é deixada ao critério das autoridades nacionais, caso estejam cumpridos determinados pressupostos de facto?

    2)

    Decorre da própria sistemática dos artigos 14.o, 6.o, 7.o, 53.o e 55.o do Regulamento [n.o 178/2002] que as legislações nacionais só podem proibir determinados géneros alimentícios ou aditivos alimentares nas condições neles previstas, e isso opõe‑se a um regime nacional como o descrito na primeira questão?

    3)

    Deve o artigo 8.o do Regulamento [n.o 1925/2006] ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional tal como o descrito na primeira questão?»

    Quanto às questões prejudiciais

    33

    Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 14.o, 6.o, 7.o, 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002, o artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006 e os artigos 34.o a 36.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe o fabrico, o tratamento ou a colocação no mercado de qualquer suplemento alimentar que contenha aminoácidos, exceto em caso de autorização de derrogação, apenas por uma duração determinada, concedida por uma autoridade nacional com poder de apreciação nesta matéria.

    34

    A título preliminar, há que observar que algumas disposições de direito da União visadas nas questões prejudiciais não são aplicáveis no litígio no processo principal.

    35

    Antes de mais, no que respeita ao Regulamento n.o 1925/2006, decorre da leitura combinada do considerando 1 e dos artigos 1.o, n.o 1, e 2.o, n.o 2, deste regulamento que os aminoácidos, na medida em que possuem um efeito nutritivo e fisiológico e são adicionados a alimentos ou utilizados no fabrico de alimentos, entram no âmbito de aplicação do referido regulamento como «outras substâncias», como definidas no artigo 2.o, n.o 2, do mesmo regulamento.

    36

    Todavia, como resulta do considerando 2 do Regulamento n.o 1925/2006, não existindo normas específicas de direito da União em matéria de proibição ou restrição da utilização de outras substâncias ou ingredientes que contenham essas «outras substâncias», podem aplicar‑se as normas nacionais adequadas sem prejuízo das disposições do Tratado. Ora, no atual estado do direito da União, os aminoácidos não foram objeto de qualquer proibição ou restrição específica nos termos do artigo 8.o desse regulamento, que prevê o processo relativo à proibição das «outras substâncias» na União.

    37

    Por conseguinte, na medida em que ao abrigo do artigo 11.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1925/2006 as normas nacionais relevantes adotadas após a entrada em vigor deste regulamento devem ser notificadas à Comissão, em princípio, os Estados‑Membros podem continuar a aplicar, nomeadamente, as regras nacionais relativas à proibição da utilização dos aminoácidos nos suplementos alimentares existentes à data da entrada em vigor do referido regulamento. Por conseguinte, o Regulamento n.o 1925/2006 não é aplicável ao processo principal, sem que no entanto seja de excluir a aplicação de outras disposições específicas adotadas pelo legislador da União a respeito das «outras substâncias» ou das disposições do Tratado.

    38

    Em seguida, no que respeita aos artigos 34.o a 36.o TFUE, decorre da decisão de reenvio que todos os elementos deste processo se limitam à República Federal da Alemanha.

    39

    Como salientou o advogado‑geral nos n.os 98 a 100 das suas conclusões, pelo facto de, por um lado, todos os elementos acima referidos se confinarem a um único Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdãos de 30 de novembro de 1995, Esso Española, C‑134/94, EU:C:1995:414, n.o 13, e de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47) e, por outro, de as disposições do LFGB que estão em causa no processo principal não terem por objetivo ou efeito prejudicar as exportações relativamente ao comércio interno deste Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Gysbrechts e Santurel Inter, C‑205/07, EU:C:2008:730, n.o 40), os artigos 34.o a 36.o TFUE não se podem aplicar no processo principal.

    40

    Apesar de este processo ser desprovido de qualquer elemento transfronteiriço, o órgão jurisdicional de reenvio considera contudo que os artigos 34.o a 36.o TFUE podem ser aplicáveis, uma vez que, nos termos do artigo 14.o, n.o 9, do Regulamento n.o 178/2002, na ausência de disposições específicas do direito da União, os géneros alimentícios são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições específicas da legislação alimentar do Estado‑Membro em cujo território são comercializados, desde que tais disposições sejam formuladas e aplicadas sem prejuízo do Tratado FUE, nomeadamente dos artigos 34.o e 36.o deste.

    41

    Importa contudo realçar, como faz o Governo alemão nas suas observações escritas, que uma remissão expressa para os artigos 34.o a 36.o TFUE, como a que consta do artigo 14.o, n.o 9, do Regulamento n.o 178/2002, não pode alargar o âmbito de aplicação dos artigos 34.o a 36.o TFUE a uma situação, como a que está em causa no processo principal, que não tem nenhum outro elemento que permita concluir que estes últimos artigos podem ser aplicáveis.

    42

    Por último, no que diz respeito ao Regulamento n.o 178/2002, os elementos dos autos apresentados no Tribunal de Justiça permitem constatar que os artigos 53.o e 55.o deste regulamento, que visam, respetivamente, situações em que devem ser adotadas medidas de emergência, bem como situações de gestão de crises, não se podem aplicar no presente processo.

    43

    Daqui se conclui que o artigo 8.o do Regulamento n.o 1925/2006, os artigos 34.o a 36.o TFUE e os artigos 53.o e 55.o do Regulamento n.o 178/2002 não são aplicáveis no quadro do litígio no processo principal e não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

    44

    Quanto aos artigos 6.o, 7.o e 14.o do Regulamento n.o 178/2002, há que recordar que, nos termos do artigo 14.o, n.os 1 e 2, deste regulamento, não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros, concretamente se forem prejudiciais para a saúde ou impróprios para consumo humano. Por conseguinte, deve ser proibida a introdução no mercado de qualquer género alimentício prejudicial para a saúde ou impróprio para consumo humano.

    45

    A este respeito, decorre do artigo 14.o, n.os 7 e 9, do referido regulamento que, na falta de disposições do direito da União específicas que regem a segurança dos géneros alimentícios, estes são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições específicas da legislação alimentar do Estado‑Membro em cujo território são comercializados. Nesta situação, esta disposição permite pois que o Estado‑Membro em causa preveja regras que regem a segurança dos géneros alimentícios.

    46

    Neste contexto, há que recordar que, compete aos Estados‑Membros, na falta de harmonização e na medida em que subsistam incertezas no estádio atual da investigação científica, decidir sobre o nível a que pretendem assegurar a proteção da saúde e da vida das pessoas (v., neste sentido, acórdãos de 14 de julho de 1983, Sandoz, 174/82, EU:C:1983:213, n.o 16; de 23 de setembro de 2003, Comissão/Dinamarca, C‑192/01, EU:C:2003:492, n.o 42; e de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 85).

    47

    Todavia, a conformidade de uma legislação nacional que rege a segurança dos géneros alimentícios, como a que está em causa no processo principal, com o sistema previsto pelo Regulamento n.o 178/2002 depende do respeito por parte desta dos princípios gerais da legislação alimentar, nomeadamente, do princípio da análise de risco e do princípio da precaução, previstos, respetivamente nos artigos 6.o e 7.o deste regulamento.

    48

    Com efeito, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 2, o referido regulamento estabelece os princípios gerais que regem os géneros alimentícios e os alimentos para animais em geral e, em particular, a sua segurança a nível da União e nacional.

    49

    Além disso, o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 178/2002 dispõe que os princípios gerais estabelecidos nos artigos 5.o a 10.o deste regulamento constituem um quadro geral de caráter horizontal que deve ser respeitado aquando da adoção de quaisquer medidas. Segundo o artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento, os princípios e procedimentos da legislação alimentar vigente serão adaptados o mais rapidamente possível e, o mais tardar, até 1 de janeiro de 2007, para respeitar as disposições dos referidos artigos 5.o a 10.o

    50

    Daqui decorre que a legislação alimentar em causa no processo principal que proíbe, exceto derrogação prévia, fabricar, tratar e colocar no mercado suplementos alimentares que contenham aminoácidos deve ser conforme com o quadro geral previsto nas referidas disposições do Regulamento n.o 178/2002.

    51

    O Tribunal de Justiça declarou que os artigos 6.o e 7.o deste regulamento visam atingir o objetivo geral de um elevado nível de proteção da saúde (v., neste sentido, acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 103).

    52

    A este respeito, decorre do artigo 6.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 178/2002 que a avaliação dos riscos, na qual se deve fundar a legislação alimentar, é baseada nas provas científicas disponíveis e é realizada de forma independente, objetiva e transparente.

    53

    Importa recordar que o artigo 3.o, n.o 11, do referido regulamento define a avaliação dos riscos como um processo de base científica constituído por quatro etapas, concretamente, identificação do perigo, caracterização do perigo, avaliação da exposição e caracterização do risco.

    54

    Decorre do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 178/2002, relativo ao princípio da precaução, que, em casos específicos nos quais, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistam incertezas a nível científico, podem ser adotadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de proteção da saúde por que se optou na União, enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos.

    55

    Como observou o advogado‑geral no n.o 50 das suas conclusões, as medidas provisórias de gestão do risco ao abrigo do Regulamento n.o 178/2002 só podem ser aplicadas se a avaliação das informações disponíveis, na aceção do artigo 6.o deste regulamento, tiver sido efetuada e tiver revelado incertezas científicas quanto aos possíveis efeitos nocivos de um género alimentício ou de uma substância incorporada num género alimentício.

    56

    A este respeito, a aplicação correta do princípio da precaução pressupõe, em primeiro lugar, a identificação das consequências potencialmente negativas para a saúde pública das substâncias ou géneros alimentícios em causa e, em segundo lugar, uma avaliação global do risco para a saúde baseada nos dados científicos disponíveis mais fiáveis e nos resultados mais recentes da investigação internacional (v., neste sentido, acórdãos de 9 de setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o., C‑236/01, EU:C:2003:431, n.o 113, e de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 92).

    57

    Assim, quando for impossível determinar com certeza a existência ou o alcance do risco alegado devido à natureza insuficiente, não conclusiva ou imprecisa dos resultados dos estudos levados a cabo, mas persista a probabilidade de um prejuízo real para a saúde pública na hipótese de o risco se realizar, o princípio da precaução justifica a adoção de medidas restritivas, sem prejuízo de as mesmas deverem ser não discriminatórias e objetivas (acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 93 e jurisprudência referida).

    58

    Daqui decorre que, ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 178/2002, em princípio, um Estado‑Membro pode adotar um regime, como o que está em causa no processo principal, que proíbe de forma geral, e salvo derrogação, a utilização dos aminoácidos nos géneros alimentícios, se esse regime, que na prática constitui um regime de autorização prévia, se basear nos princípios da análise de riscos e da precaução, previstos nos artigos 6.o e 7.o deste regulamento, como explicitados nos n.os 51 a 57 do presente acórdão.

    59

    Além disso, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 178/2002, as medidas adotadas em aplicação do artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento devem ser proporcionadas e não devem impor mais restrições ao comércio do que as necessárias para se alcançar o elevado nível de proteção da saúde por que se optou na União, tendo em conta a viabilidade técnica e económica e outros fatores considerados legítimos na matéria em questão. Além disso, essas medidas devem ser reexaminadas dentro de um prazo razoável, consoante a natureza do risco para a vida ou a saúde e o tipo de informação científica necessária para clarificar a incerteza científica e proceder a uma avaliação mais exaustiva do risco.

    60

    Essa incerteza, inseparável do conceito de precaução, tem influência sobre o alcance do poder de apreciação do Estado‑Membro e desse modo tem repercussões nas modalidades de aplicação do princípio da proporcionalidade. Nestas circunstâncias, deve admitir‑se que um Estado‑Membro pode, ao abrigo do princípio da precaução, adotar medidas de proteção sem que tenha de aguardar pela total demonstração da realidade e gravidade desses riscos. A avaliação do risco não pode todavia basear‑se em considerações puramente hipotéticas (acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 91 e jurisprudência referida).

    61

    No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não fornece elementos de informação suficientes que permitam constatar que a proibição de géneros alimentícios que contenham aminoácidos, prevista pelo LFGB, se baseou em princípios gerais da legislação alimentar decorrentes dos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002. Todavia, nas observações escritas que apresentou no Tribunal de Justiça, o Governo alemão sustenta que as normas nacionais relativas aos aminoácidos que figuram no § 6, n.o 1, do LFGB, lido em conjugação com o § 2, n.o 3, segundo período, ponto 3, do LFGB, visam efetivamente remediar a ameaça para a saúde resultante da adição de aminoácidos aos géneros alimentícios. Segundo este governo, o enriquecimento dos géneros alimentícios aminoácidos apresenta riscos para a saúde, mas os atuais conhecimentos científicos são incompletos e ainda não permitem fazer uma avaliação definitiva desses riscos.

    62

    A este respeito, importa observar que a análise da compatibilidade do regime previsto pelo LFGB com o Regulamento n.o 178/2002 incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio. Nessa análise, esse órgão jurisdicional deve, em primeiro lugar, garantir que a avaliação dos riscos que a utilização de aminoácidos nos suplementos alimentares comporta foi efetuada de forma a respeitar os requisitos referidos nos n.os 53 e 56 do presente acórdão e que a mesma não se baseia em considerações puramente hipotéticas.

    63

    Em segundo lugar, quando se demonstrar que subsistem incertezas no estado atual da investigação científica quanto aos efeitos nocivos para a saúde de certas substâncias, o poder de apreciação dos Estados‑Membros a respeito da escolha do nível de proteção da saúde pública que pretendem assegurar é particularmente importante (v., neste sentido, acórdão de 29 de abril de 2010, Solgar Vitamin’s France e o., C‑446/08, EU:C:2010:233, n.os 35 e 36). Por conseguinte, como observou o advogado‑geral no n.o 96 das suas conclusões, o facto de, em circunstâncias como as do processo principal, a autoridade nacional competente ter margem de apreciação não levanta por si só nenhum problema de compatibilidade com as disposições do Regulamento n.o 178/2002.

    64

    Em terceiro lugar, como resulta do § 6, n.o 1, ponto 2, do LFGB, lido em conjugação com o § 2, n.o 3, segundo período, ponto 3, e do § 4, n.o 1, ponto 2, do LFGB, o regime previsto pelo LFGB visa indistintamente todos os aminoácidos e seus derivados, sem que seja feita qualquer distinção entre eventuais categorias ou tipos de substâncias. Ora, embora tal regime de proibição geral não seja, apenas por essa razão, contrário às disposições do Regulamento n.o 178/2002, a análise dos riscos que incumbe às autoridades nacionais competentes efetuar, em conformidade com o artigo 6.o deste regulamento, não deve deixar de realçar claramente quais os elementos ou características comuns das substâncias em causa cujo risco real para a saúde humana não pode ser excluído.

    65

    No caso em apreço, atendendo às informações prestadas pelo Governo alemão nas suas observações escritas, e sob reserva das verificações necessárias que o órgão jurisdicional de reenvio deve realizar, a análise dos riscos e a aplicação do princípio da precaução que daí resulta apenas parecem respeitar a alguns aminoácidos, o que seria insuficiente para justificar um sistema de autorização prévia, como o previsto pelo LFGB, que se aplica indistintamente a todos os aminoácidos.

    66

    No âmbito desta verificação, há que recordar que as dificuldades práticas de elaboração de uma avaliação completa do risco para a saúde dos géneros alimentícios que contêm aminoácidos, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 56 do presente acórdão, não podem justificar a falta de tal avaliação completa anteriormente à adoção de um regime de autorização prévia sistemática e não especificamente dirigida (v., por analogia, acórdão de 28 de janeiro de 2010, Comissão/França, C‑333/08, EU:C:2010:44, n.o 103).

    67

    Em quarto lugar, o § 68, n.o 5, do LFGB dispõe que as derrogações à proibição prevista no § 6 do LFGB são concedidas por um período limitado de três anos no máximo, que apenas pode ser renovado por três vezes, por um período máximo de três anos de cada vez. A este respeito, importa observar que a primeira destas disposições, na medida em que prevê tais restrições temporárias à concessão de autorizações de derrogação, mesmo nos casos em que está demonstrada a inocuidade de uma substância, constitui uma medida desproporcionada para atingir o objetivo de proteção da saúde pública prosseguido pelo LFGB.

    68

    Resulta das considerações precedentes que os artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 178/2002 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe o fabrico, o tratamento ou a colocação no mercado de qualquer suplemento alimentar que contenha aminoácidos, exceto em caso de autorização de derrogação concedida por uma autoridade nacional com poder de apreciação nesta matéria, se esta legislação se basear numa análise dos riscos que apenas diga respeito a certos aminoácidos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. De qualquer modo, estes artigos devem ser interpretados no sentido de que se opõem a essa legislação nacional quando esta previr que uma autorização de derrogação da proibição só poderá ser concedida por tempo determinado, mesmo nos casos em que estiver demonstrada a inocuidade de uma substância.

    Quanto às despesas

    69

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    Os artigos 6.o e 7.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe o fabrico, o tratamento ou a colocação no mercado de qualquer suplemento alimentar que contenha aminoácidos, exceto em caso de autorização de derrogação concedida por uma autoridade nacional com poder de apreciação nesta matéria, se esta legislação se basear numa análise dos riscos que apenas diga respeito a certos aminoácidos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. De qualquer modo, estes artigos devem ser interpretados no sentido de que se opõem a essa legislação nacional quando esta previr que uma autorização de derrogação da proibição só poderá ser concedida por tempo determinado, mesmo nos casos em que estiver demonstrada a inocuidade de uma substância.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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