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Document 62015CJ0156

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 10 de novembro de 2016.
«Private Equity Insurance Group» SIA contra «Swedbank» AS.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa.
Reenvio prejudicial — Diretiva 2002/47/CE — Âmbito de aplicação — Conceitos de “garantia financeira”, de “obrigações financeiras cobertas”e de “constituição” de uma garantia financeira — Possibilidade de execução de uma garantia financeira, independentemente da abertura de um processo de insolvência — Contrato de conta corrente bancária contendo uma cláusula de garantia financeira com constituição de penhor.
Processo C-156/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:851

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

10 de novembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2002/47/CE — Âmbito de aplicação — Conceitos de ‘garantia financeira’, de ‘obrigações financeiras cobertas’ e de ‘constituição’ de uma garantia financeira — Possibilidade de execução de uma garantia financeira, independentemente da abertura de um processo de insolvência — Contrato de conta corrente bancária contendo uma cláusula de garantia financeira com constituição de penhor»

No processo C‑156/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Augstākās tiesas Civillietu departaments (Secção Cível do Supremo Tribunal, Letónia), por decisão de 11 de março de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de abril de 2015, no processo

«Private Equity Insurance Group» SIA

contra

«Swedbank» AS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz (relator), presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de maio de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação da «Private Equity Insurance Group» SIA, por N. Šlitke, advokāts,

em representação da «Swedbank» AS, por R. Vonsovičs, D. Lasmanis e I. Balmaks, advokāti, bem como por R. Rubenis,

em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e J. Treijs‑Gigulis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por M. García‑Valdecasas Dorrego e V. Ester Casas, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. Kraehling, na qualidade de agente, assistida por J. Holmes, barrister, e B. Kenelly, QC,

em representação da Comissão Europeia, por J. Rius, A. Sauka e K.‑Ph. Wojcik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de julho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de junho de 2002, relativa aos acordos de garantia financeira (JO 2002, L 168, p. 43).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Private Equity Insurance Group» SIA à «Swedbank» AS acerca de uma ação de indemnização intentada pela primeira sociedade contra a segunda.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 98/26/CE

3

Segundo o artigo 1.o da Diretiva 98/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 1998, relativa ao caráter definitivo da liquidação nos sistemas de pagamentos e de liquidação de valores mobiliários (JO 1998, L 166, p. 45):

«O disposto na presente diretiva é aplicável:

a)

A qualquer sistema, definido no artigo 2.o, alínea a), regulado pela legislação de um Estado‑Membro, que realize operações em [euros] ou em várias moedas que o sistema converta entre si;

b)

A qualquer participante nesse sistema;

c)

Às garantias constituídas no quadro:

da participação num sistema, ou

das operações dos bancos centrais dos Estados‑Membros na sua qualidade de bancos centrais.»

4

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva:

«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende‑se por:

a)

‘Sistema’ um acordo formal:

entre três ou mais participantes, sem contar com um eventual agente de liquidação, uma eventual contraparte central, uma eventual câmara de compensação ou um eventual participante indireto, com regras comuns e procedimentos padronizados para a execução de ordens de transferência entre os participantes,

regulado pela legislação de um Estado‑Membro escolhida pelos participantes; contudo, os participantes apenas podem escolher a legislação de um Estado‑Membro em que pelo menos um deles tenha a sua sede e

designado, sem prejuízo de outras condições mais rigorosas de aplicação geral previstas na legislação nacional, como sistema e notificado à Comissão pelo Estado‑Membro cuja legislação é aplicável, depois de esse Estado‑Membro se ter certificado da adequação das regras do sistema.»

Diretiva 2002/47

5

Os considerandos 1, 3 a 5, 9, 10, 17 e 18 da Diretiva 2002/47 estabelecem:

«(1)

A Diretiva [98/26] constituiu uma etapa importante do processo de instituição de um quadro jurídico sólido para estes sistemas. A aplicação desta diretiva demonstrou que era importante limitar os riscos sistémicos inerentes a estes sistemas devido à coexistência de regimes jurídicos diferentes e que seria vantajoso instituir uma regulamentação comum aplicável às garantias constituídas no quadro dos referidos sistemas.

[…]

(3)

Deve ser instituído um regime comunitário aplicável aos valores mobiliários e aos montantes pecuniários nas aquisições com cauções de títulos e nas transferências de titularidade, incluindo os acordos de recompra (reporte). Este regime contribuirá para a integração e o funcionamento ao menor custo do mercado financeiro, bem como para a estabilidade do sistema financeiro da Comunidade, o que promoverá a livre prestação de serviços e a livre circulação de capitais no mercado único dos serviços financeiros. A presente diretiva concentra‑se nos acordos bilaterais de garantia financeira.

(4)

A presente diretiva é adotada num quadro jurídico europeu que compreende nomeadamente a referida Diretiva [98/26], bem como a Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito [(JO 2001, L 125, p. 15)], a Diretiva 2001/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de março de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das empresas de seguros [(JO 2001, L 110, p. 28)], e o Regulamento (CE) n.o 1346/2000, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência [(JO 2000, L 160, p. 1)]. A presente diretiva não prejudica nem contraria o modelo geral destes atos jurídicos anteriores. Com efeito, a presente diretiva completa esses atos jurídicos em vigor ao abordar outras questões, e ultrapassa‑os no que respeita a questões específicas já por eles abordadas.

(5)

A fim de aumentar a segurança jurídica dos acordos de garantia financeira, os Estados‑Membros devem assegurar que certas disposições legislativas em matéria de falência não sejam aplicáveis a esses acordos, nomeadamente as disposições que poderiam constituir um obstáculo à execução da garantia financeira ou que sejam suscetíveis de suscitar incertezas em relação à validade de técnicas atualmente utilizadas pelos mercados, tais como a compensação bilateral com vencimento antecipado, a prestação de garantias adicionais sob a forma de garantias complementares e as substituições de garantias.

[…]

(9)

A fim de limitar as formalidades administrativas a cumprir pelas partes que utilizam a garantia financeira prevista na presente diretiva, a única condição de validade suscetível de ser imposta pelo direito nacional relativamente à garantia financeira deve ser a entrega, a transferência, a detenção, o registo ou a designação dos títulos fornecidos a título dessa garantia por forma a que estejam na posse ou sob o controlo do beneficiário da garantia ou de uma pessoa que atue em nome do beneficiário da garantia, não excluindo técnicas de garantia que permitam ao prestador da garantia substituir a garantia ou retirar o seu excedente.

(10)

Pelos mesmos motivos, a celebração, validade, conclusão, exequibilidade ou admissibilidade enquanto prova de um acordo de garantia financeira, ou a prestação de uma garantia financeira no âmbito de um acordo de garantia financeira, não deverão depender da realização de qualquer ato formal, como o estabelecimento de um documento sob qualquer forma específica ou de algum modo especial, o registo num organismo oficial ou público ou a inscrição num registo público, o anúncio num jornal ou revista, num registo ou publicação oficial, ou sob qualquer outra forma, a notificação de um funcionário público, o fornecimento de prova sob forma especial quanto à data de estabelecimento de um documento ou instrumento, o montante das obrigações financeiras em causa ou qualquer outra questão. Todavia, a presente diretiva deve proporcionar o equilíbrio entre a eficácia do mercado e a segurança das partes no acordo e de terceiros, evitando desse modo mormente o risco de fraude. Esse equilíbrio será alcançado pelo facto de o âmbito de aplicação da diretiva abranger apenas os acordos de garantia financeira que preveem alguma forma de desapossamento, ou seja, a prestação de garantia financeira, e quando a prestação da garantia financeira possa ser provada por escrito ou num suporte duradouro, garantindo desse modo a rastreabilidade dessa garantia. […]

[…]

(17)

A presente diretiva institui processos de execução rápidos e não formalistas que permitem salvaguardar a estabilidade financeira e limitar efeitos de contágio em caso de incumprimento de uma das partes num acordo de garantia financeira. […]

(18)

[…] Por numerário entende‑se exclusivamente o dinheiro representado por um crédito sobre uma conta ou por créditos similares sobre a restituição de dinheiro (como os depósitos no mercado monetário), o que exclui explicitamente as notas de banco.»

6

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece um regime comunitário aplicável aos acordos de garantia financeira que satisfaçam as condições estabelecidas nos n.os 2 e 5, e à garantia financeira que satisfaça as condições estabelecidas nos n.os 4 e 5.

2.   O beneficiário da garantia e o prestador da garantia devem pertencer a uma das seguintes categorias:

a)

Uma entidade pública […]

b)

Um banco central […]

c)

Uma instituição financeira sujeita a supervisão prudencial […]

d)

Uma contraparte central, um agente de liquidação ou uma câmara de compensação, tal como definidos respetivamente nas alíneas c), d) e e) do artigo 2.o da Diretiva [98/26] […]

e)

Uma pessoa que não seja uma pessoa singular, incluindo as empresas não constituídas em sociedade e os agrupamentos, desde que a outra parte seja uma instituição, tal como definida nas alíneas a) a d).

3.   Os Estados‑Membros podem excluir do âmbito de aplicação da presente diretiva os acordos de garantia financeira em que uma das partes seja uma pessoa na aceção da alínea e) do n.o 2.

[…]

4.   a) A garantia financeira a prestar deve consistir em numerário ou instrumentos financeiros.

[…]

5.   A presente diretiva é aplicável à garantia financeira desde que tenha sido prestada e se tal puder ser provado por escrito.

O fornecimento da prova da prestação de garantia financeira deve permitir a identificação da garantia financeira a que corresponde. Para o efeito, basta provar que a garantia sob a forma de títulos escriturais foi creditada na conta de referência ou constitui um crédito nessa conta e que a garantia em numerário foi creditada numa conta designada ou constitui um crédito nessa conta.

[…]»

7

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

‘Acordo de garantia financeira’, um acordo de garantia financeira com transferência de titularidade ou um acordo de garantia financeira com constituição de penhor, quer estes acordos estejam ou não cobertos por um acordo principal ou por condições e termos gerais;

[…]

c)

‘Acordo de garantia financeira com constituição de penhor’, um acordo ao abrigo do qual o prestador da garantia constitui a favor do beneficiário da garantia ou presta a este uma garantia financeira a título de penhor, conservando o prestador da garantia a plena propriedade da garantia quando é estabelecido o direito de penhor;

d)

‘Numerário’, dinheiro creditado numa conta, em qualquer moeda, ou créditos similares que confiram o direito à restituição de dinheiro, tais como depósitos no mercado monetário;

[…]

f)

‘Obrigações financeiras cobertas’, as obrigações que são garantidas por um acordo de garantia financeira e que dão direito a uma liquidação em numerário e/ou à entrega de instrumentos financeiros.

Estas obrigações podem consistir total ou parcialmente em:

i)

obrigações presentes ou com prazo certo, efetivas, condicionais ou futuras, incluindo as obrigações decorrentes de um acordo principal ou de um instrumento semelhante,

ii)

obrigações em relação ao beneficiário da garantia, a cargo de uma pessoa que não o prestador da garantia,

iii)

obrigações ocasionais, de uma determinada categoria ou tipo;

[…]

2.   Na presente diretiva, as referências à garantia financeira que é ‘prestada’ ou à ‘prestação’ de uma garantia financeira dizem respeito à garantia financeira que é entregue, transferida, detida, registada ou objeto de outro tratamento de tal modo que esteja na posse ou sob o controlo do beneficiário da garantia ou de uma pessoa que atue em nome do beneficiário da garantia. O direito de substituir ou de retirar o seu excedente em favor do prestador da garantia não deve prejudicar a garantia financeira já prestada ao beneficiário da garantia, tal como previsto na presente diretiva.

3.   Na presente diretiva, a referência a ‘por escrito’ inclui o registo em suporte eletrónico ou em qualquer outro suporte duradouro.»

8

Nos termos do artigo 3.o desta mesma diretiva, sob a epígrafe «Requisitos formais»:

«1.   Os Estados‑Membros não exigirão que a constituição, validade, conclusão, exequibilidade ou admissibilidade enquanto prova de um acordo de garantia financeira ou a prestação de uma garantia financeira ao abrigo de um acordo de garantia financeira estejam subordinadas à realização de qualquer ato formal.

2.   O disposto no n.o 1 não prejudica o facto de a presente diretiva só se aplicar à garantia financeira quando esta tiver sido prestada e for possível fazer prova por escrito dessa prestação e quando for possível fazer prova do acordo de garantia financeira, por escrito ou de uma forma juridicamente equivalente.»

9

O artigo 4.o da Diretiva 2002/47, sob a epígrafe «Execução de acordos de garantia financeira», enuncia:

«1.   Os Estados‑Membros assegurarão que sempre que ocorra um facto que desencadeie a execução, o beneficiário da garantia tenha a possibilidade de realizar de uma das seguintes formas qualquer garantia financeira fornecida ao abrigo de um acordo de garantia financeira com constituição de penhor e segundo as disposições nele previstas:

[…]

b)

Numerário, quer compensando o seu montante com as obrigações financeiras cobertas, quer aplicando‑o para a sua liquidação.

[…]

4.   As formas de realizar a garantia financeira referidas no n.o 1 não estão, sob reserva das condições decididas no acordo de garantia financeira com constituição de penhor, sujeitas à obrigação de:

a)

Notificação prévia da intenção de proceder à realização;

b)

As condições da realização serem aprovadas por um tribunal, funcionário público ou outra pessoa;

c)

A realização ser efetuada através de um leilão público ou segundo qualquer outra forma prescrita; ou

d)

Ter decorrido qualquer prazo adicional.

5.   Os Estados‑Membros asseguram que um acordo de garantia financeira produza efeitos, nas condições nele previstas, não obstante a abertura ou prossecução de um processo de liquidação ou de medidas de saneamento relativamente ao prestador ou ao beneficiário da garantia.

[…]»

10

O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Inaplicabilidade de certas disposições em matéria de falência», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que um acordo de garantia financeira bem como a prestação de uma garantia financeira ao abrigo desse acordo não possam ser declarados inválidos ou nulos ou ser anulados pelo simples facto de ter entrado em vigor o acordo de garantia financeira ou ter sido prestada a garantia financeira:

a)

No dia de abertura do processo de liquidação ou da tomada de medidas de saneamento, mas antes de proferidos o despacho ou a sentença respetivos; ou

b)

Num determinado período anterior, definido por referência à abertura de um processo de liquidação ou a medidas de saneamento ou por referência à emissão de qualquer despacho ou sentença, ou à tomada de qualquer outra medida ou à ocorrência de qualquer outro facto no decurso desse processo ou dessas medidas.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que, quando um acordo de garantia financeira ou uma obrigação financeira coberta tiver entrado em vigor, ou a garantia financeira tiver sido prestada na data de um processo de liquidação ou de medidas de saneamento, mas após a abertura do mesmo processo ou da tomada das referidas medidas, o acordo produza efeitos jurídicos e seja oponível a terceiros no caso de o beneficiário da garantia poder provar que não tinha conhecimento, nem deveria ter tido conhecimento, da abertura desse processo ou da tomada dessas medidas.

3.   Quando um acordo de garantia preveja:

a)

A obrigação de prestar uma garantia financeira ou uma garantia financeira adicional, a fim de serem tidas em consideração variações do valor da garantia financeira ou do montante das obrigações financeiras cobertas; ou

b)

O direito de retirar a garantia financeira, prestando, a título de substituição ou de troca, uma garantia financeira de valor equivalente,

os Estados‑Membros asseguram que a prestação da garantia financeira, da garantia financeira adicional ou da garantia financeira de substituição ou alternativa a título de tal obrigação ou direito não seja considerada inválida ou anulada ou declarada nula unicamente com base nos seguintes motivos:

i)

essa prestação ter sido realizada no dia da abertura de um processo de liquidação ou de medidas de saneamento, mas antes de proferidos o despacho ou a sentença respetivos, ou no decorrer de um período determinado anterior e definido por referência à abertura do processo de liquidação ou a medidas de saneamento ou por referência à elaboração de qualquer despacho ou sentença, à tomada de qualquer outra medida ou à ocorrência de qualquer outro facto no decurso desse processo ou dessas medidas, e/ou

ii)

as obrigações financeiras cobertas terem‑se constituído em data anterior à da prestação da garantia financeira, da garantia financeira adicional ou da garantia financeira de substituição ou alternativa.

[…]»

Direito letão

11

A Finanšu nodrošinājuma likums (Lei relativa às garantias financeiras) foi adotada a fim de transpor a Diretiva 2002/47 para o direito letão.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Em 14 de abril de 2007, a «Izdevniecība Stilus» SIA, cujo sucessor legal é o Private Equity Insurance Group, celebrou um contrato‑tipo de conta corrente com o Swedbank. Este contrato tem uma cláusula de garantia financeira nos termos da qual os fundos depositados na conta corrente da Izdevniecība Stilus são entregues como garantia financeira com constituição de penhor para garantir todos os créditos do Swedbank sobre a Izdevniecība Stilus.

13

Em 25 de outubro de 2010, a Izdevniecība Stilus foi objeto de declaração de insolvência. Posteriormente, o administrador da insolvência celebrou com o Swedbank um novo contrato de conta corrente com a mesma cláusula de garantia financeira com constituição de penhor.

14

Em 8 de junho de 2011, o Swedbank debitou 192,30 lats letões (LVL) (cerca de 274 euros) da conta corrente da Izdevniecība Stilus, a título de comissão de manutenção da conta correspondente ao período findo à data da declaração de insolvência.

15

A Izdevniecība Stilus, representada pelo administrador da insolvência, intentou uma ação judicial contra o Swedbank para recuperar esse montante, invocando o princípio do direito nacional que garante a igualdade de tratamento dos credores no quadro de um processo de insolvência, bem como a proibição imposta a um credor individual de praticar atos que causem prejuízo a outros credores.

16

Os tribunais letões de primeira instância e de recurso julgaram a ação improcedente, invocando designadamente a Lei relativa às garantias financeiras, cujas disposições subtraem as garantias financeiras à aplicação do direito de insolvência. Foi interposto recurso desta decisão para o Augstākās tiesas Civillietu departaments (Secção Cível do Supremo Tribunal, Letónia).

17

O referido órgão jurisdicional observa, a este propósito, que a Diretiva 2002/47 foi adotada num contexto constituído, designadamente, pela Diretiva 98/26, relativa aos sistemas de pagamentos e de liquidação de valores mobiliários. Assim sendo, pergunta‑se, em primeiro lugar, se a Diretiva 2002/47 é igualmente aplicável a fundos depositados numa conta bancária comum como a que está em causa no processo principal, utilizada fora do quadro dos sistemas de pagamentos e de liquidação de valores mobiliários referidos nos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 98/26.

18

Em segundo lugar, o Augstākās tiesas Civillietu departaments (Secção Cível do Supremo Tribunal) tem dúvidas quanto à compatibilidade da prioridade da garantia financeira sobre todos os restantes tipos de garantias, designadamente, as inscritas num registo público, como a hipoteca, com o princípio da igualdade de tratamento dos credores no quadro de um processo de insolvência. Pergunta‑se designadamente se essa prioridade é justificada e proporcionada à luz dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2002/47.

19

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Lei relativa às garantias financeiras é aplicável tanto aos sujeitos referidos no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2002/47 como às pessoas singulares. Em consequência, pergunta‑se, por um lado, se esta disposição permite alargar as regras previstas por esta diretiva a sujeitos que estão expressamente excluídos do seu âmbito de aplicação e, por outro, em caso de resposta afirmativa, se a referida disposição é diretamente aplicável. Embora admitindo que se trata de questões hipotéticas no contexto do litígio em causa no processo principal, o referido órgão jurisdicional considera que estas se podem mostrar pertinentes no caso de uma eventual apreciação da constitucionalidade da Lei relativa às garantias financeiras pelo Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional, Letónia).

20

Nestas condições, o Augstākās tiesas Civillietu departaments (Secção Cível do Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Atendendo aos considerandos 1 e 4 da Diretiva 2002/47/CE, devem as disposições do artigo 4.o dessa diretiva, relativas à execução de uma garantia financeira, ser interpretadas no sentido de que se aplicam apenas às contas usadas para as liquidações nos sistemas de liquidação de operações sobre valores mobiliários, ou no sentido de que também se aplicam a qualquer conta bancária, incluindo uma conta corrente, que não é utilizada para a liquidação das operações sobre valores mobiliários?

2)

Atendendo aos considerandos 3 e 5 da Diretiva 2002/47/CE, devem as disposições dos seus artigos 8.° e 3.° ser interpretadas no sentido de que o objetivo da diretiva é assegurar um tratamento prioritário especialmente favorável às instituições de crédito no caso de insolvência dos seus clientes, designadamente, em relação a outros credores desses clientes, tais como os trabalhadores, quanto aos créditos salariais, o Estado, quanto aos créditos fiscais, e os credores privilegiados, cujos créditos estão cobertos por garantias munidas da fé pública decorrente do registo?

3)

Deve o artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2002/47/CE ser considerado um instrumento de harmonização mínima ou de harmonização total, ou seja, deve ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a alargar esta disposição a sujeitos que estejam expressamente excluídos do âmbito da [referida] diretiva?

4)

O artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2002/47/CE é uma norma diretamente aplicável?

5)

No caso de o objetivo e o âmbito de aplicação da Diretiva 2002/47/CE serem mais restritos que o objetivo e o âmbito de aplicação efetivos da lei nacional, cuja adoção foi formalmente justificada pela obrigação de transpor [esta] diretiva, pode a interpretação [da referida] diretiva permitir a invalidade ou ineficácia de uma cláusula de garantia financeira com constituição de penhor prevista pelo direito nacional, como a controvertida no litígio principal?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

21

Com a primeira e segunda questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2002/47 deve ser interpretada no sentido de que confere ao beneficiário de uma garantia financeira como a que está em causa no processo principal, segundo a qual os fundos depositados numa conta bancária são dados em garantia financeira com constituição de penhor ao banco para garantir todos os créditos deste sobre o titular da conta, o direito de executar essa garantia, independentemente da abertura de um processo de insolvência relativamente ao prestador da garantia.

22

A este respeito, saliente‑se que, segundo o considerando 3 da Diretiva 2002/47, esta visa contribuir para a integração e o funcionamento ao menor custo do mercado financeiro, bem como para a estabilidade do sistema financeiro da União Europeia.

23

Para esse efeito, esta diretiva instituiu um regime que, segundo resulta dos seus considerandos 5, 9, 10 e 17, tem por objetivo limitar as formalidades administrativas a cumprir pelas partes que utilizam as garantias financeiras previstas pela mesma, aumentar a segurança jurídica destas garantias não lhes aplicando certas disposições legislativas nacionais em matéria de insolvência e instituir processos de execução rápidos e não formalistas que permitam salvaguardar a estabilidade financeira e limitar efeitos de contágio em caso de incumprimento de uma das partes num acordo de garantia financeira.

24

Assim, por um lado, o artigo 3.o da referida diretiva proíbe, em substância, os Estados‑Membros de subordinarem a constituição, validade, conclusão, exequibilidade ou admissibilidade a título de prova de um acordo de garantia financeira ou a prestação de uma garantia financeira ao abrigo de um acordo de garantia financeira à realização de um ato formal.

25

Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/47 dispõe que o beneficiário de uma garantia financeira com constituição de penhor deve ter a possibilidade de a executar numa das formas descritas no referido artigo. Nos termos do artigo 4.o, n.o 5, desta diretiva, os Estados‑Membros asseguram que um acordo de garantia financeira produza efeitos, nas condições nele previstas, independentemente da abertura ou da prossecução de um processo de liquidação ou de medidas de saneamento relativamente ao prestador ou ao beneficiário da garantia.

26

Em consequência, o regime instituído pela Diretiva 2002/47, embora excluindo que a utilização das garantias financeiras esteja subordinada à realização de atos formais, confere aos beneficiários dessas garantias o direito de as executar independentemente da abertura de um processo de insolvência ao prestador da garantia.

27

Assim sendo, importa determinar se uma garantia como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

28

A este propósito, é pacífico que a garantia em causa no processo principal recai no âmbito de aplicação ratione personae da referida diretiva, tal como é especificado no artigo 1.o, n.o 2, da mesma.

29

No que respeita ao âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 2002/47, observe‑se, antes de mais, que as obrigações asseguradas pela garantia devem constituir «obrigações financeiras cobertas», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea f), desta diretiva. Segundo a definição constante desta disposição, as «obrigações financeiras cobertas» são obrigações que são garantidas por um acordo de garantia financeira e que dão direito a uma liquidação em numerário e/ou à entrega de instrumentos financeiros. Podem consistir total ou parcialmente em obrigações presentes ou futuras, incluindo as obrigações decorrentes de um acordo principal ou de um instrumento semelhante, em obrigações em relação ao beneficiário da garantia, a cargo de uma pessoa que não o prestador da garantia, ou em obrigações ocasionais de uma determinada categoria ou tipo.

30

Como alegaram todas as partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, a definição de «obrigações financeiras cobertas» que figura no artigo 2.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2002/47 abrange uma situação como a em causa no processo principal, em que a garantia cobre todos os créditos do banco sobre o titular da conta.

31

Com efeito, por um lado, na falta de uma limitação expressa prevista no texto da Diretiva 2002/47, os termos «obrigações que […] dão direito a uma liquidação em numerário», que figuram na definição constante do artigo 2.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2002/47, devem ser entendidos como abrangendo quaisquer obrigações que dão direito a uma liquidação em numerário e, portanto, igualmente dívidas pecuniárias ordinárias de um titular da conta perante o seu banco, como as despesas de manutenção da conta em causa no processo principal.

32

Por outro lado, na medida em que as obrigações financeiras cobertas podem, segundo os próprios termos da definição que figura no artigo 2.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2002/47, consistir total ou parcialmente em obrigações presentes ou futuras, incluindo as obrigações decorrentes de um acordo principal ou de um instrumento semelhante, esta obrigação abrange igualmente uma situação como a que está em causa no processo principal, em que a garantia abrange não só uma obrigação individual mas também a totalidade dos créditos do banco sobre o titular da conta.

33

Em seguida, cumpre salientar que, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2002/47, a garantia mencionada nesta última deve consistir em numerário ou em instrumentos financeiros. O conceito de «numerário» está definido no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da referida diretiva como sendo dinheiro creditado numa conta ou créditos similares que confiram o direito à restituição de dinheiro, tais como depósitos no mercado monetário. Decorre ainda do considerando 18 desta mesma diretiva que as notas de banco estão excluídas dessa definição. Dado que a Diretiva 2002/47 não prevê nenhuma outra exclusão, há que constatar, como frisou o advogado‑geral no n.o 29 das suas conclusões, que a referida definição cobre os fundos depositados numa conta bancária como a que está em causa no processo principal.

34

Quanto à questão, suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de saber se o âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 2002/47 deve, à luz do contexto em que esta diretiva foi adotada, ser limitado apenas aos fundos depositados em contas usadas no âmbito dos sistemas de pagamento e de liquidação das operações sobre valores mobiliários referidos nos artigos 1.° e 2.° da Diretiva 98/26, importa salientar que tal limitação não encontra apoio no texto da Diretiva 2002/47. Pelo contrário, se é verdade, como resulta dos considerandos 1 e 4 desta diretiva, que a mesma foi adotada num contexto constituído, designadamente, pela Diretiva 98/26 e que o legislador da União considerou que era vantajoso submeter a uma legislação comum as garantias constituídas no âmbito dos sistemas de pagamento e de liquidação referidos por esta última diretiva, a Diretiva 2002/47, como recordado igualmente no seu considerando 4, não deixou de completar os atos jurídicos em vigor, tratando outras questões e indo mais longe do que eles. Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 31 das suas conclusões, a exposição de motivos da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos acordos de garantia financeira (JO 2001, C 180 E, p. 312) confirma igualmente que a Diretiva 2002/47 foi adotada com o objetivo de ir além do âmbito de aplicação da Diretiva 98/26.

35

Consequentemente, o âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 2002/47 não pode ser considerado como limitado a fundos depositados em contas usadas no âmbito dos sistemas de pagamento e de liquidação das operações sobre valores mobiliários previstos pela Diretiva 98/26.

36

Assim sendo, há que salientar que, de acordo com o seu artigo 1.o, n.o 5, primeiro parágrafo, a Diretiva 2002/47 é aplicável desde que a garantia financeira tenha sido prestada e que tal possa ser provado por escrito, o que, por força do artigo 2.o, n.o 3, desta diretiva, inclui o registo dos documentos em suporte eletrónico ou em qualquer outro suporte duradouro. Por sua vez, o artigo 3.o, n.o 2, da referida diretiva enuncia expressamente que a proibição de subordinar a constituição de uma garantia financeira à realização de qualquer ato formal, prevista no artigo 3.o, n.o 1, desta mesma diretiva, não prejudica a aplicação desta última a partir do momento em que esta garantia financeira tiver sido prestada e for possível fazer prova disso por escrito.

37

Segundo a definição constante do artigo 2.o, n.o 2, primeira frase, da Diretiva 2002/47, a prestação de uma garantia financeira diz respeito à garantia financeira que é entregue, transferida, detida, registada ou objeto de outro tratamento de tal modo que esteja na posse ou sob o controlo do beneficiário da garantia ou de uma pessoa que atue em nome do beneficiário da garantia.

38

No entanto, a referida diretiva não especifica em que condições o critério segundo o qual a garantia está «na posse ou sob o controlo» do beneficiário fica preenchido em caso de garantia incorpórea, como a que está em causa no processo principal, que abrange fundos depositados numa conta bancária.

39

Na falta de uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros, o referido critério deve ser objeto de interpretação autónoma e uniforme em toda a União, que deve ser procurada tendo em conta a sua redação, o seu contexto e o seu objetivo (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2015, A, C‑184/14, EU:C:2015:479, n.os 31 e 32 e jurisprudência aí referida).

40

A este respeito, resulta do considerando 10 da Diretiva 2002/47 que esta deve proporcionar o equilíbrio entre, por um lado, a eficácia do mercado, evitando o formalismo associado à constituição de uma garantia financeira, e, por outro, a segurança das partes no acordo de garantia financeira e de terceiros, exigindo que a constituição da garantia financeira se materialize por alguma forma de desapossamento.

41

Com efeito, a exigência relativa à constituição da garantia financeira visa garantir que o beneficiário da garantia designado no acordo de garantia financeira esteja efetivamente em condições de dela dispor em caso de ocorrência do acontecimento causador da execução desta garantia.

42

Cumpre acrescentar que resulta do considerando 17 da Diretiva 2002/47 que esta institui processos de execução rápidos e não formalistas de modo a salvaguardar a estabilidade financeira e limitar os efeitos de contágio em caso de incumprimento de uma das partes num acordo de garantia financeira. A exigência relativa à constituição da garantia financeira, na medida em que assegura que o beneficiário estará efetivamente em condições de dela dispor, é suscetível de promover tal objetivo.

43

Além disso, o texto do artigo 2.o, n.o 2, segunda frase, da Diretiva 2002/47 prevê que o direito de substituir ou de retirar o excedente do montante em numerário dado em garantia em favor do prestador da garantia não prejudica a garantia financeira prestada ao beneficiário da mesma. Ora, este direito perderia o seu alcance se se considerasse que fundos depositados numa conta bancária estavam «na posse ou sob o controlo» do beneficiário de uma garantia que cobre esses fundos igualmente no caso de o titular da conta poder dispor deles livremente.

44

Em consequência, só se pode considerar que fundos depositados numa conta bancária comum estão «na posse ou sob o controlo» do beneficiário de uma garantia como a que está em causa no processo principal, que cobre esses fundos, na condição de o prestador da garantia ficar impedido de dispor dos mesmos.

45

Há ainda que considerar que uma garantia financeira, em princípio, não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2002/47, se tiver sido prestada após a abertura de um processo de insolvência.

46

Com efeito, o artigo 8.o, n.os 1 e 3, desta diretiva opõe‑se, em substância, a que um processo de insolvência possa ter efeito retroativo sobre as garantias financeiras constituídas antes da abertura desse processo. Em contrapartida, de acordo com o artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva, quando uma garantia financeira tiver sido prestada após a abertura do referido processo, o acordo de garantia só produz efeitos jurídicos e só é oponível a terceiros a título excecional, ou seja, unicamente se a garantia tiver sido prestada na data da abertura desse processo e se o beneficiário da garantia provar que não tinha conhecimento, nem deveria ter tido conhecimento, da abertura desse processo. Como salientou o advogado‑geral nos n.os 63 e 64 das suas conclusões, daí resulta que, sem prejuízo dos casos referidos no artigo 8.o, n.o 2, desta mesma diretiva, esta não abrange as garantias prestadas depois da abertura de um processo de insolvência.

47

No caso em apreço, tendo em conta as observações apresentadas nos n.os 44 e 46 do presente acórdão, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, designadamente, por um lado, se os fundos debitados pelo Swedbank da conta da Izdevniecība Stilus foram depositados nessa conta antes da abertura do processo de insolvência ou se foram aí depositados na data dessa abertura, tendo o Swedbank provado que não tinha conhecimento, nem deveria ter tido conhecimento, da abertura desse processo, e, por outro, se a Izdevniecība Stilus estava impedida de dispor desses fundos após o seu depósito na referida conta.

48

Sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece que essas condições não estão reunidas no presente caso. Com efeito, na audiência no Tribunal de Justiça, as partes no processo principal estavam de acordo ao salientar, por um lado, que os fundos debitados pelo Swedbank só tinham sido depositados na conta em questão após a data da abertura do processo de insolvência e, por outro, que o acordo de garantia financeira em causa no processo principal não contém nenhuma cláusula segundo a qual a Izdevniecība Stilus estava impedida de dispor desses fundos após o seu depósito nesta conta.

49

Por último, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga sobre a compatibilidade do regime instituído pela Diretiva 2002/47 com o princípio da igualdade de tratamento dos credores no âmbito de um processo de insolvência, cabe ainda recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a igualdade perante a lei, enunciada no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é um princípio geral do direito da União que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento diferente for objetivamente justificado. Uma diferença de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão (acórdão de 17 de outubro de 2013, Schaible, C‑101/12, EU:C:2013:661, n.os 76 e 77 e jurisprudência aí referida).

50

Como resulta do n.o 26 do presente acórdão, o regime instituído pela Diretiva 2002/47, embora excluindo que a constituição das garantias financeiras esteja subordinada à realização de atos formais, confere aos beneficiários dessas garantias o direito de as executar independentemente da abertura de um processo de insolvência ao prestador da garantia. Este regime concede, portanto, uma vantagem às garantias financeiras relativamente a outros tipos de garantia não abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

51

Ora, cumpre observar que tal diferença de tratamento assenta num critério objetivo relacionado com o objetivo legítimo da Diretiva 2002/47, que consiste em reforçar a segurança jurídica e a eficácia das garantias financeiras a fim de assegurar a estabilidade do sistema financeiro.

52

Além disso, o pedido de decisão prejudicial não menciona elementos que permitam considerar que a referida diferença de tratamento é desproporcionada ao objetivo prosseguido. A este propósito, cumpre nomeadamente ter em consideração a circunstância de a aplicabilidade ratione materiae da Diretiva 2002/47 depender da constituição da garantia e exigir, sem prejuízo do artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, que essa constituição seja efetuada antes da abertura de um processo de insolvência. Daí resulta, como salientou o advogado‑geral no n.o 65 das suas conclusões, que os montantes depositados na conta do prestador da garantia após a abertura do processo de insolvência não podem, em princípio, estar abrangidos pelo regime instaurado pela Diretiva 2002/47. Além disso, no que respeita à aplicação ratione personae da referida diretiva, o seu artigo 1.o, n.o 3, autoriza os Estados‑Membros a excluir os acordos de garantia financeira em que uma das partes seja uma pessoa mencionada no artigo 1.o, n.o 2, alínea e), desta mesma diretiva. Por último, recorde‑se que o regime instaurado pela Diretiva 2002/47 apenas se refere a uma parte dos ativos do prestador da garantia, a respeito da qual este último aceitou alguma forma de desapossamento.

53

Nestas condições, há que considerar que a análise da primeira e segunda questões prejudiciais não evidenciou nenhum elemento suscetível de afetar a validade da Diretiva 2002/47 à luz do princípio da igualdade de tratamento.

54

Tendo em conta as observações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que a Diretiva 2002/47 deve ser interpretada no sentido de que apenas confere ao beneficiário de uma garantia financeira como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual os fundos depositados numa conta bancária são dados em garantia financeira com constituição de penhor ao banco para garantir todos os créditos deste sobre o titular da conta, o direito de executar esta garantia, independentemente da abertura de um processo de insolvência ao prestador da garantia, se, por um lado, os fundos objeto da referida garantia tiverem sido depositados na conta em questão antes da abertura desse processo ou se esses fundos tiverem sido depositados nessa conta na data dessa abertura, tendo o banco provado que não tinha conhecimento, nem deveria ter tido conhecimento, da referida abertura, e se, por outro, o titular da mesma conta estivesse impedido de dispor dos referidos fundos após o seu depósito nessa conta.

Quanto à terceira e quarta questões

55

Com a terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, alínea e), da Diretiva 2002/47 deve ser interpretado no sentido de que autoriza um Estado‑Membro a alargar o âmbito de aplicação ratione personae desta diretiva às pessoas singulares e se essa disposição é diretamente aplicável.

56

A este propósito, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a justificação de um pedido de decisão prejudicial consiste, não na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas mas na necessidade inerente à efetiva solução de um contencioso a respeito do direito da União (v., neste sentido, acórdão de 7 de novembro de 2013, Romeo, C‑313/12, EU:C:2013:718, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

57

Ora, no caso em análise, o órgão jurisdicional de reenvio admite que a terceira e quarta questões são puramente hipotéticas no âmbito do litígio no processo principal, o qual não envolve nenhuma pessoa singular.

58

Como salientou o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, o facto de essas questões se poderem mostrar pertinentes no âmbito de uma eventual apreciação da constitucionalidade da Lei relativa às garantias financeiras pelo Latvijas Republikas Satversmes tiesa (Tribunal Constitucional) não é suscetível de retirar às referidas questões o seu caráter hipotético no processo principal.

59

Nestas condições, a terceira e quarta questões são inadmissíveis.

Quanto à quinta questão

60

Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no caso de o objetivo e o âmbito de aplicação da Diretiva 2002/47 serem mais restritos que o objetivo e o âmbito de aplicação da lei nacional que transpõe esta diretiva, é possível recorrer à interpretação da referida diretiva para declarar a invalidade de uma cláusula de garantia financeira com constituição de penhor prevista pelo direito nacional, como a em causa no processo principal.

61

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as exigências relativas ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que é suposto o órgão jurisdicional de reenvio conhecer e respeitar escrupulosamente, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE (despachos de 12 de maio de 2016, Security Service e o., C‑692/15 a C‑694/15, EU:C:2016:344, n.o 18, e de 8 de setembro de 2016, Google Ireland e Google Italy, C‑322/15, EU:C:2016:672, n.o 15).

62

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio deve indicar as razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação de determinadas disposições do direito da União e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Este já considerou que é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe é submetido (acórdão de 10 de março de 2016, Safe Interenvíos, C‑235/14, EU:C:2016:154, n.o 115, e despacho de 12 de maio de 2016, Security Service e o., C‑692/15 a C‑694/15, EU:C:2016:344, n.o 20).

63

Saliente‑se, a este propósito, que as informações constantes das decisões de reenvio prejudicial servem não só para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio mas também para dar aos Governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas a possibilidade de apresentar observações, em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (v., neste sentido, acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 20, e despacho de 8 de setembro de 2016, Google Ireland e Google Italy, C‑322/15, EU:C:2016:672, n.o 17).

64

No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio limita‑se a submeter a quinta questão, sem mais explicações, nos fundamentos da decisão de reenvio. A redação desta questão limita‑se a referir, de maneira geral, a hipótese de o objetivo e o âmbito de aplicação da Diretiva 2002/47 serem mais restritos do que o objetivo e o âmbito de aplicação da lei nacional, sem indicar os elementos ou as disposições concretas desta diretiva e da legislação nacional que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a submeter esta questão.

65

Assim, é impossível perceber com segurança a hipótese a que o órgão jurisdicional de reenvio alude na sua quinta questão. Em concreto, a decisão de reenvio não permite ao Tribunal de Justiça determinar se esse órgão jurisdicional se refere à situação, puramente hipotética no processo principal, de o âmbito de aplicação ratione personae da Diretiva 2002/47 ser mais restrito do que o do direito nacional, ou se se refere a outras hipóteses.

66

Devido a tais lacunas, a decisão de reenvio não permite aos Governos dos Estados‑Membros e às outras partes interessadas, em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, apresentar observações úteis sobre a quinta questão, nem ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para dirimir o litígio no processo principal.

67

Nestas condições, a quinta questão é inadmissível.

Quanto às despesas

68

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

A Diretiva 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de junho de 2002, relativa aos acordos de garantia financeira, deve ser interpretada no sentido de que apenas confere ao beneficiário de uma garantia financeira como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual os fundos depositados numa conta bancária são dados em garantia financeira com constituição de penhor ao banco para garantir todos os créditos deste sobre o titular da conta, o direito de executar esta garantia, independentemente da abertura de um processo de insolvência ao prestador da garantia, se, por um lado, os fundos objeto da referida garantia tiverem sido depositados na conta em questão antes da abertura desse processo ou se esses fundos tiverem sido depositados nessa conta na data dessa abertura, tendo o banco provado que não tinha conhecimento, nem deveria ter tido conhecimento, da referida abertura, e se, por outro, o titular da mesma conta estivesse impedido de dispor dos referidos fundos após o seu depósito nessa conta.

 

Assinaturas


( *1 ) * Língua do processo: letão.

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