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Document 62015CC0664

Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 12 de outubro de 2017.
Protect Natur-, Arten- und Landschaftsschutz Umweltorganisation contra Bezirkshauptmannschaft Gmünd.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof.
Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2000/60/CE — Política da União Europeia no domínio das águas — Artigo 4.o, n.o 1, e artigo 14.o, n.o 1 — Obrigações de prevenir a deterioração do estado das massas de água e de incentivar a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da diretiva — Convenção de Aarhus — Participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente — Artigo 6.o e artigo 9.o, n.os 3 e 4 — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito à tutela jurisdicional efetiva — Projeto suscetível de ter impacto no estado das águas — Processo administrativo de licenciamento — Organização de defesa do ambiente — Pedido de obtenção do estatuto de parte no processo administrativo — Possibilidade de invocar direitos conferidos pela Diretiva 2000/60/CE — Preclusão do estatuto de parte no processo e do direito de recurso na falta de invocação dos referidos direitos, em tempo oportuno, no decurso do processo administrativo.
Processo C-664/15.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:760

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 12 de outubro de 2017 ( 1 )

Processo C‑664/15

Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation

contra

Bezirkshauptmannschaft Gmünd

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria)]

«Ambiente — Convenção de Aarhus — Acesso à justiça — Legitimidade processual das organizações não governamentais de defesa do ambiente — Direito de tais organizações recorrerem judicialmente das decisões das autoridades competentes — Estatuto de tais organizações como partes num processo administrativo — Perda do estatuto de parte no processo administrativo no caso de essa organização não apresentar objeções em tempo oportuno durante esse processo»

1. 

Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) pede orientações sobre a legitimidade de uma organização de defesa do ambiente para requerer acesso à justiça com base na Convenção de Aarhus (a seguir «Convenção de Aarhus») ( 2 ). As questões são suscitadas no contexto de um pedido de licença para a captação de água de um rio para efeitos de produção de neve destinada a uma estância de esqui (a seguir «processo de licenciamento») ( 3 ). Os problemas ambientais relacionados com esse processo específico estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/60/CE ( 4 ) (a seguir «Diretiva‑Quadro Água»).

2. 

A questão delicada da legitimidade das organizações de defesa do ambiente em processos de licenciamento no domínio ambiental deu origem a uma abundante jurisprudência que culminou no processo C‑243/15, Lesoochranárske zoskupenie VLK ( 5 ).

3. 

No presente processo, o Tribunal de Justiça terá de abordar as seguintes questões. A Diretiva‑Quadro Água, lida em conjugação com a Convenção de Aarhus, confere a uma organização de defesa do ambiente legitimidade para impugnar decisões administrativas em processos administrativos ou judiciais, designadamente num caso em que é pedida uma licença para captar água para produção de neve? Deve ser atribuída à organização em causa o estatuto de parte no processo durante a fase administrativa ou basta que tenha legitimidade para recorrer da decisão das autoridades competentes que concedeu essa licença? Podem as regras processuais nacionais obstar a que uma organização de defesa do ambiente recorra dessa decisão administrativa no caso de não ter apresentado as suas objeções ao licenciamento em «tempo oportuno» durante o processo administrativo, conforme exigido pelo direito nacional?

Convenção de Aarhus

4.

Os objetivos da Convenção de Aarhus incluem: afirmar a necessidade de proteger, preservar e melhorar o estado do ambiente ( 6 ); reconhecer que todos os indivíduos têm o dever, quer individualmente quer em associação com outros indivíduos, de proteger e melhorar o ambiente em benefício das gerações presentes e futuras ( 7 ); reconhecer a importância, designadamente, do papel que as organizações não governamentais podem desempenhar na proteção do ambiente ( 8 ); e garantir ao público, bem como às organizações, o acesso a mecanismos judiciais eficazes por forma a proteger os seus interesses legítimos e a garantir a aplicação da lei ( 9 ).

5.

O artigo 1.o dispõe que «[c]om o objetivo de contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem‑estar, cada parte garantirá a concessão dos direitos de acesso à informação, à participação do público no processo de tomada de decisões e à justiça no domínio do ambiente, em conformidade com o disposto na presente convenção». Daqui decorre que a Convenção de Aarhus é potencialmente aplicável sempre que esteja em causa legislação ambiental.

6.

De acordo com o artigo 2.o, n.o 4, entende‑se por «público»«uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais». Nos termos do artigo 2.o, n.o 5, «presumem‑se interessadas [no processo de tomada de decisões no domínio do ambiente] as organizações não governamentais que promovam a proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional», pelo que se enquadram no conceito de «público envolvido» na aceção dessa disposição.

7.

O artigo 6.o tem por epígrafe «Participação do público nas decisões referentes a atividades específicas». O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), estabelece que as disposições que regulam a participação do público devem ser aplicadas às decisões relativas à autorização das atividades propostas, constantes do anexo I ( 10 ). O artigo 6.o, n.o 1, alínea b), estabelece que essas disposições também devem ser aplicadas, em conformidade com a legislação nacional, às decisões relativas a atividades não incluídas no anexo I que possam ter um impacto significativo no ambiente. Compete ao Estado em causa determinar se uma atividade proposta está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o O artigo 6.o, n.os 2 a 10, preveem, designadamente, o direito do público de participar o desde o início no processo de tomada de decisões no domínio do ambiente, bem como de apresentar observações, informações, análises ou pareceres que considere relevantes para a atividade proposta.

8.

O artigo 9.o, n.o 2, dispõe:

«Cada parte garantirá, nos termos da respetiva legislação nacional, que os membros do público em causa:

a)

Que tenham um interesse suficiente;

ou, em alternativa,

b)

Cujo direito tenha sido ofendido, caso a lei de procedimento administrativo da parte o imponha como condição prévia,

tenham acesso a um recurso junto dos tribunais e/ou de outra instância independente instituída por lei, para impugnar a legalidade material e processual de qualquer decisão, ato ou omissão sujeita às disposições previstas no artigo 6.o e, salvo disposição em contrário no direito interno, a outras disposições relevantes da presente convenção.

O interesse suficiente e a ofensa do direito serão determinados em conformidade com os requisitos do direito interno e com o objetivo de conceder ao público envolvido um amplo acesso à justiça nos termos da presente convenção. Para este fim, o interesse das organizações não governamentais que satisfaçam os requisitos mencionados no n.o 5 do artigo 2.o serão considerados suficientes para efeitos da alínea a). Presumir‑se‑á igualmente que tais organizações têm direitos suscetíveis de serem ofendidos para efeitos da alínea b).

[…]»

9.

O artigo 9.o, n.o 3, estabelece:

«Além disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2, cada parte assegurará que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente.»

10.

O artigo 9.o, n.o 4, acrescenta:

«[…] sem prejuízo do disposto no n.o 1, os processos referidos nos n.os 1, 2 e 3 deverão proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos. As decisões adotadas em aplicação do presente artigo serão apresentadas ou registadas por escrito. As decisões dos tribunais e, quando possível, de outras instâncias, serão acessíveis ao público.»

Direito da União

Diretiva Habitats

11.

A Diretiva Habitats ( 11 ) tem como objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade, através da conservação de habitats naturais e de fauna e flora selvagens no território da União Europeia ( 12 ). Nos termos da diretiva, é criada uma rede europeia coerente de zonas especiais de conservação («ZEC») para assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural ( 13 ). Dentro das ZEC, os Estados‑Membros devem evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas. Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. As autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública ( 14 ).

Diretiva‑Quadro Água

12.

Os considerandos da Diretiva‑Quadro Água contêm as seguintes declarações. A água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um património que deve ser protegido, defendido e tratado como tal ( 15 ). Conforme estabelecido nos Tratados, a política ambiental da União contribui para a prossecução dos objetivos de preservação, proteção e melhoria da qualidade do ambiente, e baseia‑se nos princípios da precaução e da ação preventiva ( 16 ). O êxito da Diretiva‑Quadro Água depende da estreita cooperação e de uma ação coerente a nível da União Europeia, a nível dos Estados‑Membros e a nível local, bem como da informação, consulta e participação do público, inclusivamente dos utentes ( 17 ). A diretiva tem por objetivo conservar e melhorar o ambiente aquático na União Europeia ( 18 ). Para garantir a participação do público em geral, inclusivamente dos utilizadores das águas, na elaboração e atualização dos planos de gestão de bacias hidrográficas, é necessário fornecer informações adequadas acerca das medidas previstas e do progresso alcançado na sua execução, por forma a permitir a participação do público em geral antes da adoção das decisões finais relativas às medidas necessárias ( 19 ).

13.

Nos termos do artigo 1.o, o objetivo da Diretiva‑Quadro Água é estabelecer um enquadramento para a proteção, designadamente, das águas de superfície interiores que (a) evite a continuação da degradação e proteja e melhore o estado dos ecossistemas aquáticos, e também dos ecossistemas terrestres e zonas húmidas diretamente dependentes dos ecossistemas aquáticos, no que respeita às suas necessidades em água; (b) promova um consumo de água sustentável, baseado numa proteção a longo prazo dos recursos hídricos disponíveis; e (c) vise uma proteção reforçada e um melhoramento do ambiente aquático.

14.

De acordo com as definições constantes do artigo 2.o, entende‑se por «águas de superfície» as águas interiores, com exceção das águas subterrâneas, das águas de transição e das águas costeiras, exceto no que se refere ao estado químico, que se aplica também às águas territoriais; e por «águas interiores» todas as águas lênticas ou correntes à superfície do solo e todas as águas subterrâneas que se encontram entre terra e a linha de base a partir da qual são marcadas as águas territoriais ( 20 ). Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, os Estados‑Membros identificarão as bacias hidrográficas que se encontram no seu território e incluir cada uma delas numa região hidrográfica.

15.

O artigo 4.o, n.o 1 (com a epígrafe «Objetivos ambientais»), define certos objetivos ambientais «[a]o garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas». Em especial, «[o]s Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície». Além disso, «protegerão, melhorarão e recuperarão» essas massas de água.

16.

Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, cada Estado‑Membro assegurará, para cada região hidrográfica (ou para a parte de qualquer região hidrográfica internacional que pertença ao seu território), o estabelecimento de um programa de medidas, conforme definido nos n.os 2 a 4 desse artigo. Em especial, tais medidas devem abranger o «[c]ontrolo das captações de águas doces de superfície […], incluindo […] a exigência de autorização prévia para a captação» ( 21 ). Segundo o artigo 13.o, n.o 1, os Estados‑Membros garantirão a elaboração de um plano de gestão de bacia hidrográfica para cada região hidrográfica inteiramente situada no seu território. Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, os Estados‑Membros incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da Diretiva‑Quadro Água, especialmente na elaboração, revisão e atualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica. Os Estados‑Membros garantirão, em relação a cada região hidrográfica, que sejam publicados e facultados ao público, incluindo os utilizadores, os documentos relevantes para eventual apresentação de observações.

17.

O ponto 1.1 do anexo V da diretiva enumera vários elementos de qualidade que determinam a classificação do estado ecológico das águas de superfície. O ponto 1.2 contém definições normativas detalhadas das classificações do estado ecológico: «excelente» ou «máximo», «bom» e «razoável».

Diretiva AIA

18.

A Diretiva AIA ( 22 ) exige que, antes de ser concedida uma autorização, os projetos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos diretos e indiretos ( 23 ) sobre o ambiente (a seguir «avaliação do impacto ambiental») — nomeadamente dos seus efeitos sobre a fauna, a flora e a água ( 24 ). O público tem o direito de participar em processos que envolvam uma avaliação do impacto e pode impugnar a legalidade dos seus resultados, quer essa avaliação seja realizada separadamente quer esteja integrada em processos de autorização de projetos ( 25 ). Os projetos que se considere a priori terem efeitos significativos no ambiente encontram‑se enumerados no anexo I da Diretiva AIA. Esses projetos estão sujeitos a uma avaliação do impacto obrigatória. O anexo II enumera os projetos que estarão sujeitos a uma «determinação» por um Estado‑Membro, com base numa análise caso a caso ou nos limiares ou critérios fixados por esse Estado‑Membro, quanto à necessidade de os submeter a uma avaliação do impacto ( 26 ). A Diretiva AIA não exige uma avaliação do impacto de projetos que não constem de nenhum dos anexos.

Direito austríaco

Allgemeines Verwaltungsverfahrensgesetz

19.

Os §§ 41 e 42 da Allgemeines Verwaltungsverfahrensgesetz (Lei geral do processo administrativo, a seguir «AVG») estabelecem o seguinte:

«§ 41.   (1) A convocação de uma audiência deve fazer‑se mediante notificação pessoal das partes interessadas conhecidas. Quando possa haver outras partes interessadas, a audiência deve ainda ser anunciada por edital afixado no quadro de anúncios da comuna, por comunicação no jornal determinado para os anúncios oficiais da autoridade administrativa ou por comunicação na página oficial eletrónica da mesma autoridade.

(2)   […] A notificação (anúncio) da realização da audiência deve conter as informações exigidas para as citações, incluindo a indicação das consequências previstas nos termos do § 42. […]

§ 42.   (1) Se a realização de uma audiência nos termos do § 41, n.o 1, segundo período, for anunciada de uma forma especial prevista nas disposições administrativas, isto tem como consequência que uma pessoa perde o seu estatuto de parte se não apresentar as suas objeções à autoridade administrativa o mais tardar até ao dia anterior ao início da audiência, durante as horas de expediente, ou no decurso da própria audiência. Se as disposições administrativas forem omissas quanto ao modo de anúncio, ocorre a consequência a que se refere o primeiro período se a audiência tiver sido anunciada nos termos do § 41, n.o 1, segundo período, e com a forma adequada.

[…]»

Wasserrechtsgesetz

20.

A fim de transpor a Diretiva‑Quadro Água e a proibição de deterioração estabelecida no seu artigo 4.o, n.o 1, a Wasserrechtsgesetz‑Novelle 2003 [Lei de 2003 que altera a Wasserrechtsgesetz (Lei reguladora da água, a seguir «WRG 1959»)] alterou várias disposições da WRG 1959 e introduziu certas disposições novas. As disposições substantivas que regulam o processo de licenciamento ao abrigo do direito das águas encontram‑se, em especial, nos §§ 12, n.o 2, 15, n.o 1, 21, n.o 3, 32 e 38 da WRG 1959. No processo administrativo de licenciamento para a captação de água ao abrigo da legislação nacional aplicável no domínio da água, a legitimidade para intervir como parte nesse processo é determinada em conformidade com o § 102, n.o 1, alíneas a) e b), da WRG 1959 ( 27 ). As organizações de defesa do ambiente que não sejam titulares de direitos públicos subjetivos não gozam do estatuto de parte no processo. Nos termos do § 102, n.o 3, da WRG 1959, apenas as partes no processo podem apresentar objeções no decurso do mesmo. O § 145b, n.o 3, refere que a WRG 1959 visa transpor as disposições da Diretiva‑Quadro Água.

Bundes‑Verfassungsgesetz

21.

O artigo 132.o, n.o 1, da Bundes‑Verfassungsgesetz (Lei constitucional federal) dispõe que pode interpor recurso contencioso de uma decisão de uma autoridade administrativa quem alegar que os seus direitos foram violados. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que só podem invocar essa violação dos direitos em sede de recurso contencioso as pessoas singulares ou coletivas a quem tenha sido atribuído ou reconhecido o estatuto de parte num processo administrativo anterior.

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

22.

A Aichelberglift Karlstein GmbH (a seguir «Aichelberglift») obteve uma licença para captar água de um rio vizinho (o Einsiedelbach), a fim de alimentar uma instalação de produção de neve numa estância de esqui situada na Áustria. O pedido da Aichelberglift foi inicialmente apreciado no âmbito de um procedimento baseado no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats. A autoridade nacional competente decidiu que, tendo em conta o reduzido impacto do projeto no ambiente, não havia motivo para indeferir o pedido («nihil obstat») ( 28 ).

23.

Subsequentemente, o pedido de licença da Aichelberglift foi apreciado num processo administrativo distinto nos termos da WRG 1959 ( 29 ). A Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (a seguir «Protect»), uma organização de defesa do ambiente, requereu o estatuto de parte nesse processo com base no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats e do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

24.

Durante esse processo, a Bezirkshauptmannschaft Gmünd (autoridade municipal de Gmünd) realizou uma audiência em conformidade com os §§ 41 e 42 da AVG. A Protect apresentou objeções ao projeto, que foram rejeitadas com fundamento no facto de essa organização não ter invocado a violação de quaisquer direitos ao abrigo da WRG 1959, pelo que não podia gozar do estatuto de parte no processo nos termos da legislação nacional. Em 4 de novembro de 2013, a Bezirkshauptmannschaft Gmünd deferiu o pedido de licença apresentado pela Aichelberglift.

25.

A Protect impugnou essa decisão perante o Landesverwaltungsgericht Niederösterreich (Tribunal Administrativo Regional da Baixa Áustria, Áustria), que entendeu que a Protect não gozava do estatuto de parte no processo administrativo porque não tinha apresentado as suas objeções ao pedido em tempo oportuno, ou seja, o mais tardar no dia anterior à audiência ou durante essa audiência ( 30 ). Por conseguinte, nos termos do § 42 da AVG, a Protect tinha perdido o estatuto de parte.

26.

A Protect recorreu dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. No essencial, a Protect alegou que, nos termos dos artigos 2.o, n.os 4 e 5, e 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, possuía o estatuto de parte no processo administrativo respeitante à WRG 1959 e que tinha um interesse jurídico em garantir a observância das disposições do direito da União em matéria de ambiente.

27.

Nesse contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta:

«1)

O artigo 4.o da [Diretiva‑Quadro Água] ou esta diretiva em si mesma, confere a uma organização de defesa do ambiente, num processo que não está sujeito à avaliação dos efeitos no ambiente, nos termos da [Diretiva AIA], direitos para cuja defesa aquela pode intervir em processos administrativos ou judiciais ao abrigo do artigo 9.o, n.o 3, da [Convenção de Aarhus]?

No caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

De acordo com as disposições da Convenção de Aarhus, é necessário que estes direitos possam ser invocados desde logo nos processos que decorrem perante as autoridades administrativas ou é suficiente que haja a possibilidade de garantir a tutela jurisdicional contra a decisão da autoridade administrativa?

3)

É admissível que o direito processual nacional (§ 42 da [AVG]) imponha à organização de defesa do ambiente — bem como às outras partes no processo — o dever de apresentarem as suas objeções, em tempo oportuno, não pela primeira vez em recurso para o tribunal administrativo, mas logo no processo que decorre perante as autoridades administrativas, sob pena de perderem o seu estatuto de parte e já não poderem interpor nenhum recurso para o tribunal administrativo?»

28.

Foram suscitadas as mesmas questões no processo C‑663/15, Umweltverband WWF Österreich, que constitui o objeto de um pedido de decisão prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio. Por decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de 20 de janeiro de 2016, esse processo e o presente processo foram apensos para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão. O Umweltverband WWF Österreich, a Protect, a Ötztaler Wasserkraft GmbH (a outra parte no processo C‑663/15), a República da Áustria, o Reino dos Países Baixos e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas em relação a ambos os processos. Na audiência conjunta que teve lugar em 15 de março de 2017, todas essas partes apresentaram alegações orais.

29.

Por acórdão de 27 de abril de 2017, o órgão jurisdicional de reenvio anulou a decisão do Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional de Tirol), de 8 de janeiro de 2015, proferida no processo C‑663/15, Umweltverband WWF Österreich. Por despacho de 30 de maio de 2017, o órgão jurisdicional de reenvio declarou que, naquele caso, o processo do WWF tinha ficado privado do seu objeto, pelo que não havia que conhecer do mérito da causa. Por despacho de 28 de junho de 2017, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu retirar o pedido de decisão prejudicial no processo C‑663/15. Esse despacho foi notificado ao Tribunal de Justiça em 10 de julho de 2017. Os processos C‑663/15 e C‑664/15 foram desapensados por despacho do Presidente da Segunda Secção de 11 de julho de 2017 e o processo C‑663/15 foi regularmente cancelado no registo do Tribunal de Justiça por despacho de 14 de julho de 2017.

30.

É francamente lamentável que o Tribunal de Justiça não tenha sido informado mais cedo de que o processo C‑663/15 seria cancelado. O tempo e o esforço dedicados à análise aprofundada desse processo entre 27 de abril de 2017 e 10 de julho de 2017 poderiam ter sido investidos, com mais proveito, no tratamento de outros processos «ativos». Tal como o espírito de cooperação subjacente ao processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE exige que o Tribunal de Justiça se pronuncie com eficiência e celeridade sobre os processos que lhe são submetidos, esse mesmo espírito de cooperação implica que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio manter o Tribunal de Justiça informado de qualquer alteração substancial das circunstâncias suscetível de afetar a manutenção de um pedido de decisão prejudicial perante o Tribunal de Justiça.

Observações preliminares

31.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o projeto em causa no processo principal envolve a captação de água de um rio da região. Consequentemente, depreendo que envolve a captação de águas doces de superfície, na aceção do artigo 11.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva‑Quadro Água. Daqui decorre que o projeto está sujeito à obtenção de uma licença prévia, em conformidade com as medidas nacionais que transpõem essa disposição, e à proibição de deterioração do estado das águas de superfície estabelecida no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), desta diretiva.

32.

Seguidamente, é pacífico que a Protect preenche as condições para se enquadrar no conceito de «público envolvido» na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus e que também está abrangida pelo conceito mais genérico de «público» para efeitos do seu artigo 6.o

O Tribunal de Justiça é competente para responder às questões prejudiciais submetidas?

33.

Nas suas observações escritas, a Comissão alegou que o Tribunal de Justiça tem competência para responder às questões submetidas. Concordo e abordarei este ponto apenas de forma sucinta.

34.

A Convenção de Aarhus é um acordo misto, celebrado pela União com base numa competência que partilha com os Estados‑Membros. As disposições dessa convenção são parte integrante da ordem jurídica da União ( 31 ). O Tribunal de Justiça já confirmou que tem competência para interpretar diferentes disposições da Convenção de Aarhus ( 32 ) e, a este respeito, proferiu um número significativo de acórdãos no contexto de pedidos de decisão prejudicial e de ações por incumprimento ( 33 ).

35.

Mais concretamente, no acórdão Brown Bears I, o Tribunal de Justiça sustentou, no contexto do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, que o domínio em causa estava «amplamente abrangido» pelo direito da União e que, por conseguinte, tinha competência para interpretar o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus ( 34 ).

36.

No caso em apreço, a Protect alega que os seus direitos de participação no processo relativo a um pedido de licença para captação de água e de recurso aos tribunais resultam do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, lido em conjugação com o artigo 9.o da Convenção de Aarhus. A captação de águas de superfície e de águas subterrâneas está sujeita a processos de autorização nos Estados‑Membros [artigo 11.o, n.o 3, alínea e), da diretiva]; a concessão dessa autorização está sujeita ao respeito, designadamente, da proibição de deterioração do estado das massas de água (artigo 4.o, n.o 1); as derrogações a essa proibição só poderão ser concedidas nas condições rigorosamente definidas no artigo 4.o, n.o 7, dessa diretiva.

37.

Resulta da simples aplicação das regras enunciadas no acórdão Brown Bears I que o Tribunal de Justiça tem competência para interpretar o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido em conjugação com o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água.

Quais são as disposições pertinentes da Convenção de Aarhus?

38.

A lógica subjacente ao sistema da Convenção de Aarhus é que a intensidade da participação do público e o âmbito dos direitos do público nos processos administrativos são proporcionais ao impacto ambiental provável dos projetos em questão.

39.

Assim, os projetos que terão provavelmente um impacto significativo no ambiente estão sujeitos ao artigo 6.o, n.o 1 ( 35 ) e, consequentemente, ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. Em virtude dessas duas disposições, as organizações de defesa do ambiente gozam de direitos de participação nos processos administrativos que envolvam tais projetos e do subsequente direito de recurso judicial das decisões tomadas.

40.

Quando não seja provável que um projeto tenha um impacto ambiental significativo, o artigo 6.o e, consequentemente, o artigo 9.o, n.o 2, não se aplicam. Esses processos estão apenas sujeitos ao artigo 9.o, n.o 3, que se aplica «[a]lém disso, e sem prejuízo dos processos de recurso referidos nos n.os 1 e 2 [do artigo 9.o]». Para os membros do público, o artigo 9.o, n.o 3, constitui por conseguinte uma disposição residual, que poderá ser invocada para obter acesso à justiça quando não seja possível recorrer ao artigo 9.o, n.os 1 e 2 ( 36 ).

41.

O artigo 9.o, n.o 3, dispõe que o público deve ter «acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente». Inclui‑se aqui, portanto, o acesso a um processo de impugnação da legalidade de uma decisão (um ato de uma autoridade pública) adotado no seguimento de um processo administrativo que o demandante considera poder violar o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água. A natureza administrativa ou judicial do processo de impugnação desse ato de uma autoridade pública depende do direito nacional — do caso em apreço resulta que, na Áustria, quando estão em causa decisões adotadas ao abrigo da WRG 1959, se trata de um processo de natureza judicial.

42.

Ao contrário do artigo 6.o, o artigo 9.o, n.o 3, não prevê o direito de participação no processo administrativo conducente à decisão. Ao contrário do artigo 9.o, n.o 2, o artigo 9.o, n.o 3, não aborda expressamente a legitimidade processual das organizações de defesa do ambiente. Creio que uma explicação plausível para esta última situação é que o autor da Convenção de Aarhus, tendo explicado cuidadosamente (no artigo 9.o, n.o 2) que, para efeitos de recurso judicial, presumir‑se‑á que as organizações de defesa do ambiente que cumpram os requisitos do artigo 5.o, n.o 2, satisfazem o requisito processual de ter «um interesse suficiente» ou de que o seu «direito tenha sido ofendido» (consoante o critério de legitimidade processual aplicado à parte contratante em causa), entendeu que já tinha fornecido orientações suficientes sobre esse ponto.

43.

O órgão jurisdicional de reenvio identifica o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus como a disposição pertinente no presente caso. Nesse sentido, afirma expressamente que a Diretiva AIA não exige a avaliação do impacto dos projetos de captação de água para efeitos de produção de neve e que, como tal, o pedido de licença da Aichelberglift devia ser apreciado unicamente à luz das disposições nacionais no domínio da água (ou seja, a WRG 1959). Na audiência, tanto o Governo dos Países Baixos como a Protect alegaram que, pelo menos em certa medida, o artigo 9.o, n.o 2, deveria ter sido considerado aplicável no processo principal.

44.

Decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o projeto Aichelberglift não está abrangido pelo anexo I da Convenção de Aarhus ( 37 ) ou pelo anexo I da Diretiva AIA ( 38 ), pelo que não estava sujeito a uma avaliação do impacto obrigatória por força desta diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio confirma essa análise no seu despacho de reenvio. Por conseguinte, o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Convenção de Aarhus não é aplicável.

45.

Quanto ao artigo 6.o, n.o 1, alínea b), as partes contratantes deverão determinar se um dado projeto «po[derá] ter um impacto significativo no ambiente» (o sublinhado é meu) ( 39 ). A este respeito, «a mera probabilidade de um impacto significativo é suficiente para desencadear [essa] obrigação» ( 40 ). A magnitude, a localização e as características do potencial impacto do projeto no ambiente são os fatores relevantes a ter em conta ( 41 ).

46.

Os elementos ao dispor do Tribunal de Justiça não são suficientes para determinar se o projeto Aichelberglift está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus. Em especial, não resulta claro do despacho de reenvio se o projeto em causa no processo principal foi, ou deveria ter sido, examinado para determinar — em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva AIA ou com o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus — se estava obrigatoriamente sujeito a uma avaliação do impacto ( 42 ) e se a Protect podia (ou não) impugnar os resultados dessa determinação ( 43 ). Também não é claro se, e em que medida, o projeto está situado numa ZEC na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva Habitats e se a significância do impacto do projeto na água foi (ou não) examinada no âmbito da avaliação do impacto realizada com base no artigo 6.o, n.o 3, desta diretiva. Por último, a relação exata entre essa avaliação e o processo de licenciamento em causa no processo principal não é totalmente clara, embora o facto de estes estarem (possivelmente) interligados possa ser pertinente para a aplicabilidade do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ( 44 ).

47.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apurar os factos necessários para determinar se o projeto Aichelberglift está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Convenção de Aarhus. Em caso afirmativo, o artigo 9.o, n.o 2, seria efetivamente aplicável. Nesse caso, as respostas às questões do órgão jurisdicional de reenvio constam já da abundante jurisprudência sobre o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus ( 45 ), desenvolvida, em especial, no contexto do artigo 11.o da Diretiva AIA, que reflete a maioria das disposições do artigo 9.o, n.o 2.

48.

A análise que se segue assenta na premissa de que o artigo 6.o e, consequentemente, o artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus não são aplicáveis, e de que o processo que deu origem ao pedido de decisão prejudicial, no qual a Protect alega que a concessão de uma licença à Aichelberglift para captar água para efeitos de produção de neve viola o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, deve ser examinado exclusivamente da perspetiva do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

Primeira questão

49.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se uma organização de defesa do ambiente pode invocar o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água ou essa diretiva no seu todo, em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, para impugnar, perante uma autoridade administrativa ou um tribunal, a legalidade de atos ou omissões da autoridade competente num processo administrativo que não está sujeito à Diretiva AIA, como acontece no processo principal.

50.

Esta questão está formulada em termos gerais. No presente caso, o processo administrativo foi conduzido pela autoridade competente em conformidade com a WRG 1959, que visa transpor a Diretiva‑Quadro Água. O ato impugnado no processo principal é uma licença concedida com base na WRG 1959. O órgão jurisdicional de reenvio explica que essa licença é passível de recurso para o Landesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Regional).

51.

A questão central que importa aqui examinar é, por conseguinte, a da legitimidade das organizações de defesa do ambiente para impugnar tal licença perante um órgão jurisdicional no contexto do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água. Começarei por analisar o significado do artigo 4.o desta diretiva, debruçando‑me depois sobre a questão da legitimidade das organizações de defesa do ambiente para impugnarem a legalidade das referidas licenças.

Significado do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água

52.

O Governo austríaco alega que o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água não produz efeitos diretos, uma vez que não designa os seus destinatários, ao passo que o Governo neerlandês e a Protect consideram que as organizações de defesa do ambiente reconhecidas deveriam poder invocar esta disposição.

53.

A Diretiva‑Quadro Água refere‑se à água como um património que deve ser protegido, defendido e tratado como tal (considerando 1). Esta diretiva estabelece um quadro para evitar a deterioração, reforçar a proteção e melhorar o ambiente aquático na União Europeia (considerando 19 e artigo 1.o). Contribui para a prossecução dos objetivos ambientais do Tratado (considerando 11).

54.

O artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, que estabelece o objetivo ambiental geral prosseguido pela diretiva, ocupa uma posição central no sistema global de proteção da água instituído por esta diretiva.

55.

Não obstante o facto de esta diretiva ser uma diretiva‑quadro, o Tribunal de Justiça sustentou, no seu acórdão histórico proferido no processo Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland que «o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/60 não se limita a enunciar, através de uma formulação programática, simples objetivos de planeamento de gestão, mas tem efeitos vinculativos» ( 46 ). O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), subalínea i), que dispõe que «[o]s Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície», comporta uma obrigação de os Estados‑Membros agirem nesse sentido ( 47 ). Essa obrigação deve ser cumprida, em especial, aquando da aprovação de projetos individuais ao abrigo do regime jurídico da proteção da água, sobretudo recusando a autorização de projetos que sejam suscetíveis de deteriorar o estado da massa de água em causa, com exceção dos casos em que se considere que esses projetos estão abrangidos por uma derrogação ao abrigo do artigo 4.o, n.o 7 ( 48 ).

56.

O Tribunal de Justiça tem interpretado o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, constante do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), subalínea i), da Diretiva‑Quadro Água, em termos amplos. Assim, há deterioração a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V da diretiva, se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto ( 49 ).

57.

Segundo jurisprudência assente, sempre que as disposições de uma diretiva se afigurem, no que respeita ao seu objeto, incondicionais e suficientemente precisas, podem ser invocadas, na falta de medidas de transposição adotadas dentro do prazo estipulado, contra qualquer disposição nacional que seja incompatível com a diretiva, ou na medida em que definam direitos que os particulares possam invocar contra o Estado ( 50 ).

58.

A proibição de deterioração é, no meu entender, rigorosa, incondicional e suficientemente precisa para a dotar de efeito direto ( 51 ).

59.

No contexto das diretivas ambientais, o Tribunal de Justiça sustentou, em vários processos, que as disposições relativas à proteção do património natural comum, desde que sejam suficientemente precisas, têm efeitos diretos, não obstante não conferirem expressamente direitos aos particulares ( 52 ). Mais recentemente, o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito direto do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats ( 53 ), que impõe a obrigação de realizar uma avaliação do impacto antes de ser concedida autorização para um projeto suscetível de afetar de forma significativa um sítio protegido. O Tribunal de Justiça sustentou igualmente que, sempre que a inobservância das medidas exigidas pelas diretivas possa colocar em perigo a saúde das pessoas, os interessados devem poder invocar disposições imperativas para fazerem valer os seus direitos ( 54 ).

60.

Nesses acórdãos, incluindo no acórdão Brown Bears II, o Tribunal de Justiça entendeu que seria incompatível com o efeito vinculativo que o artigo 288.o TFUE atribui a uma diretiva excluir, em princípio, a possibilidade de as organizações de defesa do ambiente reconhecidas invocarem a obrigação imposta por essa diretiva. Sempre que o legislador da União tenha, por meio de uma diretiva, imposto aos Estados‑Membros a obrigação de adotar determinada conduta, a efetividade dessa obrigação ficaria comprometida se os particulares não a pudessem invocar perante os seus órgãos jurisdicionais nacionais. A sua efetividade ficaria igualmente prejudicada se os órgãos jurisdicionais nacionais não a pudessem tomar em consideração como elemento do direito da União para determinar se o legislador nacional, ao escolher a forma e os métodos de execução, respeitou os limites da margem de apreciação impostos pela diretiva ( 55 ).

61.

A possibilidade de invocar o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água resulta da atuação (contrária ao direito da União) que deverá ser proibida. Por conseguinte, as organizações de defesa do ambiente podem, no meu entender, invocar o artigo 4.o, desde que o direito nacional preveja meios de tutela jurídica para o efeito ( 56 ).

As organizações de defesa do ambiente têm legitimidade para invocar o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água?

62.

O Governo austríaco alega que, excetuando a disposição limitada do artigo 14.o, a Diretiva‑Quadro Água não prevê a participação nem o direito de recurso judicial, ao contrário do que acontece com outras diretivas ambientais ( 57 ), algumas das quais foram expressamente alteradas para estabelecer os direitos previstos no artigo 9.o da Convenção de Aarhus ( 58 ). Acrescenta que o artigo 9.o, n.o 3, desta convenção, que é a disposição invocada pela Protect para justificar a sua legitimidade processual, não tem efeito direto.

Observações gerais sobre a interpretação do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus

63.

O artigo 9.o, n.o 3, dispõe que cada parte deverá assegurar que os membros do público que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno (incluindo, por força do artigo 2.o, n.o 4, as organizações de defesa do ambiente) tenham acesso aos processos administrativos ou judiciais destinados a impugnar os atos e as omissões de particulares e de autoridades públicas que infrinjam o disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente. Assim, prevê, entre outros, o direito de impugnar atos adotados por autoridades administrativas em processos administrativos.

64.

É pacífico que, no presente contexto, não é aplicável nenhuma disposição do direito da União expressamente adotada para implementar o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus. Em especial, a Diretiva‑Quadro Água estabelece um quadro legislativo sem especificar as regras processuais necessárias à sua implementação. O artigo 4.o não confere a essas organizações de defesa do ambiente o direito de desencadear um recurso administrativo ou judicial. A única disposição pertinente afigura‑se ser o artigo 14.o, n.o 1 («Informação e consulta do público»), que dispõe que os Estados‑Membros «incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução [desta] diretiva» ( 59 ). Creio que essa disposição é demasiado abstrata para ser invocada diretamente como fonte de direitos processuais.

65.

O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus não tinha efeito direto ( 60 ). Consequentemente, as organizações de defesa do ambiente não podem invocar diretamente essa disposição em apoio da sua legitimidade para impugnar atos das autoridades nacionais, tais como a licença concedida à Aichelberglift.

66.

Na falta de regulamentação da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos pelo direito da União, neste caso pela Diretiva‑Quadro Água, lida em conjugação com a Convenção de Aarhus, tendo os Estados‑Membros a responsabilidade de assegurar, em todas as circunstâncias, a proteção efetiva desses direitos ( 61 ).

67.

A autonomia processual dos Estados‑Membros não é absoluta. Deve ser exercida em conformidade com as finalidades e os objetivos da Convenção de Aarhus e da Diretiva‑Quadro Água.

68.

Faço aqui uma pausa para recordar que, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 1 de dezembro de 2009, o princípio de um «elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente» estabelecido no artigo 3.o, n.o 3, TUE tornou‑se num objetivo orientador do direito da União. Este mesmo princípio está igualmente consagrado no artigo 37.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 62 ) que — mais uma vez, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa — faz parte do direito primário da União e deve ser considerada um instrumento interpretativo do direito secundário ( 63 ).

69.

Decorre da Diretiva‑Quadro Água que os Estados‑Membros têm a responsabilidade de prosseguir os objetivos ambientais desta diretiva, conforme estabelecidos, em especial, nos seus artigos 1.o e 4.o, e que o êxito da diretiva depende designadamente da informação, consulta e participação do público (considerando 14) ( 64 ). Acresce que, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, os Estados‑Membros incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução da Diretiva‑Quadro Água.

70.

Estas disposições indicam o modo como o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus deve ser interpretado. A participação do público nas fases iniciais de um processo administrativo em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro Água seria, em larga medida, inútil se não fosse possível que pelo menos alguns membros do público tivessem legitimidade para intervir em fases posteriores do processo, especialmente para impugnar a conformidade das decisões adotadas nesse processo com a referida diretiva.

Critérios que os Estados‑Membros podem estabelecer de acordo com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus

71.

É certo que, no contexto da Convenção de Aarhus, os Estados‑Membros beneficiam de um elevado grau de flexibilidade. Em especial, o direito ao recurso administrativo ou judicial previsto no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus só pode ser concedido aos membros do público que «satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno».

72.

Porém, na definição das regras processuais destinadas a dar cumprimento ao artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, os Estados‑Membros devem ter em conta que essa convenção visa «garantir ao público, bem como às organizações, o acesso a mecanismos judiciais eficazes por forma a proteger os seus interesses legítimos e a garantir a aplicação da lei» (décimo oitavo considerando).

73.

A expressão «que satisfaçam os critérios estabelecidos no direito interno» não pode servir «de pretexto para introduzir ou manter critérios de tal modo rigorosos que, na prática, impeçam todas ou quase todas as organizações de defesa do ambiente de impugnar atos ou omissões que violem a legislação nacional em matéria de ambiente»; esta frase aponta para uma «contenção das partes, que não deverão impor critérios demasiado rigorosos. Por conseguinte, o acesso a tais processos deve ser uma presunção, não a exceção»; e «os referidos critérios devem ser consentâneos com os objetivos da convenção no que respeita à garantia do acesso à justiça» ( 65 ). Creio que a leitura mais natural desta frase é, por conseguinte, que constitui uma remissão para os requisitos processuais alternativos de ter «um interesse suficiente» ou de que o seu «direito tenha sido ofendido» previstos no artigo 9.o, n.o 2.

74.

Nas conclusões que apresentei no processo Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening ( 66 ), analisei as condições que os Estados‑Membros podem estabelecer com base no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 85/337 (atualmente substituída pela Diretiva AIA), que se refere aos «requisitos previstos na legislação nacional» ( 67 ). O que escrevi pode ser transposto para o presente contexto. No meu entender, as organizações de defesa do ambiente que promovam a proteção do ambiente e cumpram requisitos não discriminatórios, transparentes e objetivamente justificados que facilitem o acesso à justiça nos termos do direito nacional devem poder invocar o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

75.

Consequentemente, o direito nacional não pode excluir, de forma generalizada, os direitos de todas as organizações de defesa do ambiente decorrentes do artigo 9.o, n.o 3, sob o pretexto de estabelecer «critérios» para o exercício desses direitos ( 68 ). No processo Trianel ( 69 ), referi que, tal como um Ferrari com as portas trancadas, um sistema de tutela é de pouca ajuda prática se for completamente inacessível a certas categorias de ações.

76.

Com efeito, tal interpretação do conceito de «critérios» teria consequências perversas. Um regime processual que, na prática, excluísse o direito de qualquer organização de defesa do ambiente de impugnar atos administrativos adotados com base em disposições nacionais que transpõem a Diretiva‑Quadro Água poderia comprometer seriamente o efeito útil da proibição estabelecida no artigo 4.o ( 70 ) e, em termos mais gerais, pôr gravemente em risco a concretização do objetivo de um elevado nível de proteção ambiental consagrado no artigo 37.o da Carta.

O papel das organizações de defesa do ambiente

77.

O ambiente natural pertence a todos a nós e a sua proteção é uma responsabilidade coletiva. O Tribunal de Justiça reconheceu que as disposições da legislação da União em matéria ambiental visam, na sua maioria, o interesse público e não apenas a proteção dos interesses dos particulares per se ( 71 ). Nem a água nem os peixes que nela nadam podem ir a tribunal. As árvores também não têm legitimidade processual ( 72 ).

78.

Tanto o órgão jurisdicional de reenvio no seu despacho de reenvio como o Governo austríaco durante a audiência explicaram que, nos termos do direito austríaco, só têm legitimidade para intervir em processos administrativos ou judiciais os titulares de direitos substantivos subjetivos que tenham sido alegadamente violados. As organizações de defesa do ambiente não preenchem, por natureza, a condição da titularidade de direitos substantivos. Deste modo, é praticamente impossível uma organização desse tipo impugnar uma decisão administrativa junto de uma autoridade administrativa ou de um tribunal, ainda que tenha agido com grande diligência ou que as observações que deseja apresentar sejam muito pertinentes.

79.

Segundo percebi, nem mesmo os particulares titulares de direitos poderiam instaurar uma ação com fundamento na violação de uma disposição destinada a proteger o ambiente enquanto tal ou que visasse a proteção do interesse público, tal como a proibição de deterioração estabelecida no artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água. Daqui resulta que, a menos que os direitos substantivos dos particulares coincidam com o interesse público e que esses particulares decidam instaurar uma ação para fazer valer esses direitos perante uma autoridade competente ou um tribunal, ninguém pode agir em defesa do ambiente ( 73 ).

80.

Como expliquei nas minhas conclusões no processo Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening ( 74 ), as organizações de defesa do ambiente são a expressão do interesse coletivo e público, que, de outro modo, mais ninguém poderia defender. Reúnem as pretensões de muitos particulares numa única ação, atuam como filtro e contribuem com o seu conhecimento especializado, colocando assim os órgãos jurisdicionais em melhor posição para julgar a causa. Assim, a longo prazo, melhoram o funcionamento dos processos em matéria de ambiente. Ao fazê‑lo, as organizações de defesa do ambiente desempenham um papel crucial na proteção do nosso património ambiental comum.

81.

Os autores da Convenção de Aarhus não optaram por prever uma actio popularis em matéria ambiental. Em vez disso, decidiram reforçar o papel das organizações de defesa do ambiente. Ao fazê‑lo, escolheram um caminho entre a abordagem maximalista (actio popularis) e a abordagem minimalista (atribuição do direito a uma ação individual unicamente às partes com um interesse direto em jogo) ( 75 ). Este foi, na minha perspetiva, um compromisso sensato e pragmático.

82.

O Tribunal de Justiça reconheceu que esses membros do público e as associações são chamados a desempenhar um papel ativo na defesa do ambiente ( 76 ). O sétimo, décimo terceiro e décimo sétimo considerandos da Convenção de Aarhus salientam a importância das organizações de defesa do ambiente. Como observou a advogada‑geral J. Kokott nas suas conclusões no processo Brown Bears II ( 77 ), o artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus prevê o reconhecimento dos interesses das organizações que promovem a proteção do ambiente e que cumprem os requisitos previstos na legislação nacional. Do mesmo modo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sublinhou o papel desempenhado pelas organizações não governamentais, tendo concluído que, em matérias de interesse público, podem ser caracterizadas como «guardiãs» sociais ( 78 ).

83.

Em termos gerais, considero que a entidade decisora num processo administrativo ou judicial deve ter ao seu dispor tantas informações quanto possível sobre as implicações ambientais de um projeto proposto. Este argumento milita a favor da atribuição de legitimidade às organizações de defesa do ambiente que cumpram os critérios relevantes estabelecidos no direito nacional no que respeita à sua existência e atividades ( 79 ). Dado o papel que desempenham em matérias ambientais, essas organizações encontram‑se numa posição privilegiada para fornecer informações relevantes.

84.

Na minha perspetiva, os artigos 2.o, n.o 5, e 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus fornecem um quadro de referência para compreender como deve ser abordado o papel das organizações de defesa do ambiente enquanto representantes do ambiente. Quando as diretivas ambientais da União impõem obrigações vinculativas aos Estados‑Membros, as organizações de defesa do ambiente que cumpram os critérios estabelecidos no artigo 2.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus devem, em princípio, poder atuar junto de um tribunal a fim de invocar que ocorreu uma violação dessas obrigações em conformidade com o artigo 9.o, n.o 3, da referida convenção.

85.

É evidente que os particulares afetados por um projeto com impactos ambientais têm legitimidade para defender os seus bens ou outros interesses contra potenciais danos que o projeto possa causar. Se for negada às organizações de defesa do ambiente legitimidade para requerer a um órgão jurisdicional que verifique se uma decisão administrativa respeita as obrigações que vinculam o Estado‑Membro, como as que decorrem do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, o ambiente — ou seja, o interesse público — não será adequadamente representado nem defendido. Esse cenário conduziria a um resultado absurdo: a propriedade privada e os interesses dos particulares estariam mais bem protegidos contra possíveis erros da administração do que o interesse público. O legislador da União não teve certamente a intenção de criar tal discrepância.

Efeito do artigo 47.o da Carta

86.

O artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água deve, além disso, ser interpretado à luz do artigo 47.o da Carta ( 80 ).

87.

Esta disposição de direito primário da União reafirma o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Exige que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tenha direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos nessa disposição ( 81 ).

88.

O artigo 51.o, n.o 1, da Carta só pode ser invocado contra os Estados‑Membros quando estes apliquem direito da União ( 82 ). Quando um Estado‑Membro estabelece regras processuais que limitam a capacidade de uma organização de defesa do ambiente para instaurar uma ação no interesse público com fundamento na violação do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, esse Estado‑Membro executa obrigações decorrentes do direito da União para efeitos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 83 ). Além disso, a relevância do artigo 47.o não se limita aos casos em que uma disposição substantiva de direito da União é associada a uma disposição de caráter processual que confere o direito a uma tutela jurisdicional efetiva ( 84 ).

89.

Uma regra processual que, em princípio e na prática, torne extremamente difícil para uma organização de defesa do ambiente o desempenho do papel que lhe é atribuído pelo artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e a impugnação da legalidade de uma decisão administrativa que, no seu entender, foi adotada em violação do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, viola necessariamente o direito fundamental a um recurso jurisdicional efetivo consagrado no direito da União ( 85 ).

90.

O facto de um Estado‑Membro ter optado, na sua ordem jurídica interna, por um regime de legitimidade baseado nos direitos e não no interesse não é suficiente para afastar a ilegalidade dessa exclusão geral. O artigo 9.o da Convenção de Aarhus, lido no seu conjunto, mostra que os autores da convenção estavam perfeitamente cientes das diferenças entre as regras adotadas pelas partes em matéria de legitimidade processual. As disposições do artigo 9.o que regulam a legitimidade processual das organizações de defesa do ambiente foram cuidadosamente formuladas de modo que o acesso aos tribunais não depende da escolha feita por uma determinada parte contratante.

91.

O reconhecimento da legitimidade das organizações de defesa do ambiente nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus nestas circunstâncias não equivale a atribuir efeito direto a essa disposição pela porta dos fundos. Pelo contrário, constitui a consequência lógica da necessidade de salvaguardar o efeito útil do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, visto da perspetiva do direito fundamental a um recurso jurisdicional efetivo.

92.

O Tribunal de Justiça mostrou‑se disposto, em muitas ocasiões, a perfilhar uma interpretação ampla, teleológica da legislação ambiental da União ( 86 ). A abordagem que proponho limita‑se a consolidar a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Brown Bears II.

93.

Por último, as informações ao dispor do Tribunal de Justiça indicam que não existe qualquer conflito entre a leitura que proponho e o artigo 132.o, n.o 1, da Bundes‑Verfassungsgesetz (que se integra no capítulo VII, intitulado «Garantias constitucionais e administrativas»). Como explicou o órgão jurisdicional de reenvio, nos termos dessa disposição, apenas as pessoas singulares ou coletivas que aleguem uma violação dos seus direitos por uma decisão de uma autoridade administrativa e que tenham sido partes no processo administrativo precedente podem recorrer dessa decisão para um tribunal administrativo com fundamento na violação desses direitos. Se bem compreendi, estes requisitos não constituem um obstáculo ao reconhecimento da legitimidade das organizações de defesa do ambiente para impugnarem a legalidade de decisões administrativas, nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus.

94.

Por conseguinte, a resposta à primeira questão deverá ser que o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais nacionais que impeçam uma organização de defesa do ambiente que cumpra os requisitos previstos no direito nacional em matéria de constituição e de exercício da atividade de ter acesso a processos administrativos e judiciais, na aceção do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, a fim de impugnar os atos adotados pela autoridade competente num processo administrativo conduzido com base nas disposições de direito nacional que transpõem a referida diretiva.

95.

Uma vez que respondi afirmativamente à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio, é também necessário analisar a segunda e terceira questões.

Segunda questão

96.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se a Convenção de Aarhus exige que uma organização de defesa do ambiente tenha a possibilidade de alegar uma violação do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água durante um processo perante uma autoridade administrativa ou se é suficiente que essa organização tenha a possibilidade de impugnar junto de um órgão jurisdicional a decisão adotada pela autoridade administrativa no final desse processo.

97.

Decorre da resposta que proponho para a primeira questão que uma organização de defesa do ambiente deve poder invocar o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, para impugnar uma decisão adotada por uma autoridade administrativa no final de um processo administrativo conduzido com base nas disposições de direito nacional que transpõem essa diretiva.

98.

Resta saber se a Convenção de Aarhus também exige que uma organização de defesa do ambiente tenha a possibilidade de invocar o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água durante esse processo administrativo. Por outras palavras, deve ser obrigatoriamente concedido a essas organizações o direito de participar em tal processo? Abordarei esta questão em duas fases: primeiro, em termos gerais e segundo, tendo em conta o contexto particular do direito austríaco.

Direito de participação: observações gerais

99.

O artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus prevê o direito de recurso administrativo ou judicial de «atos […] de autoridades públicas». Incluem‑se aqui as decisões administrativas adotadas no final dos processos administrativos. Ao contrário do artigo 6.o desta convenção, o artigo 9.o, n.o 3, não prevê o direito de participação em processos administrativos. Esse direito deve ser analisado à luz do artigo 6.o No entanto, pelos motivos que expus anteriormente ( 87 ), parto do princípio de que os artigos 6.o e 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus não se aplicam no presente caso.

100.

O facto de uma organização de defesa do ambiente ter o direito de contestar uma decisão administrativa não implica, por si só, o direito de participar no processo conducente à adoção dessa decisão. O Tribunal de Justiça sustentou que a participação num processo de decisão em matéria ambiental é distinta e tem um objetivo diferente do recurso jurisdicional ( 88 ).

101.

Ao contrário de outras diretivas ambientais ( 89 ), a Diretiva‑Quadro Água não prevê expressamente a participação do público. Tão‑pouco estabelece, como o faz a Diretiva Habitats, que um projeto só poderá ser autorizado depois de as autoridades competentes «terem auscultado, se necessário, a opinião pública».

102.

Porém, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro Água, com a epígrafe «Informação e consulta do público», dispõe que os Estados‑Membros «incentivarão a participação ativa de todas as partes interessadas na execução [desta] diretiva» ( 90 ) e o considerando 14 refere que o êxito da diretiva depende designadamente da informação, consulta e participação do público. O processo de licenciamento baseado na WRG 1959 deve ser considerado uma aplicação dessa diretiva ( 91 ).

103.

No meu entender, se a «participação» do público organizada por um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro Água não fosse acompanhada por direitos processuais que permitam aos membros do público manifestar a sua posição e exigir que a autoridade competente tenha em conta essa posição, a finalidade da referida disposição não seria respeitada. Tal forma de «participação» do público não mereceria ser descrita como «consulta». Assemelhar‑se‑ia mais a uma «declaração de intenções» da autoridade competente destinada ao público.

104.

O Tribunal de Justiça já explicou que o estatuto de parte num processo administrativo permite que uma organização de defesa do ambiente participe mais ativamente no processo de decisão, desenvolvendo mais e de maneira mais pertinente os seus argumentos relativos ao risco de o projeto planeado ter efeitos adversos sobre o ambiente. As autoridades competentes são obrigadas a ponderar esses argumentos antes do licenciamento do projeto em causa. Sem essa participação, os argumentos a favor da proteção do ambiente poderão nunca ser invocados nem tidos em conta, pelo que o objetivo fundamental do procedimento previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro Água, a saber, assegurar um elevado grau de proteção do ambiente, poderá não ser alcançado ( 92 ).

105.

Além disso, o objetivo do processo administrativo em matéria de ambiente, incluindo no domínio da água, é chegar a uma decisão que concilie o interesse do requerente em obter uma licença com as restrições ambientais existentes. Um processo eficiente é aquele em que a organização de defesa do ambiente pode participar logo numa fase inicial, a fim de expor considerações ambientais relevantes. Essa participação contribui para um processo equilibrado e poderá reduzir a probabilidade de uma ação judicial posterior. O Tribunal de Justiça sempre esteve ciente da necessidade de promover a economia processual em diferentes tipos de processos ( 93 ).

106.

Consequentemente, a atribuição do estatuto de parte às organizações de defesa do ambiente em processos administrativos para invocarem disposições diretamente aplicáveis da legislação ambiental da União, como o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água ( 94 ), contribui para conservar e melhorar o meio aquático na União e, de um modo mais geral, para atingir os objetivos estabelecidos nessa legislação ( 95 ).

107.

Na falta de regulamentação da União na matéria, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, de acordo com o princípio da interpretação conforme, interpretar o direito processual nacional, na medida do possível, à luz desses objetivos, a fim de assegurar a sua efetiva concretização ( 96 ).

Direito de participação no contexto do direito austríaco

108.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que, nos termos do artigo 132.o, n.o 1, da Bundes‑Verfassungsgesetz, só as pessoas singulares ou coletivas que tinham o estatuto de parte num processo administrativo anterior podem interpor recurso da decisão adotada no final desse processo num tribunal administrativo ou noutro órgão jurisdicional (in casu, o Verwaltungsgericht de um determinado Land). Por conseguinte, o estatuto de parte no processo administrativo e o direito de recurso estão diretamente inter‑relacionados. A inexistência ou a perda do estatuto de parte no processo perante a autoridade administrativa determina, assim, a perda do direito de recorrer da decisão dessa autoridade administrativa.

109.

Ao nível dos princípios, essa exigência de participação anterior num processo administrativo não parece comprometer os direitos garantidos pela Convenção de Aarhus ou pela Diretiva‑Quadro Água. O direito a uma tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 47.o da Carta e o princípio da efetividade não obstam a que essa exigência seja estabelecida como condição da interposição de recurso, caso as regras aplicáveis a esse recurso não prejudiquem desproporcionadamente a efetividade da proteção judicial ( 97 ).

110.

Porém, se bem compreendo a situação à luz da legislação austríaca, é praticamente impossível para uma organização de defesa do ambiente obter o estatuto de parte em tal processo administrativo para promover os objetivos imperativos do direito da União em matéria de ambiente enunciados no artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água ( 98 ).

111.

Se a situação ditada pelo direito nacional for, de facto, a que descrevi supra — uma matéria cuja determinação compete exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio —, o facto recusar a uma organização de defesa do ambiente o estatuto de parte num processo administrativo equivaleria a privá‑la do direito a um recurso jurisdicional efetivo que para ela resulta do artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, lido em conjugação com o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água. Da resposta que propus para a primeira questão decorre que, sempre que esse direito de participação seja necessário para promover os objetivos imperativos do direito da União em matéria de ambiente enunciados no artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, não é lícito privar uma organização de defesa do ambiente de tal direito.

112.

Por conseguinte, a resposta à segunda questão deve ser a seguinte:

Os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados a interpretar as disposições de direito processual nacional relativas ao estatuto de parte num processo administrativo de licenciamento conduzido com base na legislação nacional que transpõe a Diretiva‑Quadro Água, como as que estão em causa no processo principal, tanto quanto possível, de forma compatível com os objetivos estabelecidos por esta diretiva (em especial, os seus artigos 4.o e 14.o, n.o 1), a fim de permitir que as organizações de defesa do ambiente invoquem essas disposições durante o processo administrativo perante a autoridade nacional.

Sempre que o direito de uma organização de defesa do ambiente, que cumpra os requisitos previstos no direito nacional em matéria de constituição e de exercício da atividade, de impugnar, perante uma autoridade administrativa ou um tribunal, atos adotados pelas autoridades nacionais competentes num processo administrativo com base no artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água dependa da participação prévia em tal processo, este artigo, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais nacionais que impeçam tal organização de defesa do ambiente de obter o estatuto de parte nesse processo.

Terceira questão

113.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se são admissíveis regras processuais nacionais, como o § 42 da AVG, que exijam que as organizações de defesa do ambiente apresentem objeções em tempo oportuno durante o processo de licenciamento, sob pena de perderem o estatuto de parte nesse processo e o direito de impugnar, perante o órgão jurisdicional competente, os atos subsequentemente adotados pelas autoridades competentes nesse processo ( 99 ).

114.

Confesso que considero a questão, tal como formulada, algo curiosa. Seria lógico pensar que o § 42 da AVG só pode ser aplicado a alguém que já seja parte. Porém, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, nos termos do direito processual austríaco (§ 102, n.o 1, da WRG 1959), as organizações de defesa do ambiente como a Protect não podem obter o estatuto de parte nesse processo ( 100 ). Consequentemente, seria de supor que, ou o § 42 da AVG não pode ser aplicado à Protect ou, ainda que o fosse, esse facto não teria qualquer influência sobre o desfecho do processo principal. Nessas circunstâncias, a terceira questão afigurar‑se‑ia hipotética ( 101 ).

115.

Não obstante, é possível depreender das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que o pedido de obtenção do estatuto de parte apresentado pela Protect foi rejeitado, juntamente com as suas objeções ao projeto com base no § 42 da AVG, com fundamento no facto de a Protect não ter apresentado objeções relacionadas com a água (baseadas na WRG 1959) em tempo oportuno durante o processo administrativo ( 102 ). Isso indicia que a Protect poderia ter obtido o estatuto de parte se tivesse apresentado tempestivamente as suas objeções.

116.

A audiência não resolveu este problema.

117.

Nos parágrafos que se seguem, partirei do princípio de que a Protect poderia ter obtido o estatuto de parte no processo administrativo se tivesse apresentado as objeções exigidas em tempo oportuno.

118.

O Governo austríaco alega (presumivelmente com base na sua interpretação do direito nacional) que a Protect deveria ter apresentado objeções sem aguardar que lhe fosse concedido o estatuto de parte.

119.

Tendo em conta os elementos ao dispor do Tribunal de Justiça, afigura‑se‑me evidente, nos termos da legislação austríaca, que expectável que uma organização de defesa do ambiente compreenda que poderá obter o estatuto de parte num processo administrativo que tem por objeto um pedido de licença de captação de água para a produção de neve simplesmente apresentando objeções em conformidade com o § 42 da AVG. Em contrapartida, o § 102, n.o 3, da WRG 1959 parece reservar a possibilidade de apresentar tais objeções às partes, enquanto o § 102, n.o 1, da WRG 1959 não permite que uma organização de defesa do ambiente que não seja titular de direitos públicos subjetivos obtenha o estatuto de parte.

120.

Considero que a exigência de que uma organização de defesa do ambiente procure, ainda assim, apresentar objeções em tal situação (praticamente num cenário especulativo) seria injusta e enganosa. Aplicar o § 42 da AVG e impor à Protect a perda do estatuto de parte nessa situação seria puni‑la por não ter feito aquilo que a legislação nacional aparentemente a impede de fazer. Tal regra processual não cumpriria, no meu entender, os critérios de justiça e equidade estabelecidos no artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus. Evoca estranhamente a situação do homem moribundo na parábola Diante da Lei de Kafka, que, tendo passado toda a vida a tentar atravessar o portão que agora se fecha, descobre que este esteve sempre aberto.

121.

Compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se as regras nacionais funcionam, de facto, desse modo. Se assim for, recusar à Protect o estatuto de parte no processo administrativo e, impedir, desse modo, o seu acesso a um órgão jurisdicional, equivaleria a privá‑la do direito a um recurso jurisdicional efetivo que, enquanto organização de defesa do ambiente, lhe assiste por força do artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus ( 103 ). Da resposta que propus para a primeira questão resulta que, sempre que esse direito seja necessário para promover os objetivos imperativos do direito da União em matéria de ambiente enunciados no artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, não é lícito privar uma organização de defesa do ambiente de tal direito.

122.

Se, por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio concluir que seria razoavelmente expectável que, com base em regras processuais justas e equitativas, uma organização de defesa do ambiente, como a Protect, apresentasse as suas objeções em tempo oportuno no processo administrativo, o prazo processual imposto pelo § 42 da AVG não parece comprometer os direitos garantidos pela Convenção de Aarhus ou pela Diretiva‑Quadro da Água. Por uma questão de princípio, o facto de a legislação nacional fixar um prazo para as partes apresentarem objeções respeita a essência do direito a um recurso jurisdicional efetivo e não se afigura que vá além do necessário para prosseguir os objetivos legítimos da segurança jurídica, da celeridade e da economia dos processos administrativos. Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu que a fixação de prazos de recurso razoáveis no interesse da segurança jurídica, que protegem os particulares e a autoridade administrativa em questão, é compatível com o direito da União. Em especial, considerou que esses prazos não são suscetíveis de, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União ( 104 ). Com efeito, o próprio artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus exige que os processos sejam «justos, equitativos [e] céleres». Na medida em que afasta a possibilidade de uma parte apresentar objeções a um projeto após um determinado prazo, que a parte não cumpriu, o § 42 da AVG parece satisfazer estes critérios ( 105 ).

123.

Por conseguinte, a resposta à terceira questão deverá ser que o artigo 4.o da Diretiva‑Quadro Água, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus e o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais nacionais que imponham a uma organização de defesa do ambiente a perda do estatuto de parte num processo administrativo por não ter apresentado objeções em tempo oportuno nesse processo, na medida em que essas regras não satisfaçam os critérios de justiça e equidade a que se refere o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus.

Conclusão

124.

À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) nos seguintes termos:

O artigo 4.o da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, e com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais nacionais que impeçam uma organização de defesa do ambiente que cumpra os requisitos previstos no direito nacional em matéria de constituição e de exercício da atividade de ter acesso a processos administrativos e judiciais, na aceção do artigo 9.o, n.o 3, desta convenção, a fim de impugnar os atos adotados pela autoridade competente num processo administrativo conduzido com base nas disposições de direito nacional que transpõem a referida diretiva.

Os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados a interpretar as disposições de direito processual nacional relativas ao estatuto de parte num processo administrativo de licenciamento conduzido com base na legislação nacional que transpõe a Diretiva 2000/60, como as que estão em causa no processo principal, tanto quanto possível, de forma compatível com os objetivos estabelecidos por esta diretiva (em especial, os seus artigos 4.o e 14.o, n.o 1), a fim de permitir que as organizações de defesa do ambiente invoquem essa disposição durante o processo administrativo perante a autoridade nacional.

Sempre que o direito de uma organização de defesa do ambiente, que cumpra os requisitos previstos no direito nacional em matéria de constituição e de exercício da atividade, de impugnar, perante uma autoridade administrativa ou um tribunal, atos adotados pelas autoridades nacionais competentes num processo administrativo com base no artigo 4.o da Diretiva 2000/60 dependa da participação prévia em tal processo, este artigo, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da convenção em questão e com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais nacionais que impeçam tal organização de defesa do ambiente de obter o estatuto de parte nesse processo.

O artigo 4.o da Diretiva 2000/60, lido em conjugação com o artigo 9.o, n.o 3, da convenção em questão e com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a regras processuais nacionais que imponham a uma organização de defesa do ambiente a perda do estatuto de parte num processo administrativo por não ter apresentado objeções em tempo oportuno nesse processo, na medida em que essas regras não satisfaçam os critérios de justiça e equidade a que se refere o artigo 9.o, n.o 4, desta convenção.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) A Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente foi assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998 e entrou em vigor em 30 de outubro de 2001. Todos os Estados‑Membros são partes contratantes dessa convenção. A convenção foi aprovada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (JO 2005, L 124, p. 1). Desde essa data, a União Europeia também é parte nesta convenção.

( 3 ) O projeto em causa no processo principal é conhecido por «projeto Aichelberglift».

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO 2000, 327, p. 1).

( 5 ) V. acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (a seguir «acórdão Brown Bears II»), EU:C:2016:838, em especial n.o 59.

( 6 ) Quinto considerando.

( 7 ) Sétimo considerando.

( 8 ) Décimo terceiro considerando.

( 9 ) Décimo oitavo considerando.

( 10 ) Entre as atividades constantes da lista figuram, por exemplo, as relacionadas com o setor energético, a produção e transformação de metais e a indústria mineral. Compreendem, em qualquer caso, as atividades que possam ter um impacto «significativo» no ambiente. De acordo com os autos presentes ao Tribunal de Justiça, o projeto Aichelberglift não está abrangido por esse anexo.

( 11 ) Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7) (a seguir «Diretiva Habitats»).

( 12 ) Artigo 2.o, n.o 1.

( 13 ) Artigo 3.o, n.o 1.

( 14 ) Artigo 6.o, n.os 1, 2 e 3, respetivamente.

( 15 ) Considerando 1.

( 16 ) Considerando 11.

( 17 ) Considerando 14.

( 18 ) Considerando 19.

( 19 ) Considerando 46.

( 20 ) Artigo 2.o, pontos 1 e 3, respetivamente.

( 21 ) Artigo 11.o, n.o 3, alínea c).

( 22 ) Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2012, L 26, p. 1) (a seguir «Diretiva AIA»).

( 23 ) Artigo 2.o, n.o 1.

( 24 ) Artigo 3.o

( 25 ) Artigos 6.o, 9.o e 11.o, respetivamente.

( 26 ) Artigo 4.o Decorre dos autos presentes ao Tribunal de Justiça que o projeto Aichelberglift não está abrangido pelo anexo I da Diretiva AIA.

( 27 ) V. uma explicação mais detalhada destas disposições, tal como resultam dos elementos apresentados ao Tribunal de Justiça, nos n.os 78, 110 e 119, infra.

( 28 ) O Governo austríaco explicou na audiência que essa decisão não foi contestada e, como tal, tornou‑se definitiva.

( 29 ) Segundo as explicações fornecidas pelo Governo austríaco na audiência, afigura‑se que cada projeto tem de ser analisado em vários processos administrativos, que culminam, cada um deles, numa decisão administrativa. Estes processos são regulados, em especial, pela legislação relativa à proteção da natureza e pela WRG 1959.

( 30 ) Se bem entendi, o § 42, n.o 1, da AVG prevê dois prazos diferentes para uma parte no processo apresentar objeções.

( 31 ) V. acórdão Brown Bears II, n.o 45.

( 32 ) V. acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (a seguir «acórdão Brown Bears I»), C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 30, em que o Tribunal de Justiça remete, designadamente, para os princípios desenvolvidos nos acórdãos de 30 de abril de 1974, Haegeman, 181/73, EU:C:1974:41, n.os 4 a 6, e de 30 de setembro de 1987, Demirel, 12/86, EU:C:1987:400, n.o 7.

( 33 ) V., entre outros, acórdãos de 18 de outubro de 2011, Boxus e o., C‑128/09 a C‑131/09, C‑134/09 e C‑135/09, EU:C:2011:667; de 15 de janeiro de 2013, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8; de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221; de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (a seguir «acórdão Trianel»), C‑115/09, EU:C:2011:289; e de 13 de fevereiro de 2014, Comissão/Reino Unido, C‑530/11, EU:C:2014:67.

( 34 ) V. n.os 34 a 43 do acórdão. A título de enquadramento adicional, v. também a análise da jurisprudência então existente nas minhas conclusões naquele processo (EU:C:2010:436), n.os 43 a 57.

( 35 ) O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), diz respeito aos projetos enumerados no anexo I (projetos que se considere a priori terem efeitos significativos no ambiente), ao passo que o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), diz respeito a projetos «que possam ter um impacto significativo no ambiente».

( 36 ) O artigo 9.o, n.o 1, da Convenção de Aarhus diz respeito a processos relativos ao acesso a informações relacionadas com o ambiente. Não é pertinente para o presente reenvio prejudicial.

( 37 ) Os projetos considerados a priori como tendo impactos significativos no ambiente enumerados neste anexo que se enquadram no domínio da água incluem: centrais térmicas e nucleares, estações de tratamento de águas residuais, vias de navegação interiores e portos de navegação interior, sistemas de captação de águas subterrâneas ou de recarga artificial dos lençóis freáticos envolvendo um volume anual de, pelo menos, 10 milhões de metros cúbicos de água, obras para transferência de recursos hídricos entre bacias hidrográficas e barragens e outras instalações concebidas para a retenção ou armazenamento permanente de, pelo menos, 10 milhões de metros cúbicos de água.

( 38 ) O anexo I da Diretiva AIA inclui projetos no domínio da água semelhantes aos abrangidos pelo anexo I da Convenção de Aarhus.

( 39 ) O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva AIA prevê uma obrigação semelhante em relação aos projetos abrangidos pelo anexo II dessa diretiva.

( 40 ) V. convenção de Aarhus: Guia de aplicação (a seguir «Guia de aplicação da Convenção de Aarhus»), 2.a edição, 2014, p. 132 (apenas disponível em chinês, inglês, francês e russo). O Tribunal de Justiça entendeu que o Guia de aplicação da Convenção de Aarhus podia ser considerado um documento explicativo, suscetível de ser tomado em consideração, se fosse o caso, juntamente com outros elementos relevantes para efeitos de interpretação da convenção (acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber, C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 35).

( 41 ) V. Guia de aplicação da Convenção de Aarhus, p. 133. V. também, por analogia, anexo III da Diretiva AIA, que enumera os critérios pertinentes para efetuar essa determinação.

( 42 ) Essa avaliação desencadeia a aplicação dos artigos 6.o e 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus: v. acórdão Brown Bears II, n.os 56 e 57. O despacho de reenvio limita‑se a referir que o pedido de licença da Aichelberglift foi inicialmente apreciado no âmbito de um procedimento baseado no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats: v. n.o 22, supra.

( 43 ) Se uma organização de defesa do ambiente não puder recorrer dessa avaliação, não ficará por ela vinculada e poderá impugnar os seus resultados no âmbito de um recurso interposto contra essa avaliação ou contra quaisquer decisões posteriores que concedam uma licença ao projeto em causa. V., por analogia, acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber, C‑570/13, EU:C:2015:231, n.os 44 e 51. Nessa situação, os efeitos do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus poderão, assim, ultrapassar o processo em que a sua aplicação é inicialmente desencadeada, não obstante o facto de a avaliação realizada durante esse processo ter concluído pela inexistência de um impacto significativo no ambiente na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea b).

( 44 ) Isto porque essa avaliação anterior estava sujeita à aplicação dos artigos 6.o e 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus. V. acórdão Brown Bears II, n.os 56 e 57.

( 45 ) Mais recentemente, do acórdão Brown Bears II.

( 46 ) V. acórdão de 1 de julho de 2015, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 43.

( 47 ) V., nesse sentido, acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland,C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 31 (o sublinhado é meu).

( 48 ) Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 50.

( 49 ) V. acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 70.

( 50 ) V. acórdão de 19 de janeiro de 1982, Becker, 8/81, EU:C:1982:7, n.o 25.

( 51 ) O Tribunal de Justiça considerou, no contexto do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva AIA, que o facto de o Estado‑Membro possuir uma certa margem de apreciação não exclui esse efeito direto. V. acórdão de 24 de outubro de 1996, Kraaijeveld e o., C‑72/95, EU:C:1996:404, n.o 59.

( 52 ) V., no contexto do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 1985, L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), lido em conjugação com os seus artigos 1.o, n.o 2, e 4.o, n.o 2, acórdão de 7 de janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, EU:C:2004:12, n.os 64 a 66. V., no contexto do artigo 9.o da Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125), acórdão de 7 de março de 1996, Associazione Italiana per il WWF e o., C‑118/94, EU:C:1996:86, n.o 19.

( 53 ) V. acórdão Brown Bears II, n.o 44.

( 54 ) V. acórdão de 17 de outubro de 1991, Comissão/Alemanha, C‑58/89, EU:C:1991:391, n.o 14. V. também, no mesmo sentido, acórdãos de 30 de maio de 1991, Comissão/Alemanha, C‑59/89, EU:C:1991:225, n.o 19; de 30 de maio de 1991, Comissão/Alemanha, C‑361/88, EU:C:1991:224, n.o 16; de 12 de dezembro de 1996, Comissão/Alemanha, C‑298/95, EU:C:1996:501, n.o 16; de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 66; de 25 de julho de 2008, Janecek, C‑237/07, EU:C:2008:447, n.o 37; e de 19 de novembro de 2014, ClientEarth, C‑404/13, EU:C:2014:2382, n.os 55 e 56.

( 55 ) V. acórdão Brown Bears II, n.o 44.

( 56 ) A advogada‑geral J. Kokott defendeu o mesmo entendimento nas suas conclusões no processo Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, EU:C:2004:60, n.o 141.

( 57 ) V. artigo 25.o da Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição) (JO 2010, L 334, p. 17) e artigo 11.o da Diretiva AIA.

( 58 ) V. Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337 e 96/61/CE [de 24 de setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição] do Conselho (JO 2003, L 156, p. 17).

( 59 ) O sublinhado é meu. Depreendo da explicação do órgão jurisdicional de reenvio que as restantes disposições do artigo 14.o relativas ao direito de ser informado e de apresentar observações não são pertinentes para o presente caso.

( 60 ) V. acórdão Brown Bears I, n.o 45; e acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 59.

( 61 ) V., nesse sentido, acórdão Brown Bears I, n.o 47; num contexto diferente, v. também acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o., C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 46.

( 62 ) JO 2010, C 83, p. 389 (a seguir «Carta»). Essa disposição estabelece a obrigação de assegurar a integração de um «elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente» nas políticas da União.

( 63 ) V. conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2014:2324, n.o 6. Como referi recentemente nas minhas conclusões no processo Comissão/Malta, C‑557/15, EU:C:2017:613 (acórdão pendente), estou plenamente de acordo com o advogado‑geral N. Jääskinen quanto à importância deste desenvolvimento.

( 64 ) Outros objetivos dessa diretiva foram discutidos nos n.os 53 e 54, supra.

( 65 ) V. Guia de aplicação da Convenção de Aarhus, p. 198.

( 66 ) C‑263/08, EU:C:2009:421, especialmente n.os 73 e 74.

( 67 ) Nessas conclusões, defendi que, no essencial, essas condições podem ser de dois tipos. Em primeiro lugar, poderão existir condições relativas ao cumprimento de normas nacionais em matéria de inscrição, constituição ou reconhecimento de associações, que têm como objetivo declarar juridicamente a existência destas entidades no direito interno. Em segundo lugar, poderão existir condições relativas à atividade das organizações e ao nexo que estas possam ter com a legítima defesa de interesses ambientais. São inadmissíveis condições cuja definição seja tão ambígua ou deficiente que acabe por gerar insegurança ou resultados discriminatórios. Por maioria de razão, deve excluir‑se qualquer limitação que tenha por objeto dificultar, e não facilitar, o acesso das organizações de defesa do ambiente aos processos administrativos e judiciais.

( 68 ) V., por analogia, acórdão de 26 de junho de 2001, BECTU, C‑173/99, EU:C:2001:356, n.o 53. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça sustentou que a expressão «de acordo com as condições […] previstas nas legislações […] nacionais» constante de uma diretiva que previa o direito dos trabalhadores a férias remuneradas devia ser entendida no sentido de que «[os Estados‑Membros] têm a possibilidade de definir, na respetiva legislação interna, as condições do exercício e da execução do direito a férias anuais remuneradas, indicando as circunstâncias concretas em que os trabalhadores podem fazer uso do referido direito, de que beneficiam por força da integralidade dos períodos de trabalho cumpridos, sem, no entanto, sujeitar a qualquer condição a própria constituição do direito».

( 69 ) V. conclusões que apresentei no processo C‑115/09, Trianel, EU:C:2010:773, n.o 77.

( 70 ) V., por analogia, raciocínio do Tribunal de Justiça em processos em que examinou a exclusão da legitimidade processual dos vizinhos do local do projeto (acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber, C‑570/13, EU:C:2015:231) e das organizações de defesa do ambiente reconhecidas com menos de 2000 membros (acórdão de 15 de outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening, C‑263/08, EU:C:2009:631). Nesse último processo, importa salientar que, à data dos factos, apenas duas organizações de defesa do ambiente na Suécia possuíam esse número de membros, pelo que a regra tinha o efeito de excluir praticamente todas as organizações do acesso aos tribunais.

( 71 ) V. acórdão de 12 de maio de 2011, Trianel, C‑115/09, EU:C:2011:289, n.o 46.

( 72 ) Sobre esta questão, v. Stone, D., Should trees have standing?, Oxford University Press, Oxford, 2010.

( 73 ) Se bem compreendi as alegações do Governo austríaco, ainda que uma organização de defesa do ambiente comprasse um lote de terreno junto ao local do projeto, tal organização só poderia alegar uma violação das disposições relacionadas com a proteção dos seus direitos substantivos enquanto proprietária do terreno.

( 74 ) C‑263/08, EU:C:2009:421, n.os 59 a 65.

( 75 ) O Guia de aplicação da Convenção de Aarhus refere que a convenção pretende conferir um elevado grau de flexibilidade na definição das organizações de defesa do ambiente com acesso à justiça. Acrescenta que as partes não estão obrigadas a instituir um sistema de ação popular (actio popularis) no seu direito nacional, cujo efeito seria o de habilitar qualquer pessoa a impugnar uma decisão, ato ou omissão relacionado com o ambiente (v. p. 198).

( 76 ) V. acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 40.

( 77 ) V. conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Brown Bears II, EU:C:2016:491, n.o 48.

( 78 ) V. acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 28 de novembro de 2013, Österreichische Vereinigung zur Erhaltung, Stärkung und Schaffung c. Áustria, CE:ECHR:2013:1128JUD003953407, § 34.

( 79 ) V. n.o 74, supra.

( 80 ) V., para o efeito, acórdão de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.os 30 a 37, bem como as minhas conclusões nesse processo, EU:C:2013:747, n.os 44 a 46.

( 81 ) V. acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Abdida, C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 45; de 6 de outubro de 2015, Schrems, C‑362/14, EU:C:2015:650, n.o 95; e de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 73.

( 82 ) V., nesse sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 17. V. também acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 49.

( 83 ) V., por analogia, acórdão Brown Bears II, n.o 52; e acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne, C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 33.

( 84 ) V., a contrario, acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.os 59 a 60; v. também acórdãos de 23 de outubro de 2014, Olainfarm, C‑104/13, EU:C:2014:2316, n.os 34 a 40; e de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 34 a 41.

( 85 ) V. acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.os 72 e 73.

( 86 ) V. jurisprudência referida nas presentes conclusões. V. também, entre outros, acórdão de 22 de setembro de 1988, Land de Sarre e o., 187/87, EU:C:1988:439, n.os 14 a 20. Esse processo tinha por objeto a interpretação do artigo 37.o do Tratado Euratom e respeitava à questão de saber se um projeto de descarga de efluentes radioativos, fosse qual fosse a sua forma, «[era] suscetível de implicar a contaminação radioativa das águas, do solo ou do espaço aéreo de outro Estado‑Membro». Perante a necessidade de escolher entre uma interpretação literal restritiva desta disposição e uma interpretação mais teleológica e ampla, tanto o Tribunal de Justiça como o advogado‑geral (Sir Gordon Slynn, v. conclusões que apresentou nesse processo, EU:C:1988:291) optaram pela última.

( 87 ) V. n.o 48, supra.

( 88 ) V. acórdão de 15 de outubro de 2009, Djurgården‑Lilla Värtans Miljöskyddsförening, C‑263/08, EU:C:2009:631, n.o 38.

( 89 ) V., por exemplo, artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003, L 41, p. 26); artigo 13.o da Diretiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais (JO 2004, L 143, p. 56); artigo 25.o da Diretiva 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição) (JO 2010, L 334, p. 17); artigo 11.o da Diretiva AIA; e artigo 23.o da Diretiva 2012/18/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativa ao controlo dos perigos associados a acidentes graves que envolvem substâncias perigosas, que altera e subsequentemente revoga a Diretiva 96/82/CE do Conselho (JO 2012, L 197, p. 1).

( 90 ) O sublinhado é meu.

( 91 ) V., por analogia, acórdãos de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 32, e de 4 de maio de 2016, Comissão/Áustria, C‑346/14, EU:C:2016:322, n.o 53.

( 92 ) V. acórdão Brown Bears II, n.os 69 e 70.

( 93 ) V., por exemplo, no contexto dos auxílios de Estado, acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 51; no contexto da fixação das licenças no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, acórdão de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, EU:C:2012:179, n.o 86; no contexto dos processos de reenvio prejudicial, acórdão de 20 de outubro de 2011, Interedil, C‑396/09, EU:C:2011:671, n.o 20; e no contexto dos processos em matéria de concorrência, acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Alrosa, C‑441/07 P, EU:C:2010:377, n.o 35.

( 94 ) V. n.os 55 a 58, supra.

( 95 ) V., por analogia, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Brown Bears II, EU:C:2016:491, n.o 51.

( 96 ) V. acórdão Brown Bears I, n.o 50.

( 97 ) V., por analogia, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:253, n.o 70.

( 98 ) V. n.o 78, supra.

( 99 ) Recordo que, nos termos do § 42 da AVG, se entende por «tempo oportuno» o mais tardar no dia anterior à audiência realizada no decurso do processo administrativo ou durante a própria audiência; v. n.o 19, supra.

( 100 ) V. n.o 78, supra.

( 101 ) A segunda questão submetida já tem por objeto a situação em que uma organização de defesa do ambiente não pode obter o estatuto de parte num processo administrativo.

( 102 ) Das explicações do órgão jurisdicional de reenvio parece resultar que a Bezirkshauptmannschaft Gmünd (autoridade municipal de Gmünd) considerou que a Protect não gozava do estatuto de parte, enquanto o Landesverwaltungsgericht Niederösterreich (Tribunal Administrativo Regional da Baixa Áustria) entendeu que a Protect tinha perdido esse estatuto por força do § 42 da AVG. V. n.os 24 e 25, supra.

( 103 ) V. acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 74, em que o Tribunal de Justiça conclui que o artigo 47.o da Carta implica que o direito a um recurso jurisdicional efetivo não deve ser comprometido por uma condição prévia à propositura de uma ação judicial.

( 104 ) V. acórdão de 17 de novembro de 2016, Stadt Wiener Neustadt, C‑348/15, EU:C:2016:882, n.o 41, e jurisprudência referida.

( 105 ) O Guia de aplicação da Convenção de Aarhus confirma esta conclusão; v. p. 202.

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