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Document 62015CC0640

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 27 de outubro de 2016.
Tomas Vilkas.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (Irlanda).
Reenvio prejudicial — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu — Artigo 23.° — Prazo de entrega da pessoa procurada — Possibilidade de acordar uma nova data de entrega mais do que uma vez — Resistência da pessoa procurada à sua entrega — Força maior.
Processo C-640/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:826

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 27 de outubro de 2016 ( 1 )

Processo C‑640/15

Minister for Justice and Equality

contra

Tomas Vilkas

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda)]

«Mandado de detenção europeu — Prazo de entrega da pessoa procurada — Entrega impossível em virtude de caso de força maior num dos Estados‑Membros — Força maior — Comportamento pessoal — Possibilidade de acordar uma nova data de entrega mais do que uma vez — Condições — Artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Caso de força maior novo, recorrente ou persistente num dos Estados‑Membros»

1. 

Em «Fuga à Meia‑Noite», um filme de 1988, Robert De Niro desempenha o papel de um caçador de recompensas que é incumbido de trazer de volta para Los Angeles um ex‑contabilista da Máfia que tinha violado as condições da sua liberdade provisória mediante caução. Depois de o apreender em Nova Iorque, embarcam ambos num voo comercial. Porém, antes da descolagem, o contabilista começa a mostrar‑se agitado e violento. O piloto convida‑os a abandonar o avião, pelo que são forçados a encetar uma longa viagem de uma ponta à outra do país, até Los Angeles. Curiosamente, o cartaz do filme promete que «isto poderá ser o início de uma bela amizade» ( 2 ).

2. 

Relativamente a T. Vilkas, o recorrido no presente processo, a analogia cinematográfica (se é que justificada) parece ter terminado na primeira etapa: a expulsão de um voo comercial por exibição de um comportamento violento durante o processo de entrega de um Estado‑Membro a outro. Por outro lado, essa cena parece ter sido filmada duas vezes.

3. 

As autoridades lituanas emitiram dois mandados de detenção europeus (MDE) contra o recorrido. A autoridade judiciária de execução na Irlanda concordou com a entrega, que deveria ocorrer num voo comercial. Na data acordada, porém, o recorrido começou a mostrar‑se agitado e agressivo, e recusou‑se a embarcar. O piloto recusou‑se a permitir a sua presença a bordo. Duas semanas depois, foi efetuada uma segunda tentativa de entrega, que também falhou devido a uma cadeia de acontecimentos muito semelhante. A entrega foi novamente tornada impossível pelo comportamento agressivo de T. Vilkas.

4. 

Neste cenário, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), o órgão jurisdicional de reenvio, pede orientações sobre a interpretação do artigo 23.o da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros ( 3 ). O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 23.o da decisão‑quadro permite que seja acordada uma data de entrega da pessoa procurada mais do que uma vez e, em caso afirmativo, em que circunstâncias. O Tribunal de Justiça é, deste modo, convidado a analisar se o artigo 23.o, n.o 3, pode ser aplicado várias vezes e que situações podem ser qualificadas de «caso de força maior» num ou noutro dos Estados‑Membros nos termos dessa disposição.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

5.

O artigo 23.o da decisão‑quadro, com a epígrafe «Prazo para a entrega da pessoa», tem a seguinte redação:

«1.   A pessoa procurada deve ser entregue o mais rapidamente possível, numa data acordada entre as autoridades interessadas.

2.   A entrega deve efetuar‑se no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu.

3.   Se a entrega da pessoa procurada no prazo previsto no n.o 2, for impossível em virtude de caso de força maior num dos Estados‑Membros, a autoridade judiciária de execução e a autoridade judiciária de emissão estabelecem imediatamente contacto recíproco e acordam uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

4.   A entrega pode ser temporariamente suspensa por motivos humanitários graves, por exemplo, se existirem motivos válidos para considerar que a entrega colocaria manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada. A execução do mandado de detenção europeu deve ser efetuada logo que tais motivos deixarem de existir. A autoridade judiciária de execução informa imediatamente do facto a autoridade judiciária de emissão e acorda com ela uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

5.   Se, findos os prazos referidos nos n.os 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser posta em liberdade.»

B – Direito irlandês

6.

Os prazos de entrega encontram‑se regulados nas sections 16(3) a 16(5A) do European Arrest Warrant Act 2003 (Lei relativa ao mandado de detenção europeu, de 2003), que, segundo a jurisdição requerente, transpõe o artigo 23.o da decisão‑quadro. As disposições pertinentes têm a seguinte redação:

«Section 16

[…]

(3)   Sem prejuízo do disposto na section 18, o despacho proferido ao abrigo da subsection (1) ou (2) produzirá efeitos depois de decorridos 15 dias contados a partir da data da respetiva emissão ou em data anterior fixada pela High Court a pedido da autoridade central do Estado e com o consentimento da pessoa à qual o despacho se aplica.

(3A)   Sem prejuízo do disposto nas subsections (5) e (6), uma pessoa à qual se aplica um despacho em vigor nos termos da subsection (1) ou (2) será entregue ao Estado de emissão em causa no prazo máximo de 10 dias depois de o despacho proferido produzir efeitos em conformidade com o disposto na subsection (3).

(4)   Nos casos em que a High Court proferir um despacho ao abrigo da subsection (1) ou (2), deverá, salvo se determinar a suspensão da entrega nos termos da section 18:

[…]

(b)

ordenar a detenção dessa pessoa num estabelecimento prisional […] por um período não superior a 25 dias, até à execução do despacho; e

(c)

ordenar que essa pessoa seja novamente presente à High Court:

(i)

se não for entregue antes do termo do prazo fixado para a entrega nos termos da subsection (3A), o mais rapidamente possível após o termo desse prazo; ou

(ii)

se a autoridade central do Estado considerar que, devido a um caso de força maior no Estado ou no Estado de emissão em causa, a entrega não ocorrerá no termo do prazo referido na subalínea i), antes do termo desse prazo.

(5)   Nos casos em que a pessoa for presente à High Court nos termos da subsection (4)(c), a High Court deverá:

(a)

se considerar provado que em virtude de caso de força maior no Estado ou no Estado de emissão em causa a pessoa não foi entregue no prazo fixado para a entrega nos termos da subsection (3A) ou, se for o caso, não será entregue nessa data,

(i)

com o consentimento da autoridade judiciária de emissão, fixar uma nova data para a entrega, e

(ii)

ordenar a detenção dessa pessoa num estabelecimento prisional […] por um período não superior a 10 dias a contar da data fixada nos termos da subalínea i), até à sua entrega,

e

(b)

em todas as outras situações, ordenar a libertação dessa pessoa.

(5A)   Uma pessoa que é objeto de um despacho em vigor nos termos da subsection (5)(a):

(a)

será entregue ao Estado de emissão em causa no prazo máximo de 10 dias a contar da data em que o despacho produzir efeitos; ou

(b)

se não tiver ocorrido a entrega nos termos da alínea a), será libertada.

[…]»

II – Matéria de facto, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

7.

Em 9 de julho de 2015, a High Court (Tribunal Superior, Irlanda), atuando na qualidade de autoridade judiciária de execução, emitiu duas ordens de entrega de T. Vilkas (recorrido) à República da Lituânia. Essas ordens foram adotadas em execução de dois mandados de detenção europeus emitidos por um órgão jurisdicional lituano (a autoridade judiciária de emissão). De acordo com o disposto na legislação processual nacional, as ordens produziram efeitos em 24 de julho de 2015.

8.

A section 16(3A) do European Arrest Warrant Act 2003 dispõe que a Irish Central Authority (Autoridade Central Irlandesa) [o Minister for Justice and Equality (Ministro da Justiça e da Igualdade); no presente caso, o «recorrente»] deve entregar o recorrido ao Estado de emissão «no prazo máximo de 10 dias» contados a partir da data em que as ordens produzem efeitos. No presente caso, a data‑limite era 3 de agosto de 2015. Foi acordado com as autoridades lituanas que a entrega ocorreria no dia 31 de julho de 2015 num voo comercial. Porém, nessa data, o recorrido recusou‑se a embarcar no avião, tendo demonstrado uma agitação e uma agressividade tais que o piloto se recusou a deixá‑lo seguir viagem.

9.

Foram tomadas novas providências para a entrega do recorrido. A High Court (Tribunal Superior) fixou a data de 6 de agosto de 2015 e ordenou a sua detenção [entenda‑se, aqui e ora adiante, no sentido de privação de liberdade]. Em 13 de agosto de 2015, foi realizada uma segunda tentativa de entrega, mais uma vez num voo comercial. O comportamento do recorrido frustrou novamente a sua entrega.

10.

O recorrente contactou imediatamente as autoridades lituanas para acordarem uma nova data de entrega. Desta vez, dado o comportamento anteriormente exibido pelo recorrido, foi proposto que este fosse transportado por via marítima para a Europa continental, a partir do qual seguiria, por via terrestre, para a Lituânia. Uma vez que as providências para este tipo de transporte eram mais complicadas, foi decidido que a nova data de entrega seria 15 de setembro de 2015, sujeita à aprovação da High Court (Tribunal Superior).

11.

Em 14 de agosto de 2015, a High Court (Tribunal Superior) concluiu, com base na sua interpretação das sections 16(3) a 16(5A) da Lei relativa ao mandado de detenção europeu, de 2003, que não tinha competência para conhecer do pedido de fixação de uma nova data de entrega. O pedido foi indeferido e o recorrido foi colocado em liberdade. A Autoridade Central Irlandesa recorreu desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso). O órgão jurisdicional de reenvio considera que é necessária a assistência do Tribunal de Justiça para clarificar as sections 16(3) a 16(5A) da Lei relativa ao mandado de detenção europeu, de 2003, uma vez que estas disposições transpõem o artigo 23.o da decisão‑quadro.

12.

Nessas circunstâncias, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso) suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões ao Tribunal de Justiça:

«(1)

O artigo 23.o da Decisão‑Quadro contempla ou/e permite que uma nova data de entrega seja acordada mais do que uma vez?

(2)

Em caso de resposta afirmativa, tal possibilidade é admissível em algum dos seguintes casos, ou em todos eles: designadamente, quando se saiba antecipadamente que será impossível proceder à entrega da pessoa procurada no prazo estabelecido no n.o 2 devido a um caso de força maior ocorrido num dos Estados‑Membros, o que dá origem ao agendamento de uma nova data de entrega e:

(i)

quando se verifique que esse caso de força maior persiste; ou

(ii)

quando se verifique que esse caso de força maior, que tinha cessado, voltou a ocorrer; ou

(iii)

quando se verifique que, tendo cessado esse caso de força maior, surgiram outros casos de força maior, os quais tornaram impossível, ou são suscetíveis de tornar impossível, a entrega da pessoa procurada no prazo previsto relativamente à nova data de entrega?»

13.

Por despacho de 24 de novembro de 2015, o órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que submetesse o presente processo a tramitação acelerada, nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Por despacho de 23 de dezembro de 2015, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido ( 4 ).

14.

Foram apresentadas observações escritas por T. Vilkas, pelos Governos irlandês, francês, lituano, austríaco, polaco e do Reino Unido e pela Comissão. T. Vilkas, os Governos irlandês, lituano e do Reino Unido assim como a Comissão apresentaram observações orais na audiência de 20 de julho de 2016.

III – Análise

15.

Com a sua primeira questão, a Court of Appeal (Tribunal de Recurso) pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 23.o da decisão‑quadro permite que seja acordada uma nova data de entrega mais do que uma vez. A segunda questão incide sobre a interpretação do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro, mais concretamente da expressão «caso de força maior num dos Estados‑Membros».

A – Primeira questão: fixação de uma nova data de entrega mais do que uma vez

16.

O órgão jurisdicional de reenvio formulou a primeira questão em termos gerais em relação ao artigo 23.o da decisão‑quadro. Dois números desse artigo (os n.os 3 e 4) permitem que, em determinadas circunstâncias, seja acordada uma nova data de entrega findo o prazo de 10 dias a contar da decisão definitiva de execução do MDE ao abrigo do artigo 23.o, n.o 2. O artigo 23.o, n.o 3, prevê a possibilidade de acordar uma nova data de entrega quando tenha sido impossível efetuar a entrega dentro do prazo estabelecido no artigo 23.o, n.o 2, em virtude de caso de força maior num dos Estados‑Membros. Essa disposição é pertinente para o presente caso.

17.

Na primeira parte das presentes conclusões, analisarei o artigo 23.o, n.o 3, de uma perspetiva textual, sistemática e teleológica. Uma vez que a interpretação dessa disposição tem um impacto direto sobre a possibilidade de prolongar a detenção da pessoa procurada, examinarei depois a compatibilidade da abordagem proposta com o direito fundamental à liberdade, tal como consagrado no artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

1. Interpretação textual do artigo 23.o, n.o 3

18.

Segundo o recorrido, o texto do artigo 23.o proíbe claramente a fixação de uma nova data de entrega mais do que uma vez. A Comissão e todos os Estados‑Membros que apresentaram observações perfilham um entendimento diferente.

19.

Em primeiro lugar, importa salientar que o texto do artigo 23.o da decisão‑quadro não limita, de forma alguma, o número de tentativas de entrega. Tanto o corpo como a epígrafe dessa disposição fazem unicamente referência a prazos para a entrega efetiva.

20.

Assim, tendo em conta o mero texto dessa disposição, a conclusão lógica é a de que nada no artigo 23.o impede que seja efetuada mais do que uma tentativa de entrega dentro dos prazos máximos estabelecidos nos n.os 2 a 4, desde que tal seja possível na prática.

21.

Em segundo lugar, contrariamente ao que defende o recorrido, a referência no artigo 23.o, n.o 3, ao «prazo previsto no n.o 2» não afasta categoricamente a possibilidade de acordar uma nova data de entrega mais do que uma vez.

22.

O recorrido alega que a expressão «prazo previsto no n.o 2» se refere ao prazo fixo que se começa a contar a partir da data de decisão definitiva de execução do MDE. Consequentemente, o artigo 23.o, n.o 3, só permitiria a fixação de uma nova data de entrega.

23.

Não subscrevo este entendimento. Como observaram a Comissão e o Governo polaco, a referência no artigo 23.o, n.o 3, ao «prazo previsto no n.o 2», longe de ser inequívoca, pode ser objeto de diferentes interpretações.

24.

A Comissão alegou que a expressão «prazo previsto no n.o 2» pode ser interpretada no sentido de se referir à duração desse prazo, ou seja, 10 dias. De acordo com essa interpretação (perfilhada também pelo Governo irlandês), após a primeira ocorrência do «caso de força maior num dos Estados‑Membros», começaria a correr um novo prazo de 10 dias a contar da nova data de entrega acordada. Se ocorresse um novo «caso de força maior […]» dentro desse prazo de 10 dias, seria possível acordar uma nova data de entrega.

25.

Pode ser concebida uma outra interpretação: o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro prevê uma exceção nos casos em que não seja possível efetuar a entrega no prazo estabelecido no n.o 2. Isto significa que a nova data de entrega fixada na sequência de uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, também cumpriria a condição de a entrega se ter tornado impossível dentro do prazo inicial «previsto no n.o 2».

26.

No meu entender, a referência no artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro ao «prazo previsto no n.o 2» deve ser interpretada em conformidade com a abordagem geral do artigo 23.o Como já indiquei, essa disposição regula prazos, não o número de tentativas de entrega.

27.

Em qualquer caso, as interpretações alternativas propostas pelo recorrido e pela Comissão mostram que, embora o texto do artigo 23.o, n.o 3, sugira vivamente que a referência ao «período previsto no n.o 2» diz respeito a prazos e não ao número de tentativas, esse texto não é conclusivo, pelo que é necessário analisar o contexto e a finalidade dessa disposição.

2. Interpretação sistemática e teleológica

28.

O artigo 23.o, n.o 3, constitui uma exceção, cuja finalidade consiste em regular situações específicas e pouco frequentes em que a entrega dentro do prazo «normal» estabelecido no n.o 2 se tenha tornado impossível em virtude de um «caso de força maior num dos Estados‑Membros». Permite assim uma derrogação de prazos muito curtos num conjunto muito limitado de circunstâncias que, como qualquer outra exceção, deve ser interpretada de forma estrita.

29.

Consequentemente, o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro atua como uma salvaguarda, reconhecendo a complexidade dos processos de entrega, que envolvem, por definição, processos complicados de viagens internacionais. Os tratados de extradição contêm tradicionalmente exceções semelhantes ou equivalentes ( 5 ). O artigo 23.o, n.o 3, pretende, assim, evitar que um MDE, cuja execução já foi autorizada pela autoridade judiciária de execução, seja comprometido em virtude de acontecimentos excecionais ou fortuitos, alheios à normal tramitação do processo. Em última análise, essa disposição visa evitar a ocorrência de situações de impunidade «por acaso» ( 6 ).

30.

Consequentemente, tal como o Governo lituano, considero que a própria natureza excecional das circunstâncias que determinam a aplicação do artigo 23.o, n.o 3, é um argumento contra uma limitação prévia do número de acordos autorizados sobre uma nova data de entrega. A imposição de tal limitação acarretaria o risco de produzir resultados absurdos. Eis um exemplo extremo: após uma tentativa de entrega falhada devido a uma erupção vulcânica e à subsequente interdição do espaço aéreo, o acordo sobre uma segunda tentativa poderia frustrar‑se em virtude de um terramoto.

31.

Além disso, ainda ao nível sistemático, importa salientar que o artigo 23.o surge no final do capítulo 2 da decisão‑quadro, que regula um processo de entrega bastante complexo. É aplicável depois de a autoridade judiciária de execução ter tomado todas as outras medidas necessárias, incluindo a decisão de execução do MDE nos termos do artigo 15.o Em caso de recorrência de um «caso de força maior […]», uma interpretação que obstasse à fixação de uma nova data de entrega mais do que uma vez ao abrigo do artigo 23.o, n.o 3, impediria que o processo fosse levado a bom termo.

32.

A Comissão e os Estados‑Membros que apresentaram observações também invocaram vivamente os objetivos gerais da decisão‑quadro. A jurisprudência do Tribunal de Justiça salienta que este instrumento visa facilitar e acelerar a cooperação judiciária através da instituição de um novo sistema simplificado e mais eficaz, com vista a contribuir para realizar o objetivo mais geral, atribuído à União, de se «tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros» ( 7 ). O objetivo de acelerar a cooperação judiciária é particularmente visível na determinação dos prazos de adoção das decisões relativas a um MDE ( 8 ), bem como nos prazos de entrega efetiva.

33.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sendo possíveis várias interpretações diferentes, deve ser dada preferência àquela que é suscetível de salvaguardar o efeito útil da disposição e do instrumento jurídico em causa ( 9 ). Uma interpretação do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro que permita a fixação de uma nova data de entrega mais do que uma vez, caso estejam preenchidas as condições dessa disposição, contribui inquestionavelmente para a realização dos objetivos dessa decisão‑quadro de facilitar e acelerar a cooperação judiciária.

3. Conclusão provisória

34.

Por estes motivos, entendo que o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de permitir que seja acordada mais do que uma vez uma nova data de entrega.

35.

É evidente que esta interpretação afeta a possibilidade de manter a pessoa procurada em detenção. A contínua aplicação do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro impede que seja aplicado o artigo 23.o, n.o 5, que obriga à libertação da pessoa procurada, caso esteja detida num estabelecimento prisional. Acresce que, tal como afirmou com razão a Comissão na audiência e ao contrário do que defendem os Governos francês e lituano, a obrigação de libertação da pessoa procurada imposta pelo artigo 23.o, n.o 5, implica uma libertação genuína e incondicional, e não uma «libertação provisória» como previsto no artigo 12.o da decisão‑quadro. Consequentemente, sendo aplicável o artigo 23.o, n.o 5, o MDE, por si só, não justifica a manutenção da obrigação de tomar todas as medidas necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada, estabelecida no artigo 12.o

36.

A nível geral, concordo com o recorrido quanto à necessidade de interpretar as disposições da decisão‑quadro à luz do direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta ( 10 ). Como previsto no artigo 1.o, n.o 3, da decisão‑quadro e confirmado pelo Tribunal de Justiça, esse instrumento não pode ter por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais previstos na Carta ( 11 ).

37.

No entanto, subscrevo o entendimento dos Governos irlandês e do Reino Unido segundo o qual o facto de o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro ser interpretado no sentido de permitir que seja acordada uma nova data de entrega mais do que uma vez não implica per se um resultado incompatível com o artigo 6.o da Carta. A razão é simples: o artigo 23.o, n.o 3, não impõe nem regula a detenção ( 12 ). A decisão‑quadro absteve‑se deliberadamente de interferir no poder dos Estados‑Membros de regular a detenção antes da entrega. A entrega não depende da detenção da pessoa procurada. Este entendimento é confirmado pelo artigo 12.o da decisão‑quadro, que estabelece que, quando uma pessoa for detida com base num MDE, a autoridade judiciária de execução decide se a deve manter em detenção. Além disso, ainda que, durante o processo de entrega, a autoridade judiciária de execução esteja obrigada a tomar as medidas necessárias para garantir que as condições materiais da entrega efetiva continuem reunidas ( 13 ), a decisão‑quadro não impõe a detenção nem regula a sua duração ou as suas condições, que permanecem sujeitas ao direito nacional ( 14 ).

4. Limites

38.

Porém, o facto de a decisão‑quadro não regular, ela mesma, a detenção não significa que uma potencial nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, não esteja sujeita a limites. Muito pelo contrário: quando aplicam o artigo 23.o, n.o 3, os Estados‑Membros têm de respeitar dois tipos de limites: primeiro, os limites internos estabelecidos pela decisão‑quadro; segundo, os limites externos à decisão‑quadro, que decorrem do direito fundamental à liberdade e segurança consagrado no artigo 6.o da Carta.

a) Limites estabelecidos pela decisão‑quadro

39.

A decisão‑quadro impõe, ela própria, uma série de limites.

40.

Em primeiro lugar, tal como defendo na resposta à segunda questão prejudicial, só é admissível uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, em casos de força maior num dos Estados‑Membros, devendo este conceito ser interpretado de forma estrita.

41.

Em segundo lugar, os Estados‑Membros permanecem sujeitos, a todo o tempo, à obrigação de entregar a pessoa procurada o mais rapidamente possível, conforme previsto no artigo 23.o, n.o 1.

42.

Em terceiro lugar, a possibilidade de aplicar novamente o artigo 23.o, n.o 3, continua a estar condicionada por prazos bastante curtos. A autoridade judiciária de execução está obrigada a entrar imediatamente em contacto com a autoridade judiciária de emissão para acordar uma nova data de entrega, a partir da qual começa novamente a correr o prazo de 10 dias.

43.

Por último, e mais importante ainda, o incumprimento dos prazos previstos quer no artigo 23.o, n.o 2, quer no artigo 23.o, n.o 3, desencadeará imediatamente a aplicação do artigo 23.o, n.o 5, que impõe a libertação da pessoa procurada.

44.

Consequentemente, ao estabelecer prazos curtos com vista a acelerar a cooperação judiciária, o artigo 23.o, n.o 3, incorpora um dever de diligência. Este dever promove o respeito pelo artigo 6.o da Carta, interpretado em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»). Como foi já referido na proposta da Comissão, os prazos não visam apenas a aceleração dos processos no interesse da eficácia da cooperação judiciária e do reconhecimento mútuo, estando igualmente associados ao direito de os particulares beneficiarem de uma decisão judicial num prazo razoável ( 15 ). Tal como afirmou o Governo polaco, o artigo 23.o visa igualmente impedir que a pessoa procurada fique detida por um período excessivamente longo devido a atrasos no processo de entrega.

b) Limites decorrentes das obrigações em matéria de direitos fundamentais

45.

Quando tomam uma decisão sobre detenção em cumprimento das obrigações emergentes da decisão‑quadro, os Estados‑Membros estão a atuar no âmbito de aplicação do direito da União. Por conseguinte, estão sujeitos à Carta, nos termos do seu artigo 51.o, n.o 1.

46.

Os Estados‑Membros estão obrigados, em especial, a respeitar o direito à liberdade e à segurança estabelecido no artigo 6.o Nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, na medida em que este instrumento contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos deverão ser iguais aos conferidos por essa Convenção ( 16 ). As anotações relativas à Carta referem que o artigo 6.o da Carta corresponde ao artigo 5.o da CEDH ( 17 ). Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, da CEDH, ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos específicos enumerados nessa disposição e de acordo com o procedimento legal.

47.

Não obstante as diferenças em relação aos tradicionais sistemas de extradição ( 18 ), que a decisão‑quadro visa ultrapassar ( 19 ), é aceite que o nível de proteção aplicável à detenção antes da entrega ao abrigo do MDE é o que está previsto no artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH ( 20 ). Essa disposição menciona a «prisão ou detenção legal de uma pessoa […] contra a qual está em curso um processo de […] extradição».

48.

A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») sobre o artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH descreve os requisitos essenciais da detenção antes da entrega ao abrigo do artigo 23.o da decisão‑quadro. Em primeiro lugar, a detenção só será justificada se o processo for conduzido com a «diligência exigida». Em segundo lugar, a detenção deve ser «legal», respeitando, designadamente, os requisitos relativos à «qualidade da lei». Em terceiro lugar, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, as restrições aos direitos fundamentais (como a privação da liberdade) devem observar o princípio da proporcionalidade. Analisarei agora sucessivamente estes três limites.

49.

O primeiro limite afeta sobretudo a duração total da detenção antes da entrega. Se o processo não for conduzido com a diligência exigida, a detenção deixa de ser justificada ( 21 ). A autoridade judiciária de execução só poderá decidir manter a pessoa em causa em detenção se o processo de entrega for «realizado de modo suficientemente diligente e, portanto, se a duração da detenção não for excessiva» ( 22 ). Como referido no n.o 44 das presentes conclusões, os prazos impostos pelo artigo 23.o da decisão‑quadro estão associados ao dever de atuar com a diligência exigida.

50.

De acordo com o segundo limite, qualquer privação da liberdade ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, alínea f), da CEDH tem de ser «legal». Consequentemente, a detenção deve estar em conformidade com «o procedimento legal», tal como previsto no artigo 5.o, n.o 1, da CEDH ( 23 ). Deve cumprir as disposições substantivas e processuais do direito nacional e contribuir para o objetivo de proteger as pessoas de atos arbitrários ( 24 ). O princípio da segurança jurídica é fundamental na apreciação da «legalidade» da detenção. Por conseguinte, o requisito da «legalidade» também está relacionado com a «qualidade da lei»: é essencial que as condições de privação da liberdade estabelecidas no direito interno estejam claramente definidas e que a própria lei seja previsível em termos da sua aplicação ( 25 ).

51.

Neste cenário, o artigo 23.o, n.o 3, cria um quadro jurídico para justificar a manutenção da detenção antes da entrega. Porém, essa disposição não define as condições específicas da privação da liberdade.

52.

De acordo com os argumentos aduzidos pela advogada‑geral E. Sharpston no processo N., na análise destinada a determinar se as restrições ao direito à liberdade respeitam os requisitos da «legalidade» e da «qualidade da lei», importa ter em conta não apenas as disposições de direito da União em causa, mas também o direito nacional ( 26 ) . Com efeito, na sua apreciação do requisito da «legalidade», o TEDH admitiu a possibilidade de invocar instrumentos de cooperação internacional como base jurídica da detenção com vista à extradição. Porém, no que respeita aos critérios de «qualidade da lei» (a necessidade de acessibilidade, rigor e previsibilidade), o TEDH considerou que, em virtude da inexistência de uma regulamentação exaustiva do procedimento a seguir nesses instrumentos, era necessário examinar o direito interno ( 27 ).

53.

Daqui decorre uma consequência muito concreta para uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro. O requisito da «qualidade da lei» significa que só é possível manter legalmente em vigor uma medida de detenção com base na recorrência de um «caso de força maior num dos Estados‑Membros» se a combinação entre as disposições da decisão‑quadro e as disposições nacionais de transposição cumprir os requisitos da acessibilidade, precisão e previsibilidade.

54.

Quanto ao terceiro limite, importa não esquecer que a autoridade judiciária de execução também deve respeitar o requisito da proporcionalidade. Como declarou o Tribunal de Justiça, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta dispõe que um MDE não pode justificar a manutenção da detenção da pessoa em causa sem nenhum limite temporal ( 28 ). Consequentemente, quando adota a decisão de manter a detenção para efeitos da aplicação do artigo 23.o, n.o 3, à semelhança do que afirmou o Tribunal de Justiça no acórdão Lanigan, a autoridade judiciária de execução deve efetuar um controlo concreto da situação em causa, tomando em consideração todos os elementos pertinentes para avaliar a justificação da duração da detenção, designadamente a pena provável ou efetivamente aplicada devido aos factos que justificaram a emissão MDE, o risco de fuga, os atos das autoridades competentes e, se for caso disso, «a contribuição da pessoa procurada para essa duração» ( 29 ) .

55.

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se as disposições nacionais sobre detenção antes da entrega, lidas em conjugação com o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro, bem como a sua aplicação no presente caso, cumprem esses três requisitos.

5. Resposta à primeira questão

56.

No meu entender, o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de permitir que seja acordada uma nova data de entrega mais do que uma vez. No caso de uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, a pessoa procurada só pode continuar detida no respeito pelo artigo 6.o da Carta se o processo de entrega cumprir o requisito da diligência exigida, se as disposições pertinentes de direito nacional forem previsíveis, acessíveis e precisas, e se a detenção respeitar o princípio da proporcionalidade.

B – Segunda questão

57.

Se a resposta à primeira questão for afirmativa, a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio visa esclarecer em que circunstâncias é admissível acordar uma nova data de entrega mais do que uma vez ao abrigo do artigo 23.o, n.o 3. O órgão jurisdicional de reenvio apresenta diversas possibilidades: quando se verifique que o «caso de força maior […]» persiste ou que, tendo cessado, voltou a ocorrer; ou quando tenham surgido outros casos que tenham tornado impossível, ou sejam suscetíveis de tornar impossível, a entrega da pessoa procurada dentro do prazo estipulado.

58.

O elemento comum e prévio a todos estes cenários é a existência de um «caso de força maior num dos Estados‑Membros». Por conseguinte, nesta secção das conclusões, começarei por analisar esse conceito. Seguidamente, verificarei se um comportamento pessoal pode configurar um «caso de força maior» num dos Estados‑Membros. Em terceiro lugar, examinarei esse conceito no quadro da persistência ou recorrência do impedimento à entrega ou da verificação de um novo impedimento à entrega ao abrigo do artigo 23.o, n.o 3.

1. «Circunstâncias alheias ao controlo de qualquer dos Estados‑Membros» ou «caso de força maior»?

59.

A redação do artigo 23.o, n.o 3, varia entre as diversas versões linguísticas da decisão‑quadro. Em inglês, e na maioria das versões linguísticas, essa disposição menciona «circunstâncias alheias ao controlo» de qualquer um dos Estados‑Membros ( 30 ). Outras versões linguísticas fazem referência ao conceito de força maior ( 31 ) .

60.

Essa divergência não é desprovida de consequências. Como definido pela jurisprudência assente do Tribunal de Justiça em vários contextos, o conceito de força maior deve ser entendido no sentido de um circunstancialismo alheio a quem o invoca, anormal e imprevisível, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todas as diligências desenvolvidas ( 32 ) . Em contrapartida, é possível defender que a expressão «circunstâncias alheias ao controlo» corresponde apenas a um dos elementos da definição de «força maior». Como tal, constitui um subconjunto lógico da força maior e, portanto, abrange um leque mais vasto de situações ( 33 ).

61.

No entanto, o exame dos trabalhos preparatórios mostra que, conforme alegou o Governo lituano, se pretendia que o conceito de «circumstances beyond the control» (circunstâncias alheias ao controlo) na aceção do artigo 23.o, n.o 3, correspondesse ao tradicional conceito de força maior, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

62.

A versão inglesa do projeto do artigo 23.o, n.o 3, constante da proposta original da Comissão mencionava «circumstances beyond the control» (mas apenas do Estado‑Membro de execução) ( 34 ). A exposição de motivos que acompanhava a proposta da Comissão referia, porém, o conceito de força maior. Além disso, explicava que a redação dos n.os 2 e 3 do artigo 23.o se inspirava no artigo 11.o da Convenção de 1995 ( 35 ). Na grande maioria das versões linguísticas que fazem fé, essa disposição refere‑se ao conceito de força maior ( 36 ).

63.

A própria proposta da Comissão menciona o relatório explicativo da Convenção de 1995, segundo o qual o conceito de força maior deve ser interpretado de forma estrita ( 37 ). A exigência de interpretação estrita também decorre do facto de o artigo 23.o, n.o 3, ser uma exceção à tramitação normal do processo de entrega ( 38 ) e poder ter repercussões sobre a privação de liberdade da pessoa procurada.

64.

Em resumo, no meu entender, os conceitos de «circumstances beyond the control» e de «força maior» devem ser considerados equivalentes para efeitos do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro.

2. Força maior e comportamento pessoal no contexto do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro

65.

O Tribunal de Justiça considerou, em vários contextos, que a força maior não se restringe à impossibilidade absoluta ( 39 ) e identificou dois elementos essenciais desse conceito que são pertinentes para a sua interpretação no contexto da decisão‑quadro. Em primeiro lugar, compreende um elemento objetivo, que se prende com a natureza das circunstâncias: as circunstâncias devem ser anormais, imprevisíveis e alheias à pessoa que invoca esta exceção. Em segundo lugar, contempla um elemento subjetivo: a obrigação de o interessado «se precaver contra as consequências do acontecimento anormal, adotando medidas adequadas sem consentir sacrifícios excessivos» ( 40 ).

66.

Contudo, a apreciação desses dois elementos depende do contexto, podendo variar consoante a área de direito da União em causa ( 41 ).

67.

Importa, assim, ter em conta o contexto específico da decisão‑quadro. Este instrumento é aplicável no domínio da cooperação judiciária em matéria penal e tem por objetivo acelerar e simplificar os processos de entrega. Para esse efeito, devem ser respeitados prazos bastante curtos. A celeridade e a diligência das autoridades são, portanto, fundamentais na fase da entrega. Por estes motivos, e também em virtude da natureza excecional do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro e do seu impacto sobre a liberdade pessoal, os referidos elementos devem ser objeto de uma apreciação rigorosa e restritiva.

68.

Quanto ao primeiro elemento da força maior, o comportamento da pessoa procurada pode ser considerado um «caso de força maior» para efeitos do artigo 23.o, n.o 3, se for imprevisível e alheio ao controlo do Estado‑Membro que o invoca. Por conseguinte, a manifestação de um comportamento agressivo aquando da entrega só pode ser considerada um acontecimento imprevisto e alheio a quem o invoca se os factos ao dispor das autoridades não apontarem para a possibilidade de ocorrência de tal cenário. Na avaliação da probabilidade de ocorrência desse cenário, as autoridades nacionais devem ter em conta o contexto factual específico de cada caso concreto, designadamente: os crimes pelos quais a pessoa é procurada ou foi condenada; o seu comportamento durante a detenção; antecedentes criminais; e quaisquer outros elementos relacionados com o seu perfil que resultem dos autos do processo nacional.

69.

A Comissão alegou que, em muitos casos, as autoridades têm de recorrer a empresas privadas para efetuarem o transporte: o facto de as transportadoras aéreas comerciais se recusarem a deixar embarcar uma pessoa violenta deve, portanto, ser considerado, em grande parte, alheio ao controlo das autoridades.

70.

Admito que essa ocorrência poderá ser vista como um facto alheio ao controlo (físico) dos Estados‑Membros. Contudo, a reação de um piloto de uma transportadora aérea comercial ao comportamento agitado e/ou agressivo de um passageiro dificilmente poderá ser considerada uma circunstância imprevisível. De facto, pelo contrário, dada a existência de regulamentos e protocolos de segurança bem conhecidos para essas situações, a reação do piloto é, na verdade, claramente previsível.

71.

Este argumento não obsta a que um comportamento violento súbito ou inesperado da pessoa procurada satisfaça, ele mesmo, o primeiro elemento da definição de força maior. Porém, obsta a que a reação natural e previsível de um piloto confrontado com a referida situação seja considerada, ela própria, força maior. Em última análise, a escolha do meio de transporte incumbe aos Estados‑Membros e são também estes que assumem a responsabilidade por essa escolha.

72.

Passando agora ao segundo elemento, importa referir que, para cumprirem o requisito de ter exercido «toda a diligência exigida» para evitar que a entrega se tornasse impossível, as autoridades dos Estados‑Membros devem demonstrar uma diligência acrescida quando atuam no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, especialmente durante a entrega efetiva, que é um momento delicado. As autoridades responsáveis pela entrega nos Estados‑Membros devem envidar todos os esforços razoáveis para garantir que a pessoa seja efetivamente entregue. Após analisado o perfil da pessoa procurada, poderá revelar‑se necessário elaborar planos de contingência.

73.

No exercício da diligência exigida, os esforços desenvolvidos para assegurar a entrega efetiva devem ser proporcionais à situação concreta da pessoa procurada, de modo a não violar o artigo 4.o da Carta. Invocando a jurisprudência do TEDH, o Governo irlandês alegou que, relativamente a uma pessoa privada da sua liberdade, o recurso à força física que não seja estritamente necessário em virtude do seu comportamento diminui a dignidade humana e constitui, em princípio, uma violação do direito garantido pelo artigo 3.o da Convenção ( 42 ).

74.

Porém, o dever de respeitar as normas sobre direitos fundamentais durante o processo de entrega (que faz parte das responsabilidades ordinárias das autoridades) não pode ser invocado para alargar excessivamente o alcance do conceito de força maior. O Estado‑Membro que alega força maior só pode invocar esse dever em apoio da sua posição nos casos em que, tendo adotado todas as medidas impostas pela diligência exigida, a entrega se tenha tornado impossível devido a um comportamento imprevisível da pessoa procurada, de acordo com a apreciação referida no n.o 65 das presentes conclusões.

3. «Caso de força maior» persistente, recorrente ou novo

75.

À luz da análise anterior, o comportamento agressivo da pessoa procurada poderia, preenchidos os requisitos da força maior, justificar o recurso ao artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro. No entanto, a possibilidade de reconhecer a existência de um «caso de força maior» num dos Estados‑Membros a fim de aplicar novamente o artigo 23.o, n.o 3, com fundamento na recorrência do comportamento agressivo (que é o objeto da segunda questão prejudicial colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio) exige uma análise mais aprofundada.

76.

A Comissão e os Governos irlandês e do Reino Unido consideram que existe um «caso de força maior», na aceção do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro, em qualquer uma das três situações enumeradas pelo órgão jurisdicional de reenvio na segunda questão: caso de força maior persistente, recorrente ou novo.

77.

No meu entender, porém, é necessário adotar uma abordagem mais flexível. Os três tipos de situações descritos em termos abstratos pelo órgão jurisdicional de reenvio só podem dar origem a uma nova ocorrência de um «caso de força maior» se estiverem presentes os dois elementos deste conceito descritos no n.o 65, supra. Esta é uma questão que terá de ser apreciada pelos órgãos jurisdicionais nacionais de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Todavia, proponho‑me tecer algumas considerações gerais a fim de os auxiliar nessa tarefa.

78.

No que respeita à primeira situação, ou seja, um caso de força maior persistente, considero que o Governo lituano está certo ao afirmar que circunstâncias que persistam durante o novo prazo não deveriam, em princípio, ser qualificadas como força maior porque, em virtude da sua continuidade, seriam previsíveis. Se persistir o mesmo tipo de circunstâncias extraordinárias, é pouco provável que uma autoridade nacional diligente, que tome todas as precauções exigidas, agende outra data de entrega.

79.

O elemento da imprevisibilidade também está ausente da segunda situação, ou seja, um «caso de força maior» que tinha cessado, mas que voltou a ocorrer. Só assim não será se essa recorrência for, ela mesma, imprevisível ou se, por exemplo, a situação se voltar a verificar com uma intensidade ou em circunstâncias tais que representem uma alteração substancial relativamente à primeira ocorrência.

80.

No que respeita ao elemento subjetivo da força maior, em ambos os casos, em que as circunstâncias persistem ou voltam a ocorrer, o facto de já se ter verificado uma situação semelhante determina naturalmente um maior grau de exigência na diligência a exercer pelas autoridades nacionais.

81.

Em resumo, a existência prévia ou a continuidade de circunstâncias da mesma natureza conducentes à aplicação do artigo 23.o, n.o 3, torna extremamente difícil o preenchimento dos requisitos da imprevisibilidade e da diligência exigida, que são intrínsecos ao conceito de força maior.

82.

A terceira situação verifica‑se quando o «caso de força maior»cessou, mas surgiram outras circunstâncias que tornaram impossível, ou são suscetíveis de tornar impossível, a entrega da pessoa procurada no prazo previsto.

83.

No meu entender, é extremamente provável que esta terceira situação justifique uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro. É certo que a probabilidade de ocorrerem vários casos diferentes e genuínos de força maior no decurso do mesmo processo de entrega é muito reduzida. No entanto, dado que, muitas vezes, a realidade é mais estranha do que a ficção, a ocorrência de tais casos não pode de modo algum ser excluída.

84.

Em conclusão, se for adotada a interpretação restritiva de força maior que proponho nas presentes conclusões, é evidente que o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro só será aplicado mais do que uma vez em situações muito excecionais. Nesta conformidade, o comportamento agressivo da pessoa procurada que tenha frustrado a primeira tentativa de entrega só poderá ser qualificado como força maior se as autoridades judiciárias nacionais não pudessem razoavelmente prever tais acontecimentos com base nos elementos do processo ou nos factos do caso concreto. Em contrapartida, a recorrência de um comportamento quase idêntico que torne impossível uma nova tentativa de entrega não poderá, em termos razoáveis, ser qualificada como força maior, salvo se, tendo em conta os factos do caso, a autoridade competente tiver motivos para crer que esse cenário não se repetirá.

85.

Compete ao órgão jurisdicional nacional determinar, com base em todos os factos ao seu dispor, se os requisitos do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro foram cumpridos pela segunda vez no presente caso.

4. Resposta à segunda questão

86.

No meu entender, o artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de permitir que seja acordada uma nova data de entrega mais do que uma vez apenas se as circunstâncias novas ou recorrentes que tornaram impossível a entrega constituírem, elas mesmas, um novo caso de força maior.

C – Posfácio

87.

Em causa no presente processo estão também dois interesses antagónicos de alcance mais vasto, que, embora talvez não tendo sido inteiramente articulados, são certamente pertinentes: o princípio moral básico de que um comportamento ilegal não pode beneficiar o seu autor ( 43 ) e a necessidade de induzir os Estados‑Membros a adotarem uma abordagem responsável ao planeamento e execução do processo de entrega.

88.

Nas presentes conclusões, tentei encontrar um compromisso razoável entre estes dois interesses, respeitando simultaneamente os direitos fundamentais da pessoa procurada: na eventualidade de surgirem circunstâncias novas ou recorrentes que configurem um caso de força maior num dos Estados‑Membros, sendo este conceito interpretado restritivamente, pode ser fixada mais do que uma vez uma nova data de entrega ao abrigo do artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro. Porém, esta possibilidade está sujeita a limites claros, tanto internos como externos. Internamente, no âmbito da decisão‑quadro, deve ocorrer um verdadeiro caso de força maior num dos Estados‑Membros, não apenas situações resultantes de falta de preparação ou de conveniência dos Estados‑Membros. Se tal não acontecer, a pessoa procurada deverá ser imediatamente libertada, nos termos do artigo 23.o, n.o 5. Externamente, a duração e as condições da detenção no caso de uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, estão sujeitas ao disposto na Carta, interpretada à luz da CEDH.

89.

Por último, cumpre salientar que as presentes conclusões têm unicamente por objeto a interpretação do conceito de «caso de força maior» e a possibilidade de aplicar o artigo 23.o, n.o 3, mais do que uma vez. Contudo, importa reconhecer que as questões jurídicas analisadas nas presentes conclusões, que visam dar uma resposta útil às questões concretas apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente caso, não esgotam os problemas de interpretação potencialmente suscitados pela atual redação do artigo 23.o da decisão‑quadro. Em especial, não é tomada qualquer posição sobre a qualificação jurídica ou a validade de um MDE uma vez aplicado o artigo 23.o, n.o 5, da decisão‑quadro, do qual decorre a obrigação de libertar a pessoa procurada.

IV – Conclusão

90.

À luz do exposto, recomendo que o Tribunal de Justiça responda nos seguintes termos às questões que lhe foram submetidas pela Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda):

1)

O artigo 23.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros deve ser interpretado no sentido de permitir que uma nova data de entrega seja acordada mais do que uma vez. No caso de uma nova aplicação do artigo 23.o, n.o 3, a pessoa procurada só pode continuar detida no respeito pelo artigo 6.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia se o processo de entrega cumprir o requisito da diligência exigida, se as disposições pertinentes de direito nacional forem previsíveis, acessíveis e precisas e se a detenção respeitar o princípio da proporcionalidade.

2)

O artigo 23.o, n.o 3, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de permitir que seja acordada uma nova data de entrega mais do que uma vez apenas se as circunstâncias novas ou recorrentes que tornaram impossível a entrega constituírem, elas mesmas, um novo caso de força maior.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Fuga à Meia‑Noite (1988), realizado por Martin Brest, produzido pela Universal Pictures.

( 3 ) JO 2002, L 190, p. 1, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24, a seguir «decisão‑quadro»).

( 4 ) Despacho no processo Vilkas (C‑640/15, EU:C:2015:862).

( 5 ) Por exemplo, artigo 11.o, n.o 3, da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa ao processo simplificado de extradição entre os Estados‑Membros da União Europeia (JO 1995, C 78, p. 2), e artigo 18.o, n.o 5, da Convenção Europeia de Extradição de 1957. No que respeita a este último, já foi defendido que não haveria objeção à aplicação desta regra mais do que uma vez (v. Manzanares Samaniego, J. L., El Convenio Europeo de Extradición, Bosch, Barcelona, 1986, p. 219).

( 6 ) O objetivo de evitar a impunidade foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça como um objetivo legítimo de interesse geral à luz do direito da União (v. acórdãos de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 37 a 39, e de 27 de maio de 2014, Spasic, C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.os 63 e 65).

( 7 ) Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 76 e jurisprudência referida).

( 8 ) Acórdão de 30 de maio de 2013, F. (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.o 58).

( 9 ) V., por exemplo, acórdão de 7 de outubro de 2010, Lassal (C‑162/09, EU:C:2010:592, n.o 51). V. também, A este respeito, acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.os 35 a 42).

( 10 ) V., no mesmo sentido, relativamente ao artigo 12.o, acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 54).

( 11 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 53).

( 12 ) A questão da privação de liberdade no âmbito dos processos penais não está atualmente regulada ao nível da UE. Embora o Conselho tenha convidado a Comissão a apresentar um Livro Verde sobre prisão preventiva, não foram tomadas quaisquer outras medidas para adotar instrumentos da UE neste domínio. V. Livro Verde «Reforçar a confiança mútua no espaço judiciário europeu — Livro Verde sobre a aplicação da legislação penal da UE no domínio da detenção», Bruxelas, 14 de junho de 2011, COM(2011) 327 final. Existem acentuadas divergências na abordagem dos diferentes Estados‑Membros à questão da detenção antes da entrega ou da extradição. V., em especial, Comité Europeu para os Problemas Criminais — Comité de Peritos sobre a Aplicação das Convenções Europeias em matéria penal, «Provisional arrest and detention pending extradition — time limits applicable in each country», Estrasburgo, 2 de julho de 2012, PC‑OC/Inf 71, disponível em www.coe.int/tcj.

( 13 ) V., nesse sentido, relativamente à situação anterior à decisão definitiva de execução, acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 61).

( 14 ) Segundo o artigo 12.o, a decisão de manter a detenção deve ser tomada «em conformidade com o direito do Estado‑Membro de execução». O artigo 12.o estabelece ainda que a liberdade provisória é possível a qualquer momento «de acordo com o direito nacional do Estado‑Membro de execução». Nesse caso, a autoridade competente deve sujeitar a liberdade provisória a «todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada».

( 15 ) V. página 4 da Proposta da Comissão de decisão‑quadro do Conselho relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre Estados‑Membros, COM(2001) 522 final.

( 16 ) V. também acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 56).

( 17 ) V. acórdãos de 28 de julho de 2016, JZ (C‑294/16 PPU, EU:C:2016:610, n.o 48), e de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 47 e 77).

( 18 ) V., em especial, conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2006:552, n.os 38 a 47).

( 19 ) V., por exemplo, acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 75 e jurisprudência referida).

( 20 ) V. acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.os 56 a 58).

( 21 ) Acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 57).

( 22 ) Acórdãos de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 100), e de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 58).

( 23 ) TEDH, acórdão de 26 de junho de 2012, Toniolo c. São Marinho e Itália (CE:ECHR:2012:0626JUD004485310, § 44).

( 24 ) TEDH, acórdão de 19 de fevereiro de 2009, A. e o. c. Reino Unido (CE:ECHR:2009:0219JUD000345505, § 164).

( 25 ) TEDH, acórdão de 24 de julho de 2014, Čalovskis c. Letónia (CE:ECHR:2014:0724JUD002220513, § 182).

( 26 ) Tomada de posição da advogada‑geral E. Sharpston no processo N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:85, n.o 131).

( 27 ) TEDH, acórdãos de 23 de outubro de 2008, Soldatenko c. Ucrânia (CE:ECHR:2008:1023JUD000244007, § 112), e de 26 de junho de 2012, Toniolo c. São Marinho e Itália (CE:ECHR:2012:0626JUD004485310, §§ 46 a 50).

( 28 ) Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.o 101).

( 29 ) V., nesse sentido, acórdão de 16 de julho de 2015, Lanigan (C‑237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.o 59).

( 30 ) É o caso, por exemplo, das versões búlgara, espanhola, checa, alemã, estónia, grega, croata, letã, lituana, maltesa, neerlandesa, polaca, eslovaca, eslovena e sueca.

( 31 ) Em especial, as versões francesa, italiana, portuguesa, romena e finlandesa.

( 32 ) V., por exemplo, acórdão de 18 de julho de 2013, Eurofit (C‑99/12, EU:C:2013:487, n.o 31 e jurisprudência referida).

( 33 ) Esta diferenciação é feita expressamente em alguns instrumentos de direito derivado, que contêm referências à aplicação de regimes distintos aos casos de força maior e às «circunstâncias alheias ao controlo». Era o caso do Regulamento (CEE) n.o 1380/75 da Comissão, de 29 de maio de 1975, que estabelece as modalidades de aplicação dos montantes compensatórios monetários (revogado) (JO 1975, L 139, p. 37). Neste contexto, v. conclusões do advogado‑geral C. O. Lenz no processo Denkavit France (266/84, não publicadas, EU:C:1985:425, n.o 1; onde sustenta que o «conceito de força maior é, portanto, diverso e deve ser interpretado mais restritivamente, não abrangendo todos os motivos não imputáveis ao interessado»).

( 34 ) Proposta de Decisão‑Quadro do Conselho relativa ao mandado de captura europeu e aos procedimentos de entrega entre Estados‑Membros, COM(2001) 522 final (JO 2001, C 332E, p. 305).

( 35 ) Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa ao processo simplificado de extradição entre os Estados‑Membros da União Europeia (JO 1995, C 78, p. 2).

( 36 ) Versões espanhola, dinamarquesa, alemã, grega, francesa, italiana, neerlandesa, portuguesa e finlandesa. Só não recorrem a esse conceito as versões inglesa e sueca.

( 37 ) Convenção relativa ao processo simplificado de extradição entre os Estados‑Membros da União Europeia — Relatório Explicativo (JO 1996, C 375, p. 4).

( 38 ) V., por analogia, acórdãos de 14 de fevereiro de 2016, C & J Clark International (C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2016:74, n.o 191), e de 18 de julho de 2013, Eurofit (C‑99/12, EU:C:2013:487, n.o 37).

( 39 ) Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Société Pipeline Méditerranée et Rhône (C‑314/06, EU:C:2007:817, n.o 23 e jurisprudência referida).

( 40 ) Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Société Pipeline Méditerranée et Rhône (C‑314/06, EU:C:2007:817, n.o 24 e jurisprudência referida).

( 41 ) V. acórdão de 18 de julho de 2013, Eurofit (C‑99/12, EU:C:2013:487, n.o 32 e jurisprudência referida).

( 42 ) V., por exemplo, TEDH, acórdãos de 28 de setembro de 2015, Bouyid c. Bélgica (CE:ECHR:2015:0928JUD002338009, § 88), e de 4 de dezembro de 1995, Ribitsch c. Áustria (CE:ECHR:1995:1204JUD001889691, § 38).

( 43 ) Na audiência, os Governos lituano e irlandês referiram a possibilidade de o comportamento do recorrido ser qualificado como abuso de direito, alegando que, ao exibir um comportamento violento, T. Vilkas tinha criado artificialmente as condições para a sua libertação ao abrigo do artigo 23.o, n.o 5.

Não creio que o conceito de abuso de direito seja pertinente no presente contexto. Segundo uma linha jurisprudencial constante, a prova de uma prática abusiva requer um elemento objetivo — o de que, apesar do respeito formal dos requisitos previstos pela legislação da União, o objetivo prosseguido por essa legislação não tenha sido alcançado — e um elemento subjetivo, que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União, criando artificialmente as condições exigidas para a sua obtenção. V., por exemplo, acórdão de 18 de dezembro de 2014, McCarthy e o. (C‑202/13, EU:C:2014:2450, n.o 54 e jurisprudência referida).

Tenho uma certa dificuldade em compreender de que modo o recorrido teria respeitado formalmente qualquer requisito previsto no direito da União ao resistir violentamente à entrega. Pelo contrário, esse comportamento tipificaria, em vários ordenamentos jurídicos nacionais, um impedimento à execução de uma decisão oficial ou uma infração semelhante com outra designação na legislação nacional.

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