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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62015CC0223

    Conclusões do advogado-geral M. Szpunar apresentadas em 25 de maio de 2016.
    combit Software GmbH contra Commit Business Solutions Ltd.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf.
    Reenvio prejudicial — Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Marca da UE — Caráter unitário — Constatação de um risco de confusão apenas para uma parte da União — Âmbito territorial da proibição visada no artigo 102.° do referido regulamento.
    Processo C-223/15.

    Coletânea da Jurisprudência — Coletânea Geral

    Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2016:351

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MACIEJ SZPUNAR

    apresentadas em 25 de maio de 2016 ( 1 )

    Processo C‑223/15

    combit Software GmbH

    contra

    Commit Business Solutions Ltd

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (tribunal regional superior de Düsseldorf, Alemanha)]

    «Propriedade intelectual — Marca da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 1.o, n.o 2 — Caráter unitário da marca da UE — Artigo 102.o, n.o 1 — Proibição de atos de contrafação decretada por um tribunal de marcas da UE — Âmbito de aplicação territorial — Limitação do âmbito de aplicação territorial da proibição em razão da inexistência de risco de confusão num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do tribunal onde foi intentada a ação — Ónus da prova»

    Introdução

    1.

    O presente pedido de decisão prejudicial oferece ao Tribunal a oportunidade de desenvolver a sua jurisprudência resultante do acórdão DHL Express France ( 2 ) e de especificar as condições em que uma proibição, imposta por força do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 102.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 sobre a marca da UE ( 3 ), pode estar sujeita a uma limitação territorial.

    2.

    Esta problemática foi suscitada por um órgão jurisdicional alemão, atuando enquanto tribunal de marcas da UE, no âmbito de uma ação de contrafação intentada por um titular da marca nominativa da UE «combit», visando a proibição do uso de um sinal «Commit» para produtos e serviços da área da informática.

    Quadro jurídico

    3.

    Os considerandos 3 e 16 do Regulamento n.o 207/2009 têm a seguinte redação:

    «(3)

    Para atingir os objetivos da União […], parece adequado prever um regime de marcas da União que confira às empresas o direito de adquirirem, segundo um procedimento único, marcas da UE que gozem de proteção uniforme e produzam efeitos em todo o território da União. O princípio do caráter unitário da marca da UE assim definido deverá ser aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.

    […]

    (16)

    É indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafação das marcas da UE produzam efeitos em toda a União e a ela sejam extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias […] e de respeitar o caráter unitário das marcas da UE. […]».

    4.

    O artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 dispõe:

    «A marca da UE tem caráter unitário. A marca da UE produz os mesmos efeitos em toda a União: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a União. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

    5.

    O artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento ( 4 ) dispõe:

    «A marca da UE confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

    […]

    b)

    Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca da UE e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca da UE e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

    […].»

    6.

    Nos termos do artigo 102.o, n.o 1, do mesmo regulamento:

    «Sempre que um tribunal da marca da UE verifique que o réu contrafez ou ameaçou contrafazer uma marca da UE, proferirá, salvo se tiver razões especiais para não o fazer, uma decisão proibindo‑o de prosseguir os atos de contrafação ou de ameaça de contrafação. Tomará igualmente, nos termos da lei nacional, as medidas adequadas para garantir o respeito dessa proibição.»

    Factos do litígio no processo principal

    7.

    A combit Software GmbH, sociedade de direito alemão, é titular das marcas nominativas, alemã e da UE, que protegem o sinal «combit», para produtos e serviços na área da informática.

    8.

    A Commit Business Solutions Ltd é uma sociedade de direito israelita que vende software com o sinal nominativo «Commit» em diversos países através da loja em linha disponível no seu sítio Internet (www.commitcrm.com). À data dos factos na origem do litígio no processo principal, as ofertas de venda neste sítio podiam ser consultadas em língua alemã e, uma vez comprado em linha, o software podia ser entregue diretamente na Alemanha.

    9.

    A combit Software demandou a Commit Business Solutions perante o Landgericht Düsseldorf, enquanto tribunal de marcas da UE, com vista a obter a proibição do uso na União Europeia do sinal nominativo «Commit» para software, com fundamento num risco de confusão com a marca da UE combit. Subsidiariamente, a recorrente invocou a sua marca alemã e pediu a proibição do uso do sinal nominativo em causa no processo principal na Alemanha.

    10.

    O Landgericht Düsseldorf deu provimento ao pedido subsidiário da combit Software e condenou a Commit Business Solutions com base na marca alemã, depois de ter verificado a existência de um risco de confusão entre os sinais «combit» e «Commit» para o consumidor alemão dos produtos em causa. Em contrapartida, o Landgericht Düsseldorf (tribunal regional de Düsseldorf) negou provimento ao pedido principal baseado na marca da UE, devido à falta de utilização da mesma.

    11.

    A combit Software interpôs recurso desta decisão para o Oberlandesgericht Düsseldorf (tribunal regional superior de Düsseldorf) a respeito do indeferimento do seu pedido baseado na marca da UE e com vista a obter uma proibição válida para todo o território da União.

    12.

    O órgão jurisdicional de reenvio, atuando enquanto tribunal de marcas da UE de segunda instância, considerou que, contrariamente ao que havia sido decidido em primeira instância, a utilização da marca da UE invocada pela recorrente havia sido provada. O órgão jurisdicional de reenvio considerou ainda que a existência de um risco de confusão entre os sinais em causa na Alemanha constituía caso julgado, mas que a situação era diferente no que respeita aos países anglófonos. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os consumidores destes países estão em condições de entender a marca combit como uma abreviatura dos dois termos «com» e «bit», pouco distintivos na área da informática, assim como de compreender imediatamente o significado da palavra «commit», de modo que a semelhança fonética entre os sinais em conflito é neutralizada pela sua diferença conceptual.

    13.

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se assim sobre a aplicação do princípio do caráter unitário da marca da UE numa situação como a do processo principal, em que a existência de um risco de confusão não se verifica em todos os Estados‑Membros, designadamente nos países anglófonos. Observa, por um lado, que a aplicação rigorosa deste princípio teria como consequência permitir ao titular da marca da UE proibir o uso de um sinal conflituante também nos Estados‑Membros em que não exista qualquer risco de confusão. Por outro lado, refere que, se um tribunal de marcas da UE tivesse de avaliar o risco de confusão em cada um dos Estados‑Membros considerados individualmente, essa avaliação atrasaria o processo e daria origem a custos significativos para as partes.

    Questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

    14.

    Foi neste contexto que o Oberlandesgericht Düsseldorf (tribunal regional superior de Düsseldorf) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «Quais são as consequências para a apreciação do risco de confusão de uma marca nominativa [da UE] quando, na perspetiva do consumidor médio de alguns Estados‑Membros da União, a semelhança sonora da marca [da UE] com uma designação que alegadamente infringe outra marca é neutralizada por uma diferença de significados, mas isso não acontece na perspetiva do consumidor médio de outros Estados‑Membros:

    a)

    É relevante, para a apreciação do risco de confusão, a perspetiva dos consumidores médios de alguns Estados‑Membros da União, a perspetiva dos consumidores médios dos outros Estados‑Membros ou a perspetiva de um consumidor médio fictício de todos os Estados‑Membros?

    b)

    Deve‑se confirmar ou negar a existência de uma infração à marca [da UE] em todo o território da UE quando o risco de confusão só existe nalguns Estados‑Membros, ou deve distinguir‑se consoante os Estados‑Membros individuais?»

    15.

    A decisão de reenvio, datada de 12 de maio de 2015, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de maio de 2015. Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelo Governo polaco e pela Comissão Europeia. Com exceção do Governo polaco, todas estas partes participaram igualmente na audiência, que teve lugar em 3 de março de 2016.

    Análise

    16.

    Através das suas questões prejudiciais, que me proponho analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a proibição decretada no âmbito da ação de contrafação de uma marca da UE, ao abrigo do artigo 102.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, pode estar sujeita a uma limitação territorial, pelo facto de, por razões linguísticas, a constatação da existência de um risco de confusão, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, não ser válida num ou em vários Estados‑Membros.

    17.

    Em caso afirmativo, o órgão jurisdicional de reenvio também questiona em que condições específicas uma tal limitação deve ser considerada.

    O princípio do caráter unitário da marca da UE

    18.

    O direito das marcas da UE assenta no princípio do caráter unitário dessa marca, consagrado no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 ( 5 ).

    19.

    Este princípio justifica‑se pelo próprio conceito de União, enquanto território unitário que constitui um mercado único ( 6 ). O sistema da marca da UE tem por finalidade oferecer no mercado interno condições análogas às existentes num mercado nacional. Os direitos unitários, tais como a marca da UE, garantem assim a unicidade do titular em todo o território ao qual se aplicam e asseguram a livre circulação do produto. Portanto, salvo disposição expressa em contrário ( 7 ), a marca da UE produz os mesmos efeitos em toda a União ( 8 ).

    20.

    Segundo os considerandos 3 e 16 do Regulamento n.o 207/2009, o princípio em causa traduz‑se na exigência de uma proteção uniforme das marcas da UE em todo o território da União, sendo, por conseguinte, indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafação das marcas da UE produzam efeitos em toda a União e a ela sejam extensivas.

    21.

    No entanto, o artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009 não se refere explicitamente aos efeitos das sanções adotadas a pedido do titular de uma marca da UE ao abrigo do artigo 102.o do referido regulamento.

    22.

    A problemática suscitada no processo principal respeita assim ao alcance sistémico mais amplo do princípio do caráter unitário e suscita a questão — muito discutida na doutrina ( 9 ) — das consequências deste princípio em situações que não estão especificamente previstas no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009.

    Quanto ao âmbito territorial da proibição

    23.

    Pode deduzir‑se do caráter unitário da marca da UE que uma proibição de prosseguir atos de contrafação ou de ameaça de contrafação, decretada por um tribunal de marcas da UE por força do artigo 102.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, se estende, em princípio, a todo o território da União.

    24.

    Com efeito, por um lado, a competência de um tribunal de marcas da UE, quando é demandado com base no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009, relativo à competência internacional, estende‑se a todo o território da União. Por outro lado, o direito exclusivo do titular conferido por força deste regulamento estende‑se a todo aquele território, no qual as marcas da UE gozam de proteção uniforme ( 10 ).

    25.

    Esta consideração de princípio deve, contudo, ser conciliada com a exigência de que, ao invocar o seu direito exclusivo, o titular não pode proibir o uso de um sinal que não seja suscetível de prejudicar as funções da marca.

    26.

    Com efeito, segundo jurisprudência constante, o direito exclusivo previsto no Regulamento n.o 207/2009 é concedido com o objetivo de permitir ao titular da marca da UE proteger os seus interesses específicos, ou seja, assegurar que essa marca possa cumprir as suas funções próprias. Assim, o exercício deste direito deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro prejudica ou pode prejudicar as funções da marca ( 11 ).

    27.

    Como o Tribunal declarou no acórdão DHL Express France, o âmbito territorial da proibição pode, em certos casos, ser limitado tendo em conta estas considerações ( 12 ).

    28.

    Em meu entender, a resposta às questões suscitadas no presente processo pode, em certa medida, inferir‑se do referido acórdão.

    29.

    Com efeito, o Tribunal declarou que, se um tribunal de marcas da UE verificar que os atos de contrafação ou de ameaça de contrafação se limitam a um único Estado‑Membro ou a uma parte do território da União, designadamente porque o requerido faz prova de que o uso do sinal em questão não prejudica ou não pode prejudicar as funções da marca, nomeadamente por motivos linguísticos, esse tribunal deve limitar o âmbito territorial da proibição que impõe ( 13 ).

    30.

    No que respeita ao direito exclusivo previsto no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, que é invocado no caso em apreço, a função essencial da marca potencialmente posta em causa é a identificação da origem comercial do produto ou do serviço designado. Ora, uma lesão desta função essencial, em caso de uso de um sinal semelhante, pode ser excluída quando não exista risco de confusão.

    31.

    Resulta das considerações que precedem que, na medida em que o risco de confusão possa ser excluído, por exemplo por motivos linguísticos como os mencionados no processo principal, relativamente a uma parte do território da União, de modo que o uso de um sinal impugnado nessa parte da União não seja suscetível de prejudicar as funções da marca, essa circunstância justifica uma limitação do âmbito territorial da proibição imposta por força do artigo 102.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009.

    Quanto às condições da limitação

    32.

    Ao examinar a pertinência da limitação do âmbito territorial de uma proibição num caso particular, o tribunal de marcas da UE onde foi intentada a ação deve ter em conta o facto de essa limitação constituir uma exceção ao princípio do caráter unitário da marca da UE.

    33.

    Esta consideração justifica, nomeadamente, a inversão do ónus da prova a favor do requerente do pedido de proibição.

    34.

    Como resulta do acórdão DHL Express France ( 14 ), incumbe ao requerido fazer prova de que, numa parte do território da União, o uso do sinal em questão não prejudica ou não pode prejudicar as funções da marca.

    35.

    Tal inversão do ónus da prova influencia a análise a ser realizada pelo tribunal de marcas da UE.

    36.

    Em primeiro lugar, uma vez que a questão da limitação da proibição deve ser suscitada pelo requerido e motivada por referência a uma parte específica do território da União, não cabe ao tribunal de marcas da UE demandado examinar se o risco de confusão existe em cada Estado‑Membro considerado individualmente.

    37.

    A este respeito, não partilho da posição que parece resultar da jurisprudência de alguns órgãos jurisdicionais nacionais.

    38.

    Assim, no seu acórdão relativo às marcas que compreendem o prefixo «Volks‑», que tinha que ver principalmente com o artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 207/2009, o Bundesgerichtshof (Tribunal de justiça supremo federal, Alemanha) não exclui que, no âmbito de um pedido baseado na alínea b) do referido artigo, o tribunal de marcas da UE tivesse de examinar oficiosamente se a existência de um risco de confusão se verifica em todo o território da União ( 15 ).

    39.

    Numa decisão relativamente recente, a High Court of Justice (England and Wales), Chancery Division [Tribunal de justiça supremo (Inglaterra e País de Gales), divisão da Chancery, Reino Unido] parece considerar que, em caso de pedido de proibição pan‑europeia baseado no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, o requerente — sobre quem recai o ónus da prova da contrafação — deve demonstrar a existência de um risco de confusão em cada Estado‑Membro considerado individualmente e não pode, a este respeito, socorrer‑se de «presunções» ( 16 ).

    40.

    Tal posição não pode, em minha opinião, ser conciliada com a solução fornecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão DHL Express France, segundo a qual a proibição baseada no artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 deve, em princípio, ter alcance pan‑europeu, a menos que o requerido a isso se oponha, demonstrando que a verificação da existência do risco de confusão não se aplica a certos Estados‑Membros específicos ( 17 ).

    41.

    Em minha opinião, o requerente da proibição, titular da marca da UE, cumpre a sua obrigação de prova se demonstrar a existência de uma contrafação ou de uma ameaça de contrafação. Em contrapartida, o ónus processual associado à eventual limitação da proibição incumbe integralmente ao requerido.

    42.

    Este ónus processual inclui o ónus de alegação (onus proferendi) e o ónus da prova em sentido estrito (onus probandi) ( 18 ). Por conseguinte, exceto no caso em que o requerido suscita este aspeto, invocando argumentação específica, o tribunal demandado não deverá examinar oficiosamente se a sua análise da existência de risco de confusão se aplica a todo o território da União.

    43.

    Tal repartição do ónus da prova, que implica a obrigação de o requerido invocar e demonstrar a necessidade da limitação territorial, foi admitida por alguns órgãos jurisdicionais nacionais ( 19 ). A doutrina considera que tal inversão do ónus da prova se justifica plenamente pelo facto de se tratar de uma exceção ao princípio do carácter unitário da marca da UE. Incumbe, portanto, ao requerido fazer prova de que a verificação da violação dos direitos do titular não se aplica a certos Estados‑Membros específicos ( 20 ).

    44.

    Em segundo lugar, o tribunal de marcas da UE demandado deve ter em conta o caráter excecional da limitação territorial da proibição, inclusivamente para efeitos de determinação do nível de prova que incumbe ao requerido.

    45.

    A este propósito, em minha opinião, cumpre distinguir claramente duas hipóteses:

    46.

    Por um lado, o ónus de alegação e o ónus da prova em sentido estrito são aspetos que se regem exclusivamente pelo direito uniforme de marcas da UE, uma vez que estão estreitamente relacionados com a aplicação do direito material. É também jurisprudência constante que a repartição do ónus da prova em matéria de marcas da UE não pode ser determinada pelo direito nacional dos Estados‑Membros, antes decorrendo do direito da União. Com efeito, se esta questão pertencesse ao direito nacional dos Estados‑Membros, o objetivo de uma proteção uniforme da marca da UE poderia ficar comprometido ( 21 ).

    47.

    Por outro lado, o nível da prova exigida e os tipos de prova são regulados de forma autónoma pelo direito nacional do Estado‑Membro do tribunal demandado. Trata‑se, efetivamente, de aspetos do direito processual que, em conformidade com o artigo 101.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, e exceto para os aspetos expressamente abrangidos pelo regulamento, são regulados pelo direito nacional do foro.

    48.

    Ao aplicar as regras nacionais relativas ao nível da prova e aos tipos de prova, o tribunal demandado deve, no entanto, assegurar que o objetivo da proteção uniforme da marca da UE não seja comprometido.

    49.

    Observo que a demonstração destinada a provar que um risco de confusão está geograficamente circunscrito pode exigir um esforço considerável, nomeadamente quando essa demonstração respeita a um país diferente do país do foro. Em face do exposto, para obter uma limitação do âmbito territorial da proibição, o requerido deve suscitar esta questão, invocando argumentação específica a este respeito. Além disso, sem prejuízo do previsto nas normas de direito processual nacional, um tribunal de marcas da UE pode exigir ao requerido que produza a prova concreta que permita excluir a ameaça de contrafação num ou em vários Estados‑Membros.

    50.

    À luz de todas estas observações, uma limitação do âmbito territorial da proibição impõe‑se nos casos em que o requerido suscita uma argumentação específica que permita excluir a existência de um risco de confusão num ou em vários Estados‑Membros e, eventualmente, produz a prova pertinente. Por conseguinte, não cabe ao tribunal de marcas da UE, demandado com base no artigo 97.o, n.os 1 a 4 do Regulamento n.o 207/2009, examinar oficiosamente se existe um risco de confusão em cada Estado‑Membro considerado individualmente.

    Quanto à eficácia da proibição

    51.

    Importa recordar que, ao adotar a proibição, um tribunal de marcas da UE deve, nomeadamente, certificar‑se de que a medida adotada será eficaz, proporcionada e dissuasiva e será aplicada de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos ( 22 ).

    52.

    A este respeito, o tribunal deve garantir que a proibição de manter a prática de atos de contrafação ou ameaça de contrafação — no caso de esta proibição incluir uma limitação territorial — permaneça eficaz tendo em conta as circunstâncias específicas do mercado.

    53.

    Assinale‑se que o Tribunal, ao considerar a possibilidade da limitação territorial da proibição prevista no n.o 48 do acórdão DHL Express France ( 23 ), teve em conta as condições do caso no processo principal. Pode deduzir‑se que, em alguns casos caracterizados por condições diferentes, uma limitação do âmbito territorial da decisão seria contrária ao objetivo de proteção uniforme da marca da UE.

    54.

    Em meu entender, este poderia ser o caso quando, tendo em conta as condições do mercado em que a infração ocorre — como o mercado do software vendido pela Internet, no presente caso —, se deve partir da premissa de que a infração diz respeito a todo o território da União.

    55.

    Assim, ao impor uma proibição, o tribunal de marcas da UE demandado deve igualmente ter em conta as modalidades de comercialização dos produtos em questão, a fim de determinar se a limitação do âmbito territorial da proibição não põe em risco a sua eficácia.

    Conclusão

    56.

    Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Oberlandesgericht Düsseldorf (tribunal regional superior de Düsseldorf, Alemanha):

    O facto de o risco de confusão poder ser excluído, por motivos linguísticos, num ou em vários Estados‑Membros é suscetível de justificar uma limitação do âmbito territorial da proibição imposta por um tribunal de marcas da UE por força do artigo 9.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 102.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE.

    Tal limitação impõe‑se nos casos em que o requerido suscita uma argumentação específica que permita excluir a existência de um risco de confusão num ou em vários Estados‑Membros e, eventualmente, produz a prova pertinente. Não cabe ao tribunal de marcas da UE, demandado com base no artigo 97.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 207/2009, examinar oficiosamente se existe um risco de confusão em cada Estado‑Membro considerado individualmente. Este tribunal deve, além disso, abster‑se de limitar o âmbito territorial da proibição quando tal limitação pudesse privar de eficácia a proibição.


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) Acórdão de 12 de abril de 2011 (C‑235/09, EU:C:2011:238).

    ( 3 ) Regulamento do Conselho de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 78, p. 1). Os termos «União», «marca da UE» e «tribunal de marcas da UE» substituem a antiga terminologia a partir de 23 de março de 2016, por força do artigo 1.o do Regulamento (UE) n.o 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015 (JO 2015, L 341, p. 21).

    ( 4 ) Na sua versão aplicável à data dos factos no processo principal. Observe‑se que o artigo 9.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, conforme substituído pelo artigo 1.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2015/2424, contém uma disposição essencialmente análoga, salvo no que respeita a uma precisão segundo a qual as ações de contrafação não prejudicam os direitos anteriores, adquiridos antes da data antes da data de depósito ou de prioridade da marca da UE.

    ( 5 ) V., nos diversos contextos, acórdãos de 18 de setembro de 2008, Armacell/IHMI (C‑514/06 P, EU:C:2008:511, n.os 54 e 57); de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.os 40 a 45), e de 19 de dezembro de 2012, Leno Merken (C‑149/11, EU:C:2012:816)., n.os 41 a 43

    ( 6 ) V. estudo encomendado pela Comissão ao Instituto Max‑Planck de propriedade intelectual e direito da concorrência, «Study of the overall functioning of the European trade mark system» (Análise do funcionamento global do sistema europeu das marcas), Munique, 2011, pontos 1.13 a 1.17 (http://ec.europa.eu/internal_market/indprop/docs/tm/20110308_allensbach‑study_en.pdf).

    ( 7 ) V. artigos 110.° (relativo à proibição de uso de uma marca da UE com base em direitos anteriores) e 111.° (relativo aos direitos anteriores de âmbito local) do Regulamento n.o 207/2009.

    ( 8 ) V. acórdãos de 22 de junho de 1994, IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger (C‑9/93, EU:C:1994:261, n.os 53 a 55), e de 19 de dezembro de 2012, Leno Merken (C‑149/11, EU:C:2012:816, n.o 42).

    ( 9 ) V. Von Mühlendahl, A., «Community trade mark riddles: territoriality and unitary character», European Intellectual Property Review (EIPR), 2008, p. 66; Sosnitza, O., «Der Grundsatz der Einheitlichkeit im Verletzungsverfahren der Gemeinschaftsmarke», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht, 2011, p. 465; Schnell, S., «The Community trade mark: unitary EU right ‑ EU‑wide injunction?», EIPR, 2011, p. 210; Żelechowski, Ł., «Infringement of a Community trade mark: between EU‑wide and non‑EU‑wide scope of prohibitive injunctions», EIPR, 2013, p. 287, e «Terytorialny zasięg sądowego zakazu naruszania prawa do wspólnotowego znaku towarowego», Europejski Przegląd Sądowy, 2012, n.o 2, p. 19, e n.o 4, p. 28.

    ( 10 ) Acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.os 38 e 39).

    ( 11 ) Acórdãos de 12 de novembro de 2002, Arsenal Football Club (C‑206/01, EU:C:2002:651, n.o 54); de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o. (C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 60), e de 23 de março de 2010, Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, EU:C:2010:159, n.o 49).

    ( 12 ) Acórdão de 12 de abril de 2011 (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 46 e jurisprudência referida).

    ( 13 ) Acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 48). O Tribunal recordou que a limitação da proibição também é necessária se o requerido tiver restringido o âmbito territorial da sua ação.

    ( 14 ) Acórdão de 12 de abril de 2011 (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 48).

    ( 15 ) V. decisão de 11 de abril de 2013 — I ZR 214/11, n.o 67. Nesta decisão, o Bundesgerichtshof (Tribunal de justiça supremo federal) afirmou que, na medida em que a recorrente solicitava uma proibição com fundamento na alínea b) para todo o território da União, tal pedido não poderia proceder, a menos que a marca da UE tivesse um caráter distintivo em todo o território da UE. V., no que respeita à ligação entre essa decisão e o presente reenvio, Lambrecht, A., «EuGH‑Vorlage zur einheitlichen Wirkung der Gemeinschaftsmarke im Verletzungsverfahren» GRUR‑Prax, 2015, p. 280.

    ( 16 ) V. decisão da High Court of Justice (England and Wales) (Chancery Division), [Tribunal de Justiça Supremo (Inglaterra e País de Gales), Divisão da Chancery] de 11 de fevereiro de 2015, Enterprise Holding Inc vs. Europcar Group UK Limited & Anor [2015] EWHC 300 (Ch), nomeadamente n.os 10 e 27. O juiz inglês admitiu que esta posição era discutível à luz do acórdão de 12 de abril de 2011DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238).

    ( 17 ) Acórdão de 12 de abril de 2011 (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.o 48). Em contrapartida, o Tribunal ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito territorial de um pedido fundado numa marca que goza de prestígio, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alínea c), do mesmo regulamento. Quanto à possibilidade de invocar uma tal marca para se opor ao registo de uma marca nacional posterior, v. acórdão de 3 de setembro de 2015Iron & Smith (C‑125/14, EU:C:2015:539).

    ( 18 ) Tal conceptualização do ónus processual é conhecida nomeadamente nos direitos polaco (ciężar twierdzenia i dowodu) e alemão (Darlegungs‑ und Beweislast). V. Adrych‑Brzezińska, I., «Ciężar dowodu w prawie i procesie cywilnym», LEX Wolters Kluwer, Varsóvia, 2015, p. 55.

    ( 19 ) V. acórdão do Oberster Gerichtshof (Tribunal supremo, Áustria) de 12 de junho de 2012 no processo 17 Ob 27/11m [n.o 2.2, alínea b)], e jurisprudência dos tribunais alemães e do Reino Unidos citados por: Ashby, S., «Enforcement of A Community Trade Mark», em The ITMA & CIPA Community Trade Mark Handbook, Sweet & Maxwell, 2015, p. 196.

    ( 20 ) V. Schennen, D., em Eisenführ, G., Schennen, D., «Gemeinschaftsmarkenverordnung», 4.a edição, Carl Heymanns Verlag, Colónia, 2014, artigo 1.o°, n.o 33, e Sosnitza, O., op. cit., p. 469.

    ( 21 ) V., neste sentido, acórdãos de 18 de outubro de 2005, Class International (C‑405/03, EU:C:2005:616, n.o 73) e de 22 de março de 2012, Génesis (C‑190/10, EU:C:2012:157, n.o 59).

    ( 22 ) V. artigo 3.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45).

    ( 23 ) Acórdão de 12 de abril de 2011 (C‑235/09, EU:C:2011:238).

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