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Document 62015CC0145

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 14 de janeiro de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:12

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 14 de janeiro de 2016 ( 1 )

Processos apensos C‑145/15 e C‑146/15

K. Ruijssenaars,

A. Jansen (C‑145/15),

J. H. Dees‑Erf (C‑146/15)

contra

Staatssecretaris van Infrastructuur en Milieu

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Raad van State (Conselho de Estado, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Indemnização e assistência dos passageiros — Cancelamento de um voo — Artigo 16.o — Organismos nacionais responsáveis pela execução do regulamento — Direitos subjetivos — Papel dos organismos nacionais responsáveis pela execução do regulamento — Queixa individual — Sanções»

1. 

Com a sua questão, o Raad van State (Conselho de Estado) pretende saber se o artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 261/2004 ( 2 ) impõe a um organismo nacional responsável pela execução deste regulamento a adoção de medidas coercivas que obriguem uma transportadora aérea a pagar a um passageiro aéreo a indemnização que seria devida por atraso ou cancelamento de um voo, em conformidade com os artigos 5.° e 7.° do referido regulamento.

2. 

O artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 obriga os Estados‑Membros a designarem um organismo nacional responsável pela execução deste regulamento que, se for caso disso, deve tomar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros.

3. 

Nas presentes conclusões, explicaremos os motivos pelos quais consideramos que o artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que um organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, ao qual foi apresentada uma queixa individual por um passageiro aéreo, não pode adotar medidas coercivas contra a transportadora aérea em causa para a obrigar a pagar a indemnização que seria devida a este passageiro por força do referido regulamento.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

4.

O considerando primeiro do Regulamento n.o 261/2004 indica que «[a] ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros».

5.

O artigo 5.o deste regulamento tem a seguinte redação:

«1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[...]

c)

Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se:

i)

tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou

ii)

tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou

iii)

tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.

[...]

3.   A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.o, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

[...]»

6.

O artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)

250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

b)

400 euros para todos os voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros e para todos os outros voos entre 1500 e 3500 quilómetros.

[...]»

7.

O artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 tem a seguinte redação:

«1.   Cada Estado‑Membro deve designar o organismo responsável pela execução do presente regulamento no que respeita aos aeroportos situados no seu território e aos voos provenientes de países terceiros com destino a esses aeroportos. Sempre que adequado, esse organismo deve tomar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros. Os Estados‑Membros devem comunicar à Comissão qual o organismo que designaram em conformidade com o presente número.

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 12.o, cada passageiro pode apresentar uma queixa a qualquer organismo designado nos termos do n.o 1, ou a qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, sobre uma alegada infração ao disposto no presente regulamento ocorrida em qualquer aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ou em qualquer voo de um país terceiro com destino a um aeroporto situado nesse território.

3.   As sanções estabelecidas pelos Estados‑Membros para as infrações ao disposto no presente regulamento devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

B – Direito neerlandês

8.

Para dar cumprimento ao artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, o Reino dos Países Baixos designou o Staatssecretaris van Infrastructuur en Milieu (Secretário de Estado das Infraestruturas e do Ambiente, a seguir «Secretário de Estado») como o organismo nacional responsável pela execução desse regulamento. Assim, em conformidade com o artigo 11.15, alínea b), ponto 1, da Lei do Transporte Aéreo (Wet Luchtvaart), de 18 de junho de 1992 ( 3 ), na sua versão aplicável aos litígios em causa no processo principal (a seguir «Lei do Transporte Aéreo»), o Secretário de Estado é competente para obrigar o infrator, através de medidas coercivas administrativas, a respeitar as disposições previstas no referido regulamento ou adotadas em virtude deste para sanar uma infração. Caso não o faça ou se não o fizer nos prazos fixados, o próprio Secretário de Estado é competente para sanar esta infração.

9.

Em caso de violação das disposições contidas no Regulamento n.o 261/2004 ou adotadas ao abrigo do mesmo, o Secretário de Estado pode impor uma coima, em conformidade com o artigo 11.16, n.o 1, alínea e), ponto 1, da Lei do Transporte Aéreo.

10.

O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que esta lei confere ao Secretário de Estado uma competência geral para tomar medidas coercivas em caso de violação do Regulamento n.o 261/2004 e recorre ao exemplo da transportadora aérea que sistematicamente recusa cumprir as obrigações que lhe incumbem por força desse regulamento. Em contrapartida, considera que a referida lei não atribui competência ao Secretário de Estado para tomar medidas coercivas a pedido de um passageiro em cada caso individual em que a transportadora aérea recuse deferir um pedido de indemnização fundamentado nos artigos 5.°, n.o 1, alínea c), e 7.° do referido regulamento.

II – Matéria de facto

11.

K. Ruijssenaars e A. Jansen (processo C‑145/15), assim como J. H. Dees‑Erf (processo C‑146/15) (a seguir, em conjunto, «recorrentes no processo principal»), cujos voos foram, respetivamente, cancelados e sujeitos a um atraso de 26 horas, reclamaram, duas vezes, junto das companhias aéreas responsáveis por estes voos, nomeadamente, a Royal Air Maroc (processo C‑145/15) e a Koninklijke Luchvaart Maatschappij NV (processo C‑146/15), o pagamento da indemnização prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004.

12.

Após recusas sucessivas das duas transportadoras aéreas em indemnizar os recorrentes no processo principal, estes requereram ao Secretário de Estado que tomasse as medidas coercivas administrativas necessárias para instar aquelas a corrigir a violação do artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004 e a pagar a indemnização requerida, nos termos do artigo 7.o deste regulamento.

13.

Os pedidos e as reclamações dos recorrentes no processo principal foram indeferidos pelo Secretário de Estado. Por conseguinte, K. Ruijssenaars e A. Jansen interpuseram no Rechtbank Oost‑Brabant (Tribunal de Brabante Oriental) um recurso da decisão de indeferimento do Secretário de Estado na parte que lhes dizia respeito e J. H. Dees‑Erf interpôs no Rechtbank Den Haag (tribunal da Haia) um recurso da decisão de indeferimento do Secretário de Estado que lhe dizia respeito. Ambos os órgãos jurisdicionais negaram provimento aos recursos. Em seguida, os recorrentes interpuseram recurso no Raad van State (Conselho de Estado).

14.

Em cada um dos presentes processos, o Raad van State (Conselho de Estado) tem dúvidas sobre a competência do Secretário de Estado para adotar medidas coercivas administrativas contra transportadoras aéreas em cada caso individual de violação dos artigos 5.°, n.o 1, alínea c), e 7.° do Regulamento n.o 261/2004.

15.

Com efeito, este órgão jurisdicional considera que, tendo a relação entre uma transportadora aérea e um passageiro natureza civil, o incumprimento das obrigações que cabem a esta transportadora está abrangido pela competência dos órgãos jurisdicionais cíveis. Admitir que o Secretário de Estado possui tal competência viola, em seu entender, a repartição das competências judiciais nos Países Baixos. Além disso, de acordo com os trabalhos parlamentares da Lei do Transporte Aéreo, não incumbe à autoridade administrativa reclamar à transportadora aérea uma indemnização em nome dos passageiros.

16.

Neste contexto, o Raad van State (Conselho de Estado) decidiu suspender a instância nestes dois processos e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004, tendo em conta que o direito holandês garante o acesso aos tribunais cíveis para a proteção dos direitos conferidos aos passageiros pelo Direito da União com base nos artigos 5.°, n.o 1, alínea c), e 7.° do Regulamento, obriga as autoridades nacionais a tomarem medidas de aplicação que constituam o fundamento da competência do organismo indicado no artigo 16.o para impor condutas nos casos concretos de infração aos artigos 5.°, n.o 1, alínea c), e 7.° do Regulamento, a fim de poder garantir, em cada caso concreto, o direito à indemnização dos passageiros?»

III – Apreciação

17.

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que um organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, ao qual foi apresentada uma queixa individual por um passageiro aéreo, tem de adotar medidas coercivas contra a transportadora aérea em causa para a obrigar a pagar a indemnização que seria devida a este passageiro por força do referido regulamento.

18.

Na realidade, a questão que se coloca nos presentes processos consiste em saber qual é o alcance do papel conferido aos organismos nacionais responsáveis pela execução do Regulamento n.o 261/2004 ao abrigo deste.

19.

O artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 ainda não foi objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça. Quando muito foi evocado nos processos que deram origem aos acórdãos Comissão/Luxemburgo (C‑264/06, EU:C:2007:240), Comissão/Suécia (C‑333/06, EU:C:2007:351), e McDonagh (C‑12/11, EU:C:2013:43), sem que, no entanto, tenha sido abordada a questão que está em causa no presente processo.

20.

Segundo os recorrentes no processo principal, este artigo impõe ao organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 que tome medidas coercivas contra as transportadoras aéreas para as obrigar a pagar aos passageiros em causa a indemnização devida nos termos dos artigos 5.° e 7.° deste regulamento. Deste modo, os recorrentes no processo principal consideram que importa distinguir entre, por um lado, os danos que resultam do incumprimento das obrigações contratuais, que devem ser reclamados nos órgãos jurisdicionais cíveis, e, por outro, a obrigação de pagar a indemnização que decorre diretamente do Regulamento n.o 261/2004 e que deve ser imposta pelo organismo nacional responsável pela execução deste regulamento ( 4 ).

21.

Discordamos deste entendimento pelos seguintes motivos.

22.

O artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 prevê que «[c]ada Estado‑Membro deve designar o organismo responsável pela execução do presente regulamento [...] Sempre que adequado, esse organismo deve tomar as medidas necessárias para garantir o respeito dos direitos dos passageiros». O n.o 2 deste artigo dispõe que «cada passageiro pode apresentar uma queixa a qualquer organismo designado nos termos do n.o 1, ou a qualquer outro organismo competente designado por um Estado‑Membro, sobre uma alegada infração ao disposto no presente regulamento ocorrida em qualquer aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ou em qualquer voo de um país terceiro com destino a um aeroporto situado nesse território». Por último, o n.o 3 do referido artigo prevê que «[a]s sanções estabelecidas pelos Estados‑Membros para as infrações ao disposto no presente regulamento devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas».

23.

Assim, a missão do organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 pode ser dupla. Com efeito, a sua primeira missão, obrigatória, é fiscalizar o cumprimento deste regulamento. A segunda, que não é forçosamente conferida a este organismo mas que pode ser confiada a outro organismo, é tratar as queixas dos passageiros aéreos.

24.

Da redação do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 nada permite deduzir que o organismo nacional responsável pela execução deste regulamento tem de tomar medidas coercivas contra as transportadoras aéreas para as obrigar a pagar aos passageiros em causa a indemnização devida nos termos dos artigos 5.° e 7.° do referido regulamento.

25.

Embora seja verdade que o teor do artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 faz referência às «medidas necessárias» e às «sanções», na realidade, estes termos dizem respeito ao principal papel do organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, que consiste em fiscalizar o cumprimento geral do referido regulamento.

26.

Com efeito, este artigo 16.o deve ser lido em conjugação com o considerando 22 do Regulamento n.o 261/2004. Assim, este refere que «[o]s Estados‑Membros deverão assegurar e fiscalizar o cumprimento geral do presente regulamento pelas transportadoras aéreas e designar um organismo adequado para desempenhar essas tarefas. A fiscalização não deverá afetar o direito dos passageiros e das transportadoras aéreas de obterem reparação legal junto dos tribunais nos termos previstos no direito nacional» ( 5 ).

27.

Resulta da leitura conjugada destas disposições que a primeira missão, obrigatória, do organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 é garantir, de forma global, que as transportadoras aéreas cumprem as obrigações que decorrem deste regulamento. Por exemplo, tal organismo deve assegurar que os passageiros aéreos são devidamente informados, pelas transportadoras aéreas, dos seus direitos ou que sabem a quem se devem dirigir se considerarem que os seus direitos não foram respeitados ( 6 ). Deve também identificar eventuais violações das obrigações que incumbem às transportadoras aéreas por força do referido regulamento e saná‑las.

28.

Em caso de violação destas obrigações, o organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 toma as medidas necessárias para que os direitos dos passageiros sejam respeitados, nomeadamente, sanções contra as transportadoras aéreas ( 7 ). A utilização do termo «sanções», no artigo 16.o, n.o 3, do referido regulamento, não deixa margem para dúvidas. Em caso algum estas sanções podem substituir a indemnização devida ao passageiro cujos direitos não foram respeitados. Com efeito, as referidas sanções apenas são aplicadas caso as transportadoras aéreas não cumpram as obrigações que lhes incumbem em virtude do Regulamento n.o 261/2004e não por uma violação dos direitos subjetivos conferidos ao passageiro aéreo por esse regulamento na sequência de um contrato que celebrou com uma transportadora aérea. O organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, na sua primeira missão, defende, na realidade, os interesses coletivos dos passageiros aéreos.

29.

Esta interpretação é confirmada pelos trabalhos preparatórios atualmente em curso para alteração do Regulamento n.o 261/2004. Deste modo, a Comissão, recordando que este «prevê [...] a criação, pelos Estados‑Membros, de organismos nacionais de execução [...] encarregados de garantir a sua correta aplicação» ( 8 ), refere que importa esclarecer o papel destes organismos atribuindo‑lhes de forma clara a fiscalização clara do cumprimento e garantir que adotarão uma política de controlo mais proactiva do que atualmente ( 9 ).

30.

Os Estados‑Membros dispõem de uma determinada margem de manobra na designação dos referidos organismos e, sobretudo, na atribuição das competências que pretendem conferir‑lhes. A este respeito, existe alguma disparidade institucional. Certos Estados‑Membros optaram por designar como organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 a sua autoridade nacional de aviação civil, ao passo que outros preferiram designar a sua autoridade nacional de proteção dos consumidores ( 10 ). De igual modo, apesar de alguns Estados‑Membros (na realidade, a grande maioria) designarem este organismo como competente para tratar as queixas individuais na aceção do artigo 16.o, n.o 2, deste regulamento, outros, em contrapartida, encarregaram esta missão a um organismo diferente ( 11 ).

31.

O que sucede quando o organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 está igualmente encarregado do tratamento das queixas individuais? Tem a obrigação de adotar medidas coercivas para obrigar a transportadora aérea a indemnizar o passageiro aéreo? Consideramos que não.

32.

Conforme vimos, o organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 pode, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 2, deste regulamento, ser igualmente responsável pelo tratamento das queixas. Nada na redação desta disposição indica que está obrigado a atuar na sequência de uma queixa de um passageiro aéreo relativa à violação dos direitos de que é titular por força do referido regulamento. Em nosso entender, os Estados‑Membros dispõem, a este respeito, de alguma margem de manobra quanto à extensão das competências conferidas a tal organismo. Assim, este pode adotar a forma de um organismo responsável pela resolução extrajudicial dos litígios entre as transportadoras aéreas e os passageiros e desempenhar o papel de mediador ou o seu papel pode limitar‑se a prestar informações ao passageiro aéreo que lhe apresentou uma queixa, nomeadamente, informando‑o sobre como deve atuar, como deve apresentar uma reclamação junto da transportadora aérea ou orientando‑o para o formulário padrão europeu ( 12 ).

33.

Apesar de não existir, em relação ao organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 que trata das queixas, a obrigação de atuar na sequência de uma queixa individual, o número de queixas que lhe são apresentadas pode, em contrapartida, ser um bom indicador de uma violação repetida das obrigações que incumbem à transportadora aérea e, assim, conduzir à adoção de medidas coercivas contra esta ( 13 ).

34.

Tal interpretação não é suscetível de pôr em causa os objetivos que o Regulamento n.o 261/2004 pretende alcançar, ou seja, garantir um elevado nível de proteção dos passageiros e ter plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral ( 14 ). Bem pelo contrário.

35.

Com efeito, recordamos que o Regulamento n.o 261/2004 tem como objetivo garantir um elevado nível de proteção dos passageiros aéreos reconhecendo‑lhes direitos mínimos em caso de recusa de embarque, de cancelamento ou atraso considerável de um voo ( 15 ). Se considerarem que os seus direitos foram violados e que o recurso administrativo falhou, os passageiros aéreos mantêm a possibilidade de recorrerem às vias judiciais clássicas. Deste modo, podem submeter a questão ao órgão jurisdicional competente. Na maioria dos Estados‑Membros, existe um processo simplificado para os litígios cujo montante não excede um determinado limite o que, consequentemente, facilita aos passageiros aéreos o acesso à justiça ( 16 ). A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que este limite é de 25000 euros nos Países Baixos e que não é obrigatória a representação por um advogado.

36.

Quanto aos litígios transfronteiriços, recordamos que existe um processo europeu para ações de pequeno montante previsto pelo Regulamento (CE) n.o 861/2007 ( 17 ) que é aplicável aos litígios cujo montante do pedido não ultrapassa 2000 euros e que também não exigem patrocínio de advogado ( 18 ).

37.

Por conseguinte, estes processos permitem que os passageiros aéreos disponham de uma via de recurso contencioso facilitada perante companhias aéreas profissionais.

38.

Além disso, a articulação e a determinação dos respetivos papeis dos organismos nacionais responsáveis pela execução do Regulamento n.o 261/2004, dos organismos responsáveis pelo tratamento das queixas, se for caso disso, e dos órgãos jurisdicionais nacionais, conforme resultam da nossa apreciação, são efetivamente a única forma de garantir a proteção dos passageiros aéreos e dos consumidores em geral.

39.

Com efeito, se fosse deixada aos organismos nacionais responsáveis pela execução do Regulamento n.o 261/2004 a faculdade de implementarem os direitos subjetivos de que os passageiros aéreos são titulares nos termos deste regulamento e de obrigar as transportadoras aéreas a pagar a indemnização que seria devida por força das disposições deste regulamento, inevitavelmente resultariam diferentes interpretações do direito da União, que constituiriam fator de insegurança jurídica para os passageiros aéreos. Por conseguinte, podemos perfeitamente imaginar que um organismo nacional responsável pela execução do referido regulamento, ao qual foi apresentada uma queixa individual, possa considerar que o cancelamento de um voo não é consequência da ocorrência de circunstâncias extraordinárias e, assim, deferir o pedido apresentado pelo passageiro aéreo obrigando a transportadora aérea a indemnizá‑lo, mesmo que o órgão jurisdicional competente chamado a pronunciar‑se em paralelo ou a posteriori considere que tais circunstâncias estão demonstradas e que, por isso, esta indemnização não é devida.

40.

Por outro lado, coloca‑se necessariamente a questão de saber se um organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 pode ser qualificado de «órgão jurisdicional», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, assim, tem acesso ao processo de reenvio prejudicial. Em nossa opinião, tal organismo não pode beneficiar desta qualificação ( 19 ). Por conseguinte, admitir que este organismo pode adotar medidas coercivas contra uma transportadora aérea para a obrigar a indemnizar um passageiro aéreo, acarreta o risco, em caso de dúvida quanto à interpretação que importa dar às disposições relevantes do Regulamento n.o 261/2004, de serem desenvolvidas interpretações divergentes destas disposições pelos diferentes organismos nacionais responsáveis pela execução de tal regulamento e, deste modo, prejudicar a interpretação e a aplicação uniformes do direito da União, num contencioso que é frequente no Tribunal de Justiça, sendo a interpretação das referidas disposições fonte de várias dificuldades.

41.

Atendendo ao exposto, consideramos que o artigo 16.o do Regulamento n.o 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que um organismo nacional responsável pela execução deste regulamento, ao qual foi apresentada uma queixa individual por um passageiro aéreo, não pode adotar medidas coercivas contra a transportadora aérea em causa para a obrigar a pagar a indemnização devida a este passageiro por força do referido regulamento.

IV – Conclusão

42.

Tendo em consideração o exposto, propomos que o Tribunal de Justiça responda o seguinte à questão do Raad van State (Conselho de Estado):

O artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, deve ser interpretado no sentido de que um organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 ao qual foi apresentada uma queixa individual por um passageiro aéreo, não pode adotar medidas coercivas contra a transportadora aérea em causa para a obrigar a pagar a indemnização devida a este passageiro por força do referido regulamento.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO L 46, p. 1).

( 3 ) Stb. 1992, n.o 368.

( 4 ) N.o 20 das observações escritas no processo C‑145/15.

( 5 ) Sublinhado nosso.

( 6 ) V. n.os 3.3 e 3.4 da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.o 261/2004 que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos [COM(2011) 174 final].

( 7 ) V. artigo 16.o, n.os 1 e 3, deste regulamento.

( 8 ) V. n.o 1.1 da Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 261/2004 que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e o Regulamento (CE) n.o 2027/97 relativo à responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de passageiros e respetiva bagagem [COM(2013) 130 final].

( 9 ) V. n.o 3.3.1.2 desta proposta.

( 10 ) V. documento da Comissão disponível no sítio Internet http://ec.europa.eu/transport/themes/passengers/air/doc/2004_261_national_enforcement_bodies.pdf.

( 11 ) Idem. É o caso, nomeadamente, da Hungria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia.

( 12 ) Este formulário está disponível no sítio Internet http://ec.europa.eu/transport/themes/passengers/air/doc/complain_form/eu_complaint_form_fr.pdf.

( 13 ) Além disso, a Comissão, na sua proposta de regulamento referida na nota de pé de página 8, propõe uma melhor coordenação entre o organismo nacional responsável pela execução do Regulamento n.o 261/2004 e o organismo responsável pelo tratamento das queixas individuais, para poder identificar facilmente os incumprimentos às obrigações que decorrem deste regulamento e, assim, se for necessário, punir a transportadora aérea incumpridora (v. artigos 16.° e 16.°‑A).

( 14 ) V. considerando primeiro deste regulamento.

( 15 ) V. artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento.

( 16 ) V. documento do Parlamento Europeu, intitulado «Processo europeu de resolução de litígios — Análise jurídica da proposta da Comissão que visa corrigir os erros do sistema atual», disponível no sítio Internet http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/IDAN/2014/542137/EPRS_IDA%282014%29542137_FR.pdf.

( 17 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante (JO L 199, p. 1).

( 18 ) V. artigos 2.°, n.o 1, e 10.° deste regulamento.

( 19 ) Recordamos que, «segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para apreciar se o organismo de reenvio tem a natureza de ‘órgão jurisdicional’ para efeitos do artigo 267.o TFUE, questão que é unicamente do âmbito do direito da União, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, como a origem legal do organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo organismo, das regras de direito, bem como a sua independência [...]. Além disso, os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar‑se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de caráter jurisdicional» (v. acórdão Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.o 23).

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