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Document 62014TJ0661

    Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 14 de julho de 2016.
    República da Letónia contra Comissão Europeia.
    FEOGA, FEAGA e FEADER — Despesas excluídas do financiamento — Correção financeira fixa — Condicionalidade — Requisitos mínimos para as boas condições agrícolas e ambientais — Normas — Artigo 5.°, n.° 1, e Anexo IV do Regulamento (CE) n.° 1782/2003 — Artigo 6.°, n.° 1, e Anexo III do Regulamento (CE) n.° 73/2009.
    Processo T-661/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2016:412

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

    14 de julho de 2016 ( *1 )

    «FEOGA, FEAGA e FEADER — Despesas excluídas do financiamento — Correção financeira fixa — Condicionalidade — Requisitos mínimos para as boas condições agrícolas e ambientais — Normas — Artigo 5.o, n.o 1, e Anexo IV do Regulamento (CE) n.o 1782/2003 — Artigo 6.o, n.o 1, e Anexo III do Regulamento (CE) n.o 73/2009»

    No processo T‑661/14,

    República da Letónia, representada por I. Kalniņš e D. Pelše, na qualidade de agentes,

    recorrente,

    contra

    Comissão Europeia, representada por A. Sauka e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE destinado à anulação da Decisão de Execução 2014/458/UE da Comissão, de 9 de julho de 2014, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Garantia», do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2014, L 205, p. 62), uma vez que essa decisão exclui do financiamento da União certas despesas da República da Letónia, no valor de 739393,95 euros, devido à sua não conformidade com as regras da União,

    O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

    composto por: M. Jaeger, presidente, M. Prek e V. Kreuschitz (relator), juízes,

    secretário: S. Bukšek Tomac, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 27 de janeiro de 2016,

    profere o presente

    Acórdão

    Antecedentes do litígio

    1

    No âmbito de um controlo de apuramento da conformidade nos termos do artigo 31.o do Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho, de 21 de junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO 2005, L 209, p. 1), a Comissão Europeia, por ofício de 26 de novembro de 2010, informou a República da Letónia de que tinha constatado deficiências à luz da regulamentação da União Europeia, em particular, no âmbito da condicionalidade, a não implementação de algumas normas previstas no Anexo IV do Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93 (CE) n.o 1452/2001 (CE) n.o 1453/2001 (CE) n.o 1454/2001 (CE) n.o 1868/94 (CE) n.o 1251/1999 (CE) n.o 1254/1999 (CE) n.o 1673/2000 (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001 (JO 2003, L 270, p. 1), e no Anexo III do Regulamento (CE) n.o 73/2009 do Conselho, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005 (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO 2009, L 30, p. 16). Segundo a Comissão, estas deficiências visavam as normas e os exercícios seguintes: «Cobertura mínima do solo», em 2008 e 2009; «Normas para as rotações de culturas», em 2008; «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», em 2008; e «Manutenção das características das paisagens», em 2008 e 2009.

    2

    Por carta de 27 de janeiro de 2011, dirigida à Comissão, as autoridades letãs explicaram nomeadamente que as normas intituladas «Normas para as rotações de culturas» e «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados» não tinham sido definidas como requisitos mínimos na Letónia. De acordo com o Anexo III do Regulamento n.o 73/2009, intitulado «Boas condições agrícolas e ambientais referidas no artigo 6.o», essas normas mantiveram‑se facultativas após 1 de janeiro de 2009 e não foram implementadas. No que respeita à norma intitulada «Cobertura mínima do solo», as autoridades letãs indicaram que, a partir de 2010, esta tinha sido implementada, por recomendação de um grupo de trabalho composto por peritos e organizado pela Comissão, através da exigência de que se mantinha um sistema de melhoria nas parcelas agrícolas sob a responsabilidade do agricultor, o que garante a regulação do regime de humidade dos solos.

    3

    Por carta de 23 de julho de 2012, a Comissão, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 885/2006 da Comissão, de 21 de junho de 2006, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho no respeitante à acreditação dos organismos pagadores e de outros organismos e ao apuramento das contas do FEAGA e do FEADER (JO 2006, L 171, p. 90), convidou as autoridades letãs para uma reunião bilateral. Nessa carta, a Comissão indicou manter a sua posição segundo a qual as normas intituladas «Normas para as rotações de culturas» e «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados» deviam ser introduzidas no exercício de 2008, o que não foi feito. No que toca à implementação da norma intitulada «Cobertura mínima do solo», a Comissão precisou que a explicação dada pelas autoridades letãs só incidia sobre a regulação da humidade dos solos. Assim, esta norma só tinha sido introduzida no exercício de 2010. Por último, a Comissão salientou a falta de clarificação suplementar quanto à norma intitulada «Manutenção das características das paisagens», tendo daí concluído pelo seu incumprimento nos exercícios de 2008 e de 2009.

    4

    A reunião bilateral teve lugar em 20 de setembro de 2012.

    5

    Por carta de 6 de novembro de 2012, as autoridades letãs explicaram à Comissão que certas normas não eram, no contexto nacional, essenciais e que a sua implementação não fazia sentido. Além disso, sublinharam nomeadamente que, no seu Relatório Especial n.o 8/2008, intitulado «A condicionalidade é uma política eficaz?», o Tribunal de Contas da União Europeia indicou que os objetivos da condicionalidade não estavam concretamente definidos nem eram quantificáveis, realizáveis, pertinentes ou datados.

    6

    Em 30 de janeiro de 2013, a Comissão comunicou às autoridades letãs uma ata da reunião bilateral, que continha um resumo das informações suplementares fornecidas pelas referidas autoridades na carta de 6 de novembro de 2012. Em 25 de fevereiro de 2013, a Comissão enviou uma ata em letão onde solicitou informações suplementares. As autoridades letãs forneceram essas informações em 25 de abril de 2013.

    7

    Em 11 de novembro de 2013, a Comissão comunicou às autoridades letãs a sua proposta de excluir do financiamento da União o montante total de 861763,19 euros por inexecução das normas em causa, incluindo por falta de controlos e sanções das exigências administrativas mínimas. Nessa carta, a Comissão expôs, designadamente, o seguinte:

    «Em resumo, a [Comissão] sustenta que quatro normas BCAA [relativas às “boas condições agrícolas e ambientais” sobre dez não foram definidas no exercício de 2008 e que duas normas BCAA sobre oito não foram definidas no exercício de 2009. As autoridades letãs apresentaram uma estimativa do risco potencial para os fundos relativamente a determinados exercícios. Contudo, a [Comissão] não pode aceitar essa estimativa porque não tem a garantia de que os montantes assim definidos correspondem à totalidade do risco para os fundos. Além disso, essa estimativa não tem em conta a perda de efeito dissuasor devido à não aplicação dos controlos e das sanções.»

    8

    Em 20 de dezembro de 2013, as autoridades letãs submeteram um pedido ao órgão de conciliação, expondo os motivos pelos quais consideravam que a Comissão tinha violado as disposições pertinentes dos Regulamentos n.os 1782/2003 e 73/2009.

    9

    Por carta de 27 de janeiro de 2014, o órgão de conciliação indeferiu o pedido por o considerar inadmissível, uma vez que o montante das correções financeiras controvertidas era inferior a um milhão de euros e que o referido pedido não suscitava questões de princípio que tivessem sido objeto do procedimento bilateral.

    10

    Por carta de 3 de março de 2014, a Comissão comunicou à República da Letónia os montantes que propunha excluir do financiamento da União, que, no total, ascendiam a 741624,23 euros.

    11

    Em seguida, foi comunicado à República da Letónia o relatório de síntese, datado de 5 de maio de 2014 e com a referência D(2014) 1819246‑ANN2‑EN/FR, relativo aos resultados das inspeções da Comissão no contexto do procedimento de apuramento da conformidade de acordo com o artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1258/1999[do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO 1999, L 160, p. 103),] e o artigo 31.o do Regulamento n.o 1290/2005 (a seguir «relatório de síntese»).

    12

    A fundamentação relevante para as correções financeiras controvertidas está exposta nas páginas 98 e 105 do relatório de síntese. Nele se indica que o Estado‑Membro deve, por força do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009, estabelecer as regras destinadas à totalidade das normas enumeradas, respetivamente, no Anexo IV e no Anexo III dos referidos regulamentos, salvo casos justificados.

    13

    No que respeita ao exercício de 2008, o relatório de síntese expõe que não foram definidas nem controladas quatro normas sobre dez, a saber, as normas intituladas «Normas para as rotações de culturas», «Taxas mínimas de encabeçamento», «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens». A Comissão fez também referência a 106 casos de cálculos errados das sanções. No documento AGRI‑2005‑64043, de 9 de junho de 2006, intitulado «Comunicação da Comissão sobre o tratamento, pela Comissão, no contexto do apuramento das contas do FEOGA, Secção “Garantia”, das deficiências verificadas nos sistemas de controlo da condicionalidade implementados pelos Estados‑Membros» (a seguir «documento AGRI‑2005‑64043»), atribuiu uma taxa de correção fixa de 5% às deficiências identificadas no âmbito dos controlos‑chave do exercício de 2008. Quanto às deficiências constatadas no presente caso respeitantes às normas relativas às boas condições agrícolas e ambientais (a seguir «normas BCAA»), a Comissão indicou que estas justificavam, em si, uma correção fixa de 5% relativamente à totalidade da população de agricultores sujeita a controlo da condicionalidade. Considera‑se coberto pela correção fixa de 5% para o exercício de 2008 o cálculo do montante fornecido pelas autoridades letãs respeitante aos 106 casos de cálculos errados das sanções.

    14

    No que respeita ao exercício de 2009, o relatório de síntese salienta que não foram definidas nem controladas duas normas sobre oito, a saber, as normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens». Além disso, o referido relatório constata outras deficiências nas sanções relativas às exigências regulamentares em matéria de gestão (ERMG) 4 e 7. A Comissão considerou que, apesar de terem sido identificadas deficiências nos controlos‑chave no exercício de 2009, tendo em conta o facto de terem sido introduzidas melhorias no sistema de controlo da condicionalidade na Letónia, o risco incorrido pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Garantia», pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (a seguir, conjuntamente, «fundos») foi menos elevado nesse ano do que no exercício de 2008, pelo que as deficiências constatadas justificavam uma correção fixa de 2% no exercício de 2009. Consideram‑se cobertos pela taxa de 2% os cálculos fornecidos pelas autoridades letãs sobre os montantes relacionados com as deficiências nas sanções relativas às ERMG 4 e 7.

    15

    Em 9 de julho de 2014, a Comissão adotou, com base no artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1258/1999 e no artigo 31.o do Regulamento n.o 1290/2005, a Decisão de Execução 2014/458/UE, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título dos fundos (JO 2014, L 205, p. 62; a seguir «decisão impugnada»). Nessa decisão, a Comissão excluiu, a título dos exercícios de 2009 a 2012, determinadas despesas da República da Letónia, no valor total de 739393,95 euros, que tinham sido efetuadas pelo organismo pagador acreditado da República da Letónia, tendo em conta o estabelecimento das exigências em matéria de condicionalidade, devido à sua não conformidade com as regras da União.

    16

    A decisão impugnada foi notificada à República da Letónia em 11 de julho de 2014 e publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 12 de julho de 2014 (JO 2014, L 205, p. 62).

    17

    O artigo 1.o da decisão impugnada prevê que as despesas dos organismos pagadores acreditados dos Estados‑Membros que tenham sido declaradas a título dos fundos e estejam indicadas no seu anexo são excluídas do financiamento da União por não serem conformes com as regras da União. As correções financeiras fixas aplicadas à República da Letónia — à taxa, consoante o caso, de 2 ou 5% — figuram nas páginas 69, 70, 73 e 74 do referido anexo.

    Tramitação processual e pedidos das partes

    18

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2014, a República da Letónia interpôs o presente recurso.

    19

    Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

    20

    No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o, n.o 3, alínea d), do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral convidou a Comissão a apresentar o documento VI/5330/97, de 23 de dezembro de 1997, intitulado «Diretrizes da Comissão Europeia para o cálculo das consequências financeiras, aquando da preparação da decisão de apuramento das contas do FEOGA[, Secção “Garantia”]» (a seguir «documento VI/5330/97»). A Comissão acedeu a esse pedido no prazo fixado.

    21

    Por impedimento de um dos membros da Quarta Secção, o presidente do Tribunal designou‑se a si próprio para completar a secção.

    22

    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 27 de janeiro de 2016.

    23

    A República da Letónia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    anular a decisão impugnada na parte em que exclui do financiamento da União algumas das suas despesas, no valor de 739393,95 euros;

    condenar a Comissão nas despesas.

    24

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    negar provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente;

    condenar a República da Letónia nas despesas.

    Questão de direito

    Resumo dos fundamentos de anulação

    25

    A República da Letónia invoca dois fundamentos de recurso.

    26

    Com o primeiro fundamento, a República da Letónia contesta a justeza das correções financeiras controvertidas que são motivadas pela pretensa falta de implementação das normas BCAA. A este respeito, a Comissão não observou o âmbito do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 nem do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009.

    27

    Com o segundo fundamento, a República da Letónia sustenta, em substância, que, no momento do cálculo das correções financeiras controvertidas, a Comissão violou, designadamente, o princípio da proporcionalidade e não aplicou corretamente o Regulamento n.o 1290/2005, o documento AGRI‑2005‑64043 nem o documento VI/5330/97.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009

    Argumentos das partes

    28

    Segundo a República da Letónia, embora os Estados‑Membros estejam, no momento da definição dos requisitos mínimos previstos no Regulamento n.o 1782/2003, obrigados a respeitar as disposições do Anexo IV do referido regulamento, este deixa‑lhes, através da utilização de conceitos e de termos gerais, uma certa margem de apreciação quanto à determinação concreta dos referidos requisitos. O mencionado regulamento limita‑se a estabelecer um quadro regulamentar geral no qual os Estados‑Membros dispõem, por força do seu artigo 5.o, n.o 1, de um poder discricionário para determinar, nomeadamente, as normas BCAA que são essenciais no contexto nacional, tendo em conta as características específicas das zonas em causa.

    29

    A República da Letónia introduziu as normas BCAA em 2008 e em 2009 em conformidade com os Regulamentos n.os 1782/2003 e 73/2009, tendo em conta o seu contexto nacional. Ao fazê‑lo, teve igualmente em conta a carta da Comissão de 30 de julho de 2007, que precisava que essas normas só deviam ser definidas se fossem importantes nesse contexto. Do mesmo modo, na sua carta de 26 de novembro de 2010, a Comissão indicou que os Estados‑Membros deviam estabelecer disposições para todos os temas e normas enumerados no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003 e no Anexo III do Regulamento n.o 73/2009, salvo casos justificados. A Comissão tomou posição no mesmo sentido, tanto no seu relatório de 29 de março de 2007 ao Conselho da União Europeia, relativo à execução da condicionalidade [COM(2007)147] como na sua Comunicação sobre o exame de saúde da reforma da política agrícola comum, de 20 de maio de 2008. A República da Letónia conclui daí que podia limitar‑se a introduzir apenas as normas que eram importantes no seu contexto nacional.

    30

    Com efeito, as normas BCAA só são obrigatórias quando o Estado‑Membro verifica que a sua implementação é essencial no contexto nacional. Na falta de critérios mais precisos previstos no Regulamento n.o 1782/2003, só o Estado‑Membro poderá, no exercício do seu poder discricionário, conferir uma forma concreta às referidas normas no seu sistema jurídico e determinar se estas são essenciais e, portanto, obrigatórias nesse sentido. Para agir em conformidade com o direito da União, basta, assim, que o Estado‑Membro cumpra a sua obrigação de resultado de implementação das normas essenciais. No caso em apreço, para efeitos da análise dos objetivos pertinentes e dos problemas a resolver, a República da Letónia escolheu as normas que eram as mais adequadas, mais importantes e mais adaptadas às especificidades do território letão.

    31

    Em primeiro lugar, quanto à exigência que consiste em «proteger o solo através de medidas adequadas» e às normas previstas para o efeito, a saber, as intituladas «Cobertura mínima do solo», «Gestão mínima da terra, refletindo as condições específicas do local» e «Socalcos», a República da Letónia considera ter escolhido a norma mais eficiente em face das «características específicas das zonas em questão». Tendo em conta a situação específica das terras agrícolas letãs, em especial a reduzida área constituída por encostas inclinadas e a utilização principal dessas terras como pastagens permanentes, concluiu que a sua gestão era menos importante na Letónia e que não era necessário introduzir a norma intitulada «Cobertura mínima do solo».

    32

    Em segundo lugar, no que se refere à manutenção dos «teores de matéria orgânica do solo através de práticas adequadas» e das normas propostas para o efeito, a saber, as normas intituladas «Gestão do restolho» e «Normas para as rotações de culturas, se for caso disso», a República da Letónia afirma ter concluído que a rotação das culturas não devia ser introduzida como exigência distinta. Com efeito, os agricultores procedem tradicionalmente à rotação das culturas como método de gestão das terras, pelo que a exigência de diversificação das culturas já é observada em 99,2% das terras aráveis e que a norma em causa só se aplica a uma parte insignificante da área dessas terras. Além disso, os custos administrativos, nomeadamente os resultantes dos controlos físicos, com a implementação potencial desta norma seriam relativamente elevados e desproporcionados às vantagens retiradas. Por último, o caráter facultativo da sua implementação é confirmado pela utilização dos termos «se for caso disso».

    33

    Em terceiro lugar, no que respeita à obrigação de «[a]ssegurar um nível mínimo de manutenção e [de] evitar a deterioração dos habitats» e às normas propostas para o efeito, a saber, as normas intituladas «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», «Proteção das pastagens permanentes», «Manutenção das características das paisagens», «Prevenção da invasão das terras agrícolas por vegetação indesejável» e «Manutenção dos olivais e das vinhas em bom estado vegetativo», a República da Letónia alega ter concluído que a implementação separada da norma destinada a manter as particularidades topográficas e da norma sobre a taxa de encabeçamento não era essencial. Considera que a norma intitulada «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados» não é importante no contexto da condicionalidade, uma vez que apenas diz respeito a uma pequena parte das explorações e das terras agrícolas. Além disso, o seu objetivo, a saber, a manutenção das pastagens permanentes, é alcançado na Letónia pela aplicação da exigência resultante de uma norma nacional, mais concretamente, o ponto 24.4 do Regulamento Ministerial n.o 269. Ora, a implementação da referida norma é contrária aos objetivos do referido regulamento ministerial e tem uma influência negativa sobre o cumprimento da exigência de proteção das pastagens permanentes. Consequentemente, a República da Letónia fez uso da sua faculdade, nos termos do Regulamento n.o 1782/2003, de definir outro regime adequado para manter pastagens permanentes. Por último, as normas intituladas «Rotação de culturas», «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens» não são importantes no contexto nacional, ao passo que os objetivos da norma intitulada «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados» foram ainda assim alcançados através da definição de um regime adequado, a saber, as condições mínimas de ceifa.

    34

    Em quarto lugar, a República da Letónia recorda a importância da resolução efetiva dos problemas descritos no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003, o que a mera aplicação das normas em causa não garante, devendo estas ser efetivamente executadas. Ora, são precisamente as autoridades nacionais, familiarizadas com o contexto nacional, que melhor poderão alcançar o mais eficazmente possível os objetivos do Regulamento n.o 1782/2003. Isto implica — atendendo à razão de ser da derrogação prevista no artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento — a possibilidade de os Estados‑Membros introduzirem apenas uma parte das normas aí previstas.

    35

    A República da Letónia conclui do exposto que resolveu os problemas identificados no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003, ao alcançar os objetivos aí fixados e ao avaliar e determinar, relativamente a cada um desses problemas, de acordo com o contexto nacional, as normas mais adequadas e as mais eficazes entre as propostas pelo referido regulamento.

    36

    A República da Letónia acrescenta que só em 15 de setembro de 2009 é que a Comissão afirmou que todas as normas definidas no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003 eram obrigatórias. Além disso, resulta da correspondência entre a Comissão e as autoridades letãs que, no que respeita a certas normas BCAA implementadas na Letónia, a Comissão considerou que deviam ser aplicadas, ao passo que em relação a outras, como as que visam os «socalcos», tomou uma posição contrária à da República da Letónia. Esta última concluiu daí por maioria de razão que não era obrigatória a aplicação de todas as normas. Esta abordagem incoerente da Comissão quanto à aplicação do Regulamento n.o 1782/2003 é, de resto, contrária ao princípio da proteção da confiança legítima. A inércia da Comissão até setembro de 2009 relativamente às normas letãs introduzidas em 2008 e em 2009 gerou na República da Letónia uma confiança legítima na sua ação, até essa data, em conformidade com o direito da União.

    37

    Tendo em conta o exposto, a República da Letónia considera não ter violado as disposições dos Regulamentos n.os 1782/2003 e 73/2009 e que a Comissão não dispunha de base jurídica para lhe aplicar uma correção financeira.

    38

    A Comissão retorque que o Regulamento n.o 1782/2003 não confere poder discricionário aos Estados‑Membros relativamente à escolha das normas que figuram no seu Anexo IV. As normas aí previstas devem todas ser implementadas, com exceção das que careciam de objeto no contexto nacional, o que a Comissão, de resto, já tinha indicado no seu relatório de 29 de março de 2007 sobre a condicionalidade. Ao confiar aos Estados‑Membros a missão de definir os ditos «requisitos mínimos», o legislador da União deu‑lhes a possibilidade de terem em conta as diferenças regionais existentes no seu território na implementação das normas BCAA enunciadas no referido Anexo IV, sem, no entanto, lhes conferir o direito de decidir não aplicar de todo determinadas partes das referidas normas. A Comissão recorda que a sua proposta inicial, de 21 de janeiro de 2003, de um regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui regimes de apoio aos produtores de determinadas culturas [COM(2003) 23 final] não previa a obrigação de os Estados‑Membros providenciarem por que todos os terrenos agrícolas sejam mantidos «em boas condições agrícolas e ambientais», sendo que esta obrigação assenta numa opção do legislador da União quando do processo legislativo. Precisa que, noutros Estados‑Membros, como a Estónia, Malta e os Países Baixos, várias normas BCAA implementadas em 2009 incidiam sobre uma parte relativamente reduzida das terras agrícolas. Além disso, a Comissão considera que a sua posição sobre a norma «Socalcos» assenta numa interpretação coerente do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003, «designadamente que as normas BCAA que não são de modo algum aplicáveis no contexto nacional também não devem ser implementadas». Com efeito, uma das particularidades geográficas da Letónia é a inexistência de socalcos no meio natural, pelo que não é necessário implementar essa norma.

    Apreciação do Tribunal Geral

    – Observações preliminares

    39

    No âmbito do presente fundamento, o Tribunal é chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se existe ou não uma obrigação absoluta de os Estados‑Membros implementarem todas as normas referidas no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003 e no Anexo III do Regulamento n.o 73/2009. Para responder a esta questão, em conformidade com jurisprudência constante, há que proceder a uma interpretação literal, contextual, teleológica e histórica das disposições controvertidas. Neste contexto, há que ter em conta que os textos do direito da União são redigidos em várias línguas e todas as versões linguísticas fazem fé, o que pode requerer uma comparação das versões linguísticas (v., neste sentido, acórdão de 11 de dezembro de 2015, Finlândia/Comissão, T‑124/14, EU:T:2015:955, n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).

    40

    A esse respeito, há que precisar, a título preliminar, que as disposições dos Regulamentos n.os 1782/2003 e 73/2009 são por natureza, por força do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, obrigatórias em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis nas ordens jurídicas nacionais e não requerem, portanto, em princípio, uma transposição regulamentar em sentido estrito a nível nacional. Assim, a aplicabilidade direta de um regulamento exige que a sua entrada em vigor e a sua aplicação a favor ou contra sujeitos de direito se realizem sem qualquer medida de receção no direito nacional. Só não será assim se o regulamento em causa deixar aos Estados‑Membros a iniciativa de tomarem, eles próprios, as medidas legislativas, regulamentares, administrativas e financeiras necessárias para que as disposições desse regulamento possam ser efetivamente aplicadas (v., neste sentido, acórdão de 14 de junho de 2012, Association nationale d’assistance aux frontières pour les étrangers, C‑606/10, EU:C:2012:348, n.o 72 e jurisprudência referida). Há que observar que é o que sucede no caso em apreço (v. n.os 41 e segs., infra), o que, em princípio, não é contestado pelas partes.

    – Quanto à interpretação literal

    41

    Há que recordar que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 tem, nomeadamente, a seguinte redação:

    «[...] Os Estados‑Membros devem definir [[…]] requisitos mínimos para as [BCAA] com base no quadro constante do [A]nexo IV, tendo em conta as características específicas das zonas em questão, nomeadamente as condições edafoclimáticas, os sistemas de exploração, a utilização das terras, a rotação das culturas, as práticas agrícolas, assim como as estruturas agrícolas existentes [...]»

    42

    A parte relevante do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009 tem uma redação essencialmente análoga, salvo que se refere a um «Anexo III», em vez de a um «Anexo IV».

    43

    A utilização do verbo «definir» no indicativo indica, sobretudo nas versões inglesa («shall define») e portuguesa («devem definir»), a existência de uma obrigação quanto ao estabelecimento de «requisitos mínimos para as [BCAA] com base no quadro constante do [A]nexo IV» do Regulamento n.o 1782/2003. À semelhança do que a Comissão expõe, esta obrigação de definição tem por objeto a adoção pelo Estado‑Membro de regras de alcance geral que estabeleçam esses «requisitos mínimos» tendo em conta as normas previstas no referido anexo. Com efeito, o Tribunal de Justiça concluiu que, embora, ao definirem esses requisitos, os Estados‑Membros estejam obrigados a respeitar o referido anexo, este deixa‑lhes, ainda assim, através da utilização de conceitos e termos gerais, uma certa margem de apreciação quanto à determinação concreta dos referidos requisitos (v., por analogia, acórdão de 16 de julho de 2009, Horvath, C‑428/07, EU:C:2009:458, n.os 25 e 26). Daqui resulta que a obrigação de definição que incumbe aos Estados‑Membros através da atividade regulamentar, por um lado, implica o seu dever de «respeitar» todas as normas referidas no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003 e, por outro, está intimamente ligada a uma certa margem da sua parte para definir concretamente esses requisitos com base nas referidas normas, sendo que estas assentam em conceitos e em termos gerais cuja aplicação concreta implica necessariamente a existência de poder de apreciação (v., por analogia, conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Horvath, C‑428/07, EU:C:2009:47, n.os 28 e 58).

    44

    Todavia, não resulta do teor do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima mencionada que os Estados‑Membros estejam, eventualmente, autorizados a não implementar de todo algumas das normas BCAA. Com efeito, ao considerar que os Estados‑Membros devem «respeitar» o Anexo IV no momento da definição dos requisitos mínimos para as normas BCAA, o Tribunal de Justiça limitou‑se a reconhecer a obrigatoriedade deste anexo na sua totalidade, a saber, do conjunto das normas aí previstas, sem distinguir entre elas, nomeadamente segundo o seu teor literal e o seu grau de precisão. Ora, tendo em conta a imprecisão do artigo 5.o, n.o 1, do mesmo regulamento neste ponto, importa recorrer ao teor de cada uma dessas normas separadamente para determinar a sua obrigatoriedade e o alcance do poder de apreciação deixado aos Estados‑Membros quanto à sua determinação e implementação concretas. Esta necessidade de diferenciação é confirmada pelo facto de o artigo 5.o, n.o 1, do mesmo regulamento fazer referência às «características específicas das zonas em questão» a propósito das quais esta disposição enuncia uma mera lista não exaustiva de exemplos de critérios pertinentes («nomeadamente as condições edafoclimáticas, os sistemas de exploração, a utilização das terras, a rotação das culturas, as práticas agrícolas, assim como as estruturas agrícolas existentes») destinados à definição das normas BCAA («normas que tenham em conta»), razão pela qual os referidos critérios, como a «rotação das culturas» são, em parte, retomados verbatim no âmbito do referido Anexo IV.

    45

    Consequentemente, há que verificar, para cada uma das normas BCAA controvertidas, se estas implicam um poder de apreciação do Estado‑Membro no que se refere à necessidade de implementação na ordem jurídica interna.

    46

    Em primeiro lugar, quanto à norma intitulada «Cobertura mínima do solo», não se pode deixar de observar que não existe nenhum elemento na letra desta norma que permita concluir pelo caráter facultativo da sua implementação pelos Estados‑Membros. Tendo em conta a jurisprudência acima referida no n.o 43, importa, portanto, reconhecer a sua obrigatoriedade de princípio, sem prejuízo da questão de saber se os Estados‑Membros podem justificar, eventualmente, a sua não execução (v. n.os 64 a 66, infra). Esta conclusão é indiretamente confirmada pelo facto de o Anexo III do Regulamento n.o 73/2009, que substituiu o Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003, integrar a «Cobertura mínima do solo» expressamente nas «Normas obrigatórias».

    47

    Em segundo lugar, no que respeita às «Normas para as rotações de culturas, se for caso disso», a utilização da expressão «se for caso disso» implica, em si mesma, em todas as versões linguísticas que fazem fé, o reconhecimento da existência de um poder de apreciação do Estado‑Membro quanto à sua implementação. Com efeito, esta expressão indica que só se o Estado‑Membro reconhecer a relevância de tais normas para as suas próprias terras agrícolas, tendo em conta as «características específicas das zonas em questão», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003, é que será obrigado a implementá‑las. Esta conclusão, por um lado, é indiretamente corroborada pelo facto de o Anexo III do Regulamento n.o 73/2009 integrar as «Normas para as rotações de culturas» expressamente nas «Normas facultativas». Por outro lado, ela não é contrariada pela menção expressa da «rotação das culturas» no artigo 5.o, n.o 1, e no considerando 3 do Regulamento n.o 1782/2003, sendo que essa menção apenas é parte integrante de uma lista não taxativa («nomeadamente») de exemplos de critérios relevantes para determinar a definição das normas, obrigatórias ou não, precisadas no Anexo IV (v. n.o 44, supra).

    48

    Em terceiro lugar, quanto à norma intitulada «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», já resulta da sua letra que não existe uma obrigação absoluta de o Estado‑Membro estabelecer uma regulamentação destinada às «taxas mínimas de encabeçamento», mas que este dispõe de uma possibilidade alternativa («e/ou») de aprovar outro «regime adequado», possibilidade em que a República da Letónia insiste no caso em apreço. À semelhança do que acima foi exposto no n.o 47 sobra as «Normas para as rotações de culturas», esta interpretação é indiretamente confirmada pelo Anexo III do Regulamento n.o 73/2009, que integra as «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados» expressamente nas «Normas facultativas».

    49

    Em quarto lugar, quanto à norma intitulada «Manutenção das características das paisagens», basta remeter para as considerações acima expostas no n.o 46 para concluir que a referida norma é obrigatória na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 43, o que é indiretamente corroborado pela sua classificação expressa como «Norma obrigatória» no Anexo III do Regulamento n.o 73/2009, sem prejuízo da questão de saber se o Estado‑Membro está autorizado a justificar, eventualmente, a sua não implementação (v. n.os 64 a 66, infra).

    50

    As apreciações que antecedem são válidas mutatis mutandis para a interpretação literal do artigo 6.o, n.o 1, primeira e segunda frases, do Regulamento n.o 73/2009, bem como das normas correspondentes referidas no Anexo III do mesmo regulamento. Com efeito, a primeira e segunda frases desta disposição têm uma redação essencialmente análoga. Por outro lado, como acima especificado nos n.os 46 a 49, o Anexo III do mesmo regulamento estabelece expressamente o caráter obrigatório ou facultativo das referidas normas.

    51

    Assim, a interpretação literal das disposições controvertidas indica, por um lado, que a República da Letónia podia, em princípio, renunciar à implementação das normas intituladas «Normas para as rotações de culturas» e «Taxas mínimas de encabeçamento» e, por outro, que estava obrigada a implementar as normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens».

    – Quanto à interpretação contextual e teleológica

    52

    Do ponto de vista contextual e teleológico, importa ter em conta os objetivos prosseguidos pelo artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003, nomeadamente evocados no considerando 3 do mesmo regulamento, à luz do qual esta primeira disposição deve ser interpretada (v., neste sentido e por analogia, acórdãos de 12 de junho de 2014, Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.os 48 e 49, e de 26 de novembro de 2015, a Total Waste Recycling, C‑487/14, EU:C:2015:780, n.os 38 e 39). Este considerando refere designadamente o objetivo das normas BCAA, destinado «[a] evitar o abandono das terras agrícolas e [a] assegurar que sejam mantidas em boas condições agrícolas e ambientais». Este objetivo resulta igualmente da própria letra do artigo 5.o, n.o 1, na medida em que se refere à obrigação de os Estados‑Membros definirem os «requisitos mínimos para as [BCAA] com base no quadro constante do Anexo IV, tendo em conta as características específicas das zonas em questão, nomeadamente as condições edafoclimáticas, os sistemas de exploração, a utilização das terras, a rotação das culturas, as práticas agrícolas, assim como as estruturas agrícolas existentes».

    53

    Ora, só por si, esta definição dos objetivos prosseguidos pelas normas BCAA não fornece uma indicação clara e precisa quanto à necessidade, ou não, de implementar a totalidade das referidas normas, sobretudo se o Estado‑Membro considerar que, tendo em conta as «características específicas das zonas em questão», as mesmas não se prestam à prossecução do objetivo de manutenção das terras agrícolas «em boas condições agrícolas e ambientais».

    54

    No entanto, resulta igualmente do considerando 3 do Regulamento n.o 1782/2003 que há que «estabelecer um quadro comunitário para a adoção, pelos Estados‑Membros, de normas que tenham em conta as características específicas das zonas em questão». A utilização do verbo «poder», ou de uma expressão análoga, em todas as versões linguísticas do referido considerando pode ser entendida como o reconhecimento de um certo poder de apreciação do Estado‑Membro quanto à escolha das normas que estão definidas no referido quadro da União. Além disso, há que recordar que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003, que neste ponto é impreciso, deve ser lido à luz do considerando 3 do mesmo regulamento (v. n.o 52, supra).

    55

    Assim, seria certamente possível deduzir do considerando 3 do Regulamento n.o 1782/2003 que o Estado‑Membro dispõe de um poder de apreciação que lhe permite decidir não implementar algumas das normas a que o Anexo IV do mesmo regulamento se refere quando as considere irrelevantes no seu contexto nacional, ou mesmo inaplicáveis devido às «características específicas das zonas em questão», e, portanto, inaptas a atingir os objetivos do referido regulamento. No entanto, este raciocínio é suscetível de entrar em conflito com a letra clara das normas BCAA acima referidas nos n.os 46 e 49, que, de acordo com a vontade unívoca do legislador da União, devem ser respeitadas e implementadas de qualquer forma. Acresce que tal leitura é a única que corresponde à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, acima recordada no n.o 43, segundo a qual os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar o Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003 e, portanto, em princípio, a totalidade das normas aí previstas.

    56

    Consequentemente, a interpretação contextual e teleológica tende a corroborar a compreensão das disposições em causa segundo a qual o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 confere aos Estados‑Membros um poder de apreciação na escolha de algumas das normas BCAA, mas não em relação à totalidade das mesmas normas (v. jurisprudência referida no n.o 43, supra). Com efeito, a obrigatoriedade, ou não, das referidas normas depende assim, em última instância, do seu teor (v. n.os 46 a 49, supra).

    57

    Esta apreciação vale mutatis mutandis para o artigo 6.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento n.o 73/2009, lido em conjugação com o Anexo III do mesmo regulamento, que distingue expressamente entre normas obrigatórias e normas facultativas (considerando 4 do Regulamento n.o 73/2009).

    – Quanto à interpretação histórica

    58

    Como a Comissão refere na sua Proposta inicial, de 21 de janeiro de 2003, de um regulamento do Conselho que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui regimes de apoio aos produtores de determinadas culturas [COM(2003) 23 final], o artigo 5.o limita‑se a prever que «[o]s Estados‑Membros definirão as boas condições agrícolas atendendo ao quadro definido no [A]nexo IV».

    59

    A este respeito, o considerando 3 da referida proposta enunciava o seguinte:

    «A fim de manter as terras em boas condições agrícolas, é necessário estabelecer normas numa série de domínios nos quais, atualmente, não existem. Essas normas devem basear‑se nas boas práticas agrícolas, que, por sua vez, podem basear‑se ou não em disposições dos Estados‑Membros. Convém, por conseguinte, estabelecer um quadro comunitário para a adoção, pelos Estados‑Membros, de normas que tenham em conta as características específicas das zonas em causa, incluindo as condições edafoclimáticas e os sistemas de exploração (utilização das terras, rotações, práticas agrícolas) e as estruturas agrícolas existentes.»

    60

    Assim, é com razão que a Comissão alega que esta proposta não prevê a obrigação de os Estados‑Membros implementarem todas as normas BCAA. Com efeito, por um lado, o artigo 5.o da referida proposta não mencionava «requisitos mínimos», mas unicamente a definição, pelos referidos Estados, de «boas condições agrícolas»; por outro, o seu considerando 3, à luz do qual o referido artigo devia ser interpretado, mencionava um poder de apreciação dos Estados‑Membros relativamente à escolha «de normas que [tivessem] em conta as características específicas das zonas em causa», e isto apenas «[a partir]» de um quadro comunitário de normas. De resto, o referido considerando já tinha adotado a fórmula «para a adoção, pelos Estados‑Membros, de normas», fórmula que se manteve, independentemente do motivo, na versão final do considerando 3 do Regulamento n.o 1782/2003. Ora, esta circunstância indica, em si mesma, que, no quadro da versão final do referido regulamento, cujo teor foi alterado de modo substancial, esta formulação não visa necessariamente indicar a existência de um poder de apreciação do Estado‑Membro na escolha das normas previstas no Anexo IV (v. n.o 55, supra).

    61

    Resulta destas considerações que a interpretação histórica tende a confirmar igualmente que o Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a implementar a totalidade das normas BCAA, com exceção daquelas cuja redação indica o contrário.

    – Conclusão

    62

    À luz de todas as considerações expostas, o Tribunal Geral considera que o artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003, lido em conjugação com o Anexo IV do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que prevê a obrigação de princípio de o Estado‑Membro implementar, através de regras de alcance geral adequadas, a totalidade das normas expostas no referido anexo, com exceção, nomeadamente, das normas intituladas «Normas para as rotações de culturas[, se for caso disso]» e «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados». Esta apreciação é aplicável mutatis mutandis e, por maioria de razão, ao artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009, lido em conjugação com o Anexo III do mesmo regulamento, que, em conformidade com esta interpretação, opera uma distinção expressa entre normas obrigatórias e facultativas.

    63

    Por um lado, conclui‑se que a Comissão cometeu um erro de direito ao acusar a República da Letónia de não ter implementado em 2008 as normas intituladas «Normas para as rotações de culturas[, se for caso disso]» e «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», sem que seja necessário analisar o mérito dos argumentos que as autoridades letãs apresentaram para justificar a sua não implementação. Quanto, mais precisamente, à norma intitulada «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», basta observar que as referidas autoridades explicaram, para o efeito, tanto no âmbito do procedimento de apuramento bilateral como na presente instância, as razões pelas quais optaram por outro «regime adequado» (v. n.o 33, supra). Além disso, não decorre nem dos autos nem da decisão impugnada, incluindo o relatório de síntese, nem dos articulados da Comissão no Tribunal se, e, em caso afirmativo, de que forma, esta apreciou as características desse outro regime e o seu caráter idóneo, ou não, para substituir as «Taxas mínimas de encabeçamento», mas limitou‑se a afirmar que a República da Letónia estava, de qualquer modo, obrigada a implementar a referida norma a nível nacional.

    64

    Por outro lado, o Tribunal considera que a Comissão podia, em princípio, exigir das autoridades letãs a implementação das normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens» em 2008 e em 2009, pelo que as acusações deduzidas pela República da Letónia contra essa obrigação de implementação não prosperam. Neste contexto, a Comissão não estava, em todo o caso, obrigada a aceitar a justificação dada pela República da Letónia para derrogar à sua obrigação de implementar as referidas normas, sendo que não é possível alicerçar essa justificação no teor do Regulamento n.o 1782/2003, nem na jurisprudência acima referida no n.o 43, nem nos objetivos do mesmo regulamento que visam evitar o abandono das terras agrícolas e assegurar que sejam mantidas em boas condições agrícolas e ambientais (considerando 3 do Regulamento n.o 1782/2003).

    65

    Com efeito, mesmo supondo que, segundo o Estado‑Membro em causa, as terras agrícolas ou as zonas em causa já tivessem em si características mais ou menos conformes com os referidos objetivos, tornando assim as normas BCAA inoperantes ou a sua implementação desproporcionada, esta simples circunstância não o isenta, à luz do princípio da segurança jurídica e da jurisprudência acima referida no n.o 40, da sua obrigação de implementar as disposições pertinentes do referido regulamento mediante regulamentação nacional adequada. Não é menos verdade que, no âmbito do exercício do poder de apreciação que lhe deixam os termos gerais e imprecisos característicos das normas BCAA, o Estado‑Membro as pode configurar e concretizar por forma a serem adaptadas ao «contexto nacional». Em contrapartida, não pode renunciar completamente à sua implementação.

    66

    A este respeito, importa sublinhar que, nomeadamente no relatório de síntese, a Comissão insistiu na implementação mediante regulamentação nacional adequada das normas BCAA controvertidas, e isto também porque as regras nacionais devem permitir controlos e sanções em caso de incumprimento. Além disso, quanto às normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens», a República da Letónia reconheceu que pelo menos uma pequena parte das suas terras agrícolas era afetada pelas referidas normas, mas que a sua implementação seria por isso desproporcionada. Todavia, tendo em conta a exigência fundamental de controlo e de sanção, a República da Letónia não pode invocar o seu pretenso poder de apreciação ou o princípio da proporcionalidade para justificar a total falta de implementação das referidas normas. Assim, à luz da jurisprudência acima referida no n.o 40, a Comissão podia insistir na implementação destas normas, ainda que apenas para efeitos do estabelecimento de um sistema de controlo e de sanção completo e eficaz.

    67

    Por último, a República da Letónia não pode pôr em causa esta apreciação ou invocar a violação do princípio da proteção da confiança legítima, alegando que a Comissão tinha nomeadamente aceitado que se abstivesse de implementar a norma relativa aos «socalcos». Com efeito, sem prejuízo das considerações acima expostas nos n.os 65 e 66, tendo em conta a total inexistência desses socalcos na Letónia, não seria necessário um controlo da implementação dessa norma. Em todo o caso, à luz da correspondência trocada durante o procedimento de apuramento e das tomadas de posição unívocas dos serviços da Comissão em sentido contrário, as autoridades letãs não podem alegar ter obtido garantias precisas, incondicionais e concordantes (v., neste sentido, acórdãos de 18 de junho de 2010, Luxemburgo/Comissão, T‑549/08, EU:T:2010:244, n.o 71, e de 27 de setembro de 2012, Applied Microengineering/Comissão, T‑387/09, EU:T:2012:501, n.o 58 e jurisprudência referida) no sentido de que a Comissão aceitaria a falta de implementação das normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens». Pelo contrário, atendendo à jurisprudência acima referida, essa aceitação poderia constituir uma prática administrativa juridicamente infundada e insuscetível de gerar expectativas legítimas nos sujeitos de direito, incluindo um Estado‑Membro. Daqui resulta que, quanto a estas duas normas BCAA, a República da Letónia procurou, em vão, pedir e justificar uma derrogação à sua obrigação de as implementar, tendo a Comissão sido legalmente obrigada a rejeitá‑la. Assim, por esta razão, a decisão impugnada não enferma de ilegalidade.

    68

    Consequentemente, atentas as considerações anteriores, o primeiro fundamento deve ser acolhido na parte em que tem por objeto as normas intituladas «Normas para as rotações de culturas[, se for caso disso]» e «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», mas deve ser julgado improcedente na parte em que tem por objeto as normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens».

    Quanto ao segundo fundamento, relativo ao cálculo errado das correções financeiras controvertidas

    Argumentos das partes

    69

    No âmbito do segundo fundamento, a República da Letónia censura a Comissão por ter aplicado uma correção financeira errada, cujo montante não respeita o princípio da proporcionalidade. Decorre do documento AGRI‑2005‑64043 que as correções financeiras devem ser proporcionais ao risco incorrido pelos fundos e que esse risco é avaliado com base no risco de prejuízo financeiro resultante da não aplicação de sanções. No entanto, a Comissão não especificou, nos seus numerosos contactos com as autoridades letãs, designadamente nas suas cartas de 26 de novembro de 2010 (ponto 1.3) e de 25 de fevereiro de 2013 (ponto 4), nem no relatório de síntese, o risco que os fundos teriam de suportar. Ora, o Tribunal já decidiu, no acórdão de 10 de setembro de 2008, França/Comissão (T‑370/05, EU:T:2008:328, n.o 81), que havia que apreciar o risco real de ultrapassagem do limite máximo do financiamento comunitário incorrido pelo FEOGA e que, nesse processo, o risco de ultrapassagem do referido limite máximo era excessivamente fraco e que, portanto, não existia realmente. É também o que aqui sucede. Assim, as correções financeiras controvertidas são desrazoáveis e desproporcionadas.

    70

    Por outro lado, a República da Letónia sustenta, em substância, que a Comissão aplicou ilegalmente a abordagem fixa, não obstante o facto de que era possível avaliar os riscos reais incorridos na falta de implementação das normas BCAA. O documento VI/5330/97 prevê que as correções fixas só podem ser consideradas quando as informações resultantes do inquérito não permitem ao auditor avaliar a perda por uma extrapolação das perdas determinadas. Ora, a República da Letónia forneceu em diversas ocasiões, nomeadamente na carta de 6 de novembro de 2012, todas as informações necessárias, designadamente sobre o número de explorações potencialmente afetadas pelos requisitos não cumpridos em 2008 e em 2009, sobre a área das terras agrícolas das explorações em causa e sobre o montante estimado dos auxílios, que podiam ser utilizadas no cálculo do risco incorrido pelos fundos. Todavia, a Comissão não teve em conta as referidas informações nem indicou o motivo exato pelo qual não o fez, violando assim o documento VI/5330/97. Além disso, ao não avaliar corretamente, sem indicar razões claras, os argumentos das autoridades letãs relativos ao cálculo do risco financeiro preciso incorrido pelos fundos, a Comissão violou o «princípio da boa administração», que exige que a instituição competente examine, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto. No caso em apreço, a Comissão não podia renunciar a um cálculo preciso desse risco, cujo cálculo aquedado fornece no anexo A.17 da petição.

    71

    A Comissão retorque, em substância, que, na falta de implementação das normas BCAA em causa e de outros critérios pertinentes, não era possível calcular as perdas concretas para os fundos. O cálculo hipotético apresentado pela República da Letónia não pode, portanto, ser verificado. Nos termos do documento AGRI‑2005‑64043, a Comissão aplicou assim correções fixas de 5% ao exercício de 2008 e de 2% ao exercício de 2009.

    Apreciação do Tribunal Geral

    72

    Com o segundo fundamento, a República da Letónia acusa, em substância, a Comissão de não ter tido em consideração no âmbito do cálculo das correções fixas controvertidas, por um lado, o princípio da proporcionalidade e as disposições pertinentes do documento AGRI‑2005‑64043 (primeira parte) e, por outro, as exigências estabelecidas no documento VI/5330/97 e o princípio da «boa administração» (segunda parte).

    73

    Quanto à primeira parte, importa salientar que o documento AGRI‑2005‑64043 não só prevê disposições mais precisas do que as estabelecidas no documento VI/5330/97, dado que visa precisamente as correções financeiras aplicáveis no âmbito da condicionalidade, pertinente no caso vertente, mas também se destina a aplicar o princípio da proporcionalidade nesse âmbito específico. Ora, a República da Letónia não põe em causa a legalidade do documento AGRI‑2005‑64043 à luz, designadamente, do princípio da proporcionalidade, pelo que basta ao Tribunal verificar se a Comissão respeitou as regras que se impôs a si própria através do referido documento. A este respeito, importa recordar que, ao adotar regras de conduta administrativa destinadas a produzir efeitos externos, como o documento AGRI‑2005‑64043, e ao anunciar, através da sua publicação ou comunicação, como no caso em apreço, aos Estados‑Membros que as aplicaria doravante aos casos pertinentes, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não se pode afastar dessas regras, sob pena de poder ser acusada, eventualmente, da violação dos princípios gerais do direito, como os princípios da igualdade de tratamento, da segurança jurídica ou da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, acórdãos de 9 de setembro de 2011, Grécia/Comissão, T‑344/05, não publicado, EU:T:2011:440, n.o 192; de 16 de setembro de 2013, Espanha/Comissão, T‑3/07, não publicado, EU:T:2013:473, n.o 84 e jurisprudência referida; e de 10 de julho de 2014, Grécia/Comissão, T‑376/12, EU:T:2014:623, n.o 106).

    74

    Assim, no documento AGRI‑2005‑64043, sob a epígrafe «Princípios gerais», é indicado, por referência ao princípio da proporcionalidade, em substância, que as correções financeiras devem ser proporcionais ao risco incorrido pelos fundos, tendo em conta o facto de as normas de condicionalidade não constituírem regras de elegibilidade, mas a base das sanções. Consequentemente, o risco suportado pelos fundos não será, em princípio, apreciado com fundamento no risco de despesas não elegíveis, mas com fundamento no risco de perdas financeiras resultantes da não aplicação de sanções. Nesse mesmo título, a Comissão diz tencionar utilizar as correções financeiras fixas igualmente no contexto de deficiências do sistema de condicionalidade.

    75

    No que respeita às correções financeiras, o ponto 3.1 do documento AGRI‑2005‑64043 prevê, nomeadamente, as seguintes percentagens de correção:

    «Quando sejam constatadas falhas na aplicação de um ou mais controlos secundários no âmbito do sistema de condicionalidade, há que aplicar uma correção de 2% [...]

    Quando as obrigações a respeitar no âmbito da condicionalidade, estabelecidas num ato [...] ou numa norma (v. [A]nexo IV do [...] Regulamento [n.o 1782/2003]), são controladas[,] mas sem respeitar o número, a frequência ou o rigor exigidos pelas regulamentações ou pela legislação (no caso [...] das boas condições agrícolas e ambientais) ou quando esses controlos não conduzem à aplicação de sanções regulamentares, deve ser aplicada uma correção de 5%.

    [...]»

    76

    A República da Letónia não demonstrou que, no caso em apreço, na determinação das correções fixas controvertidas, a Comissão não respeitou as disposições acima mencionadas e, portanto, o princípio da proporcionalidade.

    77

    A este propósito, há que recordar que, no âmbito do primeiro fundamento, a República da Letónia se limita a contestar a legalidade das correções fixas controvertidas essencialmente por a Comissão a ter acusado, sem razão, de não ter implementado as normas referidas no Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003. Além disso, resulta claramente das disposições que figuram no segundo travessão do ponto 3.1 do documento AGRI‑2005‑64043 que a Comissão considera ter o direito de aplicar uma correção fixa de 5% quando as obrigações a respeitar no âmbito da condicionalidade, estabelecidas numa norma na aceção do Anexo IV do Regulamento n.o 1782/2003, «são controladas[,] mas sem respeitar o número, a frequência ou o rigor exigidos pelas regulamentações ou pela legislação [...] ou quando esses controlos não conduzem à aplicação de sanções regulamentares».

    78

    No caso vertente, não se pode deixar de observar que, tendo em conta a total falta de implementação pelas autoridades letãs, nomeadamente, das normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens» (v. n.o 68, supra) e, portanto, de controlos e de sanções pelas referidas autoridades da eventual inobservância dessas normas, as condições da disposição acima referida estavam necessariamente reunidas no exercício de 2008. Com efeito, em conformidade com o exposto, para justificar a aplicação de uma taxa de correção fixa de 5%, a Comissão esclareceu, no relatório de síntese, que, em 2008, quatro normas BCAA sobre dez, incluindo as duas supramencionadas, não tinham sido definidas nem controladas, o que, em si, justificava a referida correção fixa (v. n.o 13, supra). Em todo o caso, a República da Letónia não contestou o facto de que os controlos exigidos pela Comissão não tinham sido efetuados e de que não eram previstas nem tinham sido aplicadas sanções.

    79

    Nestas condições, a Comissão podia limitar‑se a fazer referência aos critérios das referidas disposições do documento AGRI‑2005‑64043 e declarar a inexistência absoluta de implementação e de controlo das normas em causa, sem ter de avaliar ou explicar o nível de risco incorrido pelos fundos. Esta constatação é indiretamente confirmada pelo ponto 3.2 do documento AGRI‑2005‑64043, sob a epígrafe «Avaliação do nível de risco», que enuncia que, quando o sistema de controlo instituído pelo Estado‑Membro é deficiente, é impossível determinar claramente a respetiva importância das diversas taxas pertinentes relativas às sanções não aplicadas e que as correções fixas visam obstar a esta dificuldade por aplicação das taxas de correção de nível standard. Neste contexto, em conformidade com o objetivo desta disposição, a Comissão alega, com razão, que, na hipótese de falta absoluta de implementação de certas normas BCAA, não pode calcular as perdas concretas para os fundos.

    80

    Esta apreciação não é posta em causa pelo facto de, relativamente ao exercício de 2009, a Comissão se ter limitado a aplicar uma correção fixa de somente 2% por falta de implementação e de controlo das normas BCAA análogas por força do Anexo III do Regulamento n.o 73/2009, igualmente intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens» (v. n.o 14, supra). Com efeito, como resulta do relatório de síntese, a Comissão justificou a aplicação dessa taxa de correção inferior de 2% por as autoridades letãs terem entretanto efetuado melhorias no sistema de controlo da condicionalidade, pelo que o risco suportado pelos fundos era menos elevado nesse ano do que no exercício de 2008. De qualquer modo, a República da Letónia confirmou na audiência que não pretendia contestar a existência de deficiências no sistema de controlo. Além disso, não defendeu que a Comissão devia ter aplicado essa mesma taxa de correção também ao exercício de 2008, mas limitou‑se a insistir na alegada necessidade de calcular concretamente o risco incorrido.

    81

    Neste contexto, a República da Letónia também não pode invocar utilmente o acórdão de 10 de setembro de 2008, França/Comissão (T‑370/05, EU:T:2008:328, n.o 81). A este respeito, basta salientar que, por um lado, aquele acórdão não se pronuncia claramente no sentido invocado pela República da Letónia e, por outro, se refere a um regime diferente de controlo das despesas e das correções financeiras a título do FEOGA, não aplicável ao caso em apreço.

    82

    Assim, visto que a Comissão podia basear a decisão impugnada e, em particular, as correções fixas controvertidas no incumprimento, pelas autoridades letãs, da obrigação de implementar as normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens» e na falta de controlo nos exercícios de 2008 e de 2009, a argumentação da recorrente não pode ser acolhida.

    83

    Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

    84

    Quanto à segunda parte, há que recordar que o documento AGRI‑2005‑64043 contém regras especiais sobre as correções financeiras fixas aplicáveis ao sistema de condicionalidade, pelo que as regras gerais constantes do documento VI/5330/97 resultam necessariamente alteradas e especificadas. Assim, a República da Letónia não pode invocar o referido documento na sua generalidade e a correspondente acusação deve ser julgada inoperante.

    85

    Além disso, como sublinha a Comissão, importa salientar que esta tomou efetivamente em consideração os argumentos e as informações que as autoridades letãs adiantaram no procedimento de apuramento bilateral para demonstrar que as correções fixas propostas não eram adaptadas ao risco incorrido pelos fundos. Todavia, na sua carta de 11 de novembro de 2013, de acordo com as considerações acima expostas nos n.os 77 e 82, a Comissão rejeitou os referidos argumentos e informações, com o fundamento, nomeadamente, de que, em substância, em 2008, não tinham sido definidas quatro normas BCAA sobre dez e que, em 2009, não tinham sido definidas duas normas BCAA sobre oito, e que a estimativa do risco potencial para os fundos apresentada pelas autoridades letãs não era fiável (v. n.o 6, supra).

    86

    Nestas condições, a República da Letónia também não pode imputar à Comissão a violação do documento VI/5330/97 e do princípio da «boa administração», pelo que a segunda parte não pode ser acolhida.

    87

    Assim, há que julgar o segundo fundamento improcedente na sua totalidade.

    Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

    88

    Dado que o primeiro fundamento deve ser acolhido parcialmente, isto é, na medida em que a Comissão baseou ilegalmente as correções fixas controvertidas na omissão imputada às autoridades letãs, ou seja, a não implementação, em 2008, das normas intituladas «Normas para as rotações de culturas[, se for caso disso]» e «Taxas mínimas de encabeçamento e/ou regimes adequados», há que anular a decisão impugnada na sua totalidade.

    89

    Com efeito, contrariamente ao que a Comissão explicou na audiência, basta sublinhar, em qualquer caso, que não é de excluir que a não consideração dessa omissão ou a manutenção da mera constatação da falta de implementação das normas intituladas «Cobertura mínima do solo» e «Manutenção das características das paisagens» nos exercícios de 2008 e de 2009 teria influenciado o cálculo do montante total da correção fixa, a saber, 739393,95 euros, que é contestado no âmbito do presente recurso. Esta conclusão justifica‑se designadamente à luz do facto de que, na decisão impugnada, relativamente ao exercício de 2009, devido à não implementação de apenas essas duas normas BCAA, a Comissão considerou oportuno aplicar correções fixas de 2% apenas, em vez de 5%. Mesmo que a Comissão tenha baseado este entendimento na existência de uma certa melhoria, por parte das autoridades letãs, do sistema de controlo da condicionalidade em relação ao exercício de 2008 (v. n.os 14 e 80, supra), o Tribunal não está em condições de verificar, à luz dos elementos dos autos, se a não implementação de apenas estas duas normas BCAA, em 2008, podia ter conduzido a Comissão a uma conclusão semelhante. A este respeito, há que recordar que, em matéria de política agrícola, a jurisprudência reconhece às instituições da União, tendo em consideração as responsabilidades que o Tratado lhes confere, um amplo poder de apreciação (acórdão de 3 de maio de 2007, Espanha/Comissão, T‑219/04, EU:T:2007:121, n.o 105). Do mesmo modo, no caso em apreço, no âmbito da aplicação do artigo 31.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1290/2005 e das disposições pertinentes do documento AGRI‑2005‑64043, a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação para avaliar o risco suportado pelos fundos devido à existência de deficiências nos sistemas de controlo da condicionalidade e à complexidade das operações de cálculo — não divulgadas ao Tribunal — subjacentes ao cálculo do montante das diversas correções fixas controvertidas expostas nas páginas 69, 70, 73 e 74 da decisão impugnada. Ora, neste ponto, no âmbito da sua fiscalização da legalidade nos termos do artigo 263.o TFUE, o Tribunal não pode substituir a apreciação económica feita pela Comissão pela sua própria apreciação (v., neste sentido, acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 66, e de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 89).

    90

    De acordo com o artigo 266.o, n.o 1, TFUE, incumbirá, assim, à Comissão extrair as consequências necessárias da anulação da decisão impugnada, tendo em conta não apenas a parte decisória do presente acórdão mas igualmente a fundamentação da mesma e que constitui a sua base de sustentação necessária, na medida em que são indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi deliberado na parte decisória (v., neste sentido, acórdão de 29 de novembro de 2007, Itália/Comissão, C‑417/06 P, EU:C:2007:733, n.o 50 e jurisprudência referida).

    Quanto às despesas

    91

    O artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

    92

    Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da República de Letónia.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

    decide:

     

    1)

    A Decisão de Execução 2014/458/UE da Comissão, de 9 de julho de 2014, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Garantia», do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), é anulada na medida em que esta decisão exclui do financiamento da União certas despesas da República da Letónia, no valor de 739393,95 euros, devido à sua não conformidade com as regras da União.

     

    2)

    A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

     

    Jaeger

    Prek

    Kreuschitz

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de julho de 2016.

    Assinaturas

    Índice

     

    Antecedentes do litígio

     

    Tramitação processual e pedidos das partes

     

    Questão de direito

     

    Resumo dos fundamentos de anulação

     

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1782/2003 e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 73/2009

     

    Argumentos das partes

     

    Apreciação do Tribunal Geral

     

    — Observações preliminares

     

    — Quanto à interpretação literal

     

    — Quanto à interpretação contextual e teleológica

     

    — Quanto à interpretação histórica

     

    — Conclusão

     

    Quanto ao segundo fundamento, relativo ao cálculo errado das correções financeiras controvertidas

     

    Argumentos das partes

     

    Apreciação do Tribunal Geral

     

    Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

     

    Quanto às despesas


    ( *1 ) Língua do processo: letão.

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