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Document 62014CJ0525

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 22 de setembro de 2016.
Comissão Europeia contra República Checa.
Incumprimento de Estado — Livre circulação de mercadorias — Artigo 34.° TFUE — Restrições quantitativas à importação — Medidas de efeito equivalente — Metais preciosos puncionados num Estado terceiro em conformidade com a legislação neerlandesa — Importação para a República Checa depois de introduzido em livre prática — Recusa de reconhecimento do punção — Proteção dos consumidores — Proporcionalidade — Admissibilidade.
Processo C-525/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:714

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

22 de setembro de 2016 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Livre circulação de mercadorias — Artigo 34.o TFUE — Restrições quantitativas à importação — Medidas de efeito equivalente — Metais preciosos puncionados num Estado terceiro em conformidade com a legislação neerlandesa — Importação para a República Checa depois de introduzido em livre prática — Recusa de reconhecimento do punção — Proteção dos consumidores — Proporcionalidade — Admissibilidade»

No processo C‑525/14,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 20 de novembro de 2014,

Comissão Europeia, representada por P. Němečková, E. Manhaeve e G. Wilms, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Checa, representada por M. Smolek, T. Müller, J. Vláčil e J. Očková, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

República Francesa, representada por D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de fevereiro de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de maio de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao recusar reconhecer determinados punções neerlandeses, em especial os punções do laboratório de garantia WaarborgHolland (a seguir «punções da WaarborgHolland»), a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 34.o TFUE.

Procedimento pré‑contencioso e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

2

Considerando que a prática do Puncovní úřad (laboratório de garantia, República Checa, a seguir «laboratório de garantia checo»), que consiste em recusar reconhecer os punções da WaarborgHolland, um laboratório de garantia independente com sede nos Países Baixos e sucursais em Estados terceiros, e, consequentemente, exigir a aposição, nos metais preciosos em causa, de um punção checo adicional, é contrária ao artigo 34.o TFUE, a Comissão, por carta de 30 de setembro de 2011, notificou a República Checa para apresentar as suas observações.

3

Na sua carta de resposta de 30 de novembro de 2011, a República Checa não contestou o não reconhecimento desses punções. No entanto, esse Estado‑Membro alegou, em substância, que o presente processo dizia respeito à livre circulação de serviços, e não de mercadorias, e que essa recusa de reconhecimento se justificava pela impossibilidade de distinguir, entre os referidos punções, os que foram apostos fora do território da União Europeia e os que foram apostos no território da União.

4

Após apreciar os argumentos da República Checa que figuravam nessa carta, a Comissão enviou à República Checa, em 30 de maio de 2013, um parecer fundamentado, no qual indicava designadamente que as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias são aplicáveis às mercadorias introduzidas em livre prática no território aduaneiro da União e, por conseguinte, às mercadorias originárias de Estados terceiros importadas para um Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 29.o TFUE. A Comissão convidou a República Checa a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento ao artigo 34.o TFUE num prazo de dois meses a contar da receção do referido parecer.

5

Na sua carta de resposta, de 23 de julho de 2013, a República Checa manteve a sua posição, sublinhando designadamente que a recusa de reconhecimento dos punções da WaarborgHolland era justificada pela necessidade de proteger os consumidores. Não satisfeita com esta resposta, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

6

Por articulado que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de fevereiro de 2015, a República Francesa apresentou um pedido de intervenção no presente processo, em apoio dos pedidos da República Checa. Por decisão de 24 de março de 2015, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu este pedido.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

7

Na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, a República Checa pediu, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de maio de 2016, a reabertura da fase oral do processo, alegando, no essencial, que uma «parte substancial [dessas conclusões] se baseia em hipóteses erradas».

8

Contudo, há que recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o seu Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (acórdãos de 17 de julho de 2014, Comissão/Portugal, C‑335/12, EU:C:2014:2084, n.o 45, e de 4 de maio de 2016, Comissão/Áustria,C‑346/14, EU:C:2016:322, n.o 23).

9

Por outro lado, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes.

10

No caso vertente, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que o processo não tem de ser analisado à luz de um facto novo que pudesse ter influência determinante na sua decisão ou de um argumento não debatido.

11

Por conseguinte, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto à ação

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

12

A República Checa invoca a inadmissibilidade da ação, na medida em que se alega uma violação do artigo 34.o TFUE no que se refere a «determinados punções neerlandeses». Esta expressão, bem como os termos «em especial», utilizados pela Comissão nas suas alegações, indicam que o objeto do litígio também diz respeito a outros punções neerlandeses além dos da WaarborgHolland. Ora, durante o procedimento pré‑contencioso e na sua petição, a Comissão só procurou provar o incumprimento que alega no que se refere aos punções da WaarborgHolland. A este respeito, não é pertinente que o litígio diga respeito, de forma abstrata, ao não reconhecimento de metais preciosos relativamente aos quais não é possível determinar se foram puncionados num Estado terceiro ou no território da União. Deve, portanto, entender‑se que a petição carece de clareza e de precisão e que, por conseguinte, a ação só é admissível no que se refere aos punções da WaarborgHolland.

13

A Comissão alega que a sua ação é totalmente admissível. Na notificação para cumprir, a Comissão indicou de forma geral à República Checa que, nos termos do artigo 34.o TFUE, era obrigada a aceitar as mercadorias que foram, por um lado, controladas e revestidas de um punção em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu (EEE) e, por outro, legalmente comercializadas em qualquer um dos Estados‑Membros do EEE. Por outro lado, no parecer fundamentado, concluiu que a República Checa não cumpria as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 34.o TFUE uma vez que «não reconhecia determinados punções neerlandeses». Esta formulação foi reproduzida na petição inicial e não foi contestada pela República Checa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

14

Uma vez que o Tribunal de Justiça pode apreciar oficiosamente se estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 258.o TFUE para a propositura de uma ação por incumprimento (acórdão de 14 de janeiro de 2010, Comissão/República Checa, C‑343/08, EU:C:2010:14, n.o 25 e jurisprudência aí referida) e uma vez que a ação não tem por objeto uma disposição legislativa ou regulamentar nacional, mas sim uma prática do laboratório de garantia checo, há que recordar, a título preliminar, que uma prática administrativa de um Estado‑Membro pode ser objeto de uma ação por incumprimento quando apresente um certo grau de constância e de generalidade (acórdãos de 29 de abril de 2004, Comissão/Alemanha, C‑387/99, EU:C:2004:235, n.o 42 e jurisprudência aí referida, e de 5 de março de 2009, Comissão/Espanha, C‑88/07, EU:C:2009:123, n.o 54).

15

No caso vertente, a República Checa não contesta que a prática do laboratório de garantia checo, visada pela Comissão, e cuja existência foi provada pela Comissão ao apresentar, em anexo à sua petição inicial, duas comunicações do presidente desse laboratório, preenche esses critérios. Esse Estado‑Membro também não contesta que esta prática lhe é imputável. Em contrapartida, contesta a admissibilidade da ação, na medida em que carece de clareza e de precisão.

16

Nos termos do artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo e da jurisprudência a ele relativa, a petição inicial deve indicar o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e a exposição sumária desses fundamentos. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito nos quais uma ação assenta devem decorrer, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição, e que os pedidos desta última devem ser formulados de forma inequívoca para evitar que o Tribunal de Justiça decida ultra petita ou não conheça de um fundamento (acórdãos de 11 de julho de 2013, Comissão/República Checa, C‑545/10, EU:C:2013:509, n.o 108 e jurisprudência aí referida, e de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C‑179/14, EU:C:2016:108, n.o 141).

17

Além disso, é jurisprudência constante que, no âmbito de uma ação intentada com base no artigo 258.o TFUE, a notificação para cumprir dirigida pela Comissão ao Estado‑Membro e, posteriormente, o parecer fundamentado emitido por esta instituição delimitam o objeto do litígio, que já não pode, portanto, ser ampliado. Com efeito, a possibilidade de o Estado‑Membro em causa apresentar as suas observações, mesmo que entenda não dever utilizá‑la, constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado e o respeito dessa garantia é uma formalidade substancial da regularidade do processo de declaração de incumprimento de um Estado‑Membro. Por conseguinte, o parecer fundamentado e a ação da Comissão devem ter por base as mesmas acusações já constantes da notificação para cumprir que dá início à fase pré‑contenciosa (acórdãos de 29 de setembro de 1998, Comissão/Alemanha, C‑191/95, EU:C:1998:441, n.o 55, e de 10 de setembro de 2009, Comissão/Portugal, C‑457/07, EU:C:2009:531, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

18

O parecer fundamentado e a ação intentada com base no artigo 258.o TFUE devem apresentar as acusações de forma coerente e precisa, a fim de permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça compreender exatamente o alcance da violação do direito da União imputada, condição necessária para que o referido Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado (acórdãos de 14 de outubro de 2010, Comissão/Áustria,C‑535/07, EU:C:2010:602, n.o 42, e de 3 de março de 2011, Comissão/Irlanda, C‑50/09, EU:C:2011:109, n.o 64 e jurisprudência aí referida).

19

No caso vertente, na medida em que, através da utilização dos termos «determinados punções neerlandeses» na petição inicial, a Comissão pretende incluir na sua ação outros punções neerlandeses além dos referidos de forma expressa, ou seja, os punções da WaarborgHolland, esta petição inicial não preenche as exigências do Regulamento de Processo e da jurisprudência recordadas no n.o 16 do presente acórdão, dado que a identidade desses outros punções não é especificada na referida petição inicial e que a utilização do termo «determinados» exclui que este se possa referir à totalidade dos punções neerlandeses.

20

Além disso, embora a notificação para cumprir dissesse respeito, de forma geral, à aplicação do artigo 34.o TFUE e da jurisprudência relativa aos metais preciosos, só se referia expressamente aos punções da WaarborgHolland. Quanto à petição inicial, embora se refira, como o dispositivo do parecer fundamentado, a «determinados punções neerlandeses», a fundamentação desse parecer refere‑se apenas aos punções da WaarborgHolland. Como tal, não se pode entender que as exigências impostas pela jurisprudência recordada nos n.os 17 e 18 do presente acórdão se encontram preenchidas.

21

Nestas circunstâncias, há que julgar a ação da Comissão inadmissível na medida em que tem por objeto a alegada recusa de reconhecimento de outros punções neerlandeses além dos apostos pela WaarborgHolland.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

22

A Comissão alega que a aposição na República Checa, em determinados metais preciosos importados de outros Estados‑Membros, de um punção adicional, apesar de esses metais preciosos já terem sido legalmente puncionados em conformidade com a legislação neerlandesa e comercializados na União, constitui uma restrição não justificada à livre circulação de mercadorias.

23

A República Checa não tem fundamentos para invocar que, para beneficiarem do princípio do reconhecimento mútuo, os metais preciosos originários de Estados terceiros não só devem ter sido introduzidos em livre prática na União mas também, em seguida, comercializados num Estado‑Membro, que deve, além disso, ser o Estado‑Membro em conformidade com cuja legislação foi aposto o punção, ou seja, no caso vertente, o Reino dos Países Baixos. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando os produtos originários de um Estado terceiro são introduzidos em livre prática na União, devem beneficiar do mesmo tratamento que as mercadorias originárias da União. Portanto, a livre circulação das mercadorias aplica‑se aos metais preciosos puncionados num Estado terceiro pela sucursal de um laboratório de garantia com sede num Estado‑Membro, no caso vertente, o Reino dos Países Baixos, e que se encontram em livre prática na União.

24

A comercialização em conformidade com a legislação vigente é uma das exigências da introdução em livre prática, e portanto um requisito da obtenção do estatuto de mercadoria da União, e não uma etapa suplementar necessária para a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo. Além disso, o Estado‑Membro de introdução em livre prática pode ser diferente daquele cuja legislação regulou o puncionamento dos metais em causa. Esta posição é designadamente confirmada pelo Regulamento (CE) n.o 764/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, que estabelece procedimentos para a aplicação de certas regras técnicas nacionais a produtos legalmente comercializados noutro Estado‑Membro, e que revoga a Decisão n.o 3052/95/CE (JO 2008, L 218, p. 21), e pelo Regulamento (CE) n.o 765/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 julho de 2008, que estabelece os requisitos de acreditação e fiscalização do mercado relativos à comercialização de produtos, e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 339/93 do Conselho (JO 2008, L 218, p. 30).

25

Assim, desde que os metais preciosos tenham sido introduzidos em livre prática, o facto de o seu puncionamento não ter sido realizado no território da União não é relevante.

26

Além disso, a Comissão recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro não pode exigir nova aplicação de punção a produtos importados de um outro Estado‑Membro, onde tenham sido legalmente comercializados e puncionados em conformidade com a legislação desse Estado, no caso de as indicações fornecidas pelo punção serem equivalentes às prescritas pelo Estado‑Membro de importação e compreensíveis para os consumidores desse Estado. No caso vertente, os punções da WaarborgHolland, mesmo que apostos num Estado terceiro, são conformes com a legislação dos Países Baixos e as indicações dadas pelos mesmos são equivalentes às prescritas pela República Checa e compreensíveis pelos consumidores desse Estado‑Membro.

27

Por outro lado, a República Checa não provou que a eventual restrição em causa é adequada para garantir a realização do objetivo da proteção do consumidor e não ultrapassa o necessário para o alcançar. A este respeito, a Comissão observa que a WaarborgHolland é um laboratório de garantia sujeito ao direito neerlandês e à supervisão dos poderes públicos neerlandeses e acreditado pelo organismo neerlandês de acreditação na aceção do Regulamento n.o 765/2008, e que esses poderes públicos asseguram a fiscalização das sucursais dos seus laboratórios de garantia tanto nos Estados‑Membros como em Estados terceiros.

28

A República Checa alega que, na medida em que a ação é admissível, é improcedente. Em primeiro lugar, após ter precisado que os punções a que se refere nas suas observações são apenas os da WaarborgHolland, esse Estado‑Membro alega que os metais preciosos puncionados num Estado terceiro não beneficiam da livre circulação das mercadorias garantida pelo artigo 34.o TFUE, muito embora tenham sido puncionados em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro.

29

O princípio do reconhecimento mútuo exige, para ser aplicável, que sejam seguidas duas etapas consecutivas, a saber, a introdução em livre prática da mercadoria na União, na aceção do artigo 29.o TFUE, que se traduz no cumprimento das formalidades de importação e na cobrança dos direitos aduaneiros e das taxas de efeito equivalente exigíveis no Estado‑Membro em causa, e em seguida a comercialização da mercadoria no mercado desse Estado‑Membro em conformidade com a sua legislação não tarifária. No presente processo, este encadeamento não foi respeitado, uma vez que os metais preciosos em causa, sendo certo que foram puncionados em conformidade com a legislação neerlandesa, foram‑no num Estado terceiro e não foram comercializados no território neerlandês.

30

Em segundo lugar, quanto à restrição à livre circulação dos metais preciosos puncionados nos Países Baixos, a República Checa considera que se justifica pela necessidade de proteger os consumidores e é proporcional a esse objetivo. A este respeito, esse Estado‑Membro alega que lhe é impossível distinguir esses metais preciosos daqueles a que foram apostos os mesmos punções num Estado terceiro. A aposição de um punção checo adicional constitui, portanto, o único meio de a República Checa controlar a entrada, no mercado da União, de mercadorias puncionadas em Estados terceiros. A possibilidade de as autoridades neerlandesas controlarem o puncionamento efetuado em Estados terceiros é insuficiente, sendo também insuficiente o controlo das amostras e do puncionamento efetuado nesses Estados terceiros. Esse Estado‑Membro observa ainda que não há, no que se refere ao puncionamento dos artefactos em metais preciosos, um sistema de reconhecimento, na União, das autoridades de avaliação da conformidade de Estados terceiros.

31

A República Francesa, que intervém em apoio da República Checa, considera, a título principal, que a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo aos metais preciosos puncionados está sujeita a um requisito suplementar que não se aplica aos outros tipos de produtos, a saber, o requisito de que o puncionamento tenha sido realizado no território do Estado‑Membro exportador por um organismo independente com sede nesse Estado‑Membro. Este requisito explica‑se pela natureza especial da atividade de puncionamento, que decorre da prerrogativa soberana de garantia do título. Por conseguinte, um artefacto a que foi aposto punção no território de um Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro exportador ou no território de um Estado terceiro, como sucede no caso dos punções da WaarborgHolland, não beneficia do princípio do reconhecimento mútuo. A mera introdução em livre prática de um artefacto desse tipo num Estado‑Membro é insuficiente para esse efeito. Portanto, a alegada violação do artigo 34.o TFUE não se encontra provada.

32

Subsidiariamente, a República Francesa alega que, admitindo que o princípio do reconhecimento mútuo se aplica, a restrição à livre circulação de mercadorias que decorre da recusa de reconhecimento dos punções da WaarborgHolland por parte das autoridades checas é conforme com o artigo 34.o TFUE, uma vez que é justificada por um objetivo de proteção dos consumidores e de garantia de lealdade das transações comerciais e que é proporcional a esse objetivo.

33

Em resposta, a Comissão alega designadamente que não decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para beneficiar do princípio do reconhecimento mútuo, a atividade de puncionamento deva ter lugar fisicamente no território do Estado‑Membro em conformidade com cuja legislação é aposto o punção. Além disso, segundo o Regulamento n.o 765/2008, os Estados‑Membros são obrigados a reconhecer a equivalência dos serviços prestados por um laboratório de garantia acreditado nos termos desse regulamento, ainda que a sucursal do laboratório de garantia autorizado que apõe o punção não se situe no território do Estado‑Membro em causa nem da União. A este respeito, a Comissão sublinha que não se contesta a independência dos laboratórios de garantia neerlandeses ou do organismo de acreditação neerlandês e que as garantias de independência oferecidas pelo laboratório de controlo autorizado pelo Estado‑Membro exportador não têm necessariamente que coincidir com as previstas pelo Estado‑Membro importador.

Apreciação do Tribunal de Justiça

34

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, toda e qualquer legislação comercial dos Estados‑Membros suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio na União deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas na aceção do artigo 34.o TFUE (acórdãos de 11 de julho de 1974, Dassonville, 8/74, EU:C:1974:82, n.o 5, e de 16 de janeiro de 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.o 16).

35

Assim, os obstáculos à livre circulação de mercadorias resultantes, na falta de harmonização das legislações nacionais, da aplicação a mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros, onde são legalmente fabricadas e comercializadas, de normas relativas às condições a que devem responder essas mercadorias, mesmo se essas normas forem indistintamente aplicáveis a todos os produtos, constituem medidas de efeito equivalente, proibidas pelo artigo 34.o TFUE, desde que essa aplicação não possa ser justificada por objetivos de interesse geral suscetíveis de primar sobre as exigências da livre circulação de mercadorias (v., neste sentido, acórdão de 20 de fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral, dito Cassis de Dijon, 120/78, EU:C:1979:42, n.o 8, e acórdãos de 15 de setembro de 1994, Houtwipper, C‑293/93, EU:C:1994:330, n.o 11, e de 16 de janeiro 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.o 17).

36

Recorde‑se ainda que, nos termos do artigo 28.o, n.o 2, TFUE, a proibição das restrições quantitativas entre os Estados‑Membros, prevista nos artigos 34.° a 37.° TFUE, é aplicável tanto aos produtos originários dos Estados‑Membros como aos produtos provenientes de países terceiros que se encontrem em livre prática nos Estados‑Membros. Nos termos do artigo 29.o TFUE, consideram‑se em livre prática num Estado‑Membro os produtos provenientes de Estados terceiros em relação aos quais se tenham cumprido as formalidades de importação e cobrado os direitos aduaneiros ou os encargos de efeito equivalente exigíveis nesse Estado‑Membro, e que não tenham beneficiado de draubaque total ou parcial desses direitos ou encargos.

37

O Tribunal de Justiça deduziu daí que, relativamente à livre circulação de mercadorias no interior da União, os produtos que beneficiam da livre prática são, definitiva e totalmente, equiparados aos produtos originários dos Estados‑Membros e que, consequentemente, as disposições do artigo 34.o TFUE são indistintamente aplicáveis aos produtos originários da União e aos produtos postos em livre prática num dos Estados‑Membros, independentemente da origem desses produtos (v., neste sentido, acórdãos de 15 de dezembro de 1976, Donckerwolcke e Schou, 41/76, EU:C:1976:182, n.os 17 e 18; de 18 de novembro de 2003, Budějovický Budvar, C‑216/01, EU:C:2003:618, n.o 95; e de 16 de julho de 2015, UNIC e Uni.co.pel, C‑95/14, EU:C:2015:492, n.o 41).

38

Todavia, também resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a colocação no mercado constitui uma fase posterior à importação. Da mesma forma que um produto legalmente fabricado na União não pode ser colocado no mercado unicamente em virtude desta circunstância, a importação legal de um produto não implica que este seja automaticamente admitido no mercado. Um produto proveniente de um Estado terceiro que se encontra em livre prática é portanto equiparado aos produtos originários dos Estados‑Membros no que se refere à eliminação dos direitos aduaneiros e das restrições quantitativas entre os Estados‑Membros. Contudo, na medida em que não existe uma regulamentação da União que harmonize as condições de comercialização dos produtos em causa, o Estado‑Membro onde estes produtos são introduzidos em livre prática pode opor‑se à sua colocação no mercado se não preencherem as condições previstas para este efeito pelo direito nacional, no respeito do direito da União (acórdãos de 30 de maio de 2002, Expo Casa Manta, C‑296/00, EU:C:2002:316, n.os 31 e 32, e de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o., C‑154/04 e C‑155/04, EU:C:2005:449, n.o 95).

39

Como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 57 e 58 das suas conclusões, decorre do que precede que, contrariamente ao que alega a Comissão, o princípio do reconhecimento mútuo instituído pela jurisprudência recordada no n.o 35 do presente acórdão não pode ser aplicado ao comércio, na União, de mercadorias originárias de Estados terceiros que se encontram em livre prática quando estas não tenham sido, antes da sua exportação para um Estado‑Membro que não aquele em que se encontram em livre prática, legalmente comercializadas no território de um Estado‑Membro.

40

No caso vertente, não se contesta que a presente ação não tem por objeto a recusa de reconhecimento dos punções da WaarborgHolland, e o puncionamento adicional que pode consequentemente ser exigido, pela República Checa quando da importação direta para o seu território, a partir de um Estado terceiro, de metais preciosos marcados com os punções da WaarborgHolland apostos fora do território da União. Esta ação também não tem por objeto os punções abrangidos pela Convenção sobre o controlo e marcação de artefactos de metais preciosos, assinada em Viena, em 15 de novembro de 1972, e alterada em 18 de maio de 1988, nem os punções abrangidos por contratos bilaterais de reconhecimento recíproco de punções apostos em artefactos em metais preciosos celebrados entre determinados Estados‑Membros e Estados terceiros, como os referidos pelo advogado‑geral no n.o 30 das suas conclusões.

41

Em contrapartida, através da referida ação, a Comissão contesta a conformidade com o artigo 34.o TFUE da prática checa que consiste em não reconhecer os punções da WaarborgHolland, que são punções de garantia, e, consequentemente, exigir um puncionamento adicional dos metais preciosos em causa, quando da importação, para a República Checa, de metais preciosos marcados com esses punções quer tenham sido legalmente puncionados e comercializados no território neerlandês, ou, eventualmente, no território de outro Estado‑Membro, quer tenham sido puncionados no território de um Estado terceiro em conformidade com a legislação neerlandesa e se encontrem em livre prática num Estado‑Membro que não seja a República Checa, quer se trate do Reino dos Países Baixos ou de outro Estado‑Membro.

42

Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que uma regulamentação nacional que exige que os artefactos em metal precioso importados de outros Estados‑Membros, onde são legalmente comercializados e puncionados em conformidade com a legislação desses Estados, sejam submetidos a nova aplicação de punção no Estado‑Membro de importação torna as importações mais difíceis e onerosas e constitui, assim, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na aceção do artigo 34.o TFUE (v., neste sentido, acórdãos de 21 de junho de 2001, Comissão/Irlanda, C‑30/99, EU:C:2001:346, n.o 27, e de 16 de janeiro de 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.os 18 e 20).

43

É o que sucede no caso da prática em questão. Com efeito, por força desta, os metais preciosos marcados com punções da WaarborgHolland, laboratório de garantia neerlandês, quer tenham sido legalmente puncionados e comercializados no território neerlandês, ou, eventualmente, no território de outro Estado‑Membro, quer tenham sido puncionados no território de um Estado terceiro em conformidade com a legislação neerlandesa e introduzidos em livre prática num Estado‑Membro que não seja a República Checa, quer se trate do Reino dos Países Baixos ou de outro Estado‑Membro, só podem ser comercializados no território da República Checa após terem sido objeto de um controlo e de um punção de garantia adicional neste último Estado‑Membro, o que é suscetível de tornar a importação desses produtos para o território deste último, a partir de outros Estados‑Membros, mais difícil e dispendiosa.

44

A referida prática é, portanto, proibida pelo artigo 34.o TFUE, exceto se puder ser objetivamente justificada.

45

A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma legislação nacional que constitua uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação na aceção do artigo 34.o TFUE pode ser justificada por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 36.o TFUE, ou por exigências imperativas (acórdãos de 10 de fevereiro de 2009, Comissão/Itália, C‑110/05, EU:C:2009:66, n.o 59 e jurisprudência aí referida, e de 6 de setembro de 2012, Comissão/Bélgica, C‑150/11, EU:C:2012:539, n.o 53).

46

No caso vertente, a República Checa invoca uma exigência imperativa relativa à necessidade de assegurar a proteção dos consumidores.

47

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou, com efeito, que a obrigação de o importador fazer aplicar nos artefactos em metal precioso um punção que indica o toque é, em princípio, suscetível de garantir uma proteção eficaz dos consumidores e promover a lealdade das transações comerciais (acórdãos de 21 de junho de 2001, Comissão/Irlanda, C‑30/99, EU:C:2001:346, n.o 29, e de 16 de janeiro de 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.o 21).

48

Porém, nesse contexto, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que um Estado‑Membro não deve impor um novo punção a produtos importados de outro Estado‑Membro, onde tenham sido legalmente comercializados e puncionados em conformidade com a legislação desse Estado, no caso de as indicações fornecidas pelo punção de origem serem, qualquer que seja a sua forma, equivalentes às prescritas pelo Estado‑Membro de importação e compreensíveis para os consumidores deste último (acórdãos de 21 de junho de 2001, Comissão/Irlanda, C‑30/99, EU:C:2001:346, n.o 30, e de 16 de janeiro de 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.o 22).

49

Contudo, no caso vertente, não estão em causa a equivalência entre as indicações fornecidas pelos punções da WaarborgHolland e as previstas pela República Checa para os seus próprios punções de garantia nem a sua compreensão pelos consumidores deste último Estado‑Membro, elementos que a República Checa não contesta, mas o nível de garantia oferecido pelo puncionamento efetuado no território de Estados terceiros pelas sucursais de um laboratório de garantia neerlandês, no caso vertente a WaarborgHolland, que, por força do direito neerlandês, está autorizado a exercer pelo menos uma parte das suas atividades de puncionamento fora do território da União.

50

A República Checa, apoiada pela República Francesa, alega, com efeito, que esse punção que é aposto fora do território da União, ainda que esse puncionamento seja efetuado pelas sucursais de um laboratório de garantia independente que, nos termos do direito do Estado‑Membro de que provém, está autorizado a exercer uma parte das suas atividades no território de Estados terceiros, não oferece garantias suficientes para ser considerado equivalente a um punção aposto por um organismo independente de um Estado‑Membro no território desse Estado‑Membro. A fiabilidade desse puncionamento efetuado fora do território da União não pode, segundo esses Estados‑Membros, estar garantida, atendendo aos obstáculos ao exercício de um controlo suficiente, por parte do Estado‑Membro a que pertence esse organismo, sobre as atividades deste último que são exercidas no território de Estados terceiros.

51

A este respeito, há que recordar que, quanto à exigência de um punção que seja aposto por uma pessoa coletiva que preencha determinadas exigências de competência e independência, é certo que o Tribunal de Justiça já declarou que um Estado‑Membro não pode, defendendo que a função de garantia do punção só pode ser assegurada pela intervenção do organismo competente do Estado de importação, opor‑se à comercialização no seu território de artefactos em metal precioso com um punção aplicado no Estado‑Membro de exportação por um organismo independente. Com efeito, a existência de duplos controlos, no Estado‑Membro exportador e no Estado‑Membro importador, não pode justificar‑se se o controlo efetuado no Estado‑Membro de origem satisfizer as necessidades do Estado‑Membro importador. A este respeito, o Tribunal de Justiça também já declarou que a função de garantia do punção está assegurada se este for aplicado por um organismo independente no Estado‑Membro exportador (v., neste sentido, acórdão de 15 de setembro de 1994, Houtwipper, C‑293/93, EU:C:1994:330, n.os 17 a 19).

52

Todavia, atendendo ao risco de fraude existente no mercado dos artefactos em metais preciosos, uma vez que pequenas alterações no teor do metal precioso podem ter uma grande importância na margem de lucro do produtor, o Tribunal de Justiça reconheceu que, não havendo regulamentação da União, a escolha das medidas adequadas para enfrentar este risco compete aos Estados‑Membros, que dispõem de um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, acórdão de 15 de setembro de 1994, Houtwipper, C‑293/93, EU:C:1994:330, n.os 21 e 22).

53

Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou que, embora a opção entre o exercício de um controlo a priori por um organismo independente e um regime que permite aos próprios produtores do Estado‑Membro de exportação puncionar as mercadorias em causa se insira no poder de apreciação de cada Estado‑Membro, um Estado‑Membro cuja regulamentação exige que o punção seja aposto por um organismo independente não pode opor‑se à comercialização no seu território de artefactos em metais preciosos importados de outros Estados‑Membros quando esses artefactos tenham sido efetivamente puncionados por um organismo independente no Estado‑Membro exportador. Por outro lado, o Tribunal de Justiça sublinhou que as garantias de independência oferecidas pelo organismo do Estado‑Membro exportador não têm necessariamente de coincidir com as previstas na regulamentação nacional do Estado‑Membro de importação (v., neste sentido, acórdãos de 15 de setembro de 1994, Houtwipper, C‑293/93, EU:C:1994:330, n.os 20, 22, 23 e 27, e de 16 de janeiro de 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.os 36 e 37).

54

Todavia, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou quanto aos punções de garantia apostos no território de Estados terceiros. Ora, a este respeito, atendendo ao risco de fraude que existe no mercado dos metais preciosos e ao amplo poder de apreciação que o Tribunal de Justiça já reconheceu aos Estados‑Membros relativamente à escolha das medidas adequadas para fazer face a esse risco, há que admitir que, não havendo regulamentação da União na matéria, um Estado‑Membro tem o direito de, no âmbito da luta contra a fraude com vista a assegurar a proteção dos consumidores no seu território, não admitir que o seu ou os seus organismos de garantia, ou outras entidades habilitadas a apor punções de garantia desse Estado‑Membro em metais preciosos, aponham os referidos punções no território de Estados terceiros.

55

Decorre destas considerações que, no estado atual do direito da União e salvo nos casos regulados por um acordo internacional que, conforme se recordou no n.o 40 do presente acórdão, não são objeto da presente ação, um Estado‑Membro tem, em princípio, o direito de, em aplicação da jurisprudência recordada no n.o 52 do presente acórdão, não considerar que os punções de garantia apostos no território de Estados terceiros oferecem um nível de proteção dos consumidores equivalente aos punções de garantia apostos por organismos independentes no território dos Estados‑Membros.

56

A este respeito, a Comissão não pode, de forma útil, retirar do Regulamento n.o 765/2008 o argumento de que, uma vez que a WaarborgHolland é um organismo de avaliação da conformidade acreditado pelo organismo neerlandês de acreditação nos termos desse regulamento, a República Checa é, em todos os casos, obrigada a admitir no seu território os metais preciosos marcados com punções desse organismo de avaliação quando são importados a partir de outro Estado‑Membro, sem ter o direito de exercer um controlo e, eventualmente, um puncionamento adicional.

57

Com efeito, por um lado, embora o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 765/2008 preveja que, quando um organismo de avaliação da conformidade requeira uma acreditação, deve fazê‑lo junto do organismo nacional de acreditação do Estado‑Membro em que se encontra estabelecido, este regulamento não se pronuncia quanto à questão do território em que os organismos de avaliação da conformidade podem ou devem exercer as suas atividades e de saber em que medida a acreditação que lhes é concedida pelo organismo nacional de acreditação nos termos desse regulamento pode ou não, ou deve ou não, abranger também as atividades dos organismos de avaliação da conformidade que são exercidas pelas suas sucursais no território de Estados terceiros. Além disso, por outro lado, o facto de saber se a prática checa que a Comissão contesta é ou não conforme com o Regulamento n.o 765/2008 não se insere no objeto da presente ação.

58

Todavia, há que sublinhar que o exercício da faculdade reconhecida aos Estados‑Membros no n.o 55 do presente acórdão não pode ser justificado se, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 51 do presente acórdão, os resultados do controlo efetuado no Estado‑Membro a partir do qual os metais preciosos em causa são exportados satisfizerem as necessidades do Estado‑Membro importador.

59

Ora, é o que sucede necessariamente, no caso em apreço, com os metais preciosos puncionados pela WaarborgHolland no território neerlandês e legalmente comercializados nesse Estado‑Membro, ou, eventualmente, no território de outro Estado‑Membro, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça recordada no n.o 53 do presente acórdão.

60

É também o que sucede no caso dos metais preciosos marcados com um punção da WaarborgHolland aposto num Estado terceiro, que foram introduzidos em livre prática na União e, previamente à sua exportação para a República Checa, foram legalmente comercializados no território de um Estado‑Membro que, como a República Checa, optou por não admitir que os seus organismos de garantia, ou outras entidades que habilitou a apor punções de garantia desse Estado‑Membro em metais preciosos, aponham os referidos punções no território de Estados terceiros. Com efeito, nesse caso, há que considerar que o controlo efetuado por esse Estado‑Membro quando da comercialização dos metais preciosos em causa no seu território satisfaz as exigências da República Checa, desde que, nesse caso, esses dois Estados‑Membros prossigam níveis equivalentes de proteção dos consumidores.

61

Há que observar que, nas hipóteses identificadas nos n.os 59 e 60 do presente acórdão, a recusa de reconhecimento dos punções da WaarborgHolland por parte da República Checa não se pode justificar e, por conseguinte, o alegado incumprimento se encontra provado.

62

Em contrapartida, resulta destas considerações que, estando em causa metais preciosos que foram marcados com um punção da WaarborgHolland no território de um Estado terceiro, que foram introduzidos em livre prática na União e que são exportados para a República Checa sem terem sido previamente comercializados legalmente num Estado‑Membro, bem como no caso de essas mercadorias, uma vez introduzidas em livre prática, terem sido legalmente comercializadas num Estado‑Membro que não exige que os metais preciosos sejam puncionados por um organismo independente, ou ainda num Estado‑Membro que, apesar de exigir esse puncionamento, admite que este seja feito no território de Estados terceiros, os resultados do controlo efetuado pelo Estado‑Membro a partir do qual os metais preciosos são exportados não satisfazem as exigências da República Checa.

63

Contudo, embora a prática checa em questão seja, em parte, suscetível de ser justificada, designadamente pela possibilidade de os metais preciosos em causa não preencherem os requisitos de comercialização legal num Estado‑Membro, é ainda necessário, para que esta justificação seja admissível, que essa prática seja suscetível de garantir a realização desse objetivo e que não vá além do necessário para o alcançar (v., neste sentido, acórdãos de 10 de fevereiro de 2009, Comissão/Itália, C‑110/05, EU:C:2009:66, n.o 59 e jurisprudência aí referida, e de 16 de janeiro de 2014, Juvelta, C‑481/12, EU:C:2014:11, n.o 29).

64

Ora, não se contesta que a prática checa em causa diz respeito aos metais preciosos marcados com punções da WaarborgHolland de modo geral, e não apenas aos metais preciosos marcados com punções da WaarborgHolland apostos no território de Estados terceiros, e, além disso, sem distinção segundo as condições em que esses metais preciosos são exportados para a República Checa, isto é, designadamente, consoante tenham sido exportados para a República Checa após terem simplesmente sido introduzidos em livre prática noutro Estado‑Membro, ou após terem sido também legalmente comercializados noutro Estado‑Membro.

65

A este respeito, a República Checa invoca a impossibilidade de distinguir, entre os punções da WaarborgHolland, aqueles que foram apostos no território de Estados terceiros e os que foram apostos na União, uma vez que estes punções são idênticos, independentemente do local onde são apostos. Todavia, este facto não pode permitir que se considere que esta prática, na medida em que pode ser justificada, é proporcional ao objetivo prosseguido.

66

Com efeito, seria possível, por exemplo exigindo ao importador na República Checa uma prova documental que atestasse o local onde o punção em causa foi aposto e, eventualmente, o local de introdução em livre prática e de comercialização legal dos metais preciosos em causa na União, limitar a recusa de reconhecimento dos punções da WaarborgHolland unicamente aos casos em que um controlo adicional dos referidos metais por parte das autoridades checas se justificasse efetivamente para a proteção dos consumidores, o que constituiria uma medida menos atentatória à livre circulação de mercadorias, comparativamente à recusa geral de reconhecimento desses punções e ao puncionamento adicional de todos os metais preciosos marcados com os referidos punções.

67

O facto de, nesse caso, o consumidor final não estar, por si só, em condições de verificar se o punção da WaarborgHolland foi aposto no metal precioso no território de um Estado terceiro ou na União e ser, por conseguinte, suscetível de ser induzido em erro quanto à qualidade do mesmo não pode, contrariamente ao que alega a República Checa, provar a proporcionalidade da prática em causa, exceto se se considerar que o consumidor não pode confiar nas autoridades competentes do Estado‑Membro de consumo quanto ao seu controlo da qualidade dos produtos que admite no seu mercado, o que não se pode admitir.

68

Importa, portanto, observar que, devido ao seu caráter geral e sistemático, a prática checa em causa, na medida em que é suscetível de ser justificada pela proteção dos consumidores, é desproporcionada relativamente aos objetivos prosseguidos.

69

Atendendo a estas considerações, há, por um lado, que declarar que, ao recusar reconhecer os punções da WaarborgHolland, a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 34.o TFUE e, por outro, julgar a ação improcedente quanto ao restante.

Quanto às despesas

70

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 3, primeiro período, do mesmo regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Tendo a ação da Comissão sido parcialmente julgada improcedente, há que decidir que a Comissão e a República Checa suportarão as suas próprias despesas.

71

Em conformidade com o artigo 140.o n.o 1, do mesmo regulamento, segundo o qual os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

Ao recusar reconhecer os punções do laboratório de garantia WaarborgHolland, a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 34.o TFUE.

 

2)

A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

 

3)

A Comissão Europeia, a República Checa e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.

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