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Document 62014CJ0376

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de outubro de 2014.
    C contra M.
    Pedido de decisão prejudicial, apresentado pela Supreme Court (Irlanda).
    Reenvio prejudicial – Processo prejudicial urgente – Cooperação judiciária em matéria civil – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Retenção ilícita – Residência habitual da criança.
    Processo C‑376/14 PPU.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:2268

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    9 de outubro de 2014 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Retenção ilícita — Residência habitual da criança»

    No processo C‑376/14 PPU,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Supreme Court (Irlanda), por decisão de 31 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2014, no processo

    C

    contra

    M,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado‑geral: M. Szpunar,

    secretário: L. Hewlett, administradora principal,

    visto o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de 31 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2014, de submeter o reenvio prejudicial a tramitação urgente, em conformidade com o disposto no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça,

    vista a decisão da Terceira Secção, de 14 de agosto de 2014, de deferir esse pedido,

    vistos os autos e após a audiência de 22 de setembro de 2014,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de C, por C. Walsh, solicitor, R. Costello, BL, e D. Brown, SC,

    em representação de M, por C. Fitzgerald, SC, e K. Kelly, BL,

    em representação do Governo francês, por F. Gloaguen e F.‑X. Bréchot, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

    ouvido o advogado‑geral,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO L 338, p. 1, a seguir «regulamento»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe C a M no que respeita ao regresso a França do seu filho menor que se encontra na Irlanda com a mãe.

    Quadro jurídico

    Convenção de Haia de 1980

    3

    O artigo 1.o da Convenção sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, concluída em 25 de outubro de 1980, em Haia (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1343, n.o 22514, a seguir «Convenção de Haia de 1980»), enuncia:

    «A presente Convenção tem por objeto:

    a)

    Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

    [...]»

    4

    O artigo 3.o da referida Convenção estipula:

    «A deslocação ou retenção da criança é considerada ilícita quando:

    a)

    Tenha sido efetivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

    b)

    Quando esse direito é efetivamente exercido, separada ou conjuntamente, no momento da deslocação ou retenção, ou tê‑lo‑ia sido se tais acontecimentos não se tivessem verificado.

    O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.»

    5

    O artigo 12.o da mesma Convenção prevê:

    «Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.o e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.

    [...]»

    6

    O artigo 19.o da Convenção de Haia de 1980 tem a seguinte redação:

    «Qualquer decisão sobre o regresso da criança, tomada ao abrigo da presente Convenção, não afeta os fundamentos do direito de custódia.»

    Direito da União

    7

    O considerando 12 do regulamento enuncia:

    «As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. [...]»

    8

    Nos termos do artigo 2.o do regulamento:

    «Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

    [...]

    7)

    ‘Responsabilidade parental’, o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita;

    8)

    ‘Titular da responsabilidade parental’, qualquer pessoa que exerça a responsabilidade parental em relação a uma criança;

    9)

    ‘Direito de guarda’, os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência;

    [...]

    11)

    ‘Deslocação ou retenção ilícitas de uma criança’, a deslocação ou a retenção de uma criança, quando:

    a)

    Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e

    b)

    No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efetivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê‑lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera‑se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.»

    9

    O capítulo II do regulamento contém as regras relativas à competência e estabelece, na sua secção 1, que compreende os artigos 3.° a 7.°, as regras de competência em matéria de divórcio, de separação ou anulação do casamento, na sua secção 2, que compreende os artigos 8.° a 15.°, as regras em matéria de responsabilidade parental e, na sua secção 3, que compreende os artigos 16.° a 20.°, disposições comuns.

    10

    O artigo 8.o do regulamento, sob a epígrafe «Competência geral», dispõe:

    «1.   Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

    2.   O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.°»

    11

    O artigo 9.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Prolongamento da competência do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança», prevê no seu n.o 1:

    «Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado‑Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8.o, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado‑Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado‑Membro da anterior residência habitual da criança.»

    12

    O artigo 10.o do regulamento, sob a epígrafe «Competência em caso de rapto da criança», prevê que, em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado‑Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas continuam a ser competentes, salvo se determinados requisitos que enuncia estiverem reunidos.

    13

    O artigo 11.o do regulamento, sob a epígrafe «Regresso da criança», prevê no seu n.o 1:

    «Os n.os 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção [de Haia de 1980], a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.»

    14

    Nos termos do artigo 12.o do regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência»:

    «1.   Os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

    a)

    Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; e

    b)

    A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança.

    2.   A competência exercida nos termos do n.o 1 cessa:

    a) Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou

    b) Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou

    c) Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.

    3.   Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.o 1, quando:

    a)

    A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e

    b)

    A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.

    [...]»

    15

    O artigo 19.o do regulamento, sob a epígrafe «Litispendência e ações dependentes», prevê:

    «1.   Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados‑Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

    2.   Quando são instauradas em tribunais de Estados‑Membros diferentes ações relativas à responsabilidade parental em relação à uma criança, que tenham o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.

    [...]»

    16

    O capítulo III do regulamento contém as regras relativas ao reconhecimento das decisões proferidas num Estado‑Membro nos outros Estados‑Membros e à execução dessas decisões. Incluído na secção 1 desse capítulo, relativa ao reconhecimento, o artigo 24.o do regulamento, sob a epígrafe «Proibição do controlo da competência do tribunal de origem», dispõe:

    «Não se pode proceder ao controlo da competência do tribunal do Estado‑Membro de origem. O critério de ordem pública, referido na alínea a) do artigo 22.o e na alínea a) do artigo 23.o, não pode ser aplicado às regras de competência enunciadas nos artigos 3.° a 14.°»

    17

    O artigo 28.o do regulamento, incluído na secção 2 do capítulo III, relativa ao pedido de declaração de executoriedade, prevê no seu n.o 1:

    «As decisões proferidas num Estado‑Membro sobre o exercício da responsabilidade parental relativa a uma criança, que aí tenham força executória e que tenham sido citadas ou notificadas, são executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada.»

    Direito irlandês

    18

    Decorre da decisão de reenvio que a Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda (Child Abduction and Enforcement of Custody Orders Act 1991), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda»), transpõe para o direito irlandês a Convenção de Haia de 1980. Esta lei foi alterada pelo Regulamento de 2005 adotado no âmbito das Comunidade Europeias (decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental) [European Communities (Judgments in Matrimonial Matters and Matters of Parental Responsibility) Regulations 2005) com vista a ter em conta o regulamento nos processos abrangidos pela Convenção de Haia de 1980 que envolvam Estados‑Membros.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    19

    C, de nacionalidade francesa, e M, de nacionalidade britânica, casaram‑se em França em 24 de maio de 2008. Da sua união nasceu o filho de ambos em 14 de julho de 2008, em França. Tendo‑se deteriorado rapidamente as relações entre os cônjuges, M apresentou um pedido de divórcio em 17 de novembro de 2008. O pai e a mãe iniciaram então em França vários processos relativos à criança, tanto antes como depois da sentença de divórcio e da apresentação pelo pai na High Court (Irlanda) de um pedido de regresso da criança a França. Só são pertinentes para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio a sentença de divórcio, os factos e os processos posteriores.

    Sentença de divórcio, factos e processos judiciais subsequentes

    20

    O tribunal de grande instance d’Angoulême (França) decretou o divórcio com culpa partilhada dos cônjuges, por sentença de 2 de abril de 2012 (a seguir «sentença de 2 de abril de 2012»). Esta sentença fixou os efeitos do divórcio entre os cônjuges a 7 de abril de 2009, e determinou que o poder parental sobre a criança seria exercido conjuntamente por ambos os pais, fixou a residência habitual da criança com a mãe a partir de 7 de julho de 2012 e regulamentou o direito de visita e de alojamento a favor do pai em caso de desacordo entre as partes, prevendo diferentes modalidades consoante a mãe fixe residência em França ou deixe o território francês para viver na Irlanda. Esta sentença precisa que a mãe está autorizada a «fixar residência na Irlanda» e recorda, no dispositivo, que a sentença «tem força executória no que respeita às disposições relativas à criança».

    21

    Em 23 de abril de 2012, C interpôs recurso dessa sentença, limitando o seu objeto às medidas relativas à criança e à sua condenação no pagamento de uma determinada quantia a M, a título de adiantamento sobre a sua parte nos bens comuns. Em 5 de junho de 2012, o primeiro presidente da cour d’appel de Bordeaux (França) indeferiu o seu pedido de suspensão da execução provisória da referida sentença.

    22

    Em 12 de julho de 2012, M viajou para a Irlanda com a criança onde vivem atualmente. Segundo a decisão de reenvio, M não cumpriu as disposições da sentença de 2 de abril de 2012 relativas ao direito do pai de visita e de alojamento.

    23

    Por acórdão de 5 de março de 2013, a cour d’appel de Bordeaux revogou a sentença de 2 abril de 2012 na parte respeitante às disposições relativas à residência da criança, ao direito de visita e de alojamento e ao pagamento do adiantamento sobre os bens comuns. Esse órgão jurisdicional fixou a residência da criança no domicílio do pai e estabeleceu um direito de visita e de alojamento a favor da mãe.

    24

    Em 31 de março de 2013, C, invocando nomeadamente o facto de M se recusar a representar a criança intentou, na secção de família do tribunal de grande instance de Niort (França), uma ação a fim de lhe ser atribuído com caráter exclusivo o poder parental, de ser ordenado o regresso da criança ao seu domicílio sob pena de uma sanção e de ser proibida a saída da criança do território francês sem a autorização do pai. Em 10 de julho de 2013, a secção de família do tribunal de grande instance de Niort julgou procedentes os pedidos de C.

    25

    Em 18 de dezembro de 2013, C requereu à High Court, ao abrigo do artigo 28.o do regulamento, que declarasse executório o acórdão de 5 de março de 2013 da cour d’appel de Bordeaux. Este pedido foi julgado procedente, mas M, que interpôs, em 7 de janeiro de 2014, um recurso de cassação desse acórdão, que está atualmente pendente na Cour de cassation (França), solicitou, em 9 de maio de 2014, que a High Court suspendesse o processo de execução.

    Sentença da High Court e decisão de reenvio

    26

    Em 29 de maio de 2013, C solicitou à High Court que ordenasse, nos termos do artigo 12.o da Convenção de Haia de 1980, dos artigos 10.° e 11.° do regulamento e da Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda, o regresso da criança a França e declarasse que a mãe reteve ilicitamente a criança na Irlanda.

    27

    Por acórdão de 13 de agosto de 2013, a High Court julgou improcedentes aqueles pedidos por considerar, em substância, que a deslocação da criança para a Irlanda era lícita pelo facto de ter tido lugar com base numa sentença de um órgão jurisdicional francês que autorizava essa deslocação, que o pedido de suspensão da execução provisória da sentença de 2 de abril de 2012 tinha sido julgado improcedente, que essa sentença era definitiva, não se tratando de um despacho de medidas provisórias nem de uma decisão provisória, e que essa mesma sentença não tinha sido alterada nem revogada em sede de recurso no prazo de três meses previsto no artigo 9.o do regulamento. Daí concluiu que a residência habitual da criança não se tinha tornado condicional pelo facto de C ter interposto um recurso dessa sentença e que a resolução do litígio que lhe foi submetido dependia essencialmente de uma apreciação de ordem factual, uma vez que nada, no conceito de «residência habitual», se opõe a que esta seja alterada e que o regulamento prevê, de resto, a situação em que essa alteração ocorra antes da transferência de jurisdição. Atendendo aos elementos de facto, a High Court considerou que, no caso em apreço, a criança tinha a sua residência habitual na Irlanda desde que a mãe a tinha levado para esse Estado‑Membro com a intenção de aí se instalar.

    28

    C recorreu dessa sentença em 10 de outubro de 2013 alegando, nomeadamente, que o facto de a deslocação da criança para a Irlanda ter sido lícita não significa que a sua residência habitual tenha mudado, que uma deslocação lícita não exclui uma retenção ilícita, que a sentença de 2 de abril de 2012 era acompanhada da execução provisória e, portanto, temporária enquanto ainda estivesse pendente o recurso interposto dessa sentença, que a mãe não indicou nos órgãos jurisdicionais franceses que tinha a intenção de garantir a guarda da criança na Irlanda, que a mãe nunca contestou a competência dos órgãos jurisdicionais franceses nem alegou que a residência habitual da criança tinha mudado, que a clara intenção desses órgãos jurisdicionais era manter a sua competência relativamente ao direito de guarda, que os órgãos jurisdicionais irlandeses estão vinculados pelas decisões dos tribunais franceses que foram os primeiros a ser chamados a pronunciar‑se e que continuam a ser competentes no que se refere à guarda e, por último, que a High Court fez uma interpretação errada do artigo 9.o do regulamento.

    29

    Em resposta, M alega nomeadamente que a residência habitual da criança deve ser apreciada à luz dos factos e que, no caso em apreço, esta mudou depois da deslocação da criança para a Irlanda, em conformidade com a sentença de 2 de abril de 2012 que lhe permitia decidir sozinha sobre o lugar da residência da criança, de modo que não se verifica nenhuma violação dos direitos de guarda. Na sua opinião, nem a natureza dessa sentença nem o recurso interposto contra a mesma impedem, de facto, essa mudança de residência. Refere‑se, no que respeita ao conceito de residência habitual, aos acórdãos do Tribunal de Justiça, A (C‑523/07, EU:C:2009:225) e Mercredi (C‑497/10 PPU, EU:C:2010:829).

    30

    O órgão jurisdicional de reenvio expõe que o litígio no processo principal suscita questões de interpretação dos artigos 2.°, 12.°, 19.° e 24.° do regulamento. Salienta que os órgãos jurisdicionais franceses foram os primeiros a ser chamados a pronunciar‑se na aceção do regulamento, que a sua competência foi aceite inequivocamente pelos progenitores nesse momento e que esses órgãos jurisdicionais afirmam continuar a ser competentes no que respeita à responsabilidade parental apesar da presença da criança na Irlanda. A ser esse o caso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a mãe reteve ilicitamente a criança a partir da primeira violação do direito de visita e de alojamento fixado pela sentença de 2 de abril de 2012. Interroga‑se, assim, quanto à questão de saber se essa competência cessou ou não à luz das disposições do artigo 12.o, n.o 2, alínea b), ou do artigo 12.o, n.o 3, alíneas a) e b), do regulamento. Em sua opinião, o artigo 19.o, n.o 2, do regulamento é aplicável.

    31

    Indica, também, referindo‑se aos acórdãos A (EU:C:2009:225) e Mercredi (EU:C:2010:829), que o conceito de residência habitual, que não é definido pelo regulamento, continua a ser uma questão de facto e que devem ser tomadas em consideração, nomeadamente, as condições e as razões da residência no território do Estado‑Membro em causa. Consequentemente, deve ser decidida a questão de saber se os órgãos jurisdicionais franceses continuam a ser competentes ou se a mãe e a criança estavam autorizadas, à luz do direito da União, a estabelecer residência habitual na Irlanda.

    32

    Nestas condições, a Supreme Court decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A existência de um processo francês relativo ao direito de guarda da criança obsta, nas circunstâncias do presente processo, ao estabelecimento da residência habitual da criança na Irlanda?

    2)

    O pai ou os tribunais franceses continuam a manter o direito de guarda relativamente à criança, tornando ilícita a retenção da criança na Irlanda?

    3)

    Os tribunais irlandeses podem apreciar a questão da residência habitual da criança, quando esta reside na Irlanda desde julho de 2012, altura em que a sua deslocação para a Irlanda não violava o direito francês?»

    Quanto à tramitação urgente

    33

    A Supreme Court solicitou que o reenvio prejudicial seja submetido à tramitação urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça pelo facto de o considerando 17 do regulamento enunciar que, em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso.

    34

    A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que o reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação do regulamento que foi adotado em especial com base no artigo 61.o, alínea c), CE, atual artigo 67.o TFUE, que figura no título V da terceira parte do Tratado FUE, relativa ao espaço de liberdade, segurança e justiça, de modo que o referido reenvio está abrangido pelo âmbito de aplicação da tramitação urgente definido no artigo 107.o do Regulamento de Processo.

    35

    Em segundo lugar, decorre da decisão de reenvio que, apesar de o poder paternal sobre a criança ter sido atribuído aos dois progenitores pela sentença de 2 de abril de 2012, que concedeu ao pai um direito de visita e de alojamento, e de o acórdão da cour d’appel de Bordeaux de 5 de março de 2013, que revogou parcialmente a referida sentença, ter fixado a residência da criança no domicílio do pai, este está impedido de manter um contacto regular com o filho, atualmente com seis anos, desde a sua deslocação para a Irlanda em 12 de julho de 2012. Na medida em que o reenvio prejudicial foi formulado no âmbito de um litígio que tem por objeto um pedido de regresso da criança a França apresentado pelo pai e que as respostas às questões submetidas são determinantes para a resolução do litígio, qualquer atraso neste processo pode prejudicar o restabelecimento das relações entre a criança e o pai e, em caso de regresso a França, a integração da criança no novo ambiente familiar e social.

    36

    Nestas condições, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, a Terceira Secção do Tribunal de Justiça decidiu deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de o pedido de decisão prejudicial ser sujeito a tramitação urgente.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto às disposições pertinentes do regulamento

    37

    Em primeiro lugar, cabe observar que não existe nenhum conflito ou risco de conflito de competências entre os órgãos jurisdicionais franceses e irlandeses no litígio no processo principal, de modo que as disposições dos artigos 12.° e 19.° do regulamento invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio não são pertinentes para a resolução desse litígio.

    38

    Com efeito, é assente, por um lado, que a criança residia habitualmente em França no momento em que o tribunal de grande instance d’Angoulême e a cour d’appel de Bordeaux foram chamados a pronunciar‑se, de modo que, em conformidade com o artigo 8.o do regulamento, esses órgãos jurisdicionais são competentes para decidir sobre as disposições relativas à responsabilidade parental.

    39

    Por outro lado, há que observar que a High Court foi chamada a pronunciar‑se, em 29 de maio de 2013, sobre um pedido de regresso da criança a França com base no artigo 12.o da Convenção de Haia de 1980, nos artigos 10.° e 11.° do regulamento e na Lei de 1991 relativa ao rapto de crianças e à execução de sentenças em matéria de guarda.

    40

    Uma ação dessa natureza, que tem por objeto o regresso, ao Estado‑Membro de origem, da criança que foi deslocada ou retida ilicitamente noutro Estado‑Membro, não diz respeito ao mérito da responsabilidade parental, e não tem, por conseguinte, o mesmo objeto nem a mesma causa que uma ação destinada a determinar a responsabilidade parental (v. acórdão Purrucker, C‑296/10, EU:C:2010:665, n.o 68). Além disso, segundo o artigo 19.o da Convenção de Haia de 1980, a decisão sobre o regresso proferida no âmbito da referida Convenção não afeta o mérito do direito de guarda. Consequentemente, não existe litispendência entre essas ações.

    41

    Há que acrescentar que o artigo 10.o do regulamento também não se aplica ao processo principal, uma vez que este último não diz respeito ao mérito da responsabilidade parental.

    42

    Em segundo lugar, há que declarar que para a resolução do litígio no processo principal também não são pertinentes as disposições do artigo 9.o do regulamento, ao qual se referiu a High Court no seu acórdão de 13 agosto de 2013 e que é relativo à manutenção durante um determinado período da competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da antiga residência habitual da criança no que respeita ao direito de visita, nem as do artigo 24.o do regulamento que o órgão jurisdicional de reenvio invoca, o qual faz parte, no capítulo III do regulamento, da secção 1 relativa ao reconhecimento de decisões proferidas num Estado‑Membro. Com efeito, como decorre das constatações precedentes, o litígio no processo principal não suscita uma questão de competência para decidir sobre um direito de visita nem uma questão de reconhecimento na Irlanda de uma decisão de um órgão jurisdicional francês.

    43

    Em terceiro lugar, há que salientar que, em contrapartida, são pertinentes o artigo 2.o, ponto 11, do regulamento, que define o conceito de «[d]eslocação ou retenção ilícitas de uma criança», e o artigo 11.o do regulamento, que completa as disposições da Convenção de Haia de 1980 e que se aplica quando, como no processo principal, um órgão jurisdicional da União Europeia é chamado a pronunciar‑se, com base nessa Convenção, sobre um pedido de regresso a Estado‑Membro de uma criança que foi deslocada ou retida ilicitamente noutro Estado‑Membro.

    Quanto à primeira e terceira questões

    44

    A título preliminar, importa salientar que, no processo principal, a criança foi deslocada licitamente de França para a Irlanda na sequência da sentença de 2 de abril de 2012 que fixou a residência habitual da criança no domicílio da mãe e que a autorizava a «instalar a sua residência na Irlanda». Essa sentença, como indicou o Governo francês na resposta ao pedido de esclarecimentos dirigido pelo Tribunal de Justiça e na audiência, não tinha força de caso julgado, dado que era suscetível de recurso, mas as suas disposições relativas à criança eram executórias a título provisório. A referida sentença, que foi objeto de recurso antes da deslocação da criança, foi revogada, cerca de oito meses depois da deslocação da criança para a Irlanda, pelo acórdão da cour d’appel de Bordeaux de 5 de março de 2013, que fixou a residência da criança no domicílio do pai, em França. Esse acórdão, do qual M interpôs recurso de cassação, é, segundo as indicações do Governo francês. executório e tem força de caso julgado, não tendo esse recurso efeito suspensivo no direito francês.

    45

    Consequentemente, em face das considerações expostas nos n.os 37 a 43 do presente acórdão, há que considerar que, com a primeira e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do regulamento devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada.

    46

    A este respeito, deve salientar‑se que, segundo a definição de deslocação ou de retenção ilícitas formulada no artigo 2.o, ponto 11, do regulamento em termos muito semelhantes aos do artigo 3.o da Convenção de Haia de 1980, a deslocação ou a retenção, para ser considerada ilícita na aceção do regulamento, deve ter lugar em violação de um direito de guarda conferido por uma decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção.

    47

    Decorre desta definição que a existência de uma deslocação ou de uma retenção ilícitas na aceção do artigo 2.o, ponto 11, do regulamento pressupõe que a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção e decorra da violação do direito de guarda atribuído por força da legislação desse Estado‑Membro.

    48

    Por sua vez, o artigo 11.o, n.o 1, do regulamento prevê que os n.os 2 a 8 do mesmo artigo são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção de Haia de 1980, a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida «num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas». Daqui resulta que não é este o caso se a criança não tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção.

    49

    Consequentemente, decorre quer do artigo 2.o, ponto 11, quer do artigo 11.o, n.o 1, do regulamento que este último artigo só pode ser aplicado para efeitos de procedência do pedido de regresso se a criança tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada.

    50

    Quanto ao conceito de «residência habitual», o Tribunal de Justiça já declarou, ao interpretar o artigo 8.o do regulamento no acórdão A (EU:C:2009:225) e os artigos 8.° e 10.° do regulamento no acórdão Mercredi (EU:C:2010:829), que o regulamento não contém nenhuma definição desse conceito e considerou que o seu sentido e alcance devem ser determinados, nomeadamente, à luz do objetivo que resulta do considerando 12 do regulamento, segundo o qual as regras de competência que este estabelece são definidas em função do superior interesse da criança, em particular, do critério da proximidade (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 31 e 35, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 44 e 46).

    51

    Nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou também que a residência habitual da criança deve ser estabelecida pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto específicas de cada caso (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 37 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 47 e 56). A este respeito, considerou que, além da presença física da criança num Estado‑Membro, outros fatores suplementares devem indicar que essa presença não tem caráter temporário ou ocasional e que a residência da criança corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 38 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 47, 49 e 56).

    52

    O Tribunal de Justiça precisou que, para o efeito, devem nomeadamente ser tidos em conta a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o lugar e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como as relações familiares e sociais da criança no referido Estado (acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 39 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.os 48, 49 e 56). O Tribunal de Justiça considerou também que a intenção dos progenitores ou de um deles de se fixarem com a criança noutro Estado‑Membro, expressa por certas medidas tangíveis, como a aquisição ou a locação de uma habitação nesse Estado‑Membro, pode ser um indício da transferência da residência habitual da criança (v. acórdãos A, EU:C:2009:225, n.os 40 e 44, e Mercredi, EU:C:2010:829, n.o 50).

    53

    Além disso, nos n.os 51 a 56 do acórdão Mercredi (EU:C:2010:829), o Tribunal de Justiça declarou que a duração de uma estada apenas pode servir de indício na avaliação de todas as circunstâncias de facto específicas do caso concreto e precisou os elementos a ter nomeadamente em consideração quando a criança é de tenra idade.

    54

    O conceito de «residência habitual» da criança que figura nos artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do regulamento não pode ter um conteúdo diferente do exposto nos acórdãos supramencionados a propósito dos artigos 8.° e 10.° do regulamento. Assim, decorre das considerações expostas nos n.os 46 a 53 do presente acórdão que cabe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso baseado na Convenção de Haia de 1980 e no artigo 11.o do regulamento, verificar se a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas alegadas tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas do caso, seguindo os critérios de apreciação definidos nesses acórdãos.

    55

    Ao examinar nomeadamente as razões da estada da criança no Estado‑Membro para onde foi deslocada e a intenção do progenitor que a levou, importa, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso. Com efeito, estes elementos não militam a favor da declaração de uma transferência da residência habitual da criança uma vez que a dita decisão tinha caráter provisório e o progenitor não podia ter a certeza, no momento da deslocação, que a estada nesse Estado‑Membro não seria temporária.

    56

    Tendo em conta a necessidade de assegurar a proteção do superior interesse da criança, esses elementos devem, no âmbito da avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, ser ponderados com outros elementos de facto que podem demonstrar uma certa integração da criança num meio social e familiar depois da sua deslocação, como os referidos no n.o 52 do presente acórdão, e, em especial, o tempo decorrido entre a deslocação e a decisão judicial que revogou a decisão de primeira instância e que fixou a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem. Em contrapartida, o tempo decorrido desde essa decisão nunca deve ser tido em consideração.

    57

    Em face das considerações precedentes, há que responder à primeira e terceira questões que os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do regulamento devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.

    Quanto à segunda questão

    58

    Na medida em que o Governo francês e a Comissão consideram que a admissibilidade da segunda questão é duvidosa uma vez que se refere à interpretação da Convenção de Haia de 1980, deve observar‑se que, como salientou o advogado‑geral nos n.os 54 a 57 da sua tomada de posição, uma vez que o regulamento reproduz em algumas das suas disposições os termos da referida Convenção ou se refere à mesma, a interpretação solicitada é necessária para uma aplicação uniforme do regulamento e da referida Convenção na União e não se afigura desprovida de pertinência para a resolução do litígio no processo principal (v., neste sentido, acórdão McB., C‑400/10 PPU, EU:C:2010:582, n.os 32 a 37).

    59

    A título preliminar, quanto ao mérito, há que observar, em primeiro lugar, que o Governo francês indicou na audiência que, no direito francês, um órgão jurisdicional não pode ser titular do direito de guarda.

    60

    Em segundo lugar, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio parece relacionar a questão da competência dos órgãos jurisdicionais franceses para decidir quanto ao direito de guarda da criança com a questão do caráter ilícito da retenção, deve observar‑se que, como referido no n.o 38 do presente acórdão, a cour d’appel de Bordeaux era competente por força do artigo 8.o do regulamento quando fixou, no seu acórdão de 5 de março de 2013, a residência da criança no domicílio do pai. Contudo, isso não prejudica o caráter ilícito, na aceção do regulamento, da retenção da criança, uma vez que essa ilicitude não decorre da competência, em si, dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de origem, mas, como constatado no n.o 47 do presente acórdão, de uma violação do direito de guarda atribuído nos termos do direito do Estado‑Membro de origem.

    61

    Em terceiro lugar, importa salientar que o artigo 2.o, ponto 11, do regulamento não inclui na definição de «deslocação ou retenção ilícitas» a violação de um direito de visita e de alojamento.

    62

    Nestas condições, há que considerar que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi depois revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita, de modo que o artigo 11.o do regulamento é aplicável.

    63

    A este respeito, basta constatar que constitui uma violação do direito de guarda, na aceção do regulamento, a retenção da criança fora do Estado‑Membro de origem depois de uma decisão judicial desse Estado‑Membro que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no referido Estado‑Membro, dado que, segundo o artigo 2.o, ponto 9, do regulamento, o direito de guarda compreende o direito de decidir sobre o lugar de residência da criança. Assim, a retenção da criança em violação dessa decisão é ilícita na aceção do regulamento. O seu artigo 11.o é, portanto, aplicável se a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, imediatamente antes dessa retenção.

    64

    Se se considerar que esta condição de residência não está preenchida, a decisão que indefere o pedido de regresso baseado no artigo 11.o do regulamento, que não afeta o mérito do direito de guarda sobre o qual o órgão jurisdicional do Estado‑Membro de origem já decidiu, é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro estabelecidas no capítulo III do regulamento.

    65

    Assim, no processo principal, a retenção da criança fora de França constitui uma violação do direito de guarda, na aceção do regulamento, decorrente do acórdão de 5 de março de 2013 da cour d’appel de Bordeaux. O que tem como consequência que essa retenção é ilícita, na aceção do regulamento, e que o artigo 11.o deste último pode ser aplicado para efeitos de procedência do pedido de regresso, se o órgão jurisdicional irlandês competente considerar que a criança tinha residência habitual em França imediatamente antes do referido acórdão. Se, pelo contrário, esse órgão jurisdicional considerar que nesse momento a criança tinha a sua residência habitual na Irlanda, a sua decisão que julga improcedente o pedido de regresso seria adotada sem prejuízo da aplicação das regras do capítulo III do regulamento com vista a obter a execução desse acórdão.

    66

    Nesta última hipótese, há que recordar que, em conformidade com o considerando 21 do regulamento, este assenta na conceção segundo a qual o reconhecimento e a execução de decisões proferidas num Estado‑Membro devem ter por base o princípio da confiança mútua e os fundamentos do não reconhecimento devem ser reduzidos ao mínimo indispensável (acórdão Rinau, C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.o 50).

    67

    A circunstância de a residência habitual da criança ter podido mudar na sequência de uma sentença de primeira instância, durante processo de recurso, e de essa mudança ter sido constatada, se for caso disso, pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso assente na Convenção de Haia de 1980 e no artigo 11.o do regulamento não pode ser invocada pelo progenitor que retém uma criança em violação de um direito de guarda para prolongar a situação de facto criada pela sua conduta ilícita e para se opor à execução da decisão proferida no Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental, que é aí executória e que foi notificada. Com efeito, considerar que a constatação da mudança da residência habitual da criança efetuada pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre esse pedido permite prolongar essa situação de facto e impedir a execução dessa decisão constituiria uma forma de contornar o regime estabelecido pela secção 2 do capítulo III do regulamento e esvaziá‑lo‑ia de sentido.

    68

    Do mesmo modo, num caso como o do processo principal, a interposição de um recurso da referida decisão proferida pelo Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental não pode afetar a execução dessa decisão.

    69

    Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o regulamento deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.o do regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção. Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro previstas no capítulo III do regulamento.

    Quanto às despesas

    70

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    Os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000, devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.

     

    2)

    O Regulamento n.o 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.o desse regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção. Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro previstas no capítulo III do mesmo regulamento.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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