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Document 62014CJ0264

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 22 de outubro de 2015.
    Skatteverket contra David Hedqvist.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Högsta förvaltningsdomstolen.
    Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 2.°, n.° 1, alínea c), e 135.°, n.° 1, alíneas d) a f) — Serviços prestados a título oneroso — Operações de câmbio da divisa virtual ‘bitcoin’ por divisas tradicionais — Isenção.
    Processo C-264/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:718

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

    22 de outubro de 2015 ( * )

    «Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 2.°, n.o 1, alínea c), e 135.°, n.o 1, alíneas d) a f) — Serviços prestados a título oneroso — Operações de câmbio da divisa virtual ‘bitcoin’ por divisas tradicionais — Isenção»

    No processo C‑264/14,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Högsta förvaltningsdomstolen (Suécia), por decisão de 27 de maio de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de junho de 2014, no processo

    Skatteverket

    contra

    David Hedqvist,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: T. von Danwitz, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. Švaby, A. Rosas (relator), E. Juhász e C. Vajda, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: C. Strömholm, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 17 de junho de 2015,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Skatteverket, por M. Loeb, na qualidade de conselheiro jurídico,

    em representação de D. Hedqvist, por A. Erasmie, advokat, e F. Berndt, jur. kand.,

    em representação do Governo sueco, por A. Falk e E. Karlsson, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo estónio, por K. Kraavi‑Käerdi, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano‑Palacios, M. Owsiany‑Hornung, K. Simonsson e J. Enegren, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de julho de 2015,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, n.o 1, e 135.°, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Skatteverket (Administração Fiscal sueca) a D. Hedqvist, a propósito de um parecer prévio dado pela Comissão de Direito Fiscal (Skatterättsnämnden) sobre a sujeição, ao imposto sobre o valor acrescentado, das operações de câmbio de divisas tradicionais pela divisa virtual «bitcoin», ou vice‑versa, que D. Hedqvist pretende efetuar por intermédio de uma sociedade.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Nos termos do artigo 2.o da Diretiva IVA:

    «1.   Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

    a)

    As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

    [...]

    c)

    As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

    [...]»

    4

    O artigo 14.o, n.o 1, dessa diretiva prevê:

    «Entende‑se por ‘entrega de bens’ a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

    5

    O artigo 24.o, n.o 1, dessa diretiva tem a seguinte redação:

    «Entende‑se por ‘prestação de serviços’ qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

    6

    O artigo 135.o, n.o 1, da diretiva dispõe:

    «1.   Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

    [...]

    d)

    As operações, incluindo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio, com exceção da cobrança de dívidas;

    e)

    As operações, incluindo a negociação, relativas a divisas, papel‑moeda e moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas de ouro, prata ou outro metal, e bem assim as notas que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que apresentem um interesse numismático;

    f)

    As operações, incluindo a negociação mas excluindo a guarda e gestão, relativas às ações, participações em sociedades ou em associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos direitos ou títulos referidos no n.o 2 do artigo 15.o;

    […]»

    Direito sueco

    7

    No capítulo 1 da Lei n.o 200 de 1994, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado [mervärdesskattelagen (1994:2000)], a seguir «lei relativa ao IVA»), o § 1 prevê que deve ser pago ao Estado o IVA relativo a entregas de bens e a prestações de serviços sujeitas a imposto, efetuadas dentro do território por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

    8

    O capítulo 3 contém um § 23, n.o 1, ao abrigo do qual estão isentas de IVA as entregas de papel‑moeda e de moeda com valor liberatório, com exceção das moedas e notas de coleção, nomeadamente as moedas em ouro, prata ou outro metal, e bem assim as notas, que não sejam normalmente utilizadas pelo seu valor liberatório ou que tenham interesse numismático.

    9

    Nesse mesmo capítulo 3, o § 9 prevê a isenção das prestações de serviços bancários e financeiros, bem como das operações relativas a valores mobiliários e a operações similares. Os serviços bancários e financeiros não incluem a atividade notarial, os serviços de recuperação de créditos nem os serviços administrativos relativos ao factoring ou à locação de espaços de depósito.

    Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

    10

    D. Hedqvist pretende prestar, através de uma sociedade, serviços que consistem no câmbio de divisas tradicionais pela divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa.

    11

    Resulta da decisão de reenvio que a divisa virtual «bitcoin» é utilizada, principalmente, para efetuar pagamentos entre particulares na Internet e em determinadas lojas em linha que aceitam essa divisa. Essa divisa virtual não tem um emissor único, sendo diretamente criada numa rede através de um algoritmo especial. O sistema da divisa virtual «bitcoin» autoriza a posse e a transferência anónimas de montantes de «bitcoins» dentro da rede, por utilizadores que tenham endereços «bitcoin». Um endereço «bitcoin» pode ser comparado a um número de conta bancária.

    12

    Reportando‑se a um relatório de 2012 do Banco Central Europeu, sobre as divisas virtuais, o órgão jurisdicional de reenvio refere que uma divisa virtual pode ser definida como um tipo de moeda digital não regulamentada, que é emitida e verificada pelos seus criadores e aceite pelos membros de uma comunidade virtual específica. A divisa virtual «bitcoin» faz parte das divisas virtuais ditas «de fluxo bidirecional», que os utilizadores podem comprar e vender com base em taxas de câmbio. Estas divisas virtuais são semelhantes a outras divisas convertíveis, no que diz respeito à sua compatibilidade com o mundo real. Permitem adquirir bens e serviços, tanto reais como virtuais. As divisas virtuais distinguem‑se da moeda eletrónica, conforme definida na Diretiva 2009/110/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao acesso à atividade das instituições de moeda eletrónica, ao seu exercício e à sua supervisão prudencial, que altera as Diretivas 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Diretiva 2000/46/CE (JO L 267, p. 7), na medida em que, ao contrário dessa moeda, no caso das divisas virtuais, os fundos não são expressos numa unidade de conta tradicional, por exemplo, o euro, mas sim numa unidade de conta virtual, como a «bitcoin».

    13

    O órgão jurisdicional de reenvio refere que as operações que D. Hedqvist pretende realizar ocorrem sob forma eletrónica, através do sítio da sociedade na Internet. Essa sociedade compra unidades da divisa virtual «bitcoin» diretamente a particulares e empresas, ou numa plataforma de câmbio internacional. Em seguida, essas unidades são revendidas pela dita sociedade nessa plataforma de câmbio, ou armazenadas. A sociedade de D. Hedqvist também vende essas unidades a particulares ou a empresas que tenham feito uma encomenda no seu sítio Internet. Sempre que o cliente tenha aceitado o preço em coroas suecas proposto pela sociedade de D. Hedqvist e que tenha sido recebido um pagamento, as unidades da divisa virtual «bitcoin» vendidas são automaticamente enviadas para o endereço «bitcoin» indicado. As unidades da divisa virtual «bitcoin» vendidas por essa sociedade são as que ela compra diretamente na plataforma de câmbio internacional, após o cliente ter feito a sua encomenda, ou as que já tem armazenadas. O preço proposto pela referida sociedade aos clientes é determinado em função do preço em vigor numa plataforma de câmbio específica, ao qual acresce uma determinada percentagem. A diferença entre o preço de compra e o preço de venda constitui o lucro da sociedade de D. Hedqvist. Essa sociedade não fatura outras despesas.

    14

    As operações que D. Hedqvist projeta efetuar limitam‑se, pois, à compra e venda de unidades da divisa virtual «bitcoin», em troca de divisas tradicionais, como a coroa sueca, ou vice‑versa. Não resulta da decisão de reenvio que incidam sobre pagamentos em «bitcoin».

    15

    Antes de começar a realizar essas operações, D. Hedqvist pediu um parecer prévio à Comissão de Direito Fiscal, para saber se devia ser pago IVA na compra e na venda de unidades da divisa virtual «bitcoin».

    16

    Num parecer de 14 de outubro de 2013, esta comissão considerou, com fundamento no acórdão First National Bank of Chicago (C‑172/96, EU:C:1998:354), que D. Hedqvist prestará um serviço de câmbios a título oneroso. No entanto, entendeu que esse serviço está abrangido pela isenção prevista no § 9, constante do capítulo 3, da lei relativa ao IVA.

    17

    Segundo a Comissão de Direito Fiscal, a divisa virtual «bitcoin» é um meio de pagamento utilizado de forma análoga aos meios de pagamento com valor liberatório. Por outro lado, a expressão «com valor liberatório», constante do artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA, é utilizada para restringir o âmbito de aplicação da isenção que incide sobre o papel‑moeda e a moeda. Daqui resulta que esta expressão deveria ser entendida no sentido de que só diz respeito ao papel‑moeda e à moeda, e não às divisas. Esta interpretação também está em consonância com o objetivo prosseguido pelas isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alíneas b) a g), da Diretiva IVA, ou seja, evitar as dificuldades relacionadas com a sujeição dos serviços financeiros ao IVA.

    18

    O Skatteverket interpôs recurso contra a decisão da Comissão de Direito Fiscal no Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo), alegando que o serviço em causa no pedido de D. Hedqvist não está abrangido pela isenção prevista no capítulo 3, § 9, da lei relativa ao IVA.

    19

    Por sua vez, D. Hedqvist sustenta que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Skatteverket e confirmado o parecer prévio da Comissão de Direito Fiscal.

    20

    O órgão jurisdicional de reenvio entende que se pode deduzir do acórdão First National Bank of Chicago (C‑172/96, EU:C:1998:354) que as operações de câmbio de uma divisa virtual por uma divisa tradicional, e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem entre o preço de compra pago pelo operador e o preço de venda que este pratica constituem prestações de serviços a título oneroso. Nesta situação, coloca‑se a questão de saber se essas operações cabem numa das isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA para os serviços financeiros, mais precisamente as constantes das alíneas d) a f) desse preceito.

    21

    Tendo dúvidas quanto a saber se uma dessas isenções se aplica a semelhantes operações, o Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva IVA ser interpretado no sentido de que as operações que revestem a forma do que foi denominado câmbio de divisas virtuais por divisas tradicionais, e vice‑versa, efetuado [mediante uma contraprestação] que o prestador do serviço integra no cálculo das taxas de câmbio, constituem prestações de serviços efetuadas a título oneroso?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o artigo 135.o, n.o 1, [dessa diretiva] ser interpretado no sentido de que as operações de câmbio acima descritas se encontram isentas de imposto?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    22

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que constituem prestações de serviços efetuadas a título oneroso, na aceção dessa disposição, operações, como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes.

    23

    O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva IVA dispõe que estão sujeitas ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso, no território de um Estado‑Membro, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

    24

    Em primeiro lugar, refira‑se que a divisa virtual de fluxo bidirecional «bitcoin», que será trocada por divisas tradicionais no âmbito de operações de câmbio, não pode ser qualificada de «bem corpóreo», na aceção do artigo 14.o da Diretiva IVA, visto que, como a advogada‑geral observou no n.o 17 das suas conclusões, essa divisa virtual não tem outras finalidades senão servir de meio de pagamento.

    25

    O mesmo vale para as divisas tradicionais, uma vez que se trata de moedas com valor liberatório (v., nesse sentido, acórdão First National Bank of Chicago, C‑172/96, EU:C:1998:354, n.o 25).

    26

    Consequentemente, as operações em causa no processo principal, que consistem no câmbio de diferentes meios de pagamento, não cabem no conceito de «entrega de bens» previsto no referido artigo 14.o da diretiva. Nestas condições, essas operações constituem prestações de serviços, na aceção do artigo 24.o da Diretiva IVA.

    27

    Em segundo lugar, quanto ao caráter oneroso de uma prestação de serviços, recorde‑se que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA, e, portanto, só está sujeita a IVA, se houver um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido pelo sujeito passivo (acórdãos Loyalty Management UK e Baxi Group, C‑53/09 e C‑55/09, EU:C:2010:590, n.o 51 e jurisprudência referida, e Serebryannay vek, C‑283/12, EU:C:2013:599, n.o 37). Esse nexo direto está provado quando existe, entre o prestador e o beneficiário, uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço prestado ao beneficiário (acórdão Le Rayon d’Or, C‑151/13, EU:C:2014:185, n.o 29 e jurisprudência referida).

    28

    No processo principal, resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, entre a sociedade de D. Hedqvist e os seus cocontratantes, há uma relação jurídica sinalagmática em que as partes na operação se comprometem reciprocamente a ceder montantes numa determinada divisa e a receber o seu contravalor numa divisa virtual de fluxo bidirecional, ou vice‑versa. É igualmente explicado que, pela sua prestação de serviços, essa sociedade é remunerada mediante uma contraprestação correspondente à margem que integra no cálculo das taxas de câmbios a que está disposta a vender e comprar as divisas em causa.

    29

    O Tribunal de Justiça já decidiu que, para efeitos da determinação do caráter oneroso de uma prestação de serviços, é irrelevante que essa remuneração não tenha a forma do pagamento de uma comissão ou do pagamento de despesas específicas (acórdão First National Bank of Chicago, C‑172/96, EU:C:1998:354, n.o 33).

    30

    Face ao exposto, há que considerar que operações como as em causa no processo principal constituem prestações de serviços efetuadas contra a realização de uma contraprestação que apresenta um nexo direto com o serviço prestado, isto é, prestações de serviços a título oneroso, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA.

    31

    Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que constituem prestações de serviços efetuadas a título oneroso, na aceção dessa disposição, operações, como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes.

    Quanto à segunda questão

    32

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 135.o, n.o 1, alíneas d) a f), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que estão isentas de IVA prestações de serviços como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes.

    33

    A título preliminar, recorde‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado‑Membro para outro (v., nomeadamente, acórdãos Skandinaviska Enskilda Banken, C‑540/09, EU:C:2011:137, n.o 19 e jurisprudência referida, e DTZ Zadelhoff, C‑259/11, EU:C:2012:423, n.o 19).

    34

    É igualmente jurisprudência constante que os termos utilizados para designar as referidas isenções devem ser interpretados estritamente, uma vez que constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo (acórdãos Ludwig, C‑453/05, EU:C:2007:369, n.o 21, e DTZ Zadelhoff, C‑259/11, EU:C:2012:423, n.o 20).

    35

    Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, da Diretiva IVA e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 135.o, n.o 1, devam ser interpretados de maneira a privá‑las dos seus efeitos (v., nomeadamente, acórdãos Don Bosco Onroerend Goed, C‑461/08, EU:C:2009:722, n.o 25; DTZ Zadelhoff, C‑259/11, EU:C:2012:423, n.o 21; e J. J. Komen en Zonen Beheer Heerhugowaard, C‑326/11, EU:C:2012:461, n.o 20).

    36

    A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alíneas d) a f), se destinam, nomeadamente, a atenuar as dificuldades ligadas à determinação do valor tributável e do montante do IVA dedutível (v., nomeadamente, acórdão Velvet & Steel Immobilien, C‑455/05, EU:C:2007:232, n.o 24, e despacho Tiercé Ladbroke, C‑231/07 e C‑232/07, EU:C:2008:275, n.o 24).

    37

    De resto, as operações isentas de IVA ao abrigo destas disposições são, por natureza, operações financeiras, apesar de não terem necessariamente de ser efetuadas pelos bancos ou por estabelecimentos financeiros (v. acórdãos Velvet & Steel Immobilien, C‑455/05, EU:C:2007:232, n.os 21 e 22 e jurisprudência referida, e Granton Advertising, C‑461/12, EU:C:2014:1745, n.o 29).

    38

    Em primeiro lugar, quanto às isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, importa recordar que, nos termos dessa disposição, os Estados‑Membros isentam as operações relativas, nomeadamente, «a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, créditos, cheques e outros efeitos de comércio».

    39

    As operações isentas ao abrigo da referida disposição são definidas, pois, em função da natureza dos serviços prestados. Para serem qualificados de operações isentas, os serviços em questão devem formar um conjunto distinto, apreciado de modo global, que tenha por efeito cumprir as funções específicas e essenciais de um serviço descrito nessa mesma disposição (v. acórdão Axa UK, C‑175/09, EU:C:2010:646, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).

    40

    Resulta da letra do artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, lido à luz do acórdão Granton Advertising (C‑461/12, EU:C:2014:1745, n.os 37 e 38), que as operações a que essa disposição se refere dizem respeito a serviços ou instrumentos cujo modo de funcionamento implica a transferência de dinheiro.

    41

    Além disso, como a advogada‑geral explicou nos n.os 51 e 52 das suas conclusões, a referida disposição não visa as operações que incidem sobre a própria moeda, uma vez que estas são objeto de uma disposição específica, ou seja, o artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA.

    42

    Visto que a divisa virtual «bitcoin» é um meio de pagamento contratual, não pode, por um lado, ser considerada uma conta corrente, nem um depósito de fundos, um pagamento ou uma transferência. Por outro lado, diversamente do que sucede com os créditos, os cheques e outros efeitos de comércio, a que se refere o artigo 135.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, aquela constitui um meio de pagamento direto entre os operadores que a aceitam.

    43

    Por conseguinte, operações como as em causa no processo principal não entram no âmbito de aplicação das isenções previstas nessa disposição.

    44

    Em segundo lugar, quanto às isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA, esta disposição prevê que os Estados‑Membros isentam as operações relativas, nomeadamente, a «divisas, papel‑moeda e moeda com valor liberatório».

    45

    A este respeito, recorde‑se que os conceitos utilizados nessa disposição devem ser interpretados e aplicados, de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União (v., neste sentido, acórdãos Velvet & Steel Immobilien, C‑455/05, EU:C:2007:232, n.o 16 e jurisprudência referida, e Comissão/Espanha, C‑189/11, EU:C:2013:587, n.o 56).

    46

    Como a advogada‑geral explicou nos n.os 31 a 34 das suas conclusões, as diferentes versões linguísticas do artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA não permitem determinar, sem ambiguidade, se essa disposição se aplica somente às operações relativas às divisas tradicionais ou se, pelo contrário, incide também sobre as operações que implicam outra divisa.

    47

    Se houver divergências linguísticas, o alcance da expressão em causa não pode ser apreciado com base numa interpretação exclusivamente textual. Importa interpretá‑la à luz do contexto em que se insere, das finalidades e da sistemática da Diretiva IVA (v. acórdãos Velvet & Steel Immobilien, C‑455/05, EU:C:2007:232, n.o 20 e jurisprudência referida, e Comissão/Espanha, C‑189/11, EU:C:2013:587, n.o 56).

    48

    Como se recordou nos n.os 36 e 37 do presente acórdão, as isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA destinam‑se, nomeadamente, a atenuar as dificuldades ligadas à determinação do valor tributável e do montante do IVA dedutível, que surgem no âmbito da tributação das operações financeiras.

    49

    Ora, as operações relativas a divisas não tradicionais, isto é, diversas das moedas com valor liberatório num ou mais países, constituem operações financeiras desde que essas divisas tenham sido aceites pelas partes numa transação como meio de pagamento alternativo aos meios com valor liberatório e não tenham outra finalidade senão servir de meio de pagamento.

    50

    Além disso, como D. Hedqvist alegou, em substância, na audiência, no caso especial de operações como as de câmbio, as dificuldades ligadas à determinação do valor tributável e do montante do IVA dedutível podem ser idênticas, quer se trate de câmbio de divisas tradicionais, em regra, isento ao abrigo do artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA, ou de câmbio dessas divisas por divisas virtuais com fluxo bidirecional, que, sem terem valor liberatório, constituem um meio de pagamento aceite pelas partes numa transação, e vice‑versa.

    51

    Resulta, pois, do contexto e da finalidade do referido artigo 135.o, n.o 1, alínea e), que uma interpretação dessa disposição no sentido de que incide somente sobre as operações relativas às divisas tradicionais equivaleria a privar essa disposição de uma parte dos seus efeitos.

    52

    No processo principal, é pacífico que a divisa virtual «bitcoin» não tem outras finalidades senão servir de meio de pagamento e que é aceite, para esse efeito, por determinados operadores.

    53

    Consequentemente, conclui‑se que o artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA incide também sobre as prestações de serviços como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes.

    54

    Em último lugar, quanto às isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva IVA, basta recordar que esta disposição incide, nomeadamente, sobre as operações relativas às «ações, participações em sociedades ou em associações [e] obrigações», isto é, títulos que conferem um direito de propriedade sobre pessoas coletivas, e aos «demais títulos», que se deve considerar que têm natureza comparável à dos títulos especificamente mencionados na referida disposição (acórdão Granton Advertising, C‑461/12, EU:C:2014:1745, n.o 27).

    55

    Ora, é pacífico que a divisa virtual «bitcoin» não constitui um título que confere um direito de propriedade sobre pessoas coletivas nem um título de natureza comparável.

    56

    Por conseguinte, as operações em causa no processo principal não entram no âmbito de aplicação das isenções previstas no artigo 135.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva IVA.

    57

    Tendo em conta as considerações que antecedem, deve responder‑se à segunda questão que:

    O artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes, constituem operações isentas de IVA, na aceção dessa disposição;

    O artigo 135.o, n.o 1, alíneas d) e f), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que tais prestações de serviços não entram no âmbito de aplicação destas disposições.

    Quanto às despesas

    58

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que constituem prestações de serviços efetuadas a título oneroso, na aceção dessa disposição, operações, como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes.

     

    2)

    O artigo 135.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços como as em causa no processo principal, que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‑versa, efetuadas mediante o pagamento de uma quantia correspondente à margem constituída pela diferença entre, por um lado, o preço pelo qual o operador em causa compra as divisas e, por outro, o preço a que as vende aos seus clientes, constituem operações isentas de imposto sobre o valor acrescentado, na aceção dessa disposição.

    O artigo 135.o, n.o 1, alíneas d) e f), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que tais prestações de serviços não entram no âmbito de aplicação destas disposições.

     

    Assinaturas


    ( * )   Língua do processo: sueco.

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