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Document 62014CJ0251

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 15 de outubro de 2015.
    György Balázs contra Nemzeti Adó- és Vámhivatal Dél-alföldi Regionális Vám- és Pénzügyőri Főigazgatósága.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Kecskeméti Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság.
    Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Qualidade do combustível para motores diesel — Especificação técnica nacional que impõe requisitos de qualidade adicionais aos do direito da União.
    Processo C-251/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:687

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

    15 de outubro de 2015 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Qualidade do combustível para motores diesel — Especificação técnica nacional que impõe requisitos de qualidade adicionais aos do direito da União»

    No processo C‑251/14,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Kecskeméti Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Hungria), por decisão de 23 de abril de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2014, no processo

    György Balázs

    contra

    Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Dél‑alföldi Regionális Vám‑ és Pénzügyőri Főigazgatósága,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

    composto por: A. Tizzano, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, F. Biltgen, E. Levits, M. Berger e S. Rodin (relator), juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 23 de abril de 2015,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de G. Balázs, por M. Miszkuly, ügyvéd,

    em representação da Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Dél‑alföldi Regionális Vám‑ és Pénzügyőri Főigazgatósága, por B. Gyenge, jogtanácsos,

    em representação do Governo húngaro, por M. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo grego, por I. Bakopoulos e V. Stroumpouli, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e K. Mifsud‑Bonnici, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 21 de maio de 2015,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho (JO L 350, p. 58), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1882/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de setembro de 2003 (JO L 284, p. 1, a seguir «Diretiva 98/70»), e do artigo 1.o, pontos 6 e 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 81, a seguir «Diretiva 98/34»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Balász à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Dél‑alföldi Regionális Vám‑ és Pénzügyőri Főigazgatósága (Direção Regional de Finanças da Região de Dél alföld, que pertence à autoridade tributária e aduaneira nacional; a seguir «Direção Regional de Finanças») a propósito da legalidade de uma decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por não ter pago o imposto especial devido sobre as suas reservas de combustível para motores diesel.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Diretiva 98/70

    3

    O artigo 1.o da Diretiva 98/70, sob a epígrafe «Âmbito», enuncia:

    «A presente diretiva estabelece especificações técnicas, com base em considerações sanitárias e ambientais, para os combustíveis a utilizar em veículos equipados com motores de ignição comandada, com motores de ignição por compressão (diesel).»

    4

    O artigo 4.o desta diretiva, sob a epígrafe «Combustível para motores diesel», prevê, no seu n.o 1, alínea e):

    «[…] os Estados‑Membros garantem, até 1 de janeiro de 2009, o mais tardar, que o combustível para motores de ignição por compressão só possa ser comercializado no seu território se cumprir as especificações ambientais constantes do anexo IV, com exceção do teor de enxofre, que deve ser no máximo 10 mg/kg».

    5

    O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Livre circulação», dispõe:

    «Nenhum Estado‑Membro pode proibir, restringir ou impedir a colocação no mercado de combustíveis que preencham os requisitos da presente diretiva.»

    6

    O artigo 6.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Comercialização de combustíveis com especificações ambientais mais rigorosas», enuncia:

    «1.   Em derrogação dos artigos 3.°, 4.° e 5.°, e nos termos do n.o 10 do artigo 95.o do Tratado, os Estados‑Membros podem tomar medidas para exigir que, em zonas específicas dentro do seu território, os combustíveis sejam comercializados apenas se satisfizerem especificações ambientais mais rigorosas do que as previstas na presente diretiva em relação à totalidade ou a parte do parque automóvel, a fim de proteger a saúde da população numa determinada aglomeração ou o ambiente numa zona específica ecológica ou ambientalmente sensível de um Estado‑Membro, se a poluição atmosférica ou das águas subterrâneas constituir, ou se se puder razoavelmente esperar que constitua, um problema sério e recorrente para a saúde humana ou o ambiente.

    2.   Um Estado‑Membro que deseje utilizar a derrogação prevista no n.o 1 deve previamente apresentar o seu pedido e respetiva justificação à Comissão. Essa justificação deverá incluir provas de que a derrogação satisfaz o princípio da proporcionalidade e que não prejudicará a livre circulação de pessoas e mercadorias.

    [...]»

    7

    O anexo IV da Diretiva 98/70 estabelece as especificações ambientais aplicáveis aos combustíveis de mercado a utilizar nos veículos equipados com motores de ignição por compressão. Neste anexo, foram fixados limites para os seguintes parâmetros: índice de cetano, densidade a 15°C, destilação, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e teor de enxofre.

    Diretiva 2009/30/CE

    8

    O considerando 31 da Diretiva 2009/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, que altera a Diretiva 98/70/CE no que se refere às especificações da gasolina e do gasóleo rodoviário e não rodoviário e à introdução de um mecanismo de monitorização e de redução das emissões de gases com efeito de estufa e que altera a Diretiva 1999/32/CE do Conselho no que se refere às especificações dos combustíveis utilizados nas embarcações de navegação interior e que revoga a Diretiva 93/12/CEE (JO L 140, p. 88), enuncia:

    «O anexo IV da Diretiva 98/70/CE deverá ser adaptado, a fim de permitir a colocação no mercado de gasóleos rodoviários com um teor em biocombustíveis mais elevado (‘B7’) do que o previsto na Norma EN 590:2004 (‘B5’). Esta norma deverá ser atualizada nesse sentido e estabelecer limites para os parâmetros técnicos não incluídos no referido anexo, designadamente a estabilidade de oxidação, o ponto de inflamação, o resíduo carbonoso, o teor em cinzas, o teor em água, a contaminação total, a corrosão em lâmina de cobre, a lubricidade, a viscosidade cinemática, o ponto de turvação, a temperatura limite de filtrabilidade, o teor em fósforo, o índice de acidez, os peróxidos, a variação do índice de acidez, a obstrução de injetores e a adição de aditivos para estabilidade.»

    Diretiva 98/34

    9

    O artigo 1.o da Diretiva 98/34 dispõe:

    «Para efeitos da presente diretiva entende‑se por:

    [...]

    3)

    ‘Especificação técnica’: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

    [...]

    6)

    ‘Norma’: a especificação técnica aprovada por um organismo reconhecido com atividade normativa para aplicação repetida ou contínua, cujo cumprimento não é obrigatório e pertença a uma das seguintes categorias:

    [...]

    norma europeia: norma adotada por um organismo europeu de normalização e colocada à disposição do público,

    norma nacional: norma adotada por um organismo nacional de normalização e colocada à disposição do público.

    [...]

    11)

    ‘Regra técnica’: uma especificação técnica, outro requisito ou uma regra relativa aos serviços, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento seja obrigatório de jure ou de facto, para a comercialização, a prestação de serviços, o estabelecimento de um operador de serviços ou a utilização num Estado‑Membro ou numa parte importante desse Estado, assim como […] qualquer disposição legislativa, regulamentar ou administrativa dos Estados‑Membros que proíba o fabrico, a importação, a comercialização, ou a utilização de um produto ou a prestação ou utilização de um serviço ou o estabelecimento como prestador de serviços.

    Constituem nomeadamente regras técnicas de facto:

    as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de um Estado‑Membro que remetam para especificações técnicas […] cuja observância confira uma presunção de conformidade com as prescrições estabelecidas pelas referidas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas,

    [...]»

    10

    O artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva dispõe:

    «Sob reserva do disposto no artigo 10.o, os Estados‑Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projeto de regra técnica, exceto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projeto.»

    Normas europeias

    11

    Como decorre do Anexo I do Regulamento (UE) n.o 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à normalização europeia, que altera as Diretivas 89/686/CEE e 93/15/CEE do Conselho e as Diretivas 94/9/CE, 94/25/CE, 95/16/CE, 97/23/CE, 98/34/CE, 2004/22/CE, 2007/23/CE, 2009/23/CE e 2009/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Decisão 87/95/CEE do Conselho e a Decisão n.o 1673/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 316, p. 12), o Comité Europeu de Normalização é reconhecido pela União Europeia como uma organização europeia de normalização.

    12

    O Comité Europeu de Normalização adotou em 1993, pela primeira vez, uma norma para o combustível europeu para motores diesel, a saber, a norma EN 590:1993, que prescrevia, nomeadamente, um ponto de inflamação, ou ponto de ignição, designando a temperatura mínima a que o combustível se evapora em quantidade suficiente para que, em contacto com o ar, se possa formar uma mistura gasosa inflamável em contacto com uma fonte de calor externa, sendo essa temperatura de pelo menos 55°C para esses combustíveis. Este valor foi mantido nas normas de substituição EN 590:1999, EN 590:2009 e EN 590:2013.

    Direito húngaro

    O Decreto Ministerial 20/2008 e a norma húngara MSZ EN 590:2009

    13

    À data dos factos no processo principal, os requisitos qualitativos relativos ao gasóleo estavam fixados no Decreto Ministerial 20/2008 do Ministro dos Transportes, Comunicações e Energia, de 22 de agosto de 2008, relativo aos requisitos de qualidade dos carburantes. Este decreto, que procede à transposição, nomeadamente, da Diretiva 98/70, não continha nenhuma exigência quanto ao ponto de inflamação do combustível para motores diesel.

    14

    Em contrapartida, a norma húngara MSZ EN 590:2009, que procedeu à transposição da norma europeia EN 590:2009, continha um requisito relativo ao ponto de inflamação do combustível para motores diesel.

    Lei XXVIII de 1995, relativa à normalização nacional

    15

    O § 3, alíneas c) e h), da Lei XXVIII de 1995, relativa à normalização nacional, prevê:

    «São aplicáveis os seguintes princípios fundamentais à normalização nacional:

    [...]

    c)

    a natureza voluntária da participação na normalização nacional, por um lado, e da aplicação das normas nacionais, por outro,

    [...]

    h)

    a adaptação à normalização internacional e europeia.»

    16

    O § 6, n.o 1, da referida lei enuncia:

    «A observância da aplicação da norma nacional é voluntária.»

    17

    O § 8, n.o 1, alínea b), da mesma lei dispõe:

    «As missões do Instituto da Normalização húngaro compreendem:

    [...]

    b)

    a publicação das normas europeias enquanto normas nacionais, em conformidade com as correspondentes missões de harmonização e com os prazos fixados aos organismos membros das organizações europeias de normalização.»

    Lei dos impostos especiais

    18

    O § 110, n.o 13, da Lei CXXVII de 2003, relativa aos impostos especiais e à legislação específica em matéria de comercialização de produtos sujeitos a impostos especiais (a seguir «lei dos impostos especiais»), prevê:

    «[…] Dos depósitos de armazenamento de outras estações de serviço [que não estações de serviço que abasteçam aeronaves] só se poderão vender, e exclusivamente através de bombas de gasolina, […] gasóleo incluído na posição pautal 2710 19 41 e o combustível para aquecimento incluído nas posições pautais 2710 19 41, 2710 19 45, conformes à norma húngara em vigor e […] o biodiesel e o E85 em conformidade com a norma húngara em vigor. [...]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    19

    Em 5 de outubro de 2009, foi realizada uma inspeção às reservas de combustível para motores diesel de G. Balász, ao abrigo da legislação sobre impostos especiais.

    20

    Na análise de uma amostra então recolhida, constatou‑se que o ponto de inflamação do combustível para motores diesel não cumpria as disposições da norma húngara MSZ EN 590:2009. Com efeito, o valor medido era de 44°C, em vez do valor superior a 55°C admitido por essa norma.

    21

    Em Kiskőrös (Hungria), a agência local da Direção de Finanças do Distrito de Bács‑Kiskun, sob tutela da Administração Tributária e Aduaneira Nacional, declarou, em decisão de 21 de março de 2013, que G. Balázs tinha violado a lei sobre os impostos especiais e condenou‑o no pagamento de uma coima de 4418080 forints húngaros (HUF) (cerca de 14138 euros), de um imposto especial de 883616 HUF (cerca de 2828 euros) e de 58900 HUF (cerca de 189 euros) a título de honorários periciais. A Direção Regional de Finanças confirmou essa decisão em 13 de junho de 2013.

    22

    G. Balász impugnou essa decisão no Kecskeméti Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (tribunal do contencioso administrativo e social de Kecskemét), invocando, nomeadamente, a Diretiva 98/34 e a Lei XXVIII de 1995, relativa à normalização nacional, segundo as quais a aplicação de uma norma nacional como a norma húngara MSZ EN 590:2009 é voluntária.

    23

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, à data da fiscalização em causa no processo principal, a mencionada norma não estava disponível em língua húngara.

    24

    Foi nestas condições que o Kecskeméti Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (tribunal do contencioso administrativo e social de Kecskemét) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Devem os artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva [98/70] ser interpretados no sentido de que, para além dos requisitos de qualidade previstos na legislação nacional adotada com base na referida diretiva, outra legislação nacional não pode impor aos fornecedores de combustível requisitos de qualidade constantes [de uma] norma nacional e que são adicionais aos previstos na diretiva?

    2)

    Deve o artigo 1.o, n.os 6 e 11, da Diretiva 98/34 ser interpretado no sentido de que, caso esteja em vigor um regulamento técnico (no caso em apreço u[m] [decreto] ministerial [aprovado] no âmbito de uma habilitação legislativa), a aplicação de uma norma nacional adotada no mesmo âmbito só pode ser voluntária, ou seja, que a lei não pode estabelecer a aplicação obrigatória da mesma?

    3)

    Cumpre o critério de colocação à disposição do público da norma nacional, previsto no artigo 1.o, n.o 6, da Diretiva [98/34], uma norma que, no momento em que segundo a autoridade administrativa devia ser aplicada, não está disponível na língua nacional?»

    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

    25

    Na audiência, a Direção Regional de Finanças pôs em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial por as questões prejudiciais não estarem relacionadas com os factos do processo principal. Segundo refere, a decisão impugnada perante o órgão jurisdicional de reenvio apenas visa impostos especiais em dívida, não reprimindo, especificamente, qualquer violação dos requisitos qualitativos relativos ao combustível para motores diesel.

    26

    A este propósito, cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar a pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, acórdãos Budějovický Budvar, C‑478/07, EU:C:2009:521, n.o 63; Zanotti, C‑56/09, EU:C:2010:288, n.o 15; e Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.o 27).

    27

    Ora, no presente caso, embora a decisão impugnada no órgão jurisdicional de reenvio possa não ter por objeto direto a repressão da violação dos requisitos qualitativos do combustível para motores diesel, o certo é que, como a Direção Regional de Finanças afirmou, os resultados da análise ao ponto de inflamação permitiram, em todo o caso, concluir que G. Balázs vendeu um combustível sujeito a um imposto superior ao aplicável ao combustível para motores diesel.

    28

    Nestas circunstâncias, não é possível sustentar que a interpretação solicitada do direito da União pelo órgão jurisdicional de reenvio não tem manifestamente nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal.

    29

    Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    30

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva 98/70 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro preveja, no seu direito nacional, requisitos qualitativos adicionais aos constantes desta diretiva, para a comercialização de combustível para motores diesel, como o requisito relativo ao ponto de inflamação, em causa no processo principal.

    31

    Para se poder responder a esta questão, cabe, a título preliminar, salientar, por um lado, que, nos termos do artigo 5.o da Diretiva 98/70, nenhum Estado‑Membro pode proibir, restringir ou impedir a colocação no mercado de combustíveis que preencham os requisitos desta diretiva.

    32

    Por outro lado, decorre tanto da base jurídica subjacente à Diretiva 98/70 e suas subsequentes alterações, a saber, respetivamente, o artigo 100.o‑A do Tratado CE e o artigo 95.o CE (atual artigo 114.o TFUE), que visam a harmonização das legislações dos Estados‑Membros tendo em vista o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, como do considerando 1 desta diretiva que ela tem por objetivo a aproximação das legislações dos Estados‑Membros a fim de se eliminarem eventuais disparidades em matéria de especificações aplicáveis aos combustíveis.

    33

    Assim, resulta tanto da letra do artigo 5.o da Diretiva 98/70 como do objetivo prosseguido por esta diretiva que a mesma visa, no que se refere, nomeadamente, às especificações fixadas no seu artigo 4.o, n.o 1, conjugado com os seus anexos II e IV, impor requisitos de caráter taxativo, que só poderão ser derrogados pelos Estados‑Membros nas estritas condições do artigo 6.o da mesma diretiva.

    34

    Todavia, como assinalou a advogada‑geral nos n.os 39 a 47 das suas conclusões, a constatação feita no número anterior vale exclusivamente no âmbito de aplicação ratione materiae da Diretiva 98/70, ou seja, desde que se trate de especificações técnicas para os combustíveis, que esta diretiva visa harmonizar.

    35

    Com efeito, resulta dos termos do artigo 1.o da referida diretiva, que define o seu âmbito de aplicação, que esta diretiva tem por objeto as especificações técnicas aplicáveis aos combustíveis em causa, com base em considerações sanitárias e ambientais.

    36

    Em conformidade com este objetivo da Diretiva 98/70, as especificações previstas nos seus anexos I a IV designam‑se por «especificações ambientais».

    37

    Além disso, o regime derrogatório previsto no artigo 6.o da mencionada diretiva tem por objeto único a adoção de especificações ambientais mais rigorosas do que as previstas na mesma, a saber, como decorre do n.o 1 deste artigo, as que protegem «a saúde da população numa determinada aglomeração ou o ambiente numa zona específica ecológica ou ambientalmente sensível».

    38

    Decorre daí que o objetivo da Diretiva 98/70 não é harmonizar todos os requisitos qualitativos ou as especificações técnicas potencialmente aplicáveis aos combustíveis em causa, e, por conseguinte, proibir os Estados‑Membros de preverem restrições ou derrogações a este respeito, mas visa apenas as especificações técnicas para combustíveis, de cariz ambiental na aceção da referida diretiva, ou seja, as especificações que assentam em considerações sanitárias e ambientais.

    39

    Ora, quanto à especificação do ponto de inflamação do combustível para motores diesel, em causa no processo principal, há que observar que decorre tanto da definição técnica deste parâmetro, conforme formulada no n.o 12 do presente acórdão, como das afirmações das partes do processo principal na audiência que esta especificação serve principalmente para garantir a segurança do combustível para motores diesel, enquanto produto, e reveste igualmente importância para o funcionamento e a proteção dos motores dos veículos automóveis. Desta forma, a fixação do ponto de inflamação visa, ainda, a defesa dos consumidores contra os danos causados aos seus veículos.

    40

    Consequentemente, a Diretiva 98/70, nomeadamente o seu artigo 5.o, não é aplicável a uma especificação como a do ponto de inflamação, em causa no processo principal, e, assim, não se pode opor a que os Estados‑Membros sujeitem a comercialização de combustível para motores diesel a esse requisito, uma vez que este não constitui uma especificação técnica relacionada com a saúde ou o ambiente na aceção desta diretiva.

    41

    Além disso, cabe salientar que o considerando 31 da Diretiva 2009/30 convida expressamente a adaptar a norma EN 590:2004 e a «estabelecer limites para os parâmetros técnicos não incluídos no referido [anexo IV da Diretiva 98/70]», nomeadamente o ponto de inflamação, o que corrobora o facto de esta diretiva não obstar, a priori, a este tipo de parâmetros adicionais.

    42

    Assim, na medida em que a especificação em causa no processo principal não se integra no domínio harmonizado pela Diretiva 98/70, importa recordar, em primeiro lugar, que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro apenas pode submeter a comercialização, no seu território, de um produto não coberto por especificações técnicas harmonizadas ou reconhecidas a nível da União a requisitos que sejam conformes com as obrigações decorrentes do Tratado FUE, designadamente, in casu, com o princípio da livre circulação de mercadorias consagrado nos artigos 34.° TFUE e 36.° TFUE (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Portugal, C‑432/03, EU:C:2005:669, n.o 35, e Lidl Magyarország, C‑132/08, EU:C:2009:281, n.o 45).

    43

    Em segundo lugar, cumpre observar que, em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 98/34, incumbe aos Estados‑Membros, para possibilitar um controlo preventivo à luz das disposições relativas à livre circulação de mercadorias e, em especial, no que se refere à justificação dos entraves que possam ser criados a este respeito, comunicar à Comissão, antes da sua entrada em vigor, qualquer projeto de disposição que confira caráter vinculativo a certas especificações técnicas (v., neste sentido, acórdãos Sandström, C‑433/05, EU:C:2010:184, n.o 42, e Belgische Petroleum Unie e o., C‑26/11, EU:C:2013:44, n.os 49 e 50).

    44

    Atendendo às considerações expostas, há que responder à primeira questão que os artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva 98/70 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro preveja, no seu direito nacional, requisitos qualitativos adicionais aos constantes desta diretiva, para a comercialização de combustíveis para motores diesel, como o requisito relativo ao ponto de inflamação, em causa no processo principal, uma vez que não se trata de uma especificação técnica do combustível para motores diesel relacionada com a proteção da saúde ou do ambiente para efeitos da referida diretiva.

    Quanto à segunda questão

    45

    A título preliminar, cabe salientar que decorre da decisão de reenvio que a norma húngara MSZ EN 590:2009, que prevê a especificação relativa ao ponto de inflamação do combustível para motores diesel, em causa no processo principal, e que visa transpor a norma europeia EN 590:2009, foi tornada obrigatória em direito húngaro pelo § 110, n.o 13, da lei sobre os impostos especiais.

    46

    Neste contexto, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 1.o, pontos 6 e 11, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro torne obrigatória uma norma nacional como a norma húngara MSZ EN 590:2009, em causa no processo principal.

    47

    A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que nada no artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34, que apenas contém uma definição daquilo que constitui, nomeadamente, uma norma europeia ou nacional no sentido desta diretiva, e no ponto 11 deste artigo, que define o conceito de «regra técnica», sugere que o legislador de um Estado‑Membro não possa tornar essa norma obrigatória, total ou parcialmente.

    48

    Em segundo lugar, cumpre assinalar que decorre da letra do artigo 8.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 98/34 que um Estado‑Membro pode tornar obrigatória uma norma europeia ou internacional, transpondo‑a para uma regra técnica que, por definição, assume força vinculativa. Como a advogada‑geral salientou no n.o 65 das suas conclusões, não há razões para supor que assim não seria para as normas nacionais, nomeadamente quando, como no processo principal, correspondem a uma norma europeia.

    49

    Nestas condições, há que responder à segunda questão que o artigo 1.o, pontos 6 e 11, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro torne obrigatória uma norma nacional como a norma húngara MSZ EN 590:2009, em causa no processo principal.

    Quanto à terceira questão

    50

    A título preliminar, cabe observar que decorre das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, à data dos factos no processo principal, a norma húngara MSZ EN 590:2009 não se encontrava disponível em língua húngara, mas apenas em língua inglesa.

    51

    É neste contexto e à luz do critério da disponibilização das normas ao público, previsto no artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34, que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se esta disposição deve ser interpretada no sentido de que exige que uma norma nacional na aceção da referida disposição seja disponibilizada na língua oficial do Estado‑Membro em causa.

    52

    A este respeito, como já se assinalou no n.o 47 do presente acórdão, o artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34 apenas contém uma definição daquilo que constitui uma norma para efeitos desta diretiva, sendo que, além disso, esta disposição não visa prescrever, enquanto tais, requisitos relativos às normas, mas sim estabelecer um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e, assim, um controlo preventivo para proteger a livre circulação de mercadorias (v., neste sentido, acórdão Belgische Petroleum Unie e o., C‑26/11, EU:C:2013:44, n.o 49).

    53

    Assim, na falta de indicação para o efeito na referida diretiva, não é possível inferir do seu artigo 1.o, ponto 6, o requisito segundo o qual uma norma na aceção desta disposição, disponível em língua inglesa, deve ser disponibilizada na língua do Estado‑Membro em causa.

    54

    Atendendo às considerações expostas, há que responder à terceira questão que o artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34 deve ser interpretado no sentido de que não exige que uma norma na aceção desta disposição seja disponibilizada na língua oficial do Estado‑Membro em causa.

    Quanto às despesas

    55

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

     

    1)

    Os artigos 4.°, n.o 1, e 5.° da Diretiva 98/70/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 1998, relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e que altera a Diretiva 93/12/CEE do Conselho, conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1882/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de setembro de 2003, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro preveja, no seu direito nacional, requisitos qualitativos adicionais aos constantes desta diretiva, para a comercialização de combustíveis para motores diesel, como o requisito relativo ao ponto de inflamação, em causa no processo principal, uma vez que não se trata de uma especificação técnica do combustível para motores diesel relacionada com a proteção da saúde ou do ambiente para efeitos da referida diretiva.

     

    2)

    O artigo 1.o, pontos 6 e 11, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro torne obrigatória uma norma nacional como a norma húngara MSZ EN 590:2009, em causa no processo principal.

     

    3)

    O artigo 1.o, ponto 6, da Diretiva 98/34, conforme alterada pela Diretiva 2006/96, deve ser interpretado no sentido de que não exige que uma norma na aceção desta disposição seja disponibilizada na língua oficial do Estado‑Membro em causa.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: húngaro.

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