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Document 62014CJ0085

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de setembro de 2015.
    KPN BV contra Autoriteit Consument en Markt (ACM).
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven.
    Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Serviço universal e direitos dos utilizadores — Diretiva 2002/22/CE — Artigo 28.° — Acesso aos números e aos serviços — Números não geográficos — Diretiva 2002/19/CE — Artigos 5.°, 8.° e 13.° — Poderes das autoridades reguladoras nacionais — Controlo dos preços — Serviços de trânsito de chamadas — Regulamentação nacional que impõe aos fornecedores de serviços de trânsito de chamadas telefónicas não aplicar tarifas mais elevadas para as chamadas para números não geográficos do que para as chamadas para números geográficos — Empresa sem poder de mercado significativo — Autoridade nacional competente.
    Processo C-85/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:610

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    17 de setembro de 2015 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Serviço universal e direitos dos utilizadores — Diretiva 2002/22/CE — Artigo 28.o — Acesso aos números e aos serviços — Números não geográficos — Diretiva 2002/19/CE — Artigos 5.°, 8.° e 13.° — Poderes das autoridades reguladoras nacionais — Controlo dos preços — Serviços de trânsito de chamadas — Regulamentação nacional que impõe aos fornecedores de serviços de trânsito de chamadas telefónicas não aplicar tarifas mais elevadas para as chamadas para números não geográficos do que para as chamadas para números geográficos — Empresa sem poder de mercado significativo — Autoridade nacional competente»

    No processo C‑85/14,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Países Baixos), por decisão de 12 de fevereiro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de fevereiro de 2014, no processo

    KPN BV

    contra

    Autoriteit Consument en Markt (ACM),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado‑geral: Y. Bot,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 11 de março de 2015,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da KPN BV, por L. Mensink, T. van der Vijver e C. Schillemans, advocaten,

    em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. De Stefano, avvocato dello Stato,

    em representação da Comissão Europeia, por F. Wilman, G. Braun e L. Nicolae, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de abril de 2015,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal) (JO L 108, p. 51), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 11, a seguir «diretiva serviço universal»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a KPN BV (a seguir «KPN») à Autoriteit Consument en Markt (ACM) (Autoridade dos Consumidores e dos Mercados) a propósito de uma ordem dirigida à KPN, acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória, no sentido de esta diminuir as tarifas para os serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas

    3

    O novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas (a seguir «NQR») é composto pela Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 37, a seguir «diretiva‑quadro»), e pelas diretivas particulares que a acompanham, concretamente, pela Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO L 108, p. 21), pela Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso) (JO L 108, p. 7), pela diretiva serviço universal e pela Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas) (JO L 201, p. 37).

    – Diretiva‑quadro

    4

    O artigo 2.o da diretiva‑quadro prevê:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

    [...]

    g)

    ‘Autoridade reguladora nacional’, o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas na presente diretiva e nas diretivas específicas;

    [...]

    l)

    ‘Diretivas específicas’: a [diretiva autorização], a [diretiva acesso], a [diretiva serviço universal] e a Diretiva 2002/58[...].

    [...]»

    5

    O artigo 6.o da diretiva‑quadro, sob a epígrafe «Mecanismo de consulta e de transparência», prevê a implementação de procedimentos nacionais de consulta entre as autoridades reguladoras nacionais (a seguir «ARN») e as partes interessadas, quando as ARN tencionem tomar medidas que, em conformidade com esta diretiva ou com as diretivas específicas, tenham um impacto significativo no mercado relevante.

    6

    O artigo 7.o desta diretiva, sob a epígrafe «Consolidação do mercado interno das comunicações eletrónicas», prevê nomeadamente que, nos casos previstos no n.o 3 deste artigo, a ARN de um Estado‑Membro tem a obrigação de tornar a proposta de medida que tenciona adotar acessível à Comissão e às ARN dos outros Estados‑Membros. O artigo 7.o‑A da referida diretiva fixa o procedimento para a aplicação coerente das soluções propostas respeitantes, nomeadamente, à aplicação, alteração ou supressão de várias obrigações aos operadores.

    7

    O artigo 8.o da diretiva‑quadro define os objetivos de política geral e os princípios de regulação cujo respeito as ARN devem assegurar no desempenho das suas tarefas de regulação especificadas nesta diretiva e nas diretivas particulares.

    8

    O artigo 16.o da referida diretiva fixa as regras em matéria de aplicação do procedimento de análise de mercado.

    – Diretiva serviço universal

    9

    Nos termos do artigo 2.o, alíneas d) e f), da diretiva serviço universal, entende‑se por:

    «d)

    ‘Número geográfico’: número do plano nacional de numeração telefónica que contém alguns dígitos com significado geográfico, cuja função é encaminhar as chamadas para o local físico do ponto de terminação de rede (PTR);

    [...]

    f)

    ‘Número não geográfico’: número do plano de numeração telefónica nacional que não seja um número geográfico. Inclui, nomeadamente, os números móveis, de chamada gratuita e de tarifa majorada.»

    10

    O artigo 28.o, n.o 1, desta diretiva, sob a epígrafe «Acesso a números e serviços», dispõe:

    «Os Estados‑Membros asseguram que, sempre que tal seja técnica e economicamente viável, exceto nos casos em que um assinante chamado tenha decidido, por motivos comerciais, limitar o acesso de chamadas provenientes de áreas geográficas específicas, as autoridades [nacionais competentes] tomem todas as medidas necessárias para que os utilizadores finais possam ter acesso:

    a)

    Aos serviços e utilizá‑los através de números não geográficos no interior da [União Europeia]; e

    b)

    Ter acesso a todos os números fornecidos na [União], independentemente da tecnologia e dos dispositivos utilizados pelo operador, nomeadamente os incluídos nos planos nacionais de numeração dos Estados‑Membros, os do [Espaço Europeu de Numeração Telefónica (a seguir ‘EENT’)] e os números universais de chamada livre internacional (UIFN).

    [...]»

    – Diretiva acesso

    11

    O artigo 1.o da Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso) (JO L 108, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «diretiva acesso»), prevê:

    «1.   No quadro estabelecido pela [diretiva‑quadro], a presente diretiva harmoniza o modo como os Estados‑Membros regulamentam o acesso e a interligação das redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos. A presente diretiva tem por objetivo estabelecer um quadro regulamentar, conforme com os princípios do mercado interno, aplicável às relações entre fornecedores de redes e serviços, que conduza a uma concorrência sustentável e a uma interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, e beneficie os consumidores.

    2.   A presente diretiva fixa os direitos e obrigações dos operadores e das empresas que desejem a interligação e/ou o acesso às suas redes ou recursos conexos. Define ainda objetivos para as [ARN], no que diz respeito ao acesso e interligação e estabelece procedimentos para garantir que as obrigações impostas pelas [ARN] sejam revistas e, se necessário, suprimidas, uma vez atingidos os objetivos desejados. Na presente diretiva, o termo ‘acesso’ não se refere ao acesso por parte dos utilizadores finais.»

    12

    O artigo 5.o da diretiva acesso, sob a epígrafe «Poderes e responsabilidades das [ARN] relativamente ao acesso e à interligação», tem a seguinte redação:

    «1.   As [ARN] devem, agindo em conformidade com os objetivos estabelecidos no artigo 8.o da [diretiva‑quadro], incentivar e, sempre que oportuno, garantir, em conformidade com as disposições da presente diretiva, o acesso e a interligação adequados, bem como a interoperabilidade de serviços, exercendo a sua responsabilidade de modo a promover a eficiência e a concorrência sustentável e a proporcionar o máximo benefício aos utilizadores finais.

    Em especial, e sem prejuízo das medidas que possam ser tomadas em relação às empresas que detenham poder de mercado significativo nos termos do artigo 8.o, as [ARN] devem ter a possibilidade de:

    a)

    Na medida do necessário para garantir a ligação de extremo a extremo, impor obrigações às empresas que controlam o acesso aos utilizadores finais, incluindo, em casos justificados, a obrigação de interligarem as suas redes quando ainda não estiverem interligadas;

    a‑b)

    em casos justificados e na medida em que for necessário, impor obrigações às empresas que controlam o acesso a utilizadores finais a fim de tornar os seus serviços interoperáveis;

    [...]

    2.   As obrigações e condições impostas nos termos do n.o 1 devem ser objetivas, transparentes, proporcionais e não discriminatórias e ser aplicadas nos termos dos artigos 6.°, 7.° e 7.°‑A da [diretiva‑quadro].

    3.   No que diz respeito ao acesso e à interligação a que se refere o n.o 1, os Estados‑Membros devem assegurar que as [ARN] tenham poderes para intervir por iniciativa própria quando tal se justificar, a fim de garantir os objetivos nesta matéria, constantes do artigo 8.o da [diretiva‑quadro], nos termos da presente diretiva e dos artigos 6.°, 7.°, 20.° e 21.° da [diretiva‑quadro].»

    13

    O artigo 8.o da diretiva acesso, com a epígrafe «Imposição, alteração ou supressão de obrigações», dispõe:

    «1.   Os Estados‑Membros assegurarão que as [ARN] tenham poderes para impor as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.°‑A.

    2.   Caso um operador seja designado como operador com poder de mercado significativo num mercado específico, na sequência de uma análise do mercado efetuada em conformidade com o disposto no artigo 16.o da [diretiva‑quadro], as [ARN] imporão as obrigações previstas nos artigos 9.° a 13.° da presente diretiva, consoante adequado.

    3.   Sem prejuízo:

    [...]

    do disposto nos artigos 12.° e 13.° da [diretiva‑quadro], da condição 7 na secção B do anexo à [diretiva autorização] tal como aplicado por força do n.o 1 do artigo 6.o dessa diretiva, e dos artigos 27.°, 28.° e 30.° da [diretiva serviço universal] […] que contêm obrigações relativas a empresas não designadas como detendo poder de mercado significativo, [...]

    [...]

    As [ARN] não imporão as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.° aos operadores que não tenham sido designados em conformidade com o n.o 2.

    [...]

    4.   As obrigações impostas em conformidade com o presente artigo basear‑se‑ão na natureza do problema identificado, e serão proporcionadas e justificadas à luz dos objetivos estabelecidos no artigo 8.o da [diretiva‑quadro]. Tais obrigações só serão impostas após consulta em conformidade com o artigo 6.o e 7.° dessa diretiva.

    [...]»

    14

    O artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso, sob a epígrafe «Obrigações de controlo dos preços e de contabilização dos custos», dispõe:

    «A [ARN] pode, nos termos do disposto no artigo 8.o, impor obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços em função dos custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso, em situações em que uma análise do mercado indique que uma potencial falta de concorrência efetiva implica que o operador em causa possa manter os preços a um nível excessivamente elevado, ou comprimir os preços, em detrimento dos utilizadores finais. [...]»

    Diretiva 2009/136

    15

    Nos termos do considerando 46 da Diretiva 2009/136:

    «A existência de um mercado único implica que os utilizadores finais possam aceder a todos os números incluídos nos planos nacionais de numeração dos outros Estados‑Membros e aos serviços que utilizam números não geográficos na Comunidade, nomeadamente números gratuitos e números de tarifa majorada. […] O acesso transfronteiriço a recursos de numeração e aos correspondentes serviços não poderá ser impedido, exceto em casos devidamente justificados, como no combate à fraude ou ao abuso [...], quando o número é de âmbito unicamente nacional [...] ou quando técnica ou economicamente inviável. [...]»

    Direito neerlandês

    16

    Nos termos do artigo 6.5 da Lei sobre as telecomunicações (Telecommunicatiewet, a seguir «Tw»), que transpôs o artigo 28.o da diretiva serviço universal para o direito nacional:

    «1.   Os fornecedores de redes públicas de comunicações eletrónicas ou de serviços públicos de comunicações eletrónicas que, nesse âmbito, controlam o acesso aos utilizadores finais, assegurarão que todos os utilizadores finais que se encontram na União Europeia têm acesso a:

    a.

    todos os números de um plano nacional de numeração atribuídos na União,

    b.

    todos os números do [EENT], e

    c.

    todos os números atribuídos pela [União internacional de telecomunicações (UIT)],

    e que possam usufruir de serviços, recorrendo aos números referidos nas alíneas a) a c), salvo se tal não for técnica e economicamente viável ou se o assinante que receber chamadas tiver decidido limitar o acesso dos utilizadores que efetuarem chamadas e que se encontram em determinadas áreas geográficas.

    2.   Por ou ao abrigo de um regulamento, podem ser estabelecidas regras mais detalhadas para garantir a obrigação prevista no n.o 1. Estas regras podem referir‑se, nomeadamente, às remunerações do acesso aos números referidos no n.o 1.

    3.   As regras previstas no n.o 2 podem ser diferentes para determinadas categorias de fornecedores, como os referidos no n.o 1. Essas regras podem transferir funções e atribuir competências à [ACM].»

    17

    A Decisão relativa à interoperabilidade (Besluit Interoperabiliteit, a seguir «BI») foi adotada com base na Tw. O artigo 5.o da BI, na sua versão em vigor a partir de 1 de julho de 2013, tem a seguinte redação:

    «1.   Um fornecedor de serviços telefónicos públicos ou um fornecedor de redes de comunicações eletrónicas públicas que controla o acesso aos utilizadores finais deve assegurar que os utilizadores finais possam usufruir de serviços com recurso a números não geográficos no interior da União.

    2.   A obrigação referida no n.o 1 implica, em todo o caso, que os fornecedores de serviços telefónicos públicos ou de redes públicas de comunicações eletrónicas aí referidos apliquem, às chamadas efetuadas para um número das séries 0800, 084, 085, 087, 088, 0900, 0906, 0909, 116, 14 ou 18, tarifas ou outras remunerações comparáveis com as tarifas ou outras remunerações que esses fornecedores aplicam às chamadas efetuadas para números geográficos, e que apenas podem aplicar tarifas ou remunerações diferentes caso isso seja estritamente necessário para cobrir os custos adicionais relacionados com as chamadas efetuadas para estes números não geográficos. Poderá ser previsto por decreto ministerial que esta obrigação é aplicável a outras categorias de fornecedores, ou a outras categorias de números não geográficos.

    3.   Regras mais detalhadas relativas à obrigação prevista no n.o 1 poderão ser fixadas por despacho ministerial.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    A KPN fornece serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos nos Países Baixos que representam cerca de 20% do seu trânsito total para esses números.

    19

    Tendo a ACM constatado que a KPN, em violação do artigo 5.o da BI, aplicava tarifas mais elevadas aos serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos do que aos mesmos serviços para números geográficos, e que essa diferença não era justificada por custos adicionais, exigiu, na sua qualidade de ARN, por decisão de 18 de outubro de 2013, que a KPN ajustasse as suas tarifas, sob pena de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória de 25000 euros por dia, num montante máximo de 5 milhões de euros.

    20

    A KPN interpôs recurso desta decisão no College van Beroep voor het bedrijfsleven (tribunal de recurso de contencioso administrativo em matéria económica).

    21

    Em apoio do seu recurso, a KPN alega, nomeadamente, que o artigo 5.o da BI não é conforme com o NQR que apenas autoriza um controlo dos preços dos operadores que têm um poder de mercado significativo e após a realização de uma análise do mercado. De igual modo, a KPN considera que, na qualidade de prestador de serviços de trânsito de chamadas, não é abrangida pelo artigo 5.o da BI. Esta sociedade alega, contudo, que a decisão da ACM é desproporcionada e baseada numa fundamentação inadequada, na medida em que esta autoridade considerou erradamente que o artigo 5.o da BI deve ser interpretado no sentido de que os custos adicionais ligados à prestação de serviços de trânsito de chamadas não podem ser superiores aos que se baseiam numa estrita orientação em função dos custos. A este respeito, a KPN afirma que a tarifa dos serviços de trânsito de chamadas que presta tem pouca incidência na tarifa global e que o preço dos serviços de trânsito para as chamadas para números não geográficos é razoável.

    22

    A ACM justifica a justeza da sua decisão sustentando que a regra da equivalência dos preços dos serviços de trânsito das chamadas é baseada no artigo 28.o da diretiva serviço universal que exige que os Estados‑Membros tomem todas as medidas necessárias para garantir que os utilizadores finais possam ter livremente acesso aos serviços através da utilização de números não geográficos e que, desse modo, permite lutar contra os entraves a esse acesso que resultam da aplicação de preços demasiado elevados.

    23

    O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas a respeito da conformidade do artigo 5.o da BI com o direito da União, dado que este artigo se baseia no artigo 6.5 da Tw, que dá execução ao artigo 28.o da diretiva serviço universal. Esse órgão jurisdicional pergunta, a este respeito, se o facto de o artigo 5.o da BI não prever a realização de um estudo de mercado antes da adoção de uma regulamentação tarifária é conforme com o artigo 28.o da diretiva serviço universal.

    24

    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os termos «todas as medidas necessárias» constantes do artigo 28.o da diretiva serviço universal indicam que, em princípio, a adoção de uma regulamentação tarifária é autorizada. Observando que o considerando 46 da Diretiva 2009/136 sugere que este artigo da diretiva serviço universal apenas visa as medidas necessárias para garantir o tráfego telefónico transfronteiriço entre Estados‑Membros, o mesmo órgão jurisdicional considera que se coloca a questão de saber se o referido artigo pode ser interpretado no sentido de que, dado que as ligações transfronteiriças com os números não geográficos são tecnicamente possíveis, as autoridades nacionais competentes podem adotar medidas para suprimir os entraves constituídos pelas tarifas.

    25

    O órgão jurisdicional de reenvio considera que o facto de tarifas serem consideradas como um entrave ao acesso a serviços que utilizam números não geográficos pode depender da medida em que essas tarifas excedam as aplicadas para efetuar uma chamada para números geográficos.

    26

    Esse órgão jurisdicional observa, a este respeito, por um lado, que as tarifas dos serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos podem ser elevadas ao ponto de incitarem os utilizadores finais a abdicar destes serviços. Por outro lado, segundo esse órgão jurisdicional, pode admitir‑se que cada aumento de preço dos serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos origina uma certa diminuição da procura dos referidos serviços. No entanto, de acordo com o referido órgão jurisdicional, a aplicação de tarifas mais elevadas para o acesso aos serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos do que para o acesso a números geográficos pode ter um efeito marginal. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se sobre se, neste último caso, é possível afirmar que os utilizadores finais não terão nenhum acesso a serviços que utilizam números não geográficos. Observa, além disso, que a decisão da ACM apenas diz respeito às tarifas faturadas pela KPN para serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos que esta empresa fornece e que representam cerca de 20% do seu tráfego total para esses números.

    27

    Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se a respeito da questão de saber se o artigo 28.o, n.o 1, da diretiva serviço universal autoriza que uma regulamentação tarifária seja adotada por uma autoridade diferente da ARN que exerce a competência visada no artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso e que esta última autoridade seja a única com competência para aplicar essa regulamentação.

    28

    Nestas condições, o College van Beroep voor het bedrijfsleven decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 28.o da diretiva [serviço universal] permite a imposição de uma regulação de tarifas, sem que resulte de uma análise de mercado que uma parte tem, quanto ao serviço regulado, um poder de mercado significativo, quando são tecnicamente viáveis, sem mais, as ligações transfronteiriças com números não geográficos e a única restrição ao acesso a estes números consiste na aplicação de tarifas que levam a que uma chamada efetuada para um número não geográfico seja mais cara do que uma chamada efetuada para um número geográfico?

    2)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, [colocam‑se] as duas questões seguintes:

    a)

    A competência para a regulação de tarifas também se aplica quando a influência de tarifas superiores no volume de chamadas efetuadas para números não geográficos é limitada?

    b)

    Até que ponto o órgão jurisdicional nacional ainda tem margem para apreciar se uma medida de regulação de tarifas, necessária por força do artigo 28.o da diretiva [serviço universal], não constitui um ónus excessivo para o fornecedor do serviço de trânsito, atendendo aos objetivos que a mesma visa prosseguir?

    3)

    O artigo 28.o, n.o 1, da diretiva [serviço universal] deixa em aberto a possibilidade de as medidas referidas nessa disposição serem tomadas por uma instância diferente da [ARN] que exerce a competência referida no artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso, tendo esta última autoridade apenas competência para aplicar essas medidas?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira e segunda questões

    29

    Com a primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que permite que uma autoridade nacional competente imponha uma obrigação tarifária, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, para pôr fim a um entrave à chamada de números não geográficos na União que não tem natureza técnica, mas que resulta das tarifas praticadas, sem que se tenha procedido a uma análise do mercado que demonstre que a empresa em causa dispõe de um poder de mercado significativo. Em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essa obrigação pode ser imposta quando a influência das tarifas no volume das chamadas para números não geográficos é limitada e se o juiz nacional dispõe de uma margem de apreciação quanto à questão de saber se essa obrigação constitui um encargo excessivo para o fornecedor dos serviços de trânsito de chamadas.

    30

    Decorre da decisão de reenvio que a obrigação tarifária em causa no processo principal foi aplicada à KPN, que presta serviços de trânsito de chamadas para números não geográficos. Estes serviços consistem em encaminhar as chamadas da rede de um fornecedor de serviços de comunicações eletrónicas para a rede de outro fornecedor através de uma rede intermediária da empresa que fornece os referidos serviços de trânsito. Esta obrigação foi imposta para assegurar a equivalência entre os preços dos serviços de trânsito das chamadas para números não geográficos e os preços dos mesmos serviços para números geográficos assim como para atingir o objetivo visado no artigo 28.o da diretiva serviço universal.

    31

    A este propósito, importa observar que o artigo 28.o, n.o 1, alínea a), da diretiva serviço universal prevê que os Estados‑Membros asseguram que, sempre que tal seja técnica e economicamente viável, exceto nos casos em que um assinante chamado tenha decidido, por motivos comerciais, limitar o acesso de chamadas provenientes de áreas geográficas específicas, as autoridades nacionais competentes tomem todas as medidas necessárias para que os utilizadores finais possam ter acesso aos serviços que utilizam números não geográficos na União.

    32

    Nem o artigo 28.o, n.o 1, alínea a), da diretiva serviço universal nem qualquer outra disposição desta mesma diretiva especificam nem o que deve entender‑se por «todas as medidas necessárias», nem a natureza destas medidas, nem se as ARN são competentes para adotar essas medidas, de modo que se coloca a questão de saber se pode ser imposta uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal para atingir o objetivo visado pelo mesmo artigo. Assim, cumpre verificar se a diretiva‑quadro e as outras diretivas específicas que compõem um quadro harmonizado para a regulamentação das redes e serviços contêm indicações que permitam responder a esta questão.

    33

    Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição de direito da União, deve atender‑se não só aos termos dessa disposição mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (acórdão T‑Mobile Austria, C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 32).

    34

    A este respeito, há que observar que, nos termos do seu artigo 1.o, n.os 1 e 2, a diretiva acesso se inscreve no quadro estabelecido pela diretiva‑quadro que procede à harmonização da forma como os Estados‑Membros regulamentam o acesso às redes de comunicações eletrónicas e aos recursos associados, bem como a sua interligação. O objetivo desta diretiva é estabelecer um quadro regulamentar, conforme com os princípios do mercado interno, aplicável às relações entre fornecedores de redes e serviços, que conduza a uma concorrência sustentável e a uma interligação dos serviços de comunicações eletrónicas e beneficie os consumidores. A diretiva acesso define nomeadamente os objetivos atribuídos às ARN no que diz respeito ao acesso e à interligação.

    35

    O artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva acesso visa os poderes e as responsabilidades das ARN no que respeita ao acesso e interligação. Esta disposição prevê que, para realizar os objetivos fixados no artigo 8.o da diretiva‑quadro, estas autoridades incentivam e, sempre que oportuno, garantem, em conformidade com as disposições desta diretiva, o acesso e a interligação adequados, bem como a interoperabilidade de serviços, promovendo a eficiência e a concorrência sustentável ao encorajar investimentos eficazes e a inovação e ao proporcionar o máximo benefício aos utilizadores finais (v., neste sentido, acórdão Comissão/Polónia, C‑227/07, EU:C:2008:620, n.o 64).

    36

    Importa recordar que, a este propósito, o Tribunal de Justiça já decidiu que resulta da letra do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva acesso que as ARN têm por missão garantir um acesso e uma interligação adequados, bem como a interoperabilidade dos serviços por meios que não são enumerados de forma taxativa (v., neste sentido, acórdão TeliaSonera Finland, C‑192/08, EU:C:2009:696, n.o 58).

    37

    Neste contexto, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), desta diretiva, e sem prejuízo das medidas que podem ser tomadas relativamente a empresas que disponham de um poder de mercado significativo ao abrigo do seu artigo 8.o, as referidas autoridades devem ter a possibilidade de impor «obrigações às empresas que controlam o acesso aos utilizadores finais, incluindo, em casos justificados, a obrigação de interligarem as suas redes», apenas para garantir a interligação de extremo a extremo (v., neste sentido, acórdão TeliaSonera Finland, C‑192/08, EU:C:2009:696, n.o 59).

    38

    O artigo 5.o, n.o 3, da diretiva acesso também diz respeito ao acesso e à interligação e impõe que seja atribuída às ARN autonomia para intervir ao prever que as referidas autoridades podem, nomeadamente, intervir por iniciativa própria a fim de garantir os objetivos fixados no artigo 8.o da diretiva‑quadro, nos termos da diretiva acesso e dos procedimentos previstos em particular nos artigos 6.° e 7.° da diretiva‑quadro.

    39

    Assim, essas disposições da diretiva‑quadro e da diretiva acesso permitem que as ARN tomem medidas em relação a uma empresa que não tem poder de mercado significativo, mas que controla o acesso aos utilizadores finais (v., neste sentido, acórdão TeliaSonera Finland, C‑192/08, EU:C:2009:696, n.o 62).

    40

    Segundo o artigo 8.o, n.o 1, da diretiva acesso, os Estados‑Membros devem assegurar que as ARN tenham poderes para impor as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.°‑A desta diretiva e nomeadamente as obrigações relativas ao controlo dos preços ao abrigo do artigo 13.o da referida diretiva. Ao abrigo do artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, caso um operador seja designado como operador com poder de mercado significativo num mercado específico, na sequência de uma análise do mercado efetuada em conformidade com o disposto no artigo 16.o da diretiva‑quadro, as ARN impor‑lhe‑ão as referidas obrigações.

    41

    Em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, da diretiva acesso, sem prejuízo de certas disposições, de entre as quais o artigo 28.o da diretiva serviço universal, que impõem obrigações a empresas diferentes das que são designadas como tendo um poder de mercado significativo, as ARN só podem impor obrigações relativas ao controlo dos preços definidas, nomeadamente, no artigo 13.o da diretiva acesso aos operadores designados como detendo poder de mercado significativo, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, desta mesma diretiva.

    42

    Por conseguinte, como observou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, há que interpretar o artigo 8.o, n.o 3, da diretiva acesso no sentido de que, salvo no âmbito de certas disposições, e em particular do artigo 28.o da diretiva serviço universal, as ARN não podem impor obrigações relativas ao controlo dos preços como as previstas no artigo 13.o da diretiva acesso aos operadores que não têm poder de mercado significativo num mercado específico. Assim, o artigo 8.o, n.o 3, da diretiva acesso não se opõe a que sejam impostas obrigações relativas ao controlo dos preços, como as visadas no artigo 13.o, n.o 1, desta diretiva, ao operador que não disponha de um poder de mercado significativo num mercado específico ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, desde que estejam preenchidos os requisitos de aplicação desta disposição.

    43

    Daqui decorre que as ARN podem impor obrigações tarifárias comparáveis às visadas no artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso, ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, a um operador que não disponha de um poder de mercado significativo, mas que controla o acesso aos utilizadores finais, se essa obrigação for uma medida necessária e proporcionada para garantir que os utilizadores finais podem ter acesso aos serviços que utilizam números não geográficos na União, o que cabe ao juiz nacional verificar, tendo em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes, e nomeadamente a influência das tarifas em causa no acesso dos utilizadores finais aos referidos serviços.

    44

    Essa interpretação é, de resto, conforme com o objetivo prosseguido pelo artigo 28.o da diretiva serviço universal, que consiste nomeadamente em garantir aos utilizadores finais o acesso aos serviços que utilizam números não geográficos na União, bem como com o objetivo prosseguido pela diretiva serviço universal que visa estabelecer um quadro regulamentar, conforme com os princípios do mercado interno, aplicável às relações entre fornecedores de redes e serviços, que conduza a uma concorrência sustentável e a uma interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, e beneficie os consumidores.

    45

    Por outro lado, importa observar que os artigos 5.°, n.os 1 e 2, e 8.°, n.o 4, da diretiva acesso preveem os requisitos que as obrigações impostas pelas ARN aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas devem preencher, em conformidade com os artigos 5.°, n.o 1, e 8.° desta diretiva.

    46

    Assim, o artigo 5.o, n.o 2, da diretiva acesso prevê que as obrigações e condições impostas nos termos do n.o 1 deste artigo devem ser objetivas, transparentes, proporcionais e não discriminatórias e que devem ser aplicadas em conformidade com os procedimentos previstos nos artigos 6.°, 7.° e 7.°‑A da diretiva‑quadro.

    47

    Segundo o artigo 8.o, n.o 4, da diretiva acesso, as obrigações impostas em conformidade com este artigo devem basear‑se na natureza do problema identificado, ser proporcionadas e justificadas à luz dos objetivos estabelecidos no artigo 8.o da diretiva‑quadro, e só podem ser impostas após a consulta prevista nos artigos 6.° e 7.° da diretiva‑quadro.

    48

    Decorre de todos estes elementos que uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal, adotada ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, também deve preencher os requisitos mencionados nos n.os 43, 46 e 47 do presente acórdão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    49

    Atendendo ao exposto, importa responder à primeira e segunda questões submetidas que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que permite que uma autoridade nacional competente imponha uma obrigação tarifária, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, para pôr fim a um entrave à chamada de números não geográficos na União que não tem natureza técnica, mas que resulta das tarifas praticadas, sem que se tenha procedido a uma análise do mercado que demonstre que a empresa em causa dispõe de um poder de mercado significativo, se essa obrigação constituir uma medida necessária para que os utilizadores finais possam ter acesso aos serviços que utilizam números não geográficos na União. Cabe ao juiz nacional verificar se esta condição está preenchida e se a obrigação tarifária é objetiva, transparente, proporcionada, não discriminatória, baseada na natureza do problema verificado e justificada à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro, e se os procedimentos previstos nos artigos 6.°, 7.° e 7.°‑A da diretiva‑quadro foram respeitados.

    Quanto à terceira questão

    50

    Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode prever que uma obrigação tarifária ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, como a que está em causa no processo principal, seja imposta por uma autoridade nacional diferente da ARN encarregada, em geral, de aplicar o NQR.

    51

    O artigo 28.o da diretiva serviço universal prevê que as medidas nele previstas são tomadas pelas «[autoridades nacionais competentes]». O conceito de «[autoridade nacional competente]» não é, contudo, definido na diretiva‑quadro nem na diretiva serviço universal.

    52

    Importa, contudo, recordar a este respeito que o artigo 2.o, alínea g), da diretiva‑quadro define a ARN como o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas nesta diretiva e nas diretivas específicas visadas no artigo 2.o, alínea l), desta. Por força do disposto no artigo 2.o, primeiro parágrafo, da diretiva serviço universal, esta definição é aplicável para efeitos desta diretiva, que é uma das diretivas específicas a que se refere o artigo 2.o, alínea l), da diretiva‑quadro.

    53

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora, nesta matéria, os Estados‑Membros gozem de uma autonomia institucional na organização e estruturação das suas ARN, na aceção do artigo 2.o, alínea g), da diretiva‑quadro, só a podem exercer respeitando integralmente os objetivos e as obrigações definidos nessa diretiva (v. acórdãos Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, C‑82/07, EU:C:2008:143, n.o 24, e Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 26).

    54

    Além disso, o Tribunal de Justiça já decidiu que, segundo o artigo 3.o da diretiva‑quadro, os Estados‑Membros deverão, nomeadamente, assegurar que cada uma das funções atribuídas às ARN seja desempenhada por um organismo competente, garantir a independência dessas autoridades, providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações eletrónicas, e assegurar que essas autoridades exercem as suas competências com imparcialidade, transparência e oportunamente. Além disso, nos termos do artigo 4.o da mesma diretiva, as decisões dessas autoridades devem poder ser objeto de recurso efetivo para um organismo independente das partes interessadas (v. acórdão Base e o., C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 29).

    55

    Nos termos do artigo 3.o, n.os 2, 4 e 6, da diretiva‑quadro, os Estados‑Membros deverão assegurar não apenas a independência das ARN, garantindo que estas sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram o fornecimento de redes, equipamentos ou serviços de comunicações eletrónicas, mas devem também publicar, de modo facilmente acessível, as funções que incumbem a essas autoridades reguladoras em conformidade com o NQR, em particular quando as tarefas são confiadas a vários organismos, e notificar à Comissão o nome das autoridades às quais foram atribuídas essas funções e as respetivas responsabilidades (v., neste sentido, acórdãos Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, C‑82/07, EU:C:2008:143, n.o 25, e UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.o 52).

    56

    Por conseguinte, quando essas atribuições sejam, mesmo parcialmente, da competência de uma autoridade nacional que não seja a ARN encarregada, em geral, de aplicar o NQR, incumbe a cada Estado‑Membro garantir que essa outra autoridade não será direta ou indiretamente envolvida na «função operacional», na aceção da diretiva‑quadro (v., neste sentido, acórdão Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, C‑82/07, EU:C:2008:143, n.o 26).

    57

    Daqui resulta que o direito da União autoriza um Estado‑Membro a atribuir tarefas resultantes da aplicação do NQR a vários organismos desde que, no exercício das suas funções, cada um desses organismos respeite as condições de competência, de independência, de imparcialidade e de transparência previstas pela diretiva‑quadro e que as decisões que cada um desses organismos tome no exercício das suas funções possam ser objeto de um recurso efetivo junto de um organismo independente das partes interessadas. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a autoridade nacional que adotou a obrigação tarifária em causa no processo principal preenche todas essas condições.

    58

    Atendendo ao exposto, importa responder à terceira questão submetida que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode prever que uma obrigação tarifária ao abrigo do artigo 28.o da diretiva serviço universal, como a que está em causa no processo principal, seja imposta por uma autoridade nacional diferente da ARN em geral encarregada de aplicar o NQR, desde que esta autoridade preencha as condições de competência, de independência, de imparcialidade e de transparência previstas pela diretiva‑quadro e que as decisões que toma possam ser objeto de recurso efetivo junto de um organismo independente das partes interessadas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    Quanto às despesas

    59

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O direito da União deve ser interpretado no sentido de que permite que uma autoridade nacional competente imponha uma obrigação tarifária, como a que está em causa no processo principal, ao abrigo do artigo 28.o da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, para pôr fim a um entrave à chamada de números não geográficos na União Europeia que não tem natureza técnica, mas que resulta das tarifas praticadas, sem que se tenha procedido a uma análise do mercado que demonstre que a empresa em causa dispõe de um poder de mercado significativo, se essa obrigação constituir uma medida necessária para que os utilizadores finais possam ter acesso aos serviços que utilizam números não geográficos na União.

    Cabe ao juiz nacional verificar se esta condição está preenchida e se a obrigação tarifária é objetiva, transparente, proporcionada, não discriminatória, baseada na natureza do problema verificado e justificada à luz dos objetivos enunciados no artigo 8.o da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, e se os procedimentos previstos nos artigos 6.°, 7.° e 7.°‑A da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, foram respeitados.

     

    2)

    O direito da União deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode prever que uma obrigação tarifária ao abrigo do artigo 28.o da Diretiva 2002/22, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, como a que está em causa no processo principal, seja imposta por uma autoridade nacional diferente da autoridade reguladora nacional em geral encarregada de aplicar o novo quadro regulamentar da União aplicável às redes e aos serviços de comunicações eletrónicas, desde que esta autoridade preencha as condições de competência, de independência, de imparcialidade e de transparência previstas pela Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, e que as decisões que toma possam ser objeto de recurso efetivo junto de um organismo independente das partes interessadas, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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