Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62014CC0542

    Conclusões do advogado-geral M. Wathelet apresentadas em 3 de dezembro de 2015.
    SIA "VM Remonts" (anteriormente SIA "DIV un KO") e o. contra Konkurences padome.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa.
    Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.°, n.° 1, TFUE — Situação puramente interna — Aplicação de uma regulamentação nacional análoga — Competência do Tribunal de Justiça — Prática concertada — Responsabilidade de uma empresa pelos atos de um prestador de serviços — Requisitos.
    Processo C-542/14.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:797

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    MELCHIOR WATHELET

    apresentadas em 3 de dezembro de 2015 ( *1 )

    Processo C‑542/14

    «VM Remonts» SIA, anteriormente «DIV un Ko» SIA,

    «Ausma grupa» SIA

    contra

    Konkurences padome

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Supremo Tribunal, Letónia)]

    «Reenvio prejudicial — Concorrência — Artigo 101.o, n.o 1, TFUE — Imputabilidade a uma empresa do comportamento ilícito de um prestador de serviços independente — Desconhecimento, por parte da empresa, do comportamento delituoso do prestador de serviços independente»

    I – Introdução

    1.

    O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado em 27 de novembro de 2014 pelo Augstākā tiesa (Supremo Tribunal), tem por objeto a interpretação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE relativamente a uma alegada concertação de empresas aquando da sua participação num concurso organizado pela cidade de Jūrmala (Letónia).

    II – Quadro jurídico

    A – Direito da União

    2.

    O artigo 101.o TFUE (ex‑artigo 81.o CE) dispõe:

    «1.   São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:

    a)

    Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação;

    b)

    Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

    c)

    Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

    d)

    Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;

    e)

    Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.

    [...]»

    B – Direito letão

    3.

    Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da Lei da concorrência (Konkurences likums), de 4 de outubro de 2001 [Latvijas Vēstnesis, 2001, n.o 151]:

    «São proibidos e, portanto, nulos, desde a sua celebração, os acordos entre operadores económicos que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no território da Letónia, incluindo os acordos relativos:

    […]

    5)

    À participação ou não participação em concursos e leilões, ou às condições relativas a este tipo de atuações (ou abstenções), exceto se os concorrentes tiverem divulgado publicamente a sua proposta comum e essa proposta não tiver por objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência;

    […]»

    III – Litígio no processo principal e questão prejudicial

    4.

    O município de Jūrmala abriu um concurso para o fornecimento de produtos alimentares aos estabelecimentos de ensino. A «VM Remonts» SIA, anteriormente «DIV un Ko» SIA (a seguir «DIV un Ko»), a «Ausma grupa» SIA (a seguir «Ausma grupa») e a «Pārtikas kompānija» SIA (a seguir «Pārtikas kompānija») apresentaram propostas neste concurso.

    5.

    A Pārtikas kompānija recorreu aos serviços da «Juridiskā sabiedrība ‘B&Š partneri’» SIA para obter assistência jurídica no âmbito da preparação e da apresentação da sua proposta. Para este efeito, a «Juridiskā sabiedrība ‘B&Š partneri’» SIA recorreu, por sua vez, a um subcontratante, a «MMD lietas» SIA (a seguir «MMD lietas»), que recebeu da Pārtikas kompānija um projeto de proposta, elaborado por esta sociedade de modo independente, sem concertação com a DIV un Ko nem com a Ausma grupa.

    6.

    Com efeito, resulta claramente da decisão de reenvio que a Pārtikas kompānija definiu os seus preços de modo independente (v., nomeadamente, n.os 3.3 e 3.5 desta decisão) e que o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) — com competência exclusiva para questões de facto — indicou que não havia acordo ou prática concertada entre a Pārtikas kompānija e as outras empresas em causa (v., nomeadamente, n.os 3 e 3.5 da referida decisão).

    7.

    Resulta igualmente da decisão de reenvio que a MMD lietas se tinha comprometido paralelamente, e sem disso informar a Pārtikas kompānija, a elaborar as propostas respetivas da DIV un Ko e da Ausma grupa. Neste âmbito, um funcionário da MMD lietas utilizou a proposta da Pārtikas kompānija como referência para elaborar as propostas dos dois outros proponentes. A MMD lietas elaborou, por sinal, estas duas propostas a partir dos preços constantes da proposta da Pārtikas kompānija, de modo a que a proposta da Ausma grupa fosse cerca de 5% mais barata do que a da Pārtikas kompānija e a da DIV un Ko 5% mais barata do que a da Ausma grupa.

    8.

    Por decisão de 21 de outubro de 2011, o Konkurences padome (Conselho da Concorrência) considerou que as três sociedades proponentes tinham violado o artigo 11.o, n.o 1, ponto 5, da Lei da concorrência, ao elaborarem as suas propostas conjuntamente, com o objetivo de simular uma concorrência efetiva entre as mesmas. O Conselho da Concorrência considerou que esta prática concertada tinha falseado a concorrência e aplicou uma coima a estas empresas.

    9.

    A DIV un Ko, a Ausma grupa e a Pārtikas kompānija pediram a anulação da decisão do Conselho da Concorrência perante o Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional). Por acórdão de 3 de julho de 2013, este último órgão jurisdicional anulou a decisão impugnada, uma vez que esta declarava que a Pārtikas kompānija tinha cometido uma infração, mas confirmou‑a no que respeita às duas outras sociedades.

    10.

    Embora tenha considerado que a relação aritmética que existia entre os preços das propostas dos três proponentes confirmava a existência de uma prática concertada relativa à participação no concurso, este mesmo órgão jurisdicional considerou, em contrapartida, que nenhum elemento demonstrava que a Pārtikas kompānija se tinha associado a esta prática.

    11.

    A DIV un Ko e a Ausma grupa recorreram do acórdão do Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional) para o Augstākā tiesa (Supremo Tribunal), na medida em que aquele tinha negado provimento ao seu recurso. O Conselho da Concorrência, por seu lado, recorreu do mesmo acórdão, na medida em que tinha dado provimento ao recurso da Pārtikas kompānija.

    12.

    Neste âmbito, o órgão jurisdicional de reenvio levanta a questão de saber se a participação de uma empresa numa infração ao direito da concorrência pode implicar a sua responsabilidade quando não esteja provado que os dirigentes dessa sociedade consentiram em tais atos ou deles foram informados.

    13.

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 11.o, n.o 1, da Lei da concorrência foi elaborado tendo em conta a necessidade de uma harmonização entre o direito nacional e o direito da União no domínio do direito da concorrência e que, consequentemente, a interpretação desta disposição não devia ser diferente da do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

    14.

    Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente dos acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, EU:C:1983:158) e Slovenská sporiteľňa (C‑68/12, EU:C:2013:71), que uma empresa é responsável, à luz do artigo 101.o TFUE, pelos atos praticados por uma pessoa, como um empregado, que age por conta dessa empresa, independentemente da questão de saber se as pessoas investidas do poder de decisão na referida empresa mandataram essa pessoa para agir nesse sentido ou se foram informadas desses atos. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta jurisprudência é aplicável em circunstâncias como as do processo principal, na medida em que os atos examinados no presente processo foram praticados não por um empregado da Pārtikas kompānija, mas por um prestador de serviços independente desta sociedade. Por outro lado, este prestador de serviços não agiu exclusivamente por conta da referida sociedade, agiu também por conta da DIV un Ko e da Ausma grupa.

    15.

    Nestas condições, o Augstākā tiesa (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Deve interpretar‑se o artigo 101.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no sentido de que, para se declarar que uma empresa participou num acordo restritivo da concorrência, se deve demonstrar um comportamento pessoal de um diretor da empresa, ou o seu conhecimento ou consentimento do comportamento de uma pessoa que presta serviços externos à empresa e ao mesmo tempo age por conta de outros participantes num possível acordo proibido?»

    IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    16.

    Foram apresentadas observações escritas pelos Governos letão e italiano e pela Comissão Europeia. O Governo letão e a Comissão participaram na audiência realizada em 21 de outubro de 2015.

    V – Análise

    A – Quanto à admissibilidade

    17.

    A Comissão foi a única a apresentar observações quanto a este aspeto, e defende a admissibilidade da questão prejudicial. Com efeito, embora o direito da União não seja aplicável no processo principal, dado que a prática concertada em causa nesse processo não é suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros, a Lei da concorrência foi adotada precisamente com o objetivo de alinhar o direito letão com o da União. A Comissão acrescenta que as circunstâncias do processo principal são mais comparáveis às que deram origem ao acórdão Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2013:160) do que às do acórdão Kleinwort Benson (C‑346/93, EU:C:1995:85).

    18.

    Na minha opinião, a presente questão é admissível.

    19.

    Com efeito, o Tribunal de Justiça é competente para decidir dos pedidos prejudiciais respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais os factos no processo principal saiam do âmbito de aplicação deste direito, mas nas quais as referidas disposições passaram a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual é conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções do direito da União. Com efeito, em tais casos, existe um interesse certo da União Europeia em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União sejam interpretados de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devam aplicar ( *2 ).

    B – Quanto ao mérito

    20.

    No presente processo, a questão do órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a determinar se pode ser imputada a uma empresa, numa situação como a do processo principal, a participação numa prática concertada proibida pelo artigo 101.o TFUE, que consiste numa proposta colusória feita no âmbito de um processo de concurso («bid rigging» ( *3 )), apenas a partir da prova do comportamento ilícito de um prestador de serviços independente dessa empresa, incumbido da elaboração da proposta, sem que se tenha provado que os dirigentes da referida empresa foram informados deste comportamento ou o autorizaram.

    1. Síntese dos argumentos das partes

    21.

    O Governo letão sugere que se responda à questão do órgão jurisdicional de reenvio declarando que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a declaração de que uma empresa participou num acordo restritivo da concorrência não carece da prova de um comportamento pessoal de um dirigente da empresa, nem da circunstância de que o mesmo tinha conhecimento do comportamento de um prestador de serviços, que os prestava à sua empresa, que trabalhava também para outras empresas no eventual acordo, nem que tinha nisso consentido.

    22.

    Com efeito, este governo considera que, num caso como o do processo principal, o estatuto jurídico do executante da tarefa confiada pela empresa (trabalhador por conta de outrem ou independente, empregado ou agente) não é pertinente para determinar a responsabilidade da empresa por uma violação do direito da concorrência.

    23.

    Para o referido governo, resulta das definições de mandatário e de trabalhador no direito letão que tanto um como outro agem no interesse da empresa que recorre aos seus serviços. O mesmo se aplica a um prestador de serviços independente, encarregado pela empresa de prestar serviços jurídicos. Com efeito, este último foi autorizado a agir através de informações detidas pela empresa. O prestador de serviços externalizados não assume os riscos da atividade económica quando age por conta de um terceiro e, nestas condições, os seus atos são imputáveis à empresa que recorre aos seus serviços.

    24.

    Por outro lado, uma empresa deve demonstrar prudência na escolha do seu mandatário, tal como o deve fazer quando contrata um trabalhador. Se esta obrigação não existisse, bastaria às empresas recorrer a terceiros para cometer infrações ao direito da concorrência sem risco de sanções.

    25.

    Além disso, importa examinar se as informações transmitidas pela empresa ao prestador de serviços são suscetíveis de ter impacto sobre a concorrência. A este respeito, as informações sobre a proposta concreta de uma empresa no âmbito de um concurso poderão ter tal impacto, dado que contêm indicações não acessíveis ao público, relativas, por exemplo, ao preço proposto ou ao funcionamento da empresa.

    26.

    Tendo em conta o facto de que, no processo principal, a MMD lietas detinha informações (sensíveis) suscetíveis de ter impacto sobre a concorrência no mercado em questão e que estava mandatada para agir em nome da Pārtikas kompānija com essas informações, pode concluir‑se que esta empresa é responsável pelos atos do prestador de serviços praticados por conta de outros participantes num eventual acordo.

    27.

    O Governo letão alega, além disso, que não é necessário demonstrar que os dirigentes da empresa tenham autorizado o prestador de serviços independente a transmitir as informações controvertidas ou, ainda, que estivessem informados dessa transmissão. Com efeito, deve considerar‑se que os dirigentes estão necessariamente informados dos atos praticados pelos prestadores de serviços independentes contratados pela sua empresa.

    28.

    O Governo italiano propõe que se responda à questão prejudicial no sentido de que a responsabilidade por um acordo anticoncorrencial pode ser imputada a uma empresa nele implicada em resultado da conduta de um prestador de serviços independente, o qual transmitiu às empresas concorrentes as informações que recebeu da primeira empresa, ainda que os dirigentes desta ignorassem essa transmissão de informações e não a tivessem autorizado, salvo se a empresa interessada provar que não tinha qualquer possibilidade razoável de prever e evitar o comportamento ilegal do prestador de serviços.

    29.

    A este respeito, este governo considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos atos praticados pelos empregados de uma empresa é transponível, mutatis mutandis, para uma situação, como a do processo principal, em que os atos controvertidos foram praticados por um prestador independente. Não é necessário, portanto, que o comportamento constitutivo de um acordo se deva aos dirigentes ou representantes da empresa, mas apenas que seja o comportamento de uma pessoa incumbida de agir por conta da empresa.

    30.

    Com efeito, por um lado, permitir às empresas invocar o argumento de que os comportamentos ilegais se devem a pessoas que não se encontram entre os dirigentes da empresa, para se furtarem à sua responsabilidade, comprometeria a possibilidade de reprimir os acordos ilícitos.

    31.

    Por outro lado, uma infração às regras do artigo 101.o TFUE não exige intenção por parte de uma empresa, podendo resultar da sua negligência. Assim, a mera circunstância de os dirigentes de uma empresa, como a Pārtikas kompānija, não terem explicitamente autorizado a MMD lietas a transmitir o projeto de proposta aos concorrentes dessa empresa ou de ignorarem que tal transmissão tenha sido feita não permite excluir que a referida empresa tenha participado no acordo resultante do comportamento desse prestador de serviços. A Pārtikas kompānija demonstrou negligência ao confiar a redação da proposta a um prestador de serviços sem o proibir de prestar o mesmo serviço a empresas concorrentes e de utilizar o conteúdo da proposta em benefício destas últimas.

    32.

    Consequentemente, a Pārtikas kompānija aceitou um risco que implica que lhe seja plenamente imputável a responsabilidade pelo acordo anticoncorrencial resultante do comportamento desse prestador de serviços. Daqui resulta que esta empresa só pode eximir‑se dessa responsabilidade provando especificamente que não tinha nenhuma possibilidade razoável de prever e de evitar o comportamento ilegal do prestador de serviços.

    33.

    A Comissão propõe que se responda à questão do órgão jurisdicional de reenvio nos termos seguintes:

    «O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a declaração de que uma empresa participou num acordo restritivo da concorrência em resultado do comportamento de um agente que não é seu empregado carece da prova:

    De que o comportamento delituoso se integra no âmbito das tarefas delegadas pela empresa no agente, ou

    De que a empresa conhecia o comportamento delituoso do agente e não se distanciou publicamente do mesmo.

    Quando o comportamento delituoso se integra no âmbito das tarefas delegadas no agente, não é, porém, necessário demonstrar que este foi mandatado para exercer as referidas atividades de modo ilícito, nem que a direção da empresa teve conhecimento desse comportamento ou o autorizou.»

    34.

    A este respeito, em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça distingue os conceitos de «empregado» e de «agente». Em particular, no acórdão Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, EU:C:1975:174), o Tribunal de Justiça admitiu que um agente podia ser uma empresa distinta do seu comitente para efeitos da aplicação do artigo 101.o TFUE, salvo no caso de o agente estar «integrado» na empresa do comitente. A este respeito, o Tribunal de Justiça reconheceu diferentes critérios, a saber, por um lado, a assunção ou não pelo agente de um risco económico e, por outro, o caráter exclusivo ou não dos serviços por ele prestados. Estes critérios foram, nomeadamente, aplicados pelo Tribunal Geral da União Europeia no acórdão Minoan Lines/Comissão (T‑66/99, EU:T:2003:337), no qual foi examinada a questão da imputação a uma empresa da responsabilidade por um ato delituoso praticado por um agente.

    35.

    Todavia, estes dois critérios não são exaustivos nem cumulativos. Resulta do acórdão Energetický a průmyslový e EP Investment Advisors/Comissão (T‑272/12, EU:T:2014:995) que é igualmente importante determinar se o comportamento delituoso em questão se insere no âmbito das competências do agente, ao passo que o critério do risco económico ou da exclusividade nem sempre é decisivo.

    36.

    Esta abordagem foi igualmente seguida pelo Competition Appeal Tribunal (Tribunal de segunda instância em matéria de concorrência, Reino Unido) no seu acórdão A H Willis & Sons Ltd/Office of Fair Trading (OFT) [2011] CAT 13. Esse órgão jurisdicional declarou, em substância, que o comportamento ilícito de um agente não pode ser imputado ao seu comitente quando constitua um ato completamente distinto das funções que lhe sejam confiadas por este.

    37.

    No que respeita, em segundo lugar, aos princípios gerais de direito aplicáveis à responsabilidade dos comitentes pelas atividades dos seus agentes, a Comissão alega, nomeadamente, que, no direito francês ( *4 ), um comitente é responsável pelos atos do seu agente sob condição de a infração ter sido cometida no âmbito — real ou aparente — das suas funções ( *5 ).

    38.

    Decorre desta jurisprudência e destes princípios que o mero facto de a MMD lietas não ser um agente exclusivo da Pārtikas kompānija não basta para exonerar esta empresa da sua responsabilidade pelos atos da MMD lietas. Em contrapartida, o comportamento da MMD lietas não pode ser imputado à Pārtikas kompānija s se não se inscrever no âmbito das funções que lhe foram confiadas, salvo se a Pārtikas kompānija tiver tido conhecimento deste comportamento e dele não se tiver distanciado publicamente. Tendo a MMD lietas apenas sido incumbida de elaborar os documentos da proposta da Pārtikas kompānija em conformidade com as instruções dadas por esta empresa (pura representação da empresa e apresentação da proposta), a decisão de um empregado da MMD lietas de elaborar as propostas dos concorrentes da Pārtikas kompānija com base na elaborada para esta empresa afigura‑se, portanto, como o exercício de uma função totalmente distinta que não pode ser imputada à referida empresa. Além disso, resulta igualmente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a MMD lietas não foi mandatada para negociar com as outras empresas.

    2. Apreciação

    a) Considerações gerais e jurisprudência

    39.

    A título preliminar, cabe recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de «prática concertada», na aceção do artigo 101.o, n.o 1. TFUE, visa qualquer forma de coordenação entre as empresas que, sem se ter desenvolvido até à celebração duma convenção propriamente dita, substitui cientemente uma cooperação prática entre elas aos riscos da concorrência ( *6 ). Tal prática pode resultar, nomeadamente, do estabelecimento de contactos diretos ou indiretos entre as empresas concorrentes, com o objetivo ou o efeito quer de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente atual ou potencial, quer de revelar a tal concorrente o comportamento que se decidiu ou se pretende seguir por si próprio no mercado ( *7 ).

    40.

    Resulta desta jurisprudência que não pode ser imputada a uma empresa uma prática concertada sem se provar que nela participou deliberadamente. Neste âmbito, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça não exija que se demonstre que tal empresa tinha consciência da violação do artigo 101.o TFUE, deve declarar‑se, todavia, que esta empresa não podia ignorar que o seu comportamento tinha como efeito restringir a concorrência ( *8 ).

    41.

    Devido, nomeadamente, às severas sanções associadas às infrações ao direito da concorrência, a responsabilidade só pode, em princípio, ser pessoal, independentemente de a infração ter sido cometida com dolo ou por negligência.

    42.

    O pedido de decisão prejudicial coloca ao Tribunal de Justiça a questão, em direito da concorrência, da possível imputação a empresas de atos praticados por terceiros.

    43.

    A este respeito, é possível estabelecer uma distinção consoante a prática proibida pelo direito da concorrência resulte de um ato:

    De um empregado da empresa;

    De uma das suas filiais; ou

    De um terceiro (pessoa singular ou coletiva) que não está integrado no organigrama da sociedade.

    44.

    Se for a própria empresa, através dos seus representantes ou dos seus empregados no exercício das suas funções na sociedade, a adotar um comportamento contrário ao direito da concorrência, incorrerá em responsabilidade direta, independentemente de a infração ter sido cometida com dolo ou por negligência. Neste caso, a aplicação do direito da concorrência à empresa «não pressupõe uma ação nem sequer o conhecimento pelos sócios ou gestores principais da empresa em causa, mas sim a ação de uma pessoa que esteja autorizada a agir por conta da empresa» ( *9 ).

    45.

    Segundo o Tribunal de Justiça, «a participação em cartéis proibidos pelo Tratado FUE constitui, na maioria dos casos, uma atividade clandestina que não está sujeita a regras formais. É raro que um representante de uma empresa participe numa reunião munido de um mandato para cometer uma infração». Consequentemente, «o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, para declarar a existência de um acordo restritivo da concorrência, não é necessário demonstrar que houve um comportamento pessoal do representante estatutário de uma empresa ou um acordo particular pelo qual esse representante autorizou, através de um mandato, a atuação do seu empregado que participou numa reunião anticoncorrencial» ( *10 ).

    46.

    A jurisprudência concluiu igualmente pela responsabilidade das sociedades‑mães pelos atos contrários ao direito da concorrência praticados pelas suas filiais nos casos em que estas empresas formam uma unidade económica, «[q]uando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração» ( *11 ).

    47.

    Resulta igualmente de jurisprudência constante que «o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe […] atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas» ( *12 ).

    48.

    Resta a hipótese em que o ato contrário ao direito da concorrência é praticado por uma pessoa (singular ou coletiva), que não é filial da empresa em causa nem está nela integrada, e em que, como no caso em apreço, esse terceiro relativamente à empresa age na qualidade de prestador de serviços independente. Em que medida pode a empresa beneficiária dos serviços desse prestador ser responsabilizada pelos atos deste?

    49.

    Podem apresentar‑se duas situações:

    o terceiro agiu em nome da empresa e praticou o ato contrário ao direito da concorrência em execução das missões que lhe foram por ela confiadas. Neste caso, a responsabilidade da empresa que recorreu aos serviços do terceiro é clara, dado que sabia ou devia necessariamente saber que o terceiro ia praticar ou tinha praticado um ato contrário ao direito da concorrência, que o tinha autorizado, ou até que tal ato fazia parte das missões confiadas ao terceiro;

    o terceiro agiu no âmbito de um contrato com a empresa em causa mas tomou iniciativas (que consistiam, nomeadamente, em atos contrários ao direito da concorrência) não previstas nas missões que lhe tinham sido confiadas, sem que se demonstre que os dirigentes dessa empresa tiveram conhecimento de tal ato contrário ao direito da concorrência praticado pelo prestador de serviços nem, por maioria de razão, que o autorizaram.

    50.

    Com base em que critérios pode a responsabilidade por um ato delituoso praticado por esse terceiro ser imputada à empresa que recorreu aos seus serviços?

    51.

    No seu acórdão Minoan Lines/Comissão (T‑66/99, EU:T:2003:337) ( *13 ), o Tribunal Geral quis saber, com razão, se a empresa e o agente «constituem — ou fazem parte de — uma só e mesma empresa ou entidade económica que adota um comportamento único no mercado» (n.o 124). Se for esse o caso, o terceiro que «exerce uma atividade em benefício do seu comitente pode em princípio ser considerado como um órgão auxiliar integrado na empresa deste, obrigado a seguir as instruções do comitente e formando assim com esta empresa, à semelhança do empregado comercial, uma unidade económica» (n.o 125).

    52.

    O Tribunal Geral adotou, seguidamente, dois parâmetros de referência para a determinação da existência de uma unidade económica, «por um lado, o facto de o intermediário assumir ou não um risco económico e, por outro, o caráter exclusivo ou não dos serviços prestados pelo intermediário» (n.o 126), apontando a falta de partilha dos riscos e a exclusividade dos serviços no sentido da existência de uma unidade económica.

    53.

    Como o Governo letão e a Comissão salientaram na audiência, estes dois critérios não podem ser exaustivos nem ser, por si só, decisivos para determinar se o comportamento delituoso de um agente pode ser imputado ao seu comitente.

    54.

    No seu acórdão voestalpine e voestalpine Wire Rod Austria/Comissão (T‑418/10, EU:T:2015:516), o Tribunal Geral, apesar de nenhum elemento de prova permitir demonstrar que a empresa pudesse ter tido a menor informação sobre o comportamento anticoncorrencial do seu agente, e depois de ter examinado em concreto o comportamento bem como as funções deste, declarou que «[n]o entanto, em circunstâncias como as do presente caso, em que o agente atua em nome e por conta do comitente sem assumir o risco económico das atividades que lhe foram confiadas, o comportamento anticoncorrencial desse agente no âmbito dessas atividades pode ser imputado ao comitente, à semelhança do que é possível fazer para um empregador no que respeita aos atos repreensíveis cometidos por um dos seus empregados, mesmo sem provas de conhecimento pelo comitente do comportamento anticoncorrencial do agente» (n.o 175) e concluiu, no n.o 178 do mesmo acórdão, «que, no presente caso, a Comissão tem direito, por um lado, de concluir pela existência de uma unidade económica entre o agente e o comitente no que se refere às atividades que a Austria Draht confiou ao Sr. G. e, por outro, de considerar que, devido a essa unidade económica, é possível imputar ao comitente os atos repreensíveis cometidos pelo Sr. G. por conta da Austria Draht no âmbito das atividades que lhe foram confiadas, sem que seja necessário demonstrar que o comitente deles teve conhecimento».

    55.

    Por outro lado, no mesmo acórdão, o Tribunal Geral considerou igualmente que a participação de um agente em certas reuniões anticoncorrenciais não podia ser imputada ao seu comitente, dado que as questões que aí eram discutidas não faziam claramente parte da missão de representação atribuída por esse comitente ao referido agente (v., neste sentido, n.o 384 do mesmo acórdão). O Tribunal Geral considerou que a responsabilidade pelos atos anticoncorrenciais do agente que tinham sido praticados fora do mercado italiano não podia ser imputada à voestalpine Austria Draht (dado que o mandato abrangia apenas o território italiano). Atendendo a todos estes elementos, o Tribunal Geral decidiu reduzir a coima aplicada solidariamente às duas empresas de 22 milhões de euros para 7,5 milhões de euros.

    56.

    Importa acrescentar que no referido processo (bem como no que deu origem ao acórdão Minoan Lines/Comissão, T‑66/99, EU:T:2003:337), o agente tinha claramente agido em nome da empresa e dispunha de poderes relativos à política comercial do seu comitente, pelo que a fixação dos preços era um dos aspetos do mandato que lhe tinha sido conferido, o que implicava negociar com as outras empresas.

    57.

    O mesmo não se verifica no presente processo, em que decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a própria Pārtikas kompānija determinou o preço da sua proposta (v. n.o 6 das presentes conclusões) e que a MMD lietas era apenas um agente incumbido da redação técnica dos documentos. Afigura‑se, portanto, que a decisão da MMD lietas de tomar a proposta da Pārtikas kompānija como base para a elaboração da proposta das outras empresas se inscreve no exercício de uma função totalmente distinta da que lhe foi confiada e que, na minha opinião, não pode ser imputada à Pārtikas kompānija.

    58.

    Repito que, nos presentes autos, não há elementos de prova que demonstrem o conhecimento e/ou a aprovação por parte da Pārtikas kompānija dos atos do agente, contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão Minoan Lines/Comissão (T‑66/99, EU:T:2003:337, nomeadamente n.os 139 a 147).

    b) Processo principal

    59.

    Que decidir, portanto, na hipótese em questão no presente processo, em que nada permite demonstrar que a Pārtikas kompānija teve conhecimento do comportamento da MMD lietas, em que este intermediário agia como operador independente, não partilhava o risco económico com a Pārtikas kompānija, não estava contratualmente vinculado por nenhum acordo de exclusividade com esta empresa (embora me pareça que a deontologia mínima da sua profissão o imponha oficiosamente relativamente à proposta em questão) e tomou iniciativas que ultrapassaram manifestamente a missão que lhe foi confiada pela Pārtikas kompānija?

    60.

    Parece‑me que devem ser rejeitadas duas posições extremas. Por um lado, a imputação automática à sociedade da responsabilidade pelos atos de terceiros, independentemente do grau de implicação dessa sociedade, que seria contrária aos princípios fundamentais que regem a aplicação de sanções como as previstas pelo direito da concorrência (nomeadamente, a pessoalidade das penas e a segurança jurídica), e, por outro, a obrigação da autoridade competente no domínio do direito da concorrência de provar de modo convincente que a sociedade beneficiária dos serviços do terceiro teve conhecimento de atos delituosos por este praticados ou os autorizou, sob pena de prejudicar gravemente a eficácia do direito da concorrência.

    61.

    Com efeito, «dado que a proibição de participar em práticas e acordos anticoncorrenciais e as sanções em que os infratores podem incorrer são do conhecimento geral, é normal que as atividades que essas práticas e acordos comportam decorram clandestinamente, que as reuniões se realizem secretamente, a maior parte das vezes em Estados terceiros, e que a respetiva documentação seja reduzida ao mínimo» ( *14 ). Seria demasiado simples, nesse caso, «esconder‑se» atrás de um terceiro para se manter impune à luz do direito da concorrência.

    62.

    Por outro lado, a importância da preservação da livre concorrência permite exigir às empresas que confiam a terceiros missões como as que ora estão em causa que tomem todas as precauções para evitar que esses terceiros cometam infrações ao direito da concorrência, evitando, nomeadamente, qualquer negligência ou imprudência na definição ou no acompanhamento dessas missões.

    63.

    Em conformidade com o exposto, a solução que proponho para processos como o que está aqui em causa consiste em estabelecer uma presunção ilidível de responsabilidade da sociedade pelos atos contrários ao direito da concorrência praticados por um terceiro a cujos serviços tenha recorrido e que não possa ser considerado um órgão auxiliar integrado nessa sociedade. Tal presunção permite manter o equilíbrio entre, por um lado, o objetivo de reprimir eficazmente os comportamentos contrários às regras da concorrência, nomeadamente o artigo 101.o TFUE, e de prevenir a sua recorrência, sabendo que o respeito destas regras impõe um comportamento ativo das empresas em todos os momentos e, por outro, as exigências dos direitos fundamentais em matéria de sanções. Esta presunção aplicar‑se‑ia mesmo que os atos praticados pelo terceiro fossem distintos das funções que lhe tivessem sido confiadas e mesmo que não se provasse que a sociedade que tinha recorrido aos seus serviços tinha conhecimento dos seus atos ou os tinha autorizado ( *15 ).

    64.

    Esta presunção deveria ser aplicada a uma empresa quando a autoridade incumbida de assegurar o respeito das regras da concorrência prove a existência de um ato contrário ao direito da concorrência praticado por uma pessoa que trabalhe para essa empresa sem fazer parte, diretamente ou não, do seu organigrama.

    65.

    Para respeitar o equilíbrio que evoquei no n.o 63 das presentes conclusões, a empresa poderá ilidir a presunção de responsabilidade apresentando todos os elementos que possam corroborar a tese segundo a qual não teve qualquer conhecimento dos comportamentos delituosos do terceiro prestador de serviços, e provando que tomou todas as precauções necessárias para impedir semelhantes desvios ao direito da concorrência, em três momentos ( *16 ).

    66.

    O primeiro corresponde ao momento da admissão ou da contratação do terceiro. Tal respeita, nomeadamente, à escolha do prestador, à definição das missões e acompanhamento da sua execução, às condições (ou à exclusão) de um recurso a subcontratantes, às obrigações impostas para assegurar o respeito do direito, nomeadamente, da concorrência e às sanções previstas em caso de violação do contrato, à autorização exigida para qualquer ato não previsto pelo contrato.

    67.

    O segundo momento abrange todo o período de execução das missões confiadas ao terceiro, velando por que este cumpra estritamente as missões, conforme foram definidas no contrato.

    68.

    O terceiro momento é aquele em que uma infração ao direito da concorrência é cometida pelo terceiro, ainda que sem o conhecimento da empresa. Esta não pode optar simplesmente por a ignorar, deve distanciar‑se publicamente do ato proibido, impedir que se repita e/ou denunciá‑lo às entidades administrativas. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou, «os modos passivos de participação na infração, como a presença de uma empresa em reuniões onde foram concluídos acordos de natureza anticoncorrencial, sem a eles se ter oposto de forma manifesta, traduzem[‑se] numa cumplicidade que é de natureza a fazer a empresa incorrer em responsabilidade no âmbito do artigo 81.o, n.o 1, CE, uma vez que a aprovação tácita de uma iniciativa ilícita, sem se distanciar publicamente do seu conteúdo ou sem a denunciar às entidades administrativas, tem por efeito incentivar a continuação da infração e compromete a sua descoberta» (acórdão AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 31).

    69.

    Na audiência, foi colocada a questão de saber se podia ter alguma importância, para ilidir a presunção, a demonstração feita pela empresa de que não podia retirar qualquer vantagem dos atos contrários ao direito da concorrência praticados pelo agente. Tanto o Governo letão como a Comissão responderam a esta questão em sentido negativo.

    70.

    Não é essa a minha opinião, desde que, porém, estejam preenchidas duas condições, que estiveram, de resto, indiretamente no centro dos debates na audiência. É verdade que o facto de uma empresa ter ou não interesse numa prática concertada não pode ter qualquer influência para determinar a existência da infração ao direito da concorrência. Todavia, encontramo‑nos não no âmbito da determinação da existência da infração, mas no âmbito de um elemento que permite ilidir uma presunção de responsabilidade. A demonstração pela empresa de que os atos do agente apenas tiveram consequências negativas para a mesma poderia corroborar os outros elementos avançados para ilidir a presunção de responsabilidade. O inverso é verdade, evidentemente, se, pelo contrário, a empresa estivesse interessada no resultado do acordo ou da prática concertada.

    71.

    Foi indicado na audiência que o facto de a Pārtikas kompānija não ter obtido a adjudicação do contrato não prova que não tenha participado de um modo ou de outro na prática concertada, na medida em que podia ter‑se concertado com as outras empresas no sentido de uma repartição dos mercados no tempo («bid rigging»). Concordo com esta observação, mas não é esta a hipótese que considero, a saber, a demonstração pela empresa de que, para além de não ter obtido a adjudicação do contrato em questão, não participou de modo algum noutros elementos de negociação que a tenham feito beneficiar de uma infração ao direito da concorrência. Trata‑se, evidentemente, apenas de um elemento, entre outros, que a empresa pode invocar na sua argumentação para ilidir a presunção.

    72.

    Em suma, a empresa poderá ilidir a presunção se demonstrar que o terceiro agiu fora do âmbito das missões confiadas, que tomou todas as precauções necessárias aquando da sua contratação, no acompanhamento da missão que lhe foi confiada e que, quando tomou conhecimento do comportamento proibido, se distanciou publicamente do mesmo ou o denunciou às entidades administrativas.

    73.

    Competirá, evidentemente, ao juiz nacional apreciar, à luz dos elementos atrás expostos, os factos que lhe foram submetidos no presente processo para concluir pela responsabilidade ou não da Pārtikas kompānija.

    VI – Conclusão

    74.

    Atendendo a todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial apresentada pelo Augstākā tiesa (Supremo Tribunal):

    O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a declaração de que uma empresa participou num acordo restritivo da concorrência não carece da prova de um comportamento pessoal de um dirigente da empresa ou da circunstância de que o mesmo tinha conhecimento do comportamento de uma pessoa que prestava serviços externalizados à empresa e ao mesmo tempo trabalhava por conta de outros participantes no eventual acordo, ou que tinha nisso consentido.

    Incumbe ao juiz nacional verificar, no litígio que lhe foi submetido, se, com base na circunstância de o terceiro ter agido fora do âmbito das missões que lhe foram confiadas, nas precauções que tomou aquando da contratação desse terceiro e do acompanhamento da execução das missões em questão e no seu próprio comportamento quando tomou conhecimento do comportamento proibido, a empresa pôde apresentar elementos de prova suficientemente convincentes para ilidir a presunção da sua responsabilidade.


    ( *1 ) Língua original: francês.

    ( *2 ) V. acórdãos Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 20 e jurisprudência referida) e FNV Kunsten Informatie en Media (C‑413/13, EU:C:2014:2411), nos quais, a partir de circunstâncias análogas às do presente processo, o Tribunal de Justiça respondeu às questões prejudiciais.

    ( *3 ) «Manipulação de propostas», em português. Em geral, verifica‑se uma manipulação de propostas quando pelo menos duas empresas que participam num concurso acordam no sentido de que uma ou várias delas não apresentem propostas, apresentem uma proposta ou a retirem.

    ( *4 ) A Comissão refere‑se ao artigo 1384.o do Código Civil.

    ( *5 ) A Comissão faz referência a um acórdão da Cour de cassation francesa (Tribunal de Cassação) de 19 de maio de 1988, n.o 87‑82654. Resulta deste acórdão que um comitente pode eximir‑se da responsabilidade pelos atos do comissário se este tiver agido fora do âmbito das suas funções, sem autorização e para fins alheios às suas atribuições.

    ( *6 ) Acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69, EU:C:1972:70, n.o 64).

    ( *7 ) Acórdão Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, EU:C:1975:174, n.o 174).

    ( *8 ) Acórdãos Miller International Schallplatten/Comissão (19/77, EU:C:1978:19, n.o 18); Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.o 112); IAZ International Belgium e o./Comissão (96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.o 45).

    ( *9 ) Acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.o 97).

    ( *10 ) Acórdão Slovenská sporiteľňa (C‑68/12, EU:C:2013:71, respetivamente n.os 26 e 28). V., igualmente, n.os 25 e 27 do referido acórdão.

    ( *11 ) Acórdão Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, EU:C:2009:53, n.o 56 e jurisprudência referida).

    ( *12 ) Ibidem (n.o 58 e jurisprudência referida).

    ( *13 ) Este acórdão foi objeto de recurso, respeitando um dos fundamentos justamente à questão da imputabilidade ao comitente dos atos do agente, mas o Tribunal de Justiça julgou‑o puramente factual e, por conseguinte, manifestamente inadmissível (despacho Minoan Lines/Comissão, C‑121/04 P, EU:C:2005:695, n.os 19 e 20). No que respeita ao acórdão Minoan Lines/Comissão (T‑66/99, EU:T:2003:337), v. Blaise, J.‑B, e Idot, L., «Chronique de droit communautaire de la concurrence — Mise en œuvre des articles 81 et 82 CE», Revue trimestrielle de droit européen, 2005, pp. 131 a 223, ponto 81, e Idot, L., «Transports maritimes — Commentaires aux arrêts du Tribunal du 11 décembre 2003», Europe, 2004, n.o 2, pp. 18 e 19.

    ( *14 ) Acórdão Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 49).

    ( *15 ) As presunções são conhecidas no direito da União. Tanto o Tribunal de Justiça como o Tribunal Geral utilizaram presunções para determinar a responsabilidade solidária da sociedade‑mãe pelos atos praticados pelas suas filiais (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536), ou pelos atos praticados pelos seus trabalhadores e empregados (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.o 97).

    ( *16 ) Quanto à possibilidade de ilidir a presunção da responsabilidade de uma sociedade‑mãe pelo comportamento da sua filial, v. acórdão ENI/Comissão (C‑508/11 P, EU:C:2013:289, n.os 46 e segs. e 68 e 69).

    Top