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Document 62013CC0039

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 27 de fevereiro de 2014.
Inspecteur van de Belastingdienst/Noord/kantoor Groningen e o. contra SCA Group Holding BV e o.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Gerechtshof Amsterdam.
Liberdade de estabelecimento — Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas — Unidade fiscal entre sociedades do mesmo grupo — Pedido — Fundamentos de recusa — Localização, noutro Estado‑Membro, da sede de uma ou de várias holdings intermédias, ou da sociedade‑mãe — Falta de estabelecimento estável no Estado de tributação.
Processos apensos C‑39/13 a C‑41/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:104

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 27 de fevereiro de 2014 ( 1 )

Processos apensos C‑39/13, C‑40/13 e C‑41/13

Inspecteur van de Belastingdienst Noord/kantoor Groningen

contra

SCA Group Holding BV (C‑39/13),

X AG,

X1 Holding GmbH,

X2 Holding GmbH,

X3 Holding BV,

D1 BV,

D2 BV,

D3 BV,

contra

Inspecteur van de Belastingdienst Amsterdam (C‑40/13)

e

Inspecteur van de Belastingdienst Holland‑Noord/kantoor Zaandam

contra

MSA International Holdings BV,

MSA Nederland BV (C‑41/13)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof te Amsterdam (Países Baixos)]

«Legislação tributária — Liberdade de estabelecimento — Imposto nacional sobre o rendimento das pessoas coletivas — Regras sobre a tributação em grupo (fiscale eenheid) — Grupo com participação de sociedades estrangeiras»

I — Introdução

1.

Mais uma vez, é colocada ao Tribunal de Justiça a questão da tributação de um grupo de sociedades pelos Estados‑Membros e a sua compatibilidade com a liberdade de estabelecimento. Embora os grupos de sociedades sejam compostos por sociedades juridicamente autónomas, os Estados‑Membros tendem a tratá‑los no direito fiscal, de formas mais ou menos diferenciadas, como uma única sociedade. Porém, se um grupo de sociedades é composto por sociedades sediadas em diversos Estados‑Membros e está, desse modo, sujeito a diversas soberanias fiscais, então o seu tratamento como uma única sociedade representa um problema.

2.

Os presentes pedidos de decisão prejudicial neerlandeses situam‑se no cruzamento de duas decisões, nos processos Papillon ( 2 ) e X Holding ( 3 ). No acórdão X Holding, o Tribunal de Justiça confirmou a legislação neerlandesa sobre a «unidade fiscal» de um grupo de sociedades, que excluía as sociedades sediadas noutros Estados‑Membros. Pelo contrário, no acórdão Papillon o Tribunal de Justiça pronunciou‑se contra a exclusão de uma subfilial residente da «tributação pelo lucro consolidado» francesa, no caso de a filial intermédia estar sediada noutro Estado‑Membro.

3.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se de novo sobre o mérito da unidade fiscal neerlandesa. Trata‑se aqui, nos três processos apensos, de diferentes estruturas de grupos de sociedades, que no entanto têm em comum o facto de algumas sociedades do grupo estarem sediadas em outro Estado‑Membro. Embora o órgão jurisdicional de reenvio já não ponha em causa a admissibilidade da exclusão destas sociedades da unidade fiscal, para além disso a Administração Fiscal neerlandesa recusa, também, que as sociedades do grupo sediadas nos Países Baixos se incluam nesse grupo de sociedades, com o fundamento de que, sem a sociedade sediada no estrangeiro, nestes casos não existe qualquer grupo.

4.

O órgão jurisdicional de reenvio espera agora do Tribunal de Justiça, por isso, duas decisões. Por um lado, deseja saber com que situações internas são comparáveis os grupos de sociedades lacunares, face ao sistema da legislação neerlandesa. Por outro, deve ser esclarecido se os vários problemas fiscais que decorreriam do reconhecimento de uma unidade fiscal lacunar transfronteiriça podem justificar uma eventual restrição à liberdade de estabelecimento.

II — Quadro jurídico

5.

O direito fiscal neerlandês relativo ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas prevê, segundo determinados pressupostos, para os grupos de sociedades a possibilidade de constituírem uma unidade fiscal. Sobre isto, dispõe o artigo 15.o, n.o 1, da Wet op de vennootschapsbelasting 1969 [Lei de 1969 relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas] (a seguir, lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), na versão aplicável no processo principal:

«Caso um sujeito passivo (a sociedade‑mãe) detenha, jurídica e economicamente, pelo menos 95% das participações no capital nominal realizado de outro sujeito passivo (a filial), a requerimento de ambos os sujeitos passivos o imposto por eles devido é cobrado como se fossem um único sujeito passivo, considerando‑se que as atividades e o património da filial fazem parte integrante das atividades e do património da sociedade‑mãe. O imposto é cobrado à sociedade‑mãe. Os sujeitos passivos passam a ser considerados, em conjunto, como uma unidade fiscal. Uma unidade fiscal pode ser constituída por mais de uma filial.»

6.

Como pressuposto é, porém, exigido que os «dois sujeitos passivos estejam sediados nos Países Baixos» (artigo 15.o, n.o 3, alínea c) da lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas). Sobre este ponto, o artigo 15.o, n.o 4 da lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas prevê a seguinte exceção:

«Além disso, um sujeito passivo que [...] não tenha sede nos Países Baixos, mas explore uma empresa através de um estabelecimento estável nos Países Baixos, pode, nas condições definidas por regulamento administrativo, fazer parte de uma unidade fiscal [...]»

7.

Quanto a esta exceção, os artigos 32.° a 35.° do Besluit fiscale eenheid 2003 [a seguir «Decreto de 2003 relativo à unidade fiscal»] contêm disposições que, como resultado, permitem a inclusão, numa unidade fiscal, do estabelecimento estável residente de uma sociedade sediada no estrangeiro. Além disso, contêm regras detalhadas quanto à relação do regime da unidade fiscal com a legislação neerlandesa sobre a isenção das participações e para evitar uma dupla compensação dos prejuízos.

III — Processo principal

8.

A estes processos estão subjacentes três processos principais cuja matéria de facto se pode sintetizar em dois grupos.

A — Processos C‑39/13 e C‑41/13

9.

Nos processos principais dos litígios C‑39/13 e C‑41/13, as sociedades sediadas nos Países Baixos, SCA Group Holding BV e/ou MSA International Holdings BV, desejam constituir uma unidade fiscal juntamente com algumas das suas subfiliais, que estão igualmente sediadas nos Países Baixos. Em contrapartida, as suas filiais, por intermédio das quais têm participações nestas subfiliais e que não serão incluídas na unidade fiscal, estão sediadas na Alemanha e também não possuem um estabelecimento estável nos Países Baixos. No caso da SCA Group Holding BV, trata‑se também, em parte, de subfiliais de nível inferior residentes, logo, aquela controla a sua participação não através de um, mas sim de dois graus de sociedades intermédias alemãs.

10.

A Administração Fiscal neerlandesa indeferiu os pedidos, com o fundamento de que as filiais intermédias não estavam sediadas nos Países Baixos. O Rechtbank Haarlem, a que as sociedades recorreram, considerou esta recusa uma violação da liberdade de estabelecimento. Desta decisão recorre agora a Administração Fiscal neerlandesa para o Gerechtshof te Amsterdam.

B — Processo C‑40/13

11.

No processo principal no litígio C‑40/13, três sociedades filiais sediadas nos Países Baixos requereram a constituição de uma unidade fiscal, sendo que as sociedades pertencem diretamente ou indiretamente a uma sociedade‑mãe sediada na Alemanha, a qual não dispõe de qualquer estabelecimento estável nos Países Baixos. O pedido relevante no processo perante o Tribunal de Justiça refere‑se, apenas, à inclusão destas sociedades‑irmãs na unidade fiscal.

12.

Também aqui a Administração Fiscal neerlandesa indeferiu o pedido. Fundamentou esta recusa com o facto de a sociedade‑mãe das requerentes não estar sediada nos Países Baixos. O Rechtbank Haarlem julgou improcedente neste caso o recurso das sociedades. As sociedades interpuseram recurso desta decisão no Gerechtshof te Amsterdam.

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

13.

O Gerechtshof te Amsterdam, em que estão pendentes os processos principais, submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.o do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), três pedidos de decisão prejudicial. As questões prejudiciais são, em grande parte, coincidentes e podem sintetizar‑se como segue:

«1)

Existe uma restrição à liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 43.o CE em conjugação com o artigo 48.o CE, pelo facto de ser recusada à recorrente a aplicação da legislação neerlandesa relativa à unidade fiscal às atividades e ao património das subfiliais (e filiais de nível inferior) (Processos C‑39/13 e C‑41/13)/‘sociedades‑irmãs’ (Processo C‑40/13) sediadas nos Países Baixos?

Nesse contexto, à luz dos objetivos prosseguidos pela legislação neerlandesa relativa à unidade fiscal, a situação das subfiliais (e filiais de nível inferior), ou das sociedades‑irmãs, dos processos principais é objetivamente comparável com:

(Processos C‑39/13 e C‑41/13:)

i)

a situação das sociedades sediadas nos Países Baixos que são (sub)filiais de uma holding intermédia sediada nos Países Baixos a qual não optou por constituir, com a respetiva sociedade‑mãe sediada nos Países Baixos, uma unidade fiscal e que, portanto, enquanto subfiliais, também não têm acesso, tal como as subfiliais (e filiais de nível inferior) dos processos principais, ao regime da unidade fiscal com — [exclusivamente] — a respetiva ‘sociedade‑avó’, ou com

ii)

a situação das subfiliais sediadas nos Países Baixos que optaram, em conjunto com a respetiva holding intermédia sediada nos Países Baixos, por constituir uma unidade fiscal com a respetiva ‘sociedade‑avó’ sediada nos Países Baixos e cujas atividades e património são, portanto, ao contrário das atividades e património das subfiliais (e filiais de nível inferior), fiscalmente consolidados?

(Processo C‑40/13:)

i)

a situação das sociedades‑irmãs sediadas nos Países Baixos que não optaram por constituir com a respetiva sociedade‑mãe comum sediada nos Países Baixos uma unidade fiscal e que, portanto, enquanto sociedades‑irmãs conjuntas, também não têm acesso, tal como as sociedades‑irmãs do processo principal, ao regime da unidade fiscal, ou com

ii)

a situação das sociedades‑irmãs sediadas nos Países Baixos que optaram, em conjunto com a respetiva sociedade‑mãe sediada nos Países Baixos, por constituir uma unidade fiscal com a respetiva sociedade‑mãe, e cujas atividades e património são, portanto, ao contrário das atividades e património das sociedades‑irmãs do processo principal, fiscalmente consolidados?

2)

É relevante para a resposta à primeira questão, primeiro período, que:

(Processo C‑39/13:)

 

as subfiliais (e filiais de nível inferior) se[ja]m detidas por uma holding intermédia (situada no nível superior seguinte da estrutura do grupo) sediada no outro Estado‑Membro ou, como no caso das subfiliais (e filiais de nível inferior) do processo principal, por duas (ou mais) holdings intermédias (em dois ou mais níveis superiores na estrutura do grupo) de facto situadas nesse outro Estado‑Membro?

(Processo C‑41/13:)

 

as holdings intermédias estrangeiras em causa, caso não operem nos Países Baixos por meio de uma filial, mas sim através de um estabelecimento estável, tenham optado por constituir, com a respetiva sociedade‑mãe sediada nos Países Baixos — no que se refere ao património e às atividades desse estabelecimento estável — uma unidade fiscal?

(Processo C‑40/13:)

 

as sociedades‑irmãs te[nha]m uma sociedade‑mãe (direta) comum sediada no outro Estado‑Membro ou te[nha]m diferentes sociedades‑[mãe] (diretas) sediadas no outro Estado‑Membro, de modo que só existe uma sociedade‑mãe (indireta) comum dessas diferentes sociedades a um nível superior da estrutura do grupo — de facto situado nesse outro Estado‑Membro?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, primeiro período, tal restrição pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, mais especificamente pela necessidade de manter a coerência do sistema fiscal, incluindo a prevenção da dupla compensação unilateral e bilateral dos prejuízos?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, a restrição deve ser considerada proporcionada?»

14.

No processo no Tribunal de Justiça as demandantes nos processos principais, a República Federal da Alemanha, o Reino dos Países Baixos, bem como a Comissão, apresentaram observações escritas. Na audiência participou, também, a República Francesa.

V — Apreciação jurídica

15.

As complexas questões prejudiciais dizem respeito a duas situações de facto juridicamente relevantes. Nos processos C‑39/13 e C‑41/13, trata‑se de uma estrutura de grupo em que as sociedades filiais intermédias não estão sediadas no território neerlandês, mas sim noutro Estado‑Membro. No processo C‑40/13, em contrapartida, a sociedade‑mãe do grupo tem a sua sede noutro Estado‑Membro.

16.

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o direito neerlandês, que, nestes dois casos, impede a constituição de uma unidade fiscal entre a sociedade‑mãe e as suas subfiliais neerlandesas, e/ou entre as sociedades‑irmãs neerlandesas, viola a liberdade de estabelecimento. A questão de saber se, nos processos principais, são aplicáveis apenas o artigo 43.o CE em conjugação com o artigo 48.o CE, invocados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou se são ainda aplicáveis, ratione temporis, o artigo 49.o TFUE em conjugação com o artigo 54.o TFUE, pode ser deixada de lado, face ao idêntico conteúdo dessas disposições.

17.

Antes de se analisar separadamente os dois tipos de estruturas do grupo, há que observar previamente que a liberdade de estabelecimento é, no presente caso, a liberdade fundamental aplicável, porque a legislação neerlandesa, com a sua exigência de uma participação de 95%, apenas é aplicável às participações que permitem exercer uma influência certa nas decisões duma sociedade e determinar as respetivas atividades ( 4 ).

A — Unidade fiscal constituída por sociedades‑mãe e subfiliais (processos C‑39/13 e C‑41/13)

18.

Nos processos C‑39/13 e C‑41/13 deve determinar‑se se a liberdade de estabelecimento deve ser interpretada no sentido de que se opõe à legislação neerlandesa segundo a qual sociedades‑mãe e subfiliais sediadas nos Países Baixos só podem constituir uma unidade fiscal quando a filial intermédia esteja igualmente sediada nos Países Baixos ou, pelo menos, aí mantenha um estabelecimento estável. Será esse o caso se essa regulamentação constituir uma restrição injustificável da liberdade de estabelecimento.

19.

A este propósito, devem ser examinadas duas diferentes restrições possíveis à liberdade de estabelecimento. Na verdade, no presente caso, pode ser prejudicada tanto a liberdade de estabelecimento da sociedade‑mãe (infra 1) como também a das filiais intermédias estrangeiras (infra 2).

1. Restrição à liberdade de estabelecimento da sociedade‑mãe

20.

De acordo com o artigo 43.o CE, em conjugação com o artigo 48.o CE, ou com o artigo 49.o TFUE em conjugação com o artigo 54.o TFUE, a liberdade de estabelecimento confere às sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal no interior da União, o direito de exercerem a sua atividade noutros Estados‑Membros por intermédio de uma filial ( 5 ).

21.

Constitui jurisprudência assente que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o seu exercício ( 6 ). Do mesmo modo, segundo jurisprudência assente, a liberdade de estabelecimento deve não só assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, mas também ao mesmo tempo impedir que o Estado‑Membro de origem levante obstáculos ao estabelecimento, noutro Estado‑Membro, de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação ( 7 ). No âmbito do direito fiscal, o Tribunal de Justiça considera, em semelhantes casos, que há uma restrição quando se verifica um tratamento desigual de um estabelecimento num outro Estado‑Membro, em comparação com um estabelecimento puramente residente ( 8 ).

a) Desigualdade de tratamento

22.

Deve, por isso, examinar‑se, em primeiro lugar, se uma sociedade‑mãe neerlandesa, que tem como Estado de origem os Países Baixos, é tratada pela legislação sobre a unidade fiscal, quando do seu estabelecimento — mediante uma filial — noutro Estado‑Membro, em condições menos favoráveis do que uma sociedade‑mãe com uma filial sediada no território nacional.

23.

O órgão jurisdicional de reenvio coloca, neste contexto, adicionalmente, a questão de saber quais as situações que, no caso presente, devem ser comparadas. Na situação transfronteiriça está em causa a constituição de uma unidade fiscal com subfiliais, sem que a filial estrangeira seja incluída. Se se comparar isto com uma situação puramente interna, em que a filial não esteja incluída numa unidade fiscal, não existe qualquer desigualdade de tratamento, porque uma sociedade‑mãe neerlandesa não pode constituir, isoladamente, uma unidade fiscal com as suas subfiliais. Pelo contrário, não será assim quando se compara a situação transfronteiriça com uma situação puramente interna, na qual a filial seja incluída numa unidade fiscal.

24.

Perante este enquadramento, a República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos negam existir um tratamento desigual dos estabelecimentos residentes e não residentes porque, segundo a legislação holandesa, ninguém pode constituir uma unidade fiscal com subfiliais, sem a inclusão das filiais intermédias.

25.

É, contudo, decisivo que, por força da legislação neerlandesa, uma sociedade‑mãe com uma filial intermédia sediada no estrangeiro não tem de todo qualquer possibilidade de constituir uma unidade fiscal com as suas subfiliais residentes, porque a filial estrangeira não pode ser parte da unidade fiscal. Pelo contrário, esta possibilidade existe para uma sociedade‑mãe com uma filial residente. O Tribunal de Justiça já considerou determinantes estas diferentes possibilidades, no acórdão Papillon ( 9 ). As mesmas constituem um tratamento desigual de uma sociedade‑mãe que faz uso da sua liberdade de estabelecimento, através da constituição de uma filial num outro Estado‑Membro.

26.

Contra este entendimento, o Reino dos Países Baixos argumentou, porém, que a desvantagem da impossibilidade da constituição de uma unidade fiscal com as subfiliais neerlandesas é, segundo o sistema da legislação neerlandesa, a simples consequência de não ser permitida a inclusão de uma filial intermédia estrangeira. Esta exclusão das filiais estrangeiras da unidade fiscal é, porém, como o Tribunal de Justiça concluiu no acórdão X Holding ( 10 ), compatível com a liberdade de estabelecimento.

27.

Concordo com este ponto de vista, uma vez que é manifesto que a legislação neerlandesa não contém qualquer disposição que imponha expressamente que sociedades‑mãe residentes não podem constituir uma unidade fiscal com as suas subfiliais residentes, quando a filial intermédia esteja sediada no estrangeiro. A desvantagem resulta, pelo contrário, simplesmente de que a legislação neerlandesa, em geral, não admite a constituição de uma unidade fiscal apenas entre sociedade‑mãe e subfiliais e, ao mesmo tempo, impede a constituição de uma unidade fiscal entre uma sociedade‑mãe residente e uma filial estrangeira.

28.

Contudo, tendo em consideração o acórdão X Holding há que distinguir entre diferentes desvantagens que resultam da exclusão de sociedades estrangeiras ( 11 ). É que esta exclusão não conduz só a que uma filial estrangeira não possa participar na unidade fiscal. A consequência adicional desta exclusão é que as subfiliais residentes são impedidas de participar na unidade fiscal. No entanto, no acórdão X Holding tratava‑se, apenas, de verificar se a desvantagem da impossibilidade de inclusão, na unidade fiscal, da filial sediada no estrangeiro deve ser, enquanto tal, reprovada. Não foi analisada aí a questão de saber se as ulteriores consequências da exclusão, em especial a desvantagem, ora em causa, da impossibilidade da inclusão da subfilial residente numa unidade fiscal, são, do mesmo modo, compatíveis com a liberdade de estabelecimento.

29.

Por conseguinte, verifica‑se uma desigualdade de tratamento prejudicial entre uma sociedade‑mãe residente, com uma filial sediada num outro Estado‑Membro, e uma sociedade‑mãe residente e com uma filial residente, uma vez que àquela, por força da impossibilidade de incluir a filial estrangeira numa unidade fiscal, é também recusada a inclusão na unidade fiscal da sua subfilial residente.

30.

De resto, esta desvantagem afeta do mesmo modo a sociedade‑mãe residente quando está em causa — como o órgão jurisdicional de reenvio refere na sua segunda questão prejudicial no processo C‑39/13 —uma subfilial de nível inferior residente, cuja inclusão numa unidade fiscal com uma sociedade‑mãe residente não é possível, porque tanto a filial intermédia como também a subfilial estão sediadas num outro Estado‑Membro.

b) Comparabilidade objetiva das situações

31.

Uma restrição da liberdade de estabelecimento com base nesta desigualmente de tratamento prejudicial verifica‑se, em todo o caso, apenas, quando as situações tratadas diferentemente sejam também objetivamente comparáveis ( 12 ).

32.

Fica, no entanto, ainda por esclarecer o que o Tribunal de Justiça examina realmente quanto a este ponto ( 13 ). Contudo, com base nos acórdãos X Holding e Papillon, pode‑se afirmar a comparabilidade objetiva das situações em causa.

33.

Com efeito, no acórdão X Holding, que igualmente se ocupou da legislação neerlandesa sobre a unidade fiscal, o Tribunal de Justiça considerou suficiente que, em ambas as situações, as sociedades‑mãe queriam beneficiar das vantagens desse regime ( 14 ), o que se verifica no caso em apreço.

34.

Em contrapartida, no acórdão Papillon, o Tribunal de Justiça considerou a concretização do objetivo prosseguido pela tributação francesa dos grupos de sociedades, nomeadamente o de equiparar amplamente, do ponto de vista fiscal, o grupo a uma única sociedade. Segundo o Tribunal de Justiça, esse objetivo, que também é prosseguido pela legislação neerlandesa em causa ( 15 ), só pode ser alcançado quando a sociedade‑mãe e as subfiliais estejam sediadas no território nacional ( 16 ).

35.

A situação de uma sociedade‑mãe residente com subfiliais residentes e com uma filial intermédia sediada no estrangeiro é, por consequência, objetivamente comparável com a situação de uma sociedade‑mãe residente cuja filial está sediada no território nacional.

c) Conclusão intercalar

36.

Por conseguinte, a liberdade de estabelecimento de uma sociedade‑mãe neerlandesa cuja filial está sediada noutro Estado‑Membro é restringida, na medida em que a legislação neerlandesa lhe veda a constituição de uma unidade fiscal com as suas subfiliais neerlandesas.

2. Restrição da liberdade de estabelecimento da filial

37.

Além disso, a SCA Group Holding BV argumentou, com razão, que também a liberdade de estabelecimento da sua filial intermédia alemã pode ser restringida pela legislação neerlandesa.

38.

Com efeito, de acordo com o artigo 43.o, primeiro parágrafo, segundo período, CE ou artigo 49.o, primeiro parágrafo, segundo período, TFUE, a liberdade de estabelecimento garante também o direito de escolher livremente a forma jurídica apropriada para o exercício de uma atividade noutro Estado‑Membro ( 17 ). Às sociedades deve, em especial, ser possível exercer as suas atividades no Estado‑Membro de acolhimento em condições idênticas, quer através de uma sucursal quer de uma filial ( 18 ).

39.

Este direito, porém, é posto em causa pela legislação neerlandesa relativa à unidade fiscal. Com efeito, se, no caso presente, as filiais estrangeiras tivessem exercido a sua liberdade de estabelecimento nos Países Baixos através de sucursais, em vez de filiais próprias, essas sucursais poderiam, em princípio, enquanto estabelecimentos estáveis de uma filial estrangeira, de acordo com o artigo 15.o, n.o 4, da lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, ter sido incluídas numa unidade fiscal com a sociedade‑mãe neerlandesa. O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se a esta situação, explicitamente, na sua segunda questão no processo C‑41/13.

40.

O exercício da liberdade de estabelecimento da filial estrangeira nos Países Baixos através da constituição de uma filial própria é, deste modo, prejudicado em comparação com uma sucursal, porque a filial estrangeira, neste caso, não pode beneficiar das vantagens que resultam de as suas filiais, enquanto subfiliais, poderem constituir uma unidade fiscal com a sua sociedade‑mãe. Deste modo, é restringida a livre escolha da forma jurídica para o estabelecimento da filial estrangeira nos Países Baixos.

41.

Além disso, no acórdão Philips Electronics o Tribunal de Justiça já declarou que a situação de um estabelecimento estável num Estado‑Membro de acolhimento e a de uma filial aí constituída são objetivamente comparáveis do ponto de vista das vantagens da compensação dos prejuízos no grupo ( 19 ). Não se conhecem quaisquer pontos de vista que justifiquem por que razão o entendimento poderia ser diferente no caso da unidade fiscal neerlandesa, a qual, nomeadamente, também permite a transferência dos prejuízos dentro do grupo.

42.

Por conseguinte, a legislação neerlandesa restringe, através da recusa da constituição de uma unidade fiscal entre uma sociedade‑mãe neerlandesa e as suas subfiliais neerlandesas, também a liberdade de estabelecimento da filial intermédia que está sediada em outro Estado‑Membro.

3. Justificação

43.

Estas restrições à liberdade de estabelecimento quer das sociedades‑mãe residentes quer das filiais intermédias estrangeiras poderiam, porém, ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral.

44.

No acórdão X Holding foi ainda considerado que a exclusão das filiais não residentes da unidade fiscal neerlandesa se justifica para garantir a divisão da competência fiscal entre os Estados‑Membros ( 20 ).

45.

No presente caso, tal motivo de justificação não pode, no entanto, ser considerado procedente. Isto porque a unidade fiscal só pode ser constituída entre sujeitos passivos que estejam sujeitos à tributação neerlandesa. A soberania fiscal do Reino dos Países Baixos não pode, portanto, ser afetada através da consideração de situações de facto estrangeiras que não estão sujeitas à sua soberania fiscal.

46.

Com a sua terceira questão prejudicial em cada processo, o órgão jurisdicional de reenvio deseja, no entanto, saber se as restrições à liberdade de estabelecimento agora constatadas podem ser justificadas pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal, incluindo a prevenção da dupla compensação unilateral e bilateral dos prejuízos. Com efeito, a Administração Fiscal neerlandesa alegou, no processo principal, que a autorização para constituir uma unidade fiscal apenas entre a sociedade‑mãe residente e as subfiliais residentes de um grupo acarreta o risco de uma dupla compensação dos prejuízos, tanto ao nível nacional como também em dois Estados‑Membros diferentes.

a) Dupla compensação dos prejuízos

47.

Em primeiro lugar, quanto à tentativa de uma justificação pelo objetivo de impedir uma dupla compensação dos prejuízos, deve‑se reconhecer que semelhante motivo de justificação não tem existência isolada, como já referi noutro lugar ( 21 ). A invocação, apenas, deste objetivo não pode justificar, por isso, a restrição de uma liberdade fundamental.

48.

Esta conclusão vale independentemente da questão de saber se está em causa a prevenção da dupla compensação unilateral ou bilateral dos prejuízos.

49.

No caso da compensação unilateral, o Estado‑Membro pretende excluir, no âmbito do seu próprio sistema fiscal, uma dupla compensação dos prejuízos. Porém, neste caso está nas mãos do próprio Estado‑Membro evitar essa situação, através da estruturação do seu sistema fiscal, a que pode proceder sem limitações, mediante, eventualmente, a aprovação de disposições especiais para prevenir a dupla compensação dos prejuízos.

50.

Em contrapartida, no caso da compensação bilateral, o Estado‑Membro quer evitar que um prejuízo, tanto no âmbito do seu próprio sistema fiscal como também com base nas disposições fiscais de um outro Estado‑Membro, seja igualmente tido em conta neste outro sistema fiscal. No entanto, o Tribunal de Justiça já anteriormente reconheceu, no acórdão Philips Electronics, que a simples evocação do objetivo de evitar uma dupla compensação dos prejuízos em dois Estados‑Membros diferentes não pode ser considerada um motivo de justificação autónomo ( 22 ). Corresponde, de resto, às duas faces da mesma moeda que o Estado‑Membro de origem, por um lado, não seja, reconhecidamente, obrigado a elaborar as suas regras fiscais em consonância com as de outro Estado‑Membro, para evitar, em todas as situações, um tratamento desigual dos estabelecimentos transfronteiriços ( 23 ), e que, por outro lado, também não possa invocar as regras fiscais de outro Estado‑Membro para justificar uma desigualdade de tratamento.

51.

Ainda que, por isso, o objetivo de evitar uma dupla compensação dos prejuízos não possa, enquanto tal, justificar à partida um regime fiscal nacional restritivo, não obstante vou, a seguir, também tomar uma posição substantiva sobre as possibilidades concretas de uma dupla compensação dos prejuízos no presente caso, uma vez que as partes no processo debateram aprofundadamente este ponto.

52.

O Reino dos Países Baixos alegou, em primeiro lugar, que o risco de uma dupla compensação bilateral dos prejuízos pode verificar‑se no caso do prejuízo de uma subfilial neerlandesa, pois este prejuízo pode ser tomado em consideração tanto na sociedade‑mãe neerlandesa, no âmbito de uma unidade fiscal, como também na filial intermédia estrangeira, devido designadamente a determinadas depreciações, na sequência dos prejuízos, no tocante à participação na subfilial, ou devido um crédito sobre esta. Pelo contrário, isto não é de temer no quadro de uma unidade fiscal que englobe a filial, porque não são de tomar em consideração quaisquer transações entre as sociedades.

53.

Em primeiro lugar, pode‑se deixar de lado a questão de saber se está aqui em causa, de algum modo, o mesmo prejuízo. A este respeito, em diferentes acórdãos o Tribunal de Justiça parece ter aceite, quanto à depreciação de uma participação, tanto um entendimento como o outro ( 24 ).

54.

De qualquer modo, a eventual possibilidade de uma dupla compensação dos prejuízos não pode justificar a restrição em causa, desde logo porque a recusa da constituição de uma unidade fiscal de uma sociedade‑mãe neerlandesa com as suas subfiliais residentes não é de todo adequada para a evitar. A MSA International Holdings BV referiu com razão, a este propósito, que a recusa de uma unidade fiscal não impede que o prejuízo da subfilial nos Países Baixos — eventualmente através do reporte de prejuízos dessa sociedade — possa ser utilizado posteriormente, enquanto ao mesmo tempo as depreciações do património da filial intermédia estrangeira permanecem.

55.

Quanto a este ponto, a Administração Fiscal neerlandesa alegou, no processo principal, que uma dupla compensação dos prejuízos podia ocorrer também unilateralmente, no interior dos Países Baixos, e devia, por isso, ser evitada. Efetivamente, também neste caso um prejuízo ocorrido numa subfilial podia, através da correspondente deterioração da situação patrimonial da filial estrangeira, conduzir na sociedade‑mãe residente a uma depreciação de créditos sobre a filial estrangeira, ou a um prejuízo aquando da sua liquidação. Esta situação está, pelo contrário, excluída se a filial fizer parte da unidade fiscal.

56.

Porém, também aqui a recusa da constituição de uma unidade fiscal entre a sociedade‑mãe residente e as subfiliais residentes não é nem adequada nem necessária para alcançar o objetivo de evitar uma dupla compensação dos prejuízos nos Países Baixos. Mesmo sem existir uma unidade fiscal, um prejuízo que eventualmente deva ser considerado idêntico poderia, ser objeto de dupla compensação, não num único sujeito passivo, mas sim pela sua distribuição entre a sociedade‑mãe e a subfilial. Além disso, está nas mãos da legislação neerlandesa evitar semelhante dupla compensação dos prejuízos nos Países Baixos. Por isso, o Rechtbank Haarlem, enquanto tribunal de primeira instância nos processos principais, referiu, a este propósito, que o decreto relativo à unidade fiscal já contém as disposições aplicáveis ao caso de uma filial intermédia estrangeira com um estabelecimento estável no território nacional.

57.

Em conclusão, pode afirmar‑se que a necessidade de prevenir uma dupla compensação dos prejuízos, bilateral ou unilateral, não pode, em caso algum, justificar as restrições em causa.

b) Coerência das normas fiscais nacionais

58.

Resulta de jurisprudência assente que uma restrição das liberdades fundamentais pode, porém, ser justificada igualmente pela necessidade de salvaguardar a coerência de um sistema fiscal nacional. Neste caso deve ser estabelecido um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a sua compensação pela liquidação de um determinado imposto ( 25 ). Em semelhante hipótese a vantagem fiscal pode, por isso, ser recusada ao titular da liberdade fundamental, porque ele também não está sujeito ao encargo fiscal diretamente ligado àquela. O caráter direto deste nexo deve neste caso ser determinado à luz do objetivo prosseguido pela legislação fiscal em causa ( 26 ).

59.

No caso em apreço, coloca‑se, por isso, a questão, de saber se a recusa de constituição de uma unidade fiscal entre a sociedade‑mãe neerlandesa e as suas subfiliais neerlandesas pode ser justificada pelo facto de a sociedade‑mãe ser poupada a um encargo fiscal em direta conexão com aquela.

60.

É certo que o Tribunal de Justiça, no acórdão Papillon, em relação ao regime de «tributação pelo lucro consolidado» francês reconheceu, em princípio, que existe um nexo direto entre a possibilidade de transferência dos prejuízos sofridos entre as sociedades participantes e a neutralização fiscal de determinadas transações entre elas, através da qual era evitada a duplicação da compensação dos prejuízos ( 27 ). Por isso, a recusa da «tributação pelo lucro consolidado» da sociedade‑mãe residente e da subfilial no caso de uma filial intermédia estrangeira justificar‑se‑ia, fundamentalmente, pela salvaguarda da coerência da legislação nacional.

61.

Poder‑se‑á agora considerar que o mesmo sucede no tocante à legislação neerlandesa sobre a unidade fiscal, pois o tratamento das sociedades participantes como uma única sociedade tem igualmente a consequência de não só os prejuízos individuais das sociedades poderem ser utilizados no seu conjunto para o grupo, mas também de conduzirem a uma completa neutralização fiscal das transações entre todas as sociedades da unidade fiscal. Contudo, essa neutralização terá lugar apenas no caso de uma unidade fiscal entre a sociedade‑mãe residente e as subfiliais residentes, e não entre a sociedade‑mãe residente e as filiais estrangeiras, de modo que a sociedade‑mãe, nessa medida, poderá continuar a ser poupada às desvantagens da unidade fiscal.

62.

No entanto, já é duvidoso que, no caso presente, no tocante à neutralização fiscal das transações entre a sociedade‑mãe residente e a filial estrangeira, se possa de algum modo falar, na aceção de coerência fiscal, de um encargo fiscal que proporcione a compensação da vantagem fiscal decorrente da utilização dos prejuízos no âmbito do grupo. Com efeito, a completa neutralização fiscal destas transações no sistema neerlandês da unidade fiscal tanto pode ser um tributo como uma vantagem, consoante essas transações acarretem, na falta dessa neutralização, um prejuízo ou um lucro face à filial. Por isso, a não inclusão da filial intermédia estrangeira na unidade fiscal não poupa necessariamente um encargo fiscal à sociedade‑mãe.

63.

Em todo o caso, no entanto, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Papillon, no tocante à restrição à liberdade de estabelecimento de uma sociedade‑mãe residente, que é necessário que a coerência fiscal também não possa ser alcançada através de medidas menos restritivas da liberdade de estabelecimento ( 28 ). Através da legislação neerlandesa, as vantagens da unidade fiscal são, no entanto, também garantidas a uma sociedade estrangeira que disponha de um estabelecimento estável no território nacional. Deste modo, a legislação neerlandesa corrige a não neutralização fiscal entre a sociedade‑mãe residente e a filial estrangeira pelas disposições do decreto relativo à unidade fiscal. Se o sistema fiscal neerlandês permite, assim, uma unidade fiscal também quando a neutralização fiscal entre a sociedade‑mãe e a filial não se verifica automaticamente através da sua inclusão na unidade fiscal, mas apenas através de correções posteriores, então existe aqui um meio menos restritivo para garantir a coerência fiscal. Como precisamente o Rechtbank Haarlem já constatou, enquanto tribunal de primeira instância nos processos principais, para evitar eventuais incoerências no sistema fiscal neerlandês as subfiliais poderiam, pois, ser tratadas como estabelecimentos estáveis das filiais intermédias estrangeiras.

64.

O tratamento desigual das filiais residentes de sociedades estrangeiras e dos seus estabelecimentos estáveis no território nacional, o qual restringe a liberdade de estabelecimento da filial intermédia estrangeira, não pode tão‑pouco ser justificado pela necessidade de garantir a coerência fiscal. Em resposta a uma pergunta na audiência, o Reino dos Países Baixos também não logrou esclarecer por que razão, no sistema fiscal neerlandês, as duas formas de estabelecimento tinham de ser tratadas diferentemente no tocante à constituição de uma unidade fiscal.

65.

De resto, também não convence o argumento, suscitado pelos Estados‑Membros que se opõem à orientação do acórdão Papillon, de que a unidade fiscal neerlandesa deve, pelo seu funcionamento, ser distinguida da «tributação pelo lucro consolidado» francesa, que era objeto do acórdão Papillon. Embora o Reino dos Países Baixos tenha alegado, com razão, na audiência que a diferença essencial reside, neste caso, em que, no sistema francês, cada sociedade determinava os seus resultados e só depois se produziam os efeitos da «tributação pelo lucro consolidado», mediante a transferência de prejuízos e a neutralização fiscal de transações individuais, enquanto o sistema neerlandês alcança esses efeitos através do tratamento como um único sujeito passivo, não foi alegado, nem de outro modo se vislumbra como é que esta diferença poderá conduzir a uma outra apreciação da justificação de uma restrição da liberdade de estabelecimento.

66.

Deste modo, não se consegue justificar, pela salvaguarda da coerência fiscal, a restrição à liberdade de estabelecimento, quer da sociedade‑mãe residente, quer da filial intermédia estrangeira.

4. Conclusões nos processos C‑39/13 e C‑41/13

67.

Por conseguinte, quanto aos processos C‑39/13 e C‑41/13, deve concluir‑se que a legislação neerlandesa, segundo a qual a sociedade‑mãe e as subfiliais sediadas nos Países Baixos só podem constituir uma unidade fiscal quando a filial intermédia esteja igualmente sediada nos Países Baixos ou, pelo menos, aí possua um estabelecimento estável, viola a liberdade de estabelecimento.

B — Unidade fiscal de sociedades‑irmãs (Processo C‑40/13)

68.

No âmbito do processo C‑40/13, há agora que examinar se a liberdade de estabelecimento também se opõe à legislação neerlandesa na medida em que, segundo esta, as sociedades‑irmãs sediadas nos Países Baixos apenas podem constituir numa unidade fiscal quando a sociedade‑mãe esteja igualmente sediada nos Países Baixos ou aí, pelo menos, possua um estabelecimento estável.

1. Restrição à liberdade de estabelecimento da sociedade‑mãe

69.

A liberdade de estabelecimento da sociedade‑mãe sediada noutro Estado‑Membro pode ser restringida por esta legislação neerlandesa sobre a unidade fiscal.

70.

A liberdade de estabelecimento proíbe que se dê um tratamento fiscal diferente às sociedades residentes, por um lado, e às sociedades não residentes, por outro, desde que estas sociedades se encontrem numa situação objetivamente comparável tendo em conta a medida nacional em causa ( 29 ).

71.

Por conseguinte, em primeiro lugar, deve verificar‑se um tratamento desigual da sociedade‑mãe estrangeira em comparação com uma sociedade‑mãe residente.

72.

A República Federal da Alemanha e o Reino dos Países Baixos negam essa desigualdade de tratamento, porque, segundo a legislação neerlandesa, ninguém pode constituir uma unidade fiscal sem uma sociedade‑mãe.

73.

Contudo, também aqui há novamente que observar ( 30 ) que a desigualdade de tratamento consiste em que a sociedade‑mãe estrangeira, ao contrário de uma sociedade‑mãe residente, não tem qualquer possibilidade de constituir uma unidade fiscal com as suas filiais. Isto é a consequência da inexistência, na legislação neerlandesa, da possibilidade de incluir sociedades estrangeiras numa unidade fiscal. Desta recusa da inclusão das suas filiais numa unidade fiscal decorre, para a sociedade‑mãe estrangeira, uma desvantagem, mas sobretudo na medida em que não pode beneficiar da possibilidade de, pelo menos, as suas filiais neerlandesas constituírem uma unidade fiscal. Verifica‑se, por isso, um tratamento desigual para a sociedade‑mãe estrangeira.

74.

Para além disso, as sociedades‑mãe nacionais e estrangeiras devem encontrar‑se, também, do ponto de vista da legislação sobre a unidade fiscal, numa situação objetivamente comparável.

75.

Retomando de novo a análise correspondente do Tribunal de Justiça no acórdão Papillon ( 31 ), aqui apenas se pode observar que o objetivo da legislação neerlandesa sobre a unidade fiscal, nomeadamente o tratamento de um grupo como uma única sociedade, também pode ser atingido parcialmente, no caso de uma sociedade‑mãe estrangeira, mediante a consolidação apenas das suas filiais sediadas nos Países Baixos.

76.

No entanto, em especial a República Federal da Alemanha opôs‑se a este entendimento, objetando que, segundo a legislação neerlandesa, ao nível de uma filial não é possível uma consolidação, pois esta tem lugar na sociedade‑mãe. A unidade fiscal assenta, além disso, no conceito de que a sociedade‑mãe domina as suas filiais. Entre as filiais não existe, porém, essa relação de domínio.

77.

Em primeiro lugar, como a Comissão alegou com razão na audiência, a questão de saber em que sociedade da unidade fiscal a consolidação tem lugar é uma questão de natureza puramente técnica e sem relevância para o objetivo da legislação. Se, em princípio, é possível alcançar entre as filiais os efeitos de uma unidade fiscal, então é de importância secundária saber a quem o resultado é, a final, imputado como sujeito passivo.

78.

Além disso, a argumentação da República Federal da Alemanha não leva em conta que entre uma sociedade‑mãe estrangeira e as suas filiais residentes existe uma relação de domínio. Por outras palavras, no caso em apreço não se associam umas quaisquer sociedades residentes para constituírem uma unidade fiscal. Antes pelo contrário, trata‑se justamente da consolidação de filiais que são controladas por uma sociedade‑mãe comum. A única diferença que existe, no caso em apreço relativamente a situações comparáveis consiste em que esta sociedade‑mãe está sediada noutro Estado‑Membro e, por isso, não pode ser incluída na unidade fiscal.

79.

A admissão de que existe uma restrição à liberdade de estabelecimento derivada da recusa da constituição de uma unidade fiscal de sociedades‑irmãs também não é frustrada — como acrescentou o órgão jurisdicional de reenvio com a sua segunda questão prejudicial — pelo facto de a sociedade‑mãe comum das sociedades‑irmãs a consolidar só poder ser encontrada num nível superior da estrutura do grupo, uma vez que as sociedades intermédias, por estarem sediadas noutro Estado‑Membro, não podem elas próprias fazer parte da unidade fiscal.

80.

Há que concluir, por isso, que a legislação neerlandesa segundo a qual as sociedades‑irmãs sediadas nos Países Baixos apenas podem constituir uma unidade fiscal quando a sociedade‑mãe também está sediada nos Países Baixos, ou pelo menos aí possuí um estabelecimento estável representa uma restrição da liberdade de estabelecimento da sociedade‑mãe estrangeira.

2. Justificação

81.

Não se consegue encontrar uma justificação para esta restrição. No essencial, quanto a esta matéria todos os pontos de vista já foram analisados no âmbito dos processos C‑39/13 e C‑41/13 ( 32 ).

82.

No caso da constituição de uma unidade fiscal entre as filiais residentes de uma sociedade‑mãe estrangeira, também não é afetada a salvaguarda da repartição das competências fiscais entre os Estados‑Membros, pois apenas está em causa a consolidação de sociedades residentes.

83.

A necessidade de evitar a dupla compensação dos prejuízos na filial residente e na sociedade‑mãe estrangeira não é de aceitar como motivo de justificação autónomo, nem tão‑pouco a dupla compensação de prejuízos seria evitada através da recusa de constituição de uma unidade fiscal entre as filiais.

84.

Por maioria de razão, no caso da constituição de uma unidade fiscal entre as filiais residentes de uma sociedade‑mãe estrangeira a salvaguarda da coerência fiscal tão‑pouco constitui um motivo de justificação decisivo. Diferentemente do caso da constituição de uma unidade fiscal entre sociedade‑mãe residente e subfiliais residentes, no caso da unidade fiscal composta por filiais não são, nomeadamente, identificáveis quaisquer transações que necessitem de uma neutralização fiscal.

85.

Quanto ao risco de abuso fiscal que o Reino dos Países Baixos complementarmente vê na possibilidade de a transferência de bens económicos entre as sociedades‑irmãs por um valor comercial inadequado, mas fiscalmente neutro com base na unidade fiscal, ter como consequência a depreciação fiscalmente relevante de um crédito da sociedade‑mãe estrangeira sobre uma sociedade‑irmã residente, há que salientar que só o Estado da sede da sociedade‑mãe estrangeira será chamado a combater o abuso.

86.

A admissão de que existe uma restrição proibida ao direito da liberdade de estabelecimento também não conduz, de resto, à conclusão de que o Reino dos Países Baixos deve, em consequência, introduzir um direito especial para os grupos com participações estrangeiras, como a República Federal da Alemanha defende. Com efeito, também no caso de um grupo com uma sociedade‑mãe residente está prevista a consolidação das sociedades‑irmãs residentes no quadro da unidade fiscal. No caso de uma sociedade‑mãe estrangeira, a liberdade de estabelecimento apenas garante, por isso, que a sociedade‑mãe estrangeira pode beneficiar, pelo menos no que respeita às sociedades‑irmãs residentes, das vantagens da legislação fiscal neerlandesa, quando ela própria não pode participar na unidade fiscal.

3. Conclusão quanto ao processo C‑40/13

87.

Em relação ao processo C‑40/13 há que concluir, por isso, que a legislação neerlandesa segundo a qual as sociedades‑irmãs sediadas nos Países Baixos apenas podem constituir uma unidade fiscal quando a sociedade‑mãe igualmente está sediada nos Países Baixos ou, pelo menos, aí possuí um estabelecimento estável, viola a liberdade de estabelecimento.

VI — Conclusão

88.

Decorre do exposto que há que responder às questões prejudiciais da forma seguinte:

«O artigo 43.o CE, em conjugação com o artigo 48.o CE, e o artigo 49.o TFUE, em conjugação com o artigo 54.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a aplicável no processo principal, que, no âmbito da tributação do rendimento das sociedades:

só concede às sociedades‑mãe residentes a possibilidade de constituírem uma unidade fiscal com as suas subfiliais residentes quando a filial intermédia esteja igualmente sediada no território nacional ou quando esta, embora esteja sediada noutro Estado‑Membro, possua um estabelecimento estável no território nacional;

só concede às filiais residentes a possibilidade de constituírem entre si uma unidade fiscal quando a sua sociedade‑mãe esteja igualmente sediada no território nacional ou quando esta, embora esteja sediada noutro Estado‑Membro, possua um estabelecimento estável no território nacional.»


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Acórdão de 27 de novembro de 2008, Papillon (C-418/07, Colet., p. I-8947).

( 3 ) Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, X Holding (C-337/08, Colet., p. I-1215).

( 4 ) V., por todos, acórdão de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑35/11, n.o 91).

( 5 ) V., por todos, acórdão de 20 de junho de 2013, Impacto Azul (C‑186/12, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 6 ) V., por todos, acórdão de 6 de setembro de 2012, DI. VI. Finanziaria di Diego della Valle & C. (C‑380/11, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

( 7 ) V., por todos, acórdão de DI. VI. Finanziaria di Diego della Valle & C. (referido na nota 6, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 8 ) V., por todos, acórdão Papillon (referido na nota 2, n.os 16 a 23).

( 9 ) V. acórdão Papillon (referido na nota 2, n.o 21).

( 10 ) Acórdão X Holding (referido na nota 3).

( 11 ) V. igualmente, a este respeito, o acórdão Papillon (referido na nota 2, n.o 17).

( 12 ) V., a este respeito, os acórdãos Papillon (referido na nota 2, n.o 27), e X Holding (referido na nota 3, n.o 20).

( 13 ) V., a este respeito, as minhas conclusões de 19 de julho de 2012, A (C‑123/11, n.o 40).

( 14 ) V. acórdão X Holding (referido na nota 3, n.o 24).

( 15 ) V. acórdão X Holding (referido na nota 3, n.o 18).

( 16 ) V. acórdão Papillon (referido na nota 2, n.o 29).

( 17 ) V., designadamente, acórdãos de 28 de janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, Colet., p. 273, n.o 22), e de 18 de julho de 2007, Oy AA (C-231/05, Colet., p. I-6373, n.o 40), bem como despacho de 4 de junho de 2009, KBC Bank e Beleggen, Risicokapitaal, Beheer (C-439/07 e C-499/07, Colet., p. I-4409, n.o 77).

( 18 ) V. acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, CLT‑UFA (C-253/03, Colet., p. I-1831, n.o 15), e de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics (C‑18/11, n.o 14).

( 19 ) V. acórdão Philips Electronics (referido na nota 18, n.o 19).

( 20 ) V. acórdão X Holding (referido na nota 3, n.os 25 e segs.).

( 21 ) V. minhas conclusões de 19 de abril de 2012, no processo que deu origem ao acórdão de 6 de setembro de 2012, Philips Electronics (n.os 58 e segs.).

( 22 ) V. acórdão Philips Electronics (referido na nota 18, n.o 31 e seg.).

( 23 ) V. acórdãos de 28 de fevereiro de 2008, Deutsche Shell (C-293/06, Colet., p. I-1129, n.o 43), e de 29 de novembro de 2011, National Grid Indus (C-371/10, Colet., p. I-12273, n.o 62).

( 24 ) V., por um lado, acórdão Papillon (referido na nota 2, n.o 47), e por outro, acórdão de 29 de março de 2007, Rewe Zentralfinanz (C-347/04, Colet., p. I-2647, n.o 47).

( 25 ) V., por todos, acórdão Papillon (referido na nota 2, n.o 43 e seg.), e de 17 de outubro de 2013, Welte (C‑181/12, n.o 59).

( 26 ) Acórdão Papillon (referido na nota 2, n.o 44).

( 27 ) Acórdão Papillon (referido na nota 2, n.os 45 e segs.).

( 28 ) Acórdão Papillon (referido na nota 2, n.os 52 e segs.).

( 29 ) V., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (C-374/04, Colet., p. I-11673, n.o 46), e de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C-282/07, Colet., p. I-10767, n.o 36).

( 30 ) V. n.o 28 supra.

( 31 ) V. supra, n.o 34.

( 32 ) V. n.os 43 e segs., supra.

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