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Document 62012TJ0079

    Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 11 de dezembro de 2013  .
    Cisco Systems, Inc. e Messagenet SpA contra Comissão Europeia.
    Concorrência — Concentrações — Mercado europeu dos serviços de comunicação por Internet — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno — Erros manifestos de apreciação — Dever de fundamentação.
    Processo T‑79/12.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:T:2013:635

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

    11 de dezembro de 2013 ( *1 )

    «Concorrência — Concentrações — Mercado europeu dos serviços de comunicação por Internet — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno — Erros manifestos de apreciação — Dever de fundamentação»

    No processo T‑79/12,

    Cisco Systems Inc., com sede em San Jose, Califórnia (Estados Unidos),

    Messagenet SpA, com sede em Milão (Itália),

    representadas por L. Ortiz Blanco, J. Buendía Sierra, A. Lamadrid de Pablo e K. Jörgens, advogados,

    recorrentes,

    contra

    Comissão Europeia, representada por N. Khan, S. Noë e C. Hödlmayr, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    apoiada por:

    Microsoft Corp., com sede em Seattle, Washington (Estados Unidos), representada por G. Berrisch, advogado,

    interveniente,

    que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2011) 7279 final da Comissão, de 7 de outubro de 2011, relativa à compatibilidade com o mercado interno e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) da operação de concentração de empresas com vista à aquisição da Skype Global Sarl pela Microsoft Corp. (processo COMP/M.6281 ‑ Microsoft/Skype),

    O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

    composto por: S. Papasavvas, exercendo funções de presidente, M. van der Woude (relator) e C. Wetter, juízes,

    secretário: S. Spyropoulos, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de maio de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    Factos na origem do litígio

    Partes no processo

    1

    As recorrentes, Cisco Systems Inc. (a seguir «Cisco») e Messagenet SpA, são empresas que fornecem, nomeadamente, serviços e programas informáticos de comunicações por Internet, respetivamente, às empresas e ao público em geral.

    2

    A interveniente, Microsoft Corp., concebe, desenvolve e comercializa uma vasta gama de produtos sob a forma de programas informáticos destinados a diferentes tipos de equipamentos informáticos. Esses produtos incluem serviços e programas informáticos para comunicações por Internet.

    3

    A Skype Global Sarl (a seguir «Skype») fornece serviços e programas informáticos de comunicações por Internet. Os seus produtos permitem as mensagens instantâneas, as audiochamadas e as videocomunicações por Internet.

    Procedimento administrativo

    4

    Em 2 de setembro de 2011, a Microsoft notificou uma concentração, em conformidade com o disposto no artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), através da qual pretendia adquirir o controlo da Skype.

    5

    As recorrentes participaram no inquérito levado a cabo pela Comissão Europeia. A esse título, antes mesmo da notificação formal da operação de concentração pela Microsoft, a Cisco participou numa reunião com a Comissão em 1 de agosto de 2011 e respondeu às suas questões em 12 de 18 de agosto de 2011, tendo mais tarde fornecido respostas complementares, em 9 de setembro de 2011. A Cisco respondeu igualmente a outras questões colocadas pela Comissão, em 13 de setembro de 2011, tendo fornecido informações complementares durante uma videoconferência, em 14 de setembro de 2011, e observações escritas, em 19 e 26 de setembro de 2011. Quanto à Messagenet, enviou observações escritas à Comissão em 20 de setembro de 2011, participou numa teleconferência em 4 de outubro de 2011 e forneceu informações complementares no mesmo dia.

    6

    Em 7 de outubro de 2011, em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão adotou a Decisão C (2011) 7279 relativa à compatibilidade com o mercado interno e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) da operação de concentração de empresas com vista à aquisição da Skype Global Sarl pela Microsoft Corp. (processo COMP/M.6281 ‑ Microsoft/Skype) (a seguir «decisão recorrida»).

    Conteúdo da decisão recorrida

    7

    Na decisão recorrida, a Comissão considerou que se devia distinguir entre os serviços de comunicações por Internet destinados ao grande público (a seguir «comunicações residenciais») e os destinados aos clientes empresas (a seguir «comunicações profissionais») (considerandos 10 a 17 da decisão recorrida). A Comissão não considerou que fosse necessário, para efeitos da sua análise concorrencial, proceder a uma segmentação mais detalhada dentro de cada uma dessas duas grandes categorias de comunicações, pois entendeu que a operação notificada não levantava problemas de concorrência, mesmo nos mercados definidos da forma mais restritiva (considerandos 18 a 63 da decisão recorrida). A Comissão prosseguiu, por conseguinte, a sua análise examinando a incidência da concentração em cada um dos dois mercados que tinha identificado.

    8

    Quanto à dimensão geográfica dos mercados, na medida em que a Comissão considerou que a transação não levantava problemas de concorrência, mesmo relativamente ao mercado mais restrito, a saber, o do Espaço Económico Europeu (EEE), a Comissão não tomou posição sobre a definição precisa do mercado geográfico de referência (considerandos 64 a 68 da decisão recorrida).

    9

    No tocante aos efeitos horizontais da concentração no mercado das comunicações residenciais, após ter examinado as caraterísticas do mercado (considerandos 69 a 95 da decisão recorrida), a Comissão referiu‑se aos segmentos mais restritos possíveis nos quais existia a maior sobreposição entre os serviços da Microsoft e os da Skype, a saber, o das mensagens instantâneas efetuadas a partir de computadores pessoais (a seguir «PC») que funcionam com o sistema operativo Windows (a seguir «Windows»), o das audiochamadas efetuadas a partir de PC que funcionam com Windows e o segmento das videocomunicações efetuadas a partir desse mesmo tipo de PC. A Comissão considerou que a transação não levantava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, mesmo nesses segmentos restritos (considerandos 96 a 132 da decisão recorrida). Em particular, no segmento das videocomunicações em PC que funcionam com Windows (a seguir «mercado restrito»), em que a nova entidade teria uma quota de mercado de 80% a 90% com os serviços da Skype e os serviços da Microsoft propostos com a marca «Windows Live Messenger» (a seguir «WLM»), a Comissão considerou que a Microsoft ficaria sujeita a pressão concorrencial.

    10

    A decisão recorrida analisou igualmente a questão de saber se a concentração gerava efeitos de conglomerado no mercado das comunicações residenciais, atendendo, nomeadamente, à posição importante de que beneficiavam certos produtos da Microsoft, tais como o Windows, o navegador Windows Internet Explorer e o Microsoft Office noutros mercados de programas informáticos. A Comissão considerou a esse respeito que a nova entidade tinha a capacidade de, mas não seria incitada a, utilizar essa posição para falsear a concorrência a favor dos produtos da Skype e da Microsoft, reduzindo a interoperabilidade desses produtos com produtos concorrentes ou recorrendo a práticas de geminação ou de vendas relacionadas. Segundo a Comissão, mesmo que a nova entidade tentasse prosseguir essa estratégia de encerramento, os efeitos anticoncorrenciais seriam limitados, ou mesmo inexistentes (considerandos 133 a 170 da decisão recorrida).

    11

    No que respeita aos efeitos horizontais da concentração no mercado das comunicações profissionais, a Comissão concluiu que a transação não levantava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A presença da Skype no mercado seria limitada e a nova entidade não se tornaria líder de mercado, mesmo nos segmentos mais restritos do mercado em que a Skype, não obstante, operaria (considerandos 177 a 202 da decisão recorrida).

    12

    A decisão recorrida respondeu igualmente a certos receios que operadores de telefone tradicional e outros fornecedores de serviços de comunicações profissionais tinham manifestado, aquando do inquérito, sobre possíveis efeitos de conglomerado no mercado das comunicações profissionais, considerando que esses receios não eram fundados (considerandos 203 a 221 da decisão recorrida). Um desses receios dizia respeito à possibilidade de que a nova entidade criasse uma combinação privilegiada da clientela da Skype com a do Lync, que é um programa informático de comunicações desenvolvido pela Microsoft e destinado às empresas, o que conferiria um trunfo importante à nova entidade junto das empresas que exploram centros de atendimento de chamadas (call centers). Todavia, segundo a decisão recorrida, a nova entidade não terá a capacidade de, e não será incentivada a, levar a cabo uma estratégia de exclusão, cujos efeitos anticoncorrenciais seriam de qualquer forma improváveis (considerandos 213 a 221 da decisão recorrida).

    Tramitação processual e pedidos das partes

    13

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de fevereiro de 2012, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

    14

    Por ato separado apresentado no mesmo dia, as recorrentes formularam um pedido de tramitação processual acelerada, nos termos do disposto no artigo 76.o‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e, a título subsidiário, de tratamento prioritário na aceção do artigo 55.o, n.o 2, do mesmo regulamento.

    15

    Em 22 de março de 2012, o Tribunal Geral decidiu indeferir o pedido de tramitação acelerada. Por outro lado, o Tribunal não acolheu o pedido de tramitação prioritária da causa.

    16

    Por despacho de 23 de maio de 2012, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Microsoft, apresentado na Secretaria do Tribunal em 2 de março de 2012.

    17

    Em 29 de maio de 2012, as partes foram informadas de que uma segunda troca de articulados não era necessária, nos termos do disposto no artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

    18

    Em 11 de julho de 2012, a Microsoft apresentou alegações de intervenção. Em 24 de outubro de 2012, as recorrentes e a Comissão apresentaram as suas observações relativamente às referidas alegações.

    19

    Em 12 de setembro de 2012, o Tribunal Geral colocou questões por escrito às partes no quadro de medidas de organização do processo. As partes responderam a essas questões nos prazos estabelecidos.

    20

    Uma vez que dois membros da Secção estavam impedidos de participar no julgamento, o presidente do Tribunal Geral designou, em aplicação do disposto no artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, dois outros juízes para completar a secção.

    21

    Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo e, no quadro de medidas de organização do processo, colocou uma questão por escrito à interveniente, convidando‑a a responder na audiência. A interveniente satisfez este pedido.

    22

    As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral, na audiência de 29 de maio de 2013.

    23

    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    ordenar as medidas de organização do processo que o Tribunal julgue necessárias e, em particular, ordenar à Comissão que forneça ao Tribunal todos os documentos relativos às negociações respeitantes às comunicações entre a Comissão e as partes na transação relativamente a eventuais compromissos de interoperabilidade;

    anular a decisão recorrida;

    condenar a Comissão nas despesas.

    24

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    julgar o recurso, em parte, inadmissível e improcedente quanto ao resto;

    condenar a recorrente nas despesas.

    25

    A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    negar provimento ao recurso;

    condenar as recorrentes nas despesas.

    Questão de direito

    26

    As recorrentes invocam dois fundamentos de recurso, relativos a erros manifestos de apreciação da Comissão na aplicação dos artigos 2.° e 6.° do Regulamento n.o 139/2004 e a uma violação do dever de fundamentação tal como resulta do artigo 296.o TFUE. O primeiro fundamento diz respeito à apreciação dos efeitos horizontais da concentração no mercado das comunicações residenciais. O segundo fundamento diz respeito a erros cometidos pela Comissão na apreciação do efeito no mercado das comunicações profissionais que teria a eventual combinação da base de utilizadores da Skype com os serviços do Lync.

    27

    Em introdução a estes dois fundamentos, as recorrentes invocam argumentos sobre as exigências de prova que incumbem à Comissão quando aplica o Regulamento n.o 139/2004 e a intensidade da fiscalização de legalidade exercida pelo Tribunal Geral neste domínio.

    28

    Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade por ato separado com fundamento no disposto no artigo 114.o do Regulamento de Processo, a Comissão alega, na contestação, que a Cisco não tem interesse em pedir a anulação da decisão recorrida no âmbito do primeiro fundamento do recurso, e que a Messagenet não tem qualidade para interpor o presente recurso.

    Quanto à admissibilidade

    29

    Quanto à admissibilidade do recurso no que diz respeito à Cisco, a Comissão, apoiada pela interveniente, não contesta que a decisão recorrida diz individual e diretamente respeito à Cisco e que, portanto, nesta medida, a Cisco tem qualidade para impugná‑la, mas considera que a mesma não tem interesse em fazê‑lo relativamente à parte da dessa decisão que diz respeito ao mercado das comunicações residenciais, pelo que o primeiro fundamento é inadmissível. Com efeito, na medida em que esse fundamento visa obter a declaração de que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação da incidência concorrencial da concentração num mercado em que a Cisco não está presente, neste caso o das comunicações residenciais, o acolhimento do referido fundamento não lhe poderá conferir qualquer vantagem. A Comissão considera que as recorrentes não têm a faculdade de invocar fundamentos exclusivamente no interesse da lei.

    30

    No que se refere à Messagenet, a Comissão, apoiada pela interveniente, alega que a fraca participação da Messagenet no procedimento administrativo não basta para que lhe seja reconhecida a qualidade para pedir a anulação da decisão recorrida. Observa, além disso, que a participação da Messagenet no referido procedimento não teve qualquer influência no conteúdo da decisão recorrida e que ela não foi identificada como concorrente da Skype nesse procedimento. A Comissão precisou na audiência que a Messagenet nem sequer fornecia programas informáticos para as videocomunicações.

    31

    Daí a Comissão e a interveniente concluem que o primeiro fundamento é inadmissível na medida em que diz respeito à Cisco, e que o recurso é integralmente inadmissível na medida em que diz respeito à Messagenet.

    32

    As recorrentes contestam os argumentos da Comissão quanto à admissibilidade do recurso.

    33

    No que toca à admissibilidade do recurso da Cisco, deve recordar‑se que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE permite a outra pessoa que não o destinatário de um ato interpor recurso de anulação desse ato, se este lhe disser individual e diretamente respeito.

    34

    Segundo a jurisprudência, a questão da qualidade para agir de um recorrente é apreciada em função dos efeitos que o ato impugnado tem sobre a sua situação jurídica na medida em que o referido recorrente é, por um lado, diretamente afetado pelo ato impugnado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C-152/88, Colet., p. I-2477, n.o 9, e acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 1994, Air France/Comissão, T-3/93, Colet., p. II-121, n.o 80) e, por outro, individualmente afetado por esse mesmo ato (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colet. 1962-1964, p. 273, 284). Em contrapartida, a qualidade para agir do recorrente não é determinada em função dos fundamentos de recurso por ela aduzidos.

    35

    O mesmo se passa relativamente à questão de saber se um recorrente tem interesse em agir. Esse interesse decorre das consequências que a anulação do ato impugnado poderá ter na situação jurídica do recorrente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, 53/85, Colet., p. 1965, n.o 21, e do Tribunal Geral de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão,T-102/96, Colet., p. II-753, n.o 40). Esse interesse deve ser real e atual, é apreciado no dia em que o recurso é interposto e só existe se o recurso puder, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (v. acórdão do Tribunal Geral de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T-177/04, Colet., p. II-1931, n.o 40 e a jurisprudência referida).

    36

    Ora, no caso em apreço, a Cisco tinha, no dia em que interpôs o seu recurso, um interesse real e atual em ver anulada a decisão recorrida, uma vez que esta autorizava uma operação de concentração, que envolve um dos seus principais concorrentes, suscetível de afetar a sua situação comercial. Por consequência, o interesse em agir dessa recorrente em relação ao dispositivo da decisão recorrida não pode ser contestado (v., neste sentido, acórdão easyJet/Comissão, já referido, n.o 41).

    37

    Embora seja certo que o Tribunal Geral se deve opor a que um recorrente invoque fundamentos que não tenha interesse individual em invocar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de junho de 1983, Schloh/Conselho, 85/82, Recueil, p. 2105, n.os 13 e 14), isso não acontece com o primeiro fundamento invocado pelas recorrentes no caso em apreço. Com efeito, esse fundamento visa diretamente a apreciação dos efeitos horizontais da concentração e, portanto, um dos fundamentos do dispositivo da decisão recorrida. Uma vez que a Cisco tem interesse em agir contra esse dispositivo, tem igualmente interesse em contestar os fundamentos e elementos de raciocínio que conduziram a Comissão a adotar esse dispositivo (v., neste sentido, acórdão easyJet, já referido, n.o 41).

    38

    Além disso, deve recordar‑se que a inexistência de uma relação de concorrência entre uma empresa recorrente e as empresas partes na concentração não significa necessariamente que o recurso interposto pela primeira seja inadmissível, nomeadamente quando opera num mercado vizinho do destas últimas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, ARD/Comissão (T-158/00, Colet., p. II-3825, n.os 78 a 95).

    39

    Ora, os dois fundamentos de recurso avançados pelas recorrentes estão estreitamente ligados. O segundo fundamento assenta, assim, na premissa de que a nova entidade se servirá da sua posição importante no mercado das comunicações residenciais, nomeadamente em relação às videocomunicações, como alavanca para falsear as condições de concorrência no mercado das comunicações profissionais. As recorrentes alegam, dentro da mesma lógica, que a finalidade económica da concentração no mercado das comunicações residenciais se explica, em parte, pela possibilidade de uma rentabilização no mercado das comunicações profissionais.

    40

    Quanto à qualidade para agir da Messagenet, deve observar‑se que a Cisco e a Messagenet apresentaram um só e mesmo recurso. Ora, segundo jurisprudência doravante bem assente, uma vez que se trata de um só e mesmo recurso, desde que uma das recorrentes disponha da qualidade para agir, não há que examinar a qualidade para agir das outras recorrentes, a não ser com base em considerações de economia processual (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colet., p. I-1125, n.o 31, e do Tribunal Geral de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T-282/06, Colet., p. II-2149, n.os 50 a 52). Na situação do caso em apreço, mesmo admitindo que um exame em separado da admissibilidade do recurso da Messagenet revelasse que esta não tem qualidade para agir, o Tribunal Geral deveria, todavia, examinar o recurso na íntegra. Não existem, portanto, motivos de economia processual que justifiquem que o Tribunal Geral se afaste da jurisprudência em causa.

    41

    Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação da Comissão quanto à admissibilidade e declarar o recurso admissível.

    Quanto ao mérito

    Quanto às exigências de prova da Comissão e à intensidade da fiscalização jurisdicional

    42

    A título preliminar, as recorrentes avançam vários argumentos respeitantes às exigências de prova que incumbem Comissão no seu controlo das concentrações, e à intensidade da fiscalização de legalidade exercida pelo Tribunal Geral nesse domínio.

    43

    As recorrentes alegam que, diferentemente das decisões tomadas nos termos do disposto no artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão não beneficia de qualquer poder discricionário quando decide com fundamento no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do mesmo regulamento. A fiscalização de legalidade que o Tribunal Geral é chamado a exercer em relação às decisões tomadas na base desta última disposição não diz respeito à questão de saber se a concentração em análise entrava significativamente a concorrência no mercado interno, mas à questão de saber se a concentração suscita objetivamente dúvidas sérias que necessitem de um exame complementar. As recorrentes consideram que esse tipo de fiscalização deveria corresponder à que exerce o Tribunal Geral em matéria de auxílios estatais relativamente aos atos pelos quais a Comissão decide ou não dar início a um procedimento na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. O Tribunal Geral não pode, portanto, limitar‑se a verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. O Tribunal Geral deverá, pelo contrário, examinar se a Comissão podia concluir, sem dúvidas razoáveis, que a concentração impugnada não colocava problemas de concorrência, mesmo no mercado mais restrito possível.

    44

    A Comissão, apoiada pela interveniente, contesta estes argumentos.

    45

    Deve recordar‑se que, quando a Comissão analisa uma concentração para efeitos do disposto no artigo 2.o do Regulamento n.o 139/2004, efetua uma primeira fase de investigação para apurar se a concentração suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento. Se concluir que a concentração em análise suscita essas dúvidas, a Comissão dá início a uma segunda fase de investigação no fim da qual deve decidir se a concentração entrava significativamente a concorrência no mercado interno na aceção do artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004.

    46

    Embora seja verdade que, diferentemente do artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004, o artigo 6.o desse regulamento se refere à existência ou ausência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração notificada com o mercado interno, não é menos verdade que a Comissão se deve basear, em ambos os casos, nos mesmos critérios de apreciação, tais como são previstos no artigo 2.o do mesmo regulamento. De igual forma, contrariamente ao que as recorrentes alegam, as exigências de prova não são mais elevadas para as decisões tomadas nos termos do artigo 6.o do Regulamento n.o 139/2004 que para as tomadas nos termos do artigo 8.o do mesmo regulamento. Com efeito, autorize a Comissão, como no caso em apreço, uma concentração no fim da primeira fase ou depois de uma segunda fase de exame, as exigências de prova são idênticas. A resposta à questão de saber se a Comissão pode decidir com fundamento no artigo 6.o ou com fundamento no artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004 depende, assim, da disponibilidade das provas no tempo, mas não do seu nível, tal como resulta, de resto, do considerando 35 do Regulamento n.o 139/2004.

    47

    No que respeita às exigências de prova, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C-413/06 P, Colet., p. I-4951, n.os 50 a 53) que a Comissão está, em princípio, obrigada a tomar posição ou no sentido da autorização da operação de concentração que lhe foi submetida, ou no da sua proibição, consoante a sua apreciação da evolução económica atribuível à operação em causa cuja probabilidade é mais elevada. Trata‑se, portanto de uma apreciação de probabilidades, como alega a Comissão, e não, como sustentam as recorrentes, de uma obrigação da Comissão de demonstrar, sem dúvidas razoáveis, que uma concentração não levanta problemas de concorrência.

    48

    A este propósito, a Comissão lembra com razão que o Regulamento n.o 139/2004 não assenta numa presunção de incompatibilidade das concentrações com o mercado interno. O regime de controlo de concentrações não pode, portanto, ser comparado com o regime de controlo instituído pelos artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE, que se baseia num sistema de proibição e de derrogações.

    49

    É verdade que as recorrentes observam, igualmente com razão, que o artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004 não confere à Comissão poder discricionário quanto à decisão de dar início a uma segunda fase de investigação suplementar quando se depara com dúvidas sérias sobre a compatibilidade da concentração com o mercado interno. Com efeito, quando a Comissão tem dúvidas sérias quanto à compatibilidade de uma concentração com o mercado interno, é obrigada a dar início a uma segunda fase de investigação. Todavia, ainda que o conceito de «dúvidas sérias» revista caráter objetivo, a Comissão lembra, acertadamente, que não é menos verdade que, antes de adotar uma decisão nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004, tem de efetuar apreciações económicas complexas e que dispõe, para esse efeito, de uma certa margem de apreciação que o Tribunal Geral deve ter em conta (acórdão do Tribunal Geral de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T-119/02, Colet., p. II-1433, n.o 77).

    50

    Por conseguinte, seja para as decisões adotadas nos termos do artigo 6.o seja para as adotadas com base no artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004, a jurisprudência prevê um grau de fiscalização jurisdicional idêntico. Em ambos os casos, como sustenta a Comissão, a fiscalização exercida pelo juiz da União sobre as apreciações económicas complexas da Comissão deve limitar‑se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, da inexatidão material dos factos, bem como da inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvio de poder. A este propósito, cabe recordar que o juiz da União deve não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa, e se são de molde a sustentar as conclusões daí retiradas (v., em relação às decisões tomadas nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.o 139/2004, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C-12/03 P, Colet., p. I-987, n.o 39, e em relação às decisões tomadas nos termos do artigo 6.o do mesmo regulamento, acórdão Sun Chemical Group e o./Comissão, já referido, n.o 60).

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo aos efeitos horizontais da operação de concentração no mercado das comunicações residenciais

    51

    Segundo a decisão recorrida, as atividades da Skype no domínio das comunicações residenciais e as atividades exercidas pela Microsoft com o WLM sobrepõem‑se. Essa sobreposição diz respeito, nomeadamente, às videocomunicações feitas a partir de PC que funcionam com Windows, que constitui um mercado restrito. Nesse mercado restrito, o WLM detém uma quota de 30% a 40% e o serviço da Skype de 40% a 50%, pelo que a concentração dá lugar a uma quota de mercado combinada compreendida entre 80% e 90% (considerandos 97 a 102 e 109 da decisão recorrida).

    52

    A Comissão considerou, todavia, que essa combinação não levantava dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado interno. Em primeiro lugar, nesse sentido, considerou que as quotas de mercado não são muito indicativas de um poder concorrencial num mercado em plena expansão e que, na medida em que os serviços de videocomunicações são propostos gratuitamente, qualquer tentativa de impor preços incitaria os consumidores a mudarem de fornecedor. O mesmo aconteceria se a entidade resultante da concentração deixasse de inovar, pois os consumidores atribuem grande importância à inovação dos produtos. Em segundo lugar, a nova entidade sofreria a pressão concorrencial tanto da parte dos novos operadores que propõem produtos inovadores como da parte de numerosos operadores existentes, entre os quais a Google e a Facebook. Em terceiro lugar, a procura de videocomunicações propostas pelo WLM encontram‑se em acentuado declínio. Além disso, a presença do WLM nas tablets e nos smartphones é muito limitada, embora quando se trate de plataformas de utilização em plena expansão. Em quarto lugar, os efeitos de rede, aos quais a concentração poderia dar lugar, seriam reduzidos pelo facto de os utilizadores terem tendência para comunicar em pequenos grupos restritos e utilizarem uma variedade de operadores. Estes fatores mostram a facilidade com que os grupos de utilizadores migram para outros serviços de comunicações.

    53

    As recorrentes consideram que, se a Comissão tivesse aplicado corretamente as Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5, a seguir «orientações para apreciação das concentrações horizontais») e respeitado a sua prática decisória anterior, deveria ter examinado mais aprofundadamente os efeitos anticoncorrenciais da concentração. As recorrentes consideram que a Comissão deveria ter analisado se esses problemas poderiam ter sido resolvidos pela imposição de condições destinadas a assegurar a interoperabilidade entre os serviços de comunicações propostos pela nova entidade e os serviços propostos por fornecedores concorrentes. Ao aprovar a transação na primeira fase sem exigir compromissos nesse sentido, a Comissão havia cometido vários erros manifestos de apreciação ao abster‑se de suscitar dúvidas sérias em relação à transação em causa.

    54

    Em apoio desse primeiro fundamento, as recorrentes avançam, em substância, três alegações.

    55

    Em primeiro lugar, as recorrentes censuram a Comissão por não ter tido em conta os efeitos de rede nos mercados das comunicações residenciais, nomeadamente os que se produziriam no mercado restrito. Segundo as recorrentes, a análise dos efeitos de rede pela Comissão é contrária à sua prática decisória anterior e a Comissão violou o seu dever de fundamentação ao não explicar as razões pelas quais se tinha afastado dessa prática.

    56

    Em segundo lugar, as recorrentes precisam que a combinação de uma quota de mercado muito elevada e de um grau de concentração de 7340 segundo o índice de Herfindahl‑Hirschmann (a seguir «IHH») constituía, pelo menos, um forte indício da existência de problemas de concorrência que justificavam a abertura de um inquérito complementar, sem que os argumentos avançados na decisão recorrida afetem o valor probatório desses dois elementos. Finalmente, a decisão recorrida não contém qualquer prova da possibilidade de os consumidores mudarem de fornecedor se a nova entidade deixasse de inovar ou de assegurar uma interoperabilidade com serviços concorrentes.

    57

    Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que a Comissão apreciou mal as pressões concorrenciais às quais a nova entidade estaria sujeita.

    58

    A Comissão e a interveniente consideram que os argumentos das recorrentes são infundados.

    59

    Resulta do artigo 2.o do Regulamento n.o 139/2004 que só as concentrações que entravem significativamente uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste, nomeadamente devido à criação ou ao reforço de uma posição dominante, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado interno.

    60

    No tocante às concentrações horizontais, as Orientações para a apreciação das concentrações horizontais descrevem os critérios que a Comissão tenciona aplicar para determinar se uma concentração preenche as condições da proibição prevista no artigo 2.o do Regulamento n.o 139/2004. Resulta do n.o 22 dessas orientações que tais condições podem estar reunidas, nomeadamente, quando uma concentração conduzir à eliminação de importantes pressões concorrenciais sobre as partes na concentração, as quais disporão, consequentemente, de um de poder de mercado acrescido, sem ter de recorrer a um comportamento coordenado.

    61

    Segundo o n.o 8 das orientações para apreciação das concentrações horizontais, o facto de uma ou várias empresas disporem de um poder de mercado acrescido é suscetível de causar prejuízos à concorrência, se esse poder permitir que a entidade resultante da concentração proceda, de forma lucrativa, a aumentos de preços, a reduções da produção, a limitações na escolha ou a reduções da qualidade dos bens e dos serviços propostos bem como a uma diminuição da inovação ou, ainda, se esse poder lhe permitir influenciar outros parâmetros de concorrência.

    62

    Segundo a jurisprudência, o ónus de provar que uma concentração produz esses prejuízos à concorrência incumbe à Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão, T-87/05, Colet., p. II-3745, n.o 61). Deve recordar‑se igualmente que, quando a Comissão se baseia num comportamento futuro que, em sua opinião, será adotado por uma entidade resultante de uma fusão na sequência de uma operação de concentração, cabe‑lhe demonstrar, com base em provas sólidas e com um grau de probabilidade suficiente, que esse comportamento se produzirá realmente (acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T-210/01, Colet., p. II-5575, n.o 464).

    63

    Assim, na medida em que é chamada a efetuar uma análise prospetiva que necessita de uma tomada em consideração de numerosos fatores económicos, a Comissão goza de uma margem de apreciação que o Tribunal Geral deve ter em conta no exercício da sua fiscalização. Isso não implica, no entanto, que o Tribunal Geral se deva abster de fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica, tal como foi reconhecido no n.o 50, supra.

    64

    É à luz destas considerações que há que examinar os argumentos avançados pelas recorrentes em apoio do primeiro fundamento. Este exame será, todavia, efetuado por uma ordem diferente daquela em que as recorrentes apresentaram os seus argumentos. Com efeito, convém examinar, em primeiro lugar, os argumentos relativos à quota de mercado, para em seguida apreciar os argumentos relativos aos efeitos de rede. Por último, há que analisar os argumentos respeitantes ao prejuízo que a concentração impugnada é suscetível de causar à concorrência.

    — Quanto à quota de mercado

    65

    Quanto à quota de mercado muito elevada no mercado restrito, resulta do ponto 17 das Orientações para a apreciação das concentrações horizontais bem como da jurisprudência referida nesse ponto que quotas de mercado de 50% e superiores são suscetíveis de constituir provas sérias da existência de uma posição dominante. Deve, no entanto, precisar‑se que as quotas de mercado apenas podem ser utilizadas como indícios de problemas concorrenciais quando o mercado a que essas quotas dizem respeito tenha sido definido previamente. O mesmo se passa com o IHH a que as recorrentes fazem igualmente referência.

    66

    Ora, no caso em apreço, a Comissão limitou‑se a diferenciar as comunicações residenciais das comunicações profissionais (v. n.o 7, supra). Em contrapartida, não tomou posição sobre a questão de saber se se devia identificar, dentro da categoria das comunicações residenciais, a existência de mercados de referência mais restritos em função das funcionalidades, das plataformas ou dos sistemas de exploração dessas comunicações, pois considerou que a concentração notificada não levantava problemas de caráter concorrencial mesmo nos mercados mais restritos. A Comissão concluiu, nomeadamente, que, mesmo baseando‑se no mercado restrito, a nova entidade ficaria sujeita a importantes pressões concorrenciais.

    67

    Por conseguinte, as recorrentes baseiam a sua alegação relativa a um poder de mercado detido pela nova entidade no mercado restrito num postulado inexato, na medida em que a Comissão não definiu a existência de um mercado específico de videocomunicações residenciais a partir de PC que funcionam com Windows. A Comissão não demonstrou na decisão recorrida que os operadores presentes no mercado restrito pudessem agir independentemente da pressão concorrencial proveniente dos outros meios de comunicações residenciais, tais como os serviços propostos a partir de outras plataformas ou de outros sistemas de exploração. Além disso, as próprias recorrentes não apresentaram qualquer prova ou estudo que permita concluir pela existência de um mercado restrito dessa natureza. Em contrapartida, limitaram‑se a criticar os elementos que tinham sido expostos na decisão recorrida para relativizar a importância das quotas de mercado (v. n.o 56, supra). Essas críticas são, de resto, infundadas.

    68

    Em primeiro lugar, no que diz respeito aos números relativos à utilização do WLM, basta observar que os números mencionados na decisão recorrida demonstram uma flutuação importante da quota de mercado do WLM num lapso de tempo relativamente limitado de sete meses. Independentemente da questão de saber se as perdas de quotas de mercado beneficiaram a Skype ou outros fornecedores de serviços de videocomunicações, não é menos verdade que os números revelam a instabilidade das quotas de mercado no mercado restrito, que a Comissão considerou exclusivamente para efeitos da sua análise.

    69

    Além disso, e sobretudo, como foi sublinhado pela Comissão na decisão recorrida e na contestação, bem como pela interveniente, o setor das comunicações residenciais é um setor recente em plena fase de expansão, que se carateriza por curtos ciclos de inovação e em que grandes quotas de mercado se podem revelar efémeras. Nesse contexto dinâmico, as quotas de mercado elevadas não são necessariamente indicativas de um poder de mercado e, portanto, de um prejuízo duradouro para a concorrência que o Regulamento n.o 139/2004 procura prevenir.

    70

    Em segundo lugar, embora os PC continuem a ser a plataforma mais utilizada para as videocomunicações residenciais, parte substancial e crescente da nova procura destes serviços provém dos utilizadores de tablets e de smartphones, tendo as vendas dos referidos aparelhos ultrapassado as de PC na Europa Ocidental, segundo o considerando 32 da decisão recorrida. A Comissão e a interveniente têm razão ao invocar a importância desse crescimento, que as recorrentes não contestam, pois qualquer tentativa por parte da nova entidade de exercer poder de mercado no mercado restrito implicaria o risco de reforçar essa tendência em detrimento da nova entidade. Com efeito, a nova entidade está menos presente nessas outras plataformas e deve fazer face a uma forte concorrência dos outros operadores, nomeadamente a Apple e a Google.

    71

    Em terceiro lugar, a interveniente observa igualmente com razão que a utilização cada vez mais frequente de tablets e de smartphones para as videocomunicações implica que um número crescente de utilizadores espera que essas comunicações possam ser efetuadas a partir de todos os tipos de plataformas. A fraca presença do WLM nas tablets e nos smartphones não lhe permite satisfazer esta nova procura e reduz, portanto, o seu atrativo comercial. Por conseguinte, a Comissão teve razão em referir essa presença limitada para relativizar a importância das quotas de mercado elevadas verificadas no mercado restrito que tomou como ponto de partida da sua análise concorrencial na decisão recorrida.

    72

    Em quarto lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual, a Facebook não seria uma concorrente efetiva da entidade resultante da concentração não poderá vingar. Com efeito, o único elemento que apresentam em apoio desse argumento é o facto de a Facebook possuir uma licença e ser uma aliada estratégica da Skype, e não poder utilizar o programa informático da Skype para propor serviços em concorrência com os serviços a pagar da Skype, denominados «SkypeOut», que permitem, nomeadamente, ligar para números de telefones fixos ou móveis e efetuar videocomunicações que envolvam mais de duas pessoas. As recorrentes não sustentam, no entanto, que esse acordo impediria a Facebook de propor os seus serviços de videocomunicações a consumidores que decidissem afastar‑se da nova entidade, se esta decidisse exercer qualquer poder de mercado. A este respeito, a Comissão e a interveniente alegam, com razão, que a utilização de uma mesma tecnologia por duas empresas não afeta necessariamente as suas relações concorrenciais.

    73

    Em quinto lugar, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o caráter gratuito dos serviços é um fator pertinente para a apreciação do poder de mercado da nova entidade. Com efeito, na medida em que os utilizadores esperam receber os serviços de comunicações residenciais gratuitamente, as possibilidades de a nova entidade determinar livremente a sua política de preços é consideravelmente restringida. A Comissão observa, acertadamente, que qualquer tentativa de obrigar os utilizadores a pagarem implicaria o risco de diminuir o atrativo desses serviços e de desviar os utilizadores para outros fornecedores que continuassem a propor os seus serviços gratuitamente. Do mesmo modo, se a nova entidade decidisse deixar de inovar no que respeita aos seus serviços de comunicações, correria igualmente o risco desse tornar menos atractiva, dado o grau de inovação no mercado em causa. Cabe recordar, a este respeito, que não existem constrangimentos de ordem técnica ou económica que impedissem os utilizadores de mudar de fornecedores (v. n.o 79, supra).

    74

    Decorre daqui que as quotas de mercado e o grau de concentração muito elevados no mercado restrito, que a Comissão considerou simplesmente como hipótese de trabalho, não são indicativos de um poder que permita à nova entidade entravar significativamente a concorrência efetiva no mercado interno.

    — Quanto aos efeitos de rede

    75

    Relativamente aos efeitos de rede que resultariam da concentração em causa e que entravariam o acesso ao mercado, as recorrentes afirmam que os efeitos de rede se produzem em todos os mercados das comunicações residenciais. No entanto, precisaram na audiência que esses efeitos de rede reforçavam mais a posição dominante da nova entidade no mercado restrito.

    76

    Deve observar‑se, desde logo, que a existência de efeitos de rede não confere necessariamente uma vantagem concorrencial à nova entidade. Com efeito, nos segmentos do mercado das comunicações residenciais diferentes das videocomunicações a partir de PC que funcionam com Windows, os operadores concorrentes têm quotas de mercado suficientemente importantes para constituir outras redes. Resulta assim dos considerandos 103 a 105 da decisão recorrida, cujo teor as recorrentes não contestam, que a rede de utilizadores de mensagens instantâneas da Facebook é mais importante que a da entidade resultante da concentração. Da mesma forma, resulta dos considerandos 106 a 108 da decisão recorrida, cujo teor as recorrentes também não contestam, que, no segmento do telefone vocal, a concentração não alteraria a situação existente, na medida em que a quota de mercado do WLM é aí bastante fraca.

    77

    Quanto aos efeitos de rede apenas no mercado restrito, as recorrentes não sustentaram de forma alguma, nem demonstraram, que o grau de utilização dos serviços de videocomunicações por PC que funcionam com Windows propostos pelo WLM e pela Skype aumentaria devido à concentração. Com efeito, as recorrentes criticam a análise dos efeitos de rede efetuada pela Comissão, mas não apresentam elementos que indiquem de que forma tais efeitos teriam incidência na concorrência no mercado restrito (v. n.o 55, supra).

    78

    De qualquer forma, a alegação relativa aos efeitos de rede é infundado.

    79

    Em primeiro lugar, contrariamente às situações que estavam na base das precedentes decisões da Comissão invocadas pelas recorrentes, e tal como foi indicado pela interveniente, não existem limitações de caráter técnico ou económico que impeçam os utilizadores de telecarregar várias aplicações de comunicações nas suas plataformas informáticas, tanto mais que se trata de programas informáticos gratuitos que são fáceis de telecarregar e ocupam pouco espaço nos seus discos duros.

    80

    Em segundo lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual a migração dos consumidores para fornecedores alternativos é complicada, devido à sua pertença a vários pequenos grupos interconectados, assenta na presunção errada de que a migração teria de envolver todos os grupos numa única operação. Ora, a Comissão e a interveniente observam, com razão, que não existe qualquer obstáculo de caráter económico ou técnico a que essa migração seja efetuada por pequenos grupos e a que os utilizadores continuem a utilizar vários programas informáticos de comunicações ao mesmo tempo.

    81

    Contrariamente às afirmações não sustentados das recorrentes, a Comissão apresentou, na decisão recorrida, indicações concretas da existência desse fenómeno de hospedagem múltipla. Com efeito, a Comissão não se referiu unicamente a uma coexistência dessa natureza entre o WLM e o serviço da Skype antes da concentração. O relatório referido na nota 52 da decisão recorrida menciona vários outros exemplos de utilização múltipla que envolvem a Skype e fornecedores alternativos, como o Yahoo!, o AIM e o Gmail. Além disso, o considerando 93 da decisão recorrida, cujo teor as recorrentes não contestam, assinala a recente chegada de concorrentes como o Facebook, o Viber, o Fring e o Tango, o que demonstra que, de qualquer forma, os efeitos de rede não criam um entrave ao acesso ao mercado.

    82

    Em terceiro lugar, as recorrentes também não contestam a conclusão, nos considerandos 73 a 74 da decisão recorrida, segundo a qual o crescimento da procura dos serviços de videocomunicações pelo grande público se produzirá em grande parte nas plataformas diferentes dos PC, tais como as tablets e os smartphones. Embora o atrativo de um programa informático de comunicação aumente supostamente em função do número de utilizadores, os efeitos de rede só poderão ser significativos se esse programa permitir contactar igualmente os consumidores que se servem dessas outras plataformas para as suas videocomunicações. Ora, no caso em apreço, a presença do WLM noutras plataformas que não os PC que funcionem com Windows não é significativa, pelo que a concentração não altera a situação concorrencial.

    83

    Em quarto lugar, no tocante às declarações de natureza comercial dos dirigentes das partes na concentração segundo as quais o valor da Skype aumenta com o número dos seus utilizadores, importa precisar que a Comissão não contesta a existência de efeitos de rede. Com efeito, segundo os considerandos 91 a 94 da decisão recorrida, a Comissão considera unicamente que esses efeitos de rede não erguem barreiras à entrada. Além disso, as referidas declarações confirmam mais do infirmam a posição defendida pela Comissão. Com efeito, essas declarações podem ser interpretadas no sentido de que refletem a vontade da interveniente de se implantar, graças à aquisição da Skype, nas plataformas que o WLM não lhe permitiu alcançar.

    84

    Decorre daqui que a alegação relativa aos efeitos de rede e às barreiras à entrada que daí resultariam é infundada.

    — Quanto ao prejuízo para a concorrência

    85

    Mesmo que a concentração aumentasse o poder de mercado da interveniente, as recorrentes não fornecem qualquer indicação pertinente quanto à forma como esse suposto poder de mercado permitiria à nova entidade causar prejuízo significativo à concorrência.

    86

    Em primeiro lugar, no que diz respeito aos preços, as recorrentes não contestam que os serviços de videocomunicações são propostos gratuitamente aos utilizadores, mas afirmam que as subidas de preços poderiam afetar os serviços da Skype prestados a outras redes, os rendimentos obtidos com a publicidade bem como os rendimentos provenientes de mercados conexos. As recorrentes sustentaram igualmente, na audiência, que a Skype poderia tentar cobrar um preço por alguns serviços que são atualmente gratuitos.

    87

    Esses argumentos não podem vingar.

    88

    Em primeiro lugar, os serviços a pagar da Skype, nomeadamente os seus serviços SkypeOut, apenas dizem respeito às videocomunicações num grau muito limitado. Com efeito, uma percentagem mínima dos rendimentos do SkypeOut provém das videocomunicações em grupo, que envolvem mais de dois utilizadores ao mesmo tempo. Além disso, tal como foi sublinhado pela Comissão, nenhum operador conseguiu até agora monetizar os seus serviços para as videocomunicações entre dois participantes. Os consumidores esperam que esses serviços lhes sejam prestados gratuitamente. Ora, as recorrentes não demonstraram de que forma a concentração poderia permitir à Skype mudar essas condições de mercado sem os consumidores mudarem de operador.

    89

    As recorrentes continuam igualmente a não explicar de que forma um eventual poder de mercado no mercado restrito das videocomunicações em PC que funcionam com Windows permitiria impor uma subida de preços para serviços de comunicações diferentes. Além disso, as recorrentes omitem totalmente as limitações concorrenciais exercidas pelos operadores de telefone tradicional e pelos fornecedores de telefone vocal em linha diferentes da Skype, na hipótese de a nova entidade tentar aumentar os preços das comunicações vocais do SkypeOut.

    90

    Em seguida, as recorrentes também não explicam de que forma a nova entidade seria capaz de impor uma subida dos preços aos anunciantes. As recorrentes não sustentaram nem demonstraram que existia um mercado da publicidade composto especificamente pelos serviços de videocomunicações residenciais a partir de PC que funcionam com Windows. Ora, na inexistência de um mercado desse tipo, os anunciantes podem facilmente subtrair‑se a qualquer tentativa de subida de preços reorientando as suas despesas de publicidade para outros media, seja a Internet ou outro.

    91

    Finalmente, as recorrentes também não fornecem informações quanto à possibilidade de a nova entidade impor uma subida dos preços em mercados conexos, tais como os serviços de comunicações para empresas. Limitam‑se a remeter para o seu segundo fundamento, que será examinado a seguir.

    92

    Em segundo lugar, as alegações das recorrentes quanto à incidência da concentração sobre a qualidade e na inovação dos serviços de videocomunicações são ainda mais abstratas, tanto mais que não põem em causa as conclusões retiradas pela Comissão nos considerandos 81 a 84 da decisão recorrida, segundo as quais os serviços de comunicações destinados ao grande público dependem da inovação. Qualquer tentativa da nova entidade de degradar a qualidade dos seus serviços no mercado restrito não fará mais que acelerar a perda de importância relativa de que sofrem os serviços de videocomunicações a partir de PC que funcionam com Windows (v. n.o 70, supra).

    93

    Em terceiro lugar, as recorrentes não podem colmatar as deficiências das suas teses relativas ao prejuízo causado à concorrência pela concentração impugnada remetendo para o preço de aquisição de 8,5 mil milhões de dólares dos Estados Unidos (USD). A este propósito, a Comissão alega com razão que, tendo em conta o elevado número de modelos comerciais possíveis e a inexistência de dados de mercado fiáveis relativos à sua aplicação nos mercados emergentes, a apreciação de uma concentração não pode ter como objeto predizer o modelo que rentabilizará o videotelefone na prática e que, portanto, será viável no futuro. Com efeito, os poderes que o Regulamento n.o 139/2004 confere à Comissão limitam‑se à verificação dos entraves significativos à concorrência que podem resultar de uma concentração. Esses poderes não lhe permitem, no entanto, especular sobre o nível do preço de uma aquisição ou substituir o ponto de vista das partes interessadas sobre o valor de uma transação pelo seu, tanto mais que as razões que subjazem a essa transação nem sempre têm a ver com uma racionalidade puramente económica.

    94

    Resulta daí que as recorrentes não demonstraram de que forma a concentração podia causar prejuízo à concorrência no mercado das comunicações residenciais.

    95

    Por conseguinte, as recorrentes não demonstraram que a Comissão tivesse cometido erro manifesto de apreciação ao considerar que a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno relativamente aos serviços de comunicações residenciais.

    96

    Além disso, na medida em que as recorrentes censuram a Comissão por não ter explicado as razões que a levaram a afastar‑se da sua prática decisória anterior, basta recordar que, diferentemente das decisões anteriores, a situação do caso em apreço não se carateriza pela presença de limitações de caráter técnico ou económico que impeçam os utilizadores de telecarregar vários programas informáticos de comunicações ao mesmo tempo (v. n.o 79, supra). Por conseguinte, não está em causa uma qualquer mudança de política que a Comissão devesse ter fundamentado na decisão recorrida. O argumento relativo à violação do artigo 296.o TFUE, que as recorrentes invocam em apoio do seu primeiro fundamento, deve, portanto, ser rejeitado.

    97

    Nestas condições, há que julgar o primeiro fundamento improcedente na sua totalidade.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo aos efeitos de conglomerado da operação de concentração no mercado das comunicações profissionais

    98

    Resulta da decisão recorrida que terceiros manifestaram, no procedimento administrativo, o receio de que a concentração produza efeitos de conglomerado no mercado das comunicações profissionais. Um dos efeitos denunciados diz respeito à criação, pela nova entidade, de uma ligação privilegiada entre a base dos utilizadores do produto da Skype e o produto Lync da Microsoft. Essa integração preferencial proporcionaria à nova entidade uma vantagem concorrencial junto dos utilizadores profissionais, nomeadamente os que exploram centros de atendimento de chamadas.

    99

    A Comissão considerou na decisão recorrida que esse receio não se justificava. Desde logo, a nova entidade não tem capacidade de prosseguir uma estratégia dessa natureza, pois o produto da Skype não está adaptado às necessidades das empresas que exploram centros de atendimento de chamadas. Seguidamente, essa entidade também não é incitada a impedir que as empresas que utilizam outros serviços de comunicações profissionais contactem os utilizadores dos serviços da Skype. Essas empresas mantêm a possibilidade de telecarregar a aplicação Skype gratuitamente. Por outro lado, o produto da Skype não é indispensável para os exploradores de centros de atendimento de chamadas, pois existem inúmeras outras soluções que permitem comunicar com os consumidores. Por último, é improvável que se produzam efeitos anticoncorrenciais nos próximos três anos, na medida em que o Lync é confrontado com a concorrência dos produtos de outros grandes atores do mercado, como a Cisco e a IBM.

    100

    As recorrentes alegam que a Comissão não tomou em conta a estratégia de exclusão que a nova entidade poderia seguir no mercado das comunicações profissionais criando uma interoperabilidade exclusiva ou preferencial entre os produtos Lync e a grande base de clientes da Skype. Essa estratégia permitiria à nova entidade posicionar o Lync como único produto capaz de responder a uma procura crescente por parte de grandes utilizadores profissionais que desejassem poder interagir com os seus clientes e outros contactos profissionais. Para esse efeito, a nova entidade poderia, à semelhança das práticas de exclusão anteriores da Microsoft, fazer valer a sua posição de força em mercados conexos ao das comunicações profissionais, bem como integrar a oferta do Lync com outros produtos da Microsoft. Ao não examinar essa estratégia de maneira mais aprofundada e ao ignorar essa procura crescente, a Comissão fundamentou mal a sua decisão e cometeu vários erros na apreciação da ligação existente entre o mercado residencial e o mercado profissional, em que a Skype estava, de resto, bem presente.

    101

    Em primeiro lugar, as recorrentes contestam que a nova entidade não tenha capacidade de encerrar o mercado. A questão pertinente não consiste em saber se o Skype[Out] é um produto para centros de atendimento de chamadas, mas identificar a capacidade da nova entidade para modificar o grau de interoperabilidade a favor dos seus próprios serviços e produtos. Ora, a Comissão reconheceu, no considerando 143 da decisão recorrida, que era esse o caso.

    102

    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a Comissão ignorou igualmente os incentivos da nova entidade para encerrar o mercado. A Comissão baseou a sua análise desses incentivos em premissas erradas. Não se trata de saber se o produto da Skype é indispensável, mas se a integração deste produto e do Lync fará com que este último se torne num produto indispensável para ter acesso à enorme base de utilizadores da Skype e, portanto, um produto indispensável para responder às expetativas dos utilizadores de comunicações profissionais que desejem poder comunicar com os utilizadores do produto da Skype. Na inexistência de uma interoperabilidade com o produto da Skype, os concorrentes do Lync não disporiam de outras possibilidades reais. Assim, o facto de o produto da Skype continuar a ser gratuito como aplicação telecarregável não responde à preocupação causada por uma interoperabilidade preferencial entre aquele produto e o Lync. Além disso, a Comissão constatou ela própria, no contexto de outros processos que envolvem a interveniente, que os utilizadores são geralmente reticentes em telecarregar várias aplicações de programas informáticos para uma mesma função. Por último, as recorrentes alegam que a Comissão não prestou qualquer atenção aos motivos que levaram a interveniente a oferecer 8,5 mil milhões USD pela aquisição da Skype e que têm precisamente a ver com a ligação privilegiada entre o produto da Skype e o Lync, ignorando, nomeadamente, as declarações de alguns representantes da interveniente. Essa omissão é ainda mais surpreendente se se atender aos seus antecedentes. A referida empresa já foi condenada em várias ocasiões por práticas de exclusão e continua a bloquear a interoperabilidade dos seus produtos com os dos seus concorrentes.

    103

    Em terceiro lugar, segundo as recorrentes, a análise dos efeitos de uma estratégia de exclusão está viciada por erros de apreciação. A Comissão não só subestimou a importância do Lync no mercado das comunicações profissionais no momento do procedimento administrativo, como ignorou igualmente o facto de o Lync ser proposto em combinação com o sistema de exploração Windows Server e outros produtos Microsoft em relação aos quais a nova entidade detinha uma posição de força. Por último, o estabelecimento de uma interoperabilidade preferencial ou exclusiva entre o Lync e o produto da Skype é particularmente pernicioso nos mercados caraterizados pelos efeitos de rede.

    104

    A Comissão e a interveniente consideram que os argumentos das recorrentes não são fundados.

    105

    Em apoio do seu segundo fundamento, as recorrentes apresentam, em substância, duas alegações.

    106

    A primeira alegação diz respeito a uma violação do dever de fundamentação tal como resulta do artigo 296.o TFUE. Segundo as recorrentes, a decisão recorrida não responde aos argumentos que a Cisco e outras partes interessadas expuseram no decurso do procedimento administrativo relativamente à estratégia de exclusão que a nova entidade está inclinada a prosseguir.

    107

    A segunda alegação diz respeito ao erro manifesto de apreciação que a Comissão cometeu ao ignorar as preocupações em matéria de concorrência invocadas no número precedente. Segundo as recorrentes, a Comissão não teve em conta os efeitos de conglomerado resultantes da concentração. A Comissão ignorou, nomeadamente, a capacidade e os incentivos da nova entidade para utilizar a sua posição no mercado das comunicações residenciais como alavanca para falsear a concorrência no mercado das comunicações profissionais.

    — Quanto à fundamentação

    108

    Resulta de jurisprudência constante que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.o 166). A este propósito, a Comissão não está obrigada, na fundamentação das decisões que é levada a adotar para garantir a aplicação das regras da concorrência, a tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos interessados em apoio do seu pedido. Basta que ela exponha os factos e as considerações jurídicas que revestem importância essencial na economia da decisão (v. acórdão do Tribunal Geral de 24 de janeiro de 1995, BEMIM/Comissão, T-114/92, Colet., p. II-147, n.o 41 e a jurisprudência referida). A questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 296.o deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto bem como do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colet., p. I-1719, n.o 63; de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C-42/01, Colet., p. I-6079, n.o 66; e de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C-390/06, Colet., p. I-2577, n.o 79).

    109

    Da mesma forma, o grau de precisão da fundamentação de uma decisão deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou de prazo em que deve intervir (acórdãos do Tribunal Geral de 1 de dezembro de 1965, Schwarze, 16/65, Recueil, pp. 1081, 1096 e 1097, Colet. 1965‑1968, p. 239; de 14 de fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colet., p. I-395, n.o 16; e acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.o 167). Por conseguinte, a Comissão não viola o seu dever de fundamentação se, na sua decisão, não incluir fundamentação precisa quanto à apreciação de um determinado número de aspetos da concentração que lhe pareçam manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários para a apreciação dessa concentração (acórdãos Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.o 64, e Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.o 167). Com efeito, essa exigência seria dificilmente compatível com o imperativo de celeridade e com os curtos prazos processuais a que a Comissão está sujeita quando exerce o seu poder de controlo das operações de concentração, e que fazem parte das circunstâncias particulares de um procedimento de controlo dessas operações (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.o 167).

    110

    Decorre daqui que a Comissão não é obrigada a responder a todos os argumentos avançados pelas partes e por terceiros no decurso do procedimento administrativo, nem a fornecer uma fundamentação precisa quanto à sua apreciação desses argumentos.

    111

    No caso em apreço, a Comissão respondeu aos argumentos apresentados pela Cisco e por outras partes interessadas, nos considerandos 213 a 221 da decisão recorrida. Embora sucinta, é certo, essa fundamentação, não é, porém, contrária às exigências do artigo 296.o TFUE, atendendo ao contexto específico da situação do caso em apreço.

    112

    Com efeito, cabe observar que a Comissão menciona ter recebido um número relativamente elevado de observações de terceiros, que ela teve de examinar num lapso de tempo relativamente curto. Além disso, a teoria dos efeitos de conglomerado avançada pela Cisco durante o procedimento administrativo é complexa e abstrata (v. n.os 124 a 127, infra), ao passo que as concentrações que dão lugar a conglomerados não geram em geral problemas de concorrência (v. n.os 115 e 116, infra).

    113

    Nestas condições, seria excessivo exigir que a decisão recorrida contivesse uma descrição mais detalhada de cada um dos aspetos que subjazem à análise da teoria dos efeitos de conglomerado. A Comissão podia, portanto, contentar‑se em responder sumariamente aos argumentos da Cisco, tanto mais que se sabe que esta pôde perfeitamente compreender o seu raciocínio, como o atesta o presente recurso.

    114

    Decorre daqui que a primeira alegação do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

    — Quanto à existência de erro manifesto de apreciação

    115

    A fim de precisar os seus critérios de apreciação tal como impostos pelo artigo 2.o do Regulamento n.o 139/2004 no domínio das concentrações geradoras de efeitos de conglomerado, a Comissão publicou as Orientações para a apreciação das concentrações não horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2008, C 265, p. 6). Resulta dos n.os 11 e 92 das referidas orientações que uma concentração dessa natureza não envolve empresas concorrentes, de forma que essas concentrações são menos suscetíveis de criar problemas de concorrência que as concentrações horizontais. Além disso, podem permitir às partes em causa realizar ganhos de eficiência.

    116

    Todavia, as concentrações que geram efeitos de conglomerado podem, em certas circunstâncias, suscitar problemas de concorrência. Tal pode acontecer, nomeadamente, quando a concentração permite à nova entidade prosseguir uma estratégia de encerramento de mercado. Com efeito, segundo o ponto 93 das Orientações para apreciação das concentrações não horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas, um encerramento do mercado pode produzir‑se se a combinação de produtos em mercados ligados conferir à entidade resultante da fusão a capacidade e o incentivo para utilizar, através de um efeito de alavanca, a forte posição que ocupa num mercado para encerrar a concorrência noutro mercado. Segundo a jurisprudência, esse efeito no outro mercado deve ser previsível num futuro relativamente próximo para que a concentração suscite problemas de concorrência à luz do Regulamento n.o 139/2004 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T-5/02, Colet., p. II-4381, n.os 148 a 153).

    117

    No tocante à prova desses efeitos de conglomerado, a jurisprudência entender que a qualidade dos elementos de prova produzidos pela Comissão para estabelecer a necessidade de uma decisão que declare a operação incompatível com o mercado interno era particularmente importante. Com efeito, a apreciação de uma concentração de tipo conglomerado assenta numa análise prospetiva em que a tomada em conta de um lapso de tempo alargado no futuro, por um lado, e o efeito de alavanca necessário para que haja um entrave significativo a uma concorrência efetiva, por outro, implicam que os encadeamentos de causa e efeito sejam dificilmente discerníveis, incertos e difíceis de apurar (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.o 50; v., neste sentido, acórdão Comissão/Tetra Laval, já referido, n.o 44).

    118

    Deve recordar‑se igualmente que a Comissão só pode declarar uma concentração incompatível com o mercado interno se o entrave significativo à concorrência for consequência direta e imediata da concentração. Esse entrave decorrente das decisões futuras da entidade resultante da fusão pode ser considerado uma consequência direta e imediata da concentração, se o comportamento futuro se tornar possível e economicamente racional pela alteração das caraterísticas e da estrutura do mercado causada pela concentração (acórdão do Tribunal Geral de 6 de junho de 2002, Airtours/Comissão, T-342/99, Colet., p. II-2585, n.o 58; v., neste sentido, acórdão Gencor/Comissão, já referido, n.o 94).

    119

    No caso em apreço, as recorrentes denunciam, nomeadamente, a possibilidade que a nova entidade teria de falsear as condições de concorrência no mercado das comunicações profissionais em favor do Lync ao assegurar uma interoperabilidade preferencial desse produto com o da Skype e, assim, com a grande base de utilizadores deste programa informático de comunicação.

    120

    É dado assente que essa interoperabilidade ainda não estava assegurada à data da adoção da decisão recorrida e que requeria ainda um trabalho de inovação relativamente prolongado e complexo. Segundo as informações fornecidas pela interveniente e não contestadas pelas recorrentes, a criação de uma ponte informática entre o Lync e o produto da Skype não deveria estar concluída em 2013. Além disso, admitindo que esse trabalho estivesse concluído nos prazos previstos, a nova entidade deveria ainda empreender um esforço de comercialização do novo produto junto dos clientes profissionais suscetíveis de estarem interessados. Essa ação comercial deveria, portanto, desenrolar‑se ao longo de 2014. Por fim, para que os efeitos anticoncorrenciais temidos pelas recorrentes pudessem produzir‑se no mesmo ano, uma vez que a Comissão se referiu a um período de três anos a seguir à adoção da decisão, seria ainda necessário que essa diligência fosse coroada de um sucesso comercial de tal amplitude que fizesse oscilar, de forma quase instantânea, o mercado das comunicações profissionais a favor do Lync e permitisse à nova entidade encerrar esse mercado. Esse sucesso comercial implicaria uma mudança importante da posição dos operadores no mercado e significaria, nomeadamente, que a quota de mercado do Lync no mercado das comunicações profissionais, que era de 16% em 2011, evoluiria significativamente em comparação com a da Cisco, que era de 32% no mesmo ano.

    121

    O efeito de encerramento temido pelas recorrentes depende, portanto, de uma série de fatores relativamente aos quais não existe a certeza de que possam todos intervir num futuro suficientemente próximo para que a análise prospetiva dos efeitos da concentração não se torne puramente especulativa (v. n.o 116, supra). A este propósito, tal como foi mencionado no número precedente, a Comissão referiu‑se a um período de três anos a seguir à data de adoção da decisão. Esse período, que as recorrentes, de resto, não contestaram, é relativamente longo quando se trata, como acontece no caso em apreço, de um setor de novas tecnologias que se carateriza por ciclos de inovação relativamente curtos. Por último, o raciocínio das recorrentes não apenas se baseia em eventos futuros e incertos, como também neglicência a possibilidade de os concorrentes da nova entidade adaptarem as suas políticas comerciais e tecnológicas para antecipar e contrariar uma eventual estratégia de encerramento.

    122

    Por conseguinte, deve concluir‑se que os efeitos de encerramento de mercado denunciados pelas recorrentes são demasiado incertos para serem considerados uma consequência direta e imediata da concentração.

    123

    Além disso, mesmo que os efeitos negativos temidos pelas recorrentes pudessem ser considerados uma consequência da concentração, não se poderia concluir, pelas razões a seguir expostas, que a Comissão tivesse cometido um erro manifesto de apreciação ao afastar a existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado interno.

    124

    No tocante, em primeiro lugar, à capacidade da nova entidade para encerrar o mercado, primeiro, deve observar‑se que as explicações dadas pelas recorrentes quanto à vantagem concorrencial de que disporá a nova entidade continuam vagas. Com a integração do Lync e da base de utilizadores da Skype, parte‑se do princípio de que a nova entidade disporia de um trunfo comercial importante no mercado das comunicações profissionais. Com efeito, essa integração permitiria aos utilizadores profissionais comunicar, em particular visualmente, com os seus clientes e outros contactos profissionais, como fornecedores e distribuidores, utilizando o mesmo programa informático que o utilizado para as comunicações no interior da empresa.

    125

    As recorrentes não fornecem, no entanto, qualquer prova tangível da existência, da amplitude ou da evolução da procura em relação a esse produto. Remetem para as informações fornecidas pela Cisco à Comissão durante o procedimento administrativo, que se limitam a mencionar o nome de algumas grandes empresas ou de alguns setores que estariam interessados em comunicar com os utilizadores do produto da Skype, sem precisar se esse interesse diz respeito ao futuro produto que integra o Lync e o produto da Skype. Em contrapartida, a interveniente apresentou indicações concretas da falta de interesse dos clientes do Lync numa ferramenta de comunicação através de mensagens instantâneas.

    126

    Segundo, mesmo que existisse uma procura real e significativa para uma ferramenta de comunicação como a resultante da integração do Lync e do produto da Skype, as recorrentes continuam sem explicar as razões pelas quais os utilizadores profissionais haveriam de querer comunicar precisamente com os utilizadores do produto da Skype. Limitam‑se a invocar a grande base de utilizadores da Skype e uma posição dominante da nova entidade no mercado das comunicações residenciais, em particular para as videocomunicações em PC que funcionam com Windows. Tal como a Comissão observa, a justo título, as empresas eventualmente interessadas numa ferramenta de comunicação integrada desejam, sobretudo, comunicar com os consumidores dos seus produtos e dos seus serviços, e não com os utilizadores do produto da Skype. Ora, não é claro que esses utilizadores sejam também clientes atuais ou potenciais de empresas que poderiam comprar o produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype, e ainda menos que desejem comunicar visualmente com essas mesmas empresas.

    127

    Por outro lado, admitindo que os utilizadores do produto da Skype constituem um grupo de consumidores comercialmente interessante, a Skype não permite que as empresas promovam ativamente a venda dos respetivos produtos junto deles. Com efeito, tal como foi indicado pela Comissão e pela interveniente, não é possível contactar os utilizadores do produto da Skype, que se servem normalmente de um pseudónimo, sem a sua autorização prévia. Inversamente, na hipótese de o interesse comercial do produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype ter a ver com a possibilidade de os utilizadores do produto da Skype contactarem as empresas que lhes vendem produtos e serviços, as recorrentes não fornecem, todavia, qualquer precisão quanto à vantagem comercial desse produto integrado em relação aos outros modos de comunicação entre as empresas e os consumidores, como o telefone tradicional. Com efeito, a Comissão e a interveniente observam, com razão, que não é plausível, devido à presença desses outros modos de comunicação, que o produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype se torne indispensável para as empresas interessadas em comunicar com os seus consumidores. Importa igualmente observar que, após a operação de concentração, a aplicação da Skype continua a estar disponível e a poder ser telecarregada e, portanto, é perfeitamente possível a qualquer empresa permitir que os seus clientes a contactem via Skype, indicando para o efeito o respetivo identificador Skype nos seus produtos, na sua publicidade ou no seu sítio Internet. Para comunicar com os utilizadores da Skype, uma empresa não precisa de dispor do produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype.

    128

    Terceiro, na hipótese de o produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype proporcionar à nova entidade uma vantagem comercial real, essa entidade não teria sempre a capacidade de prosseguir uma estratégia de encerramento do mercado. Por um lado, resulta da análise do primeiro fundamento que a concentração não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno no que diz respeito aos serviços de comunicações residenciais. Por outro lado, como foi observado no n.o 121, supra, os concorrentes do Lync, entre os quais a Cisco, continuam a dispor de tempo suficiente para desenvolver políticas comerciais destinadas a contrariar a estratégia de encerramento do mercado que a nova entidade pudesse eventualmente decidir seguir. Com efeito, esses concorrentes poderão adaptar os seus preços, a qualidade ou as funcionalidades dos seus produtos ou ainda recorrer aos serviços de outros grandes fornecedores de serviços de comunicações residenciais, tais como a Facebook, a Twitter e a Google. Deve observar‑se, a esse propósito, que numerosas empresas já estão conectadas a esse género de redes, como sustenta a interveniente.

    129

    As recorrentes não podem contestar o fraco poder de mercado da nova entidade referindo o considerando 143 da decisão recorrida, segundo o qual a Comissão reconheceu a capacidade da Microsoft de empreender políticas de encerramento noutros mercados. Com efeito, esse considerando não diz respeito ao mercado das comunicações profissionais, mas ao mercado das comunicações residenciais e, nomeadamente, à possibilidade de a nova entidade combinar outros produtos da Microsoft, concretamente o Windows, o Windows Internet Explorer ou o Microsoft Office, com o produto da Skype.

    130

    Além disso, as recorrentes não forneceram qualquer outro elemento que permita demonstrar que a nova entidade tinha a capacidade para levar a efeito a estratégia de encerramento de mercado que denunciam.

    131

    Em segundo lugar, no que toca aos incentivos da nova entidade para prosseguir uma estratégia desse tipo, deve recordar‑se que as recorrentes não apresentaram qualquer elemento concreto quanto aos ganhos que a mesma poderia obter com essa estratégia. Contentam‑se em referir a grande dimensão da base de utilizadores da Skype, o valor da transacção, que ascende a 8,5 mil milhões de USD, certas declarações do presidente‑diretor‑geral da Microsoft e as práticas de exclusão anteriores desta.

    132

    Ora, na falta de qualquer informação quanto à realidade, à amplitude e à natureza da procura de um produto que integra o produto da Skype e o Lync, é difícil, ou mesmo impossível, apreciar se uma estratégia de exclusão pode ser proveitosa para a nova entidade. Além disso, na medida em que o produto da Skype continua disponível como programa informático telecarregável por todos os utilizadores, incluindo as empresas, é igualmente difícil responder à questão de saber se essas empresas preferirão o produto integrado a um sistema de comunicações profissionais concorrente combinado com o telecarregamento do programa informático Skype. Estas falhas não podem ser supridas através de referências a práticas comerciais anteriores respeitantes a outros mercados diferentes do das comunicações residenciais, ao valor da transação e a declarações comerciais gerais de certos representantes da Microsoft.

    133

    Não existem, portanto, fatores tangíveis que permitam concluir que a nova entidade seria incitada a pôr em prática uma estratégia de encerramento de mercado.

    134

    Em terceiro lugar, quanto à incidência global provável de tal estratégia nos preços e na livre escolha, deve recordar‑se, como fizeram a Comissão e a interveniente, que a presença do Lync no mercado das comunicações profissionais é por certo significativa, mas inferior à dos seus concorrentes, nomeadamente a Cisco. Na medida em que a implementação da estratégia demorará vários anos (v. n.os 120 e 121, supra), não era previsível, aquando da adoção da decisão recorrida, que uma estratégia dessa possa natureza conduzir a uma inversão dos dados concorrenciais a favor do Lync nos anos vindouros, após essa adoção.

    135

    O facto de o Lync poder ser vendido em combinação com outros produtos da gama Microsoft em nada altera esta conclusão, pois essa estratégia de venda não depende da concentração objeto da decisão recorrida.

    136

    Assim, a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto na sua apreciação dos efeitos de conglomerado no mercado das comunicações profissionais.

    137

    Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda alegação e, por este motivo, o segundo fundamento na sua totalidade.

    138

    Face às considerações precedentes, há que negar provimento ao presente recurso.

    139

    Por fim, no que toca ao primeiro ponto das conclusões, as recorrentes pedem, em substância, que o Tribunal Geral adote uma medida de organização de processo que obrigue a Comissão a fornecer‑lhes todos os documentos relativos às negociações, entre ela e as partes na transação, respeitantes a eventuais compromissos de interoperabilidade. Na medida em que resulta das considerações precedentes que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação manifesto ao aprovar a concentração com base no arrigo 6.° do Regulamento n.o 139/2004, não se coloca, no quadro do presente recurso, a questão de saber se a Comissão pôde eventualmente ter discussões respeitantes a compromissos de interoperabilidade. Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que não é necessário adotar a medida de organização do processo visada pelo primeiro ponto das conclusões.

    Quanto às despesas

    140

    Por força do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão e da interveniente.

     

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

    decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Cisco Systems Inc. e a Messagenet SpA suportarão as suas próprias despesas bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia e pela Microsoft Corp.

     

    Papasavvas

    van der Woude

    Wetter

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de dezembro de 2013.

    Assinaturas

    Índice

     

    Factos na origem do litígio

     

    Partes no processo

     

    Procedimento administrativo

     

    Conteúdo da decisão recorrida

     

    Tramitação processual e pedidos das partes

     

    Questão de direito

     

    Quanto à admissibilidade

     

    Quanto ao mérito

     

    Quanto às exigências de prova da Comissão e à intensidade da fiscalização jurisdicional

     

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo aos efeitos horizontais da operação de concentração no mercado das comunicações residenciais

     

    — Quanto à quota de mercado

     

    — Quanto aos efeitos de rede

     

    — Quanto ao prejuízo para a concorrência

     

    Quanto ao segundo fundamento, relativo aos efeitos de conglomerado da operação de concentração no mercado das comunicações profissionais

     

    — Quanto à fundamentação

     

    — Quanto à existência de erro manifesto de apreciação

     

    Quanto às despesas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    Top

    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Parte decisória

    Partes

    No processo T‑79/12,

    Cisco Systems Inc., com sede em San Jose, Califórnia (Estados Unidos),

    Messagenet SpA, com sede em Milão (Itália),

    representadas por L. Ortiz Blanco, J. Buendía Sierra, A. Lamadrid de Pablo e K. Jörgens, advogados,

    recorrentes,

    contra

    Comissão Europeia, representada por N. Khan, S. Noë e C. Hödlmayr, na qualidade de agentes,

    recorrida,

    apoiada por:

    Microsoft Corp. , com sede em Seattle, Washington (Estados Unidos), representada por G. Berrisch, advogado,

    interveniente,

    que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2011) 7279 final da Comissão, de 7 de outubro de 2011, relativa à compatibilidade com o mercado interno e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) da operação de concentração de empresas com vista à aquisição da Skype Global Sarl pela Microsoft Corp. (processo COMP/M.6281 ‑ Microsoft/Skype),

    O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

    composto por: S. Papasavvas, exercendo funções de presidente, M. van der Woude (relator) e C. Wetter, juízes,

    secretário: S. Spyropoulos, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 29 de maio de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão

    Factos na origem do litígio

    Partes no processo

    1. As recorrentes, Cisco Systems Inc. (a seguir «Cisco») e Messagenet SpA, são empresas que fornecem, nomeadamente, serviços e programas informáticos de comunicações por Internet, respetivamente, às empresas e ao público em geral.

    2. A interveniente, Microsoft Corp., concebe, desenvolve e comercializa uma vasta gama de produtos sob a forma de programas informáticos destinados a diferentes tipos de equipamentos informáticos. Esses produtos incluem serviços e programas informáticos para comunicações por Internet.

    3. A Skype Global Sarl (a seguir «Skype») fornece serviços e programas informáticos de comunicações por Internet. Os seus produtos permitem as mensagens instantâneas, as audiochamadas e as videocomunicações por Internet.

    Procedimento administrativo

    4. Em 2 de setembro de 2011, a Microsoft notificou uma concentração, em conformidade com o disposto no artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1), através da qual pretendia adquirir o controlo da Skype.

    5. As recorrentes participaram no inquérito levado a cabo pela Comissão Europeia. A esse título, antes mesmo da notificação formal da operação de concentração pela Microsoft, a Cisco participou numa reunião com a Comissão em 1 de agosto de 2011 e respondeu às suas questões em 12 de 18 de agosto de 2011, tendo mais tarde fornecido respostas complementares, em 9 de setembro de 2011. A Cisco respondeu igualmente a outras questões colocadas pela Comissão, em 13 de setembro de 2011, tendo fornecido informações complementares durante uma videoconferência, em 14 de setembro de 2011, e observações escritas, em 19 e 26 de setembro de 2011. Quanto à Messagenet, enviou observações escritas à Comissão em 20 de setembro de 2011, participou numa teleconferência em 4 de outubro de 2011 e forneceu informações complementares no mesmo dia.

    6. Em 7 de outubro de 2011, em aplicação do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 139/2004, a Comissão adotou a Decisão C (2011) 7279 relativa à compatibilidade com o mercado interno e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) da operação de concentração de empresas com vista à aquisição da Skype Global Sarl pela Microsoft Corp. (processo COMP/M.6281 ‑ Microsoft/Skype) (a seguir «decisão recorrida»).

    Conteúdo da decisão recorrida

    7. Na decisão recorrida, a Comissão considerou que se devia distinguir entre os serviços de comunicações por Internet destinados ao grande público (a seguir «comunicações residenciais») e os destinados aos clientes empresas (a seguir «comunicações profissionais») (considerandos 10 a 17 da decisão recorrida). A Comissão não considerou que fosse necessário, para efeitos da sua análise concorrencial, proceder a uma segmentação mais detalhada dentro de cada uma dessas duas grandes categorias de comunicações, pois entendeu que a operação notificada não levantava problemas de concorrência, mesmo nos mercados definidos da forma mais restritiva (considerandos 18 a 63 da decisão recorrida). A Comissão prosseguiu, por conseguinte, a sua análise examinando a incidência da concentração em cada um dos dois mercados que tinha identificado.

    8. Quanto à dimensão geográfica dos mercados, na medida em que a Comissão considerou que a transação não levantava problemas de concorrência, mesmo relativamente ao mercado mais restrito, a saber, o do Espaço Económico Europeu (EEE), a Comissão não tomou posição sobre a definição precisa do mercado geográfico de referência (considerandos 64 a 68 da decisão recorrida).

    9. No tocante aos efeitos horizontais da concentração no mercado das comunicações residenciais, após ter examinado as caraterísticas do mercado (considerandos 69 a 95 da decisão recorrida), a Comissão referiu‑se aos segmentos mais restritos possíveis nos quais existia a maior sobreposição entre os serviços da Microsoft e os da Skype, a saber, o das mensagens instantâneas efetuadas a partir de computadores pessoais (a seguir «PC») que funcionam com o sistema operativo Windows (a seguir «Windows»), o das audiochamadas efetuadas a partir de PC que funcionam com Windows e o segmento das videocomunicações efetuadas a partir desse mesmo tipo de PC. A Comissão considerou que a transação não levantava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, mesmo nesses segmentos restritos (considerandos 96 a 132 da decisão recorrida). Em particular, no segmento das videocomunicações em PC que funcionam com Windows (a seguir «mercado restrito»), em que a nova entidade teria uma quota de mercado de 80% a 90% com os serviços da Skype e os serviços da Microsoft propostos com a marca «Windows Live Messenger» (a seguir «WLM»), a Comissão considerou que a Microsoft ficaria sujeita a pressão concorrencial.

    10. A decisão recorrida analisou igualmente a questão de saber se a concentração gerava efeitos de conglomerado no mercado das comunicações residenciais, atendendo, nomeadamente, à posição importante de que beneficiavam certos produtos da Microsoft, tais como o Windows, o navegador Windows Internet Explorer e o Microsoft Office noutros mercados de programas informáticos. A Comissão considerou a esse respeito que a nova entidade tinha a capacidade de, mas não seria incitada a, utilizar essa posição para falsear a concorrência a favor dos produtos da Skype e da Microsoft, reduzindo a interoperabilidade desses produtos com produtos concorrentes ou recorrendo a práticas de geminação ou de vendas relacionadas. Segundo a Comissão, mesmo que a nova entidade tentasse prosseguir essa estratégia de encerramento, os efeitos anticoncorrenciais seriam limitados, ou mesmo inexistentes (considerandos 133 a 170 da decisão recorrida).

    11. No que respeita aos efeitos horizontais da concentração no mercado das comunicações profissionais, a Comissão concluiu que a transação não levantava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A presença da Skype no mercado seria limitada e a nova entidade não se tornaria líder de mercado, mesmo nos segmentos mais restritos do mercado em que a Skype, não obstante, operaria (considerandos 177 a 202 da decisão recorrida).

    12. A decisão recorrida respondeu igualmente a certos receios que operadores de telefone tradicional e outros fornecedores de serviços de comunicações profissionais tinham manifestado, aquando do inquérito, sobre possíveis efeitos de conglomerado no mercado das comunicações profissionais, considerando que esses receios não eram fundados (considerandos 203 a 221 da decisão recorrida). Um desses receios dizia respeito à possibilidade de que a nova entidade criasse uma combinação privilegiada da clientela da Skype com a do Lync, que é um programa informático de comunicações desenvolvido pela Microsoft e destinado às empresas, o que conferiria um trunfo importante à nova entidade junto das empresas que exploram centros de atendimento de chamadas ( call centers ). Todavia, segundo a decisão recorrida, a nova entidade não terá a capacidade de, e não será incentivada a, levar a cabo uma estratégia de exclusão, cujos efeitos anticoncorrenciais seriam de qualquer forma improváveis (considerandos 213 a 221 da decisão recorrida).

    Tramitação processual e pedidos das partes

    13. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de fevereiro de 2012, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

    14. Por ato separado apresentado no mesmo dia, as recorrentes formularam um pedido de tramitação processual acelerada, nos termos do disposto no artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e, a título subsidiário, de tratamento prioritário na aceção do artigo 55.°, n.° 2, do mesmo regulamento.

    15. Em 22 de março de 2012, o Tribunal Geral decidiu indeferir o pedido de tramitação acelerada. Por outro lado, o Tribunal não acolheu o pedido de tramitação prioritária da causa.

    16. Por despacho de 23 de maio de 2012, o presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Microsoft, apresentado na Secretaria do Tribunal em 2 de março de 2012.

    17. Em 29 de maio de 2012, as partes foram informadas de que uma segunda troca de articulados não era necessária, nos termos do disposto no artigo 47.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

    18. Em 11 de julho de 2012, a Microsoft apresentou alegações de intervenção. Em 24 de outubro de 2012, as recorrentes e a Comissão apresentaram as suas observações relativamente às referidas alegações.

    19. Em 12 de setembro de 2012, o Tribunal Geral colocou questões por escrito às partes no quadro de medidas de organização do processo. As partes responderam a essas questões nos prazos estabelecidos.

    20. Uma vez que dois membros da Secção estavam impedidos de participar no julgamento, o presidente do Tribunal Geral designou, em aplicação do disposto no artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, dois outros juízes para completar a secção.

    21. Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo e, no quadro de medidas de organização do processo, colocou uma questão por escrito à interveniente, convidando‑a a responder na audiência. A interveniente satisfez este pedido.

    22. As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral, na audiência de 29 de maio de 2013.

    23. As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    ¾ ordenar as medidas de organização do processo que o Tribunal julgue necessárias e, em particular, ordenar à Comissão que forneça ao Tribunal todos os documentos relativos às negociações respeitantes às comunicações entre a Comissão e as partes na transação relativamente a eventuais compromissos de interoperabilidade;

    ¾ anular a decisão recorrida;

    ¾ condenar a Comissão nas despesas.

    24. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

    ¾ julgar o recurso, em parte, inadmissível e improcedente quanto ao resto;

    ¾ condenar a recorrente nas despesas.

    25. A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    ¾ negar provimento ao recurso;

    ¾ condenar as recorrentes nas despesas.

    Questão de direito

    26. As recorrentes invocam dois fundamentos de recurso, relativos a erros manifestos de apreciação da Comissão na aplicação dos artigos 2.° e 6.° do Regulamento n.° 139/2004 e a uma violação do dever de fundamentação tal como resulta do artigo 296.° TFUE. O primeiro fundamento diz respeito à apreciação dos efeitos horizontais da concentração no mercado das comunicações residenciais. O segundo fundamento diz respeito a erros cometidos pela Comissão na apreciação do efeito no mercado das comunicações profissionais que teria a eventual combinação da base de utilizadores da Skype com os serviços do Lync.

    27. Em introdução a estes dois fundamentos, as recorrentes invocam argumentos sobre as exigências de prova que incumbem à Comissão quando aplica o Regulamento n.° 139/2004 e a intensidade da fiscalização de legalidade exercida pelo Tribunal Geral neste domínio.

    28. Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade por ato separado com fundamento no disposto no artigo 114.° do Regulamento de Processo, a Comissão alega, na contestação, que a Cisco não tem interesse em pedir a anulação da decisão recorrida no âmbito do primeiro fundamento do recurso, e que a Messagenet não tem qualidade para interpor o presente recurso.

    Quanto à admissibilidade

    29. Quanto à admissibilidade do recurso no que diz respeito à Cisco, a Comissão, apoiada pela interveniente, não contesta que a decisão recorrida diz individual e diretamente respeito à Cisco e que, portanto, nesta medida, a Cisco tem qualidade para impugná‑la, mas considera que a mesma não tem interesse em fazê‑lo relativamente à parte da dessa decisão que diz re speito ao mercado das comunicações residenciais, pelo que o primeiro fundamento é inadmissível. Com efeito, na medida em que esse fundamento visa obter a declaração de que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação da incidência concorrencial da concentração num mercado em que a Cisco não está presente, neste caso o das comunicações residenciais, o acolhimento do referido fundamento não lhe poderá conferir qualquer vantagem. A Comissão considera que as recorrentes não têm a faculdade de invocar fundamentos exclusivamente no interesse da lei.

    30. No que se refere à Messagenet, a Comissão, apoiada pela interveniente, alega que a fraca participação da Messagenet no procedimento administrativo não basta para que lhe seja reconhecida a qualidade para pedir a anulação da decisão recorrida. Observa, além disso, que a participação da Messagenet no referido procedimento não teve qualquer influência no conteúdo da decisão recorrida e que ela não foi identificada como concorrente da Skype nesse procedimento. A Comissão precisou na audiência que a Messagenet nem sequer fornecia programas informáticos para as videocomunicações.

    31. Daí a Comissão e a interveniente concluem que o primeiro fundamento é inadmissível na medida em que diz respeito à Cisco, e que o recurso é integralmente inadmissível na medida em que diz respeito à Messagenet.

    32. As recorrentes contestam os argumentos da Comissão quanto à admissibilidade do recurso.

    33. No que toca à admissibilidade do recurso da Cisco, deve recordar‑se que o artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE permite a outra pessoa que não o destinatário de um ato interpor recurso de anulação desse ato, se este lhe disser individual e diretamente respeito.

    34. Segundo a jurisprudência, a questão da qualidade para agir de um recorrente é apreciada em função dos efeitos que o ato impugnado tem sobre a sua situação jurídica na medida em que o referido recorrente é, por um lado, diretamente afetado pelo ato impugnado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, Colet., p. I‑2477, n.° 9, e acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colet., p. II‑121, n.° 80) e, por outro, individualmente afetado por esse mesmo ato (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colet. 1962‑1964, p. 273, 284). Em contrapartida, a qualidade para agir do recorrente não é determinada em função dos fundamentos de recurso por ela aduzidos.

    35. O mesmo se passa relativamente à questão de saber se um recorrente tem interesse em agir. Esse interesse decorre das consequências que a anulação do ato impugnado poderá ter na situação jurídica do recorrente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, 53/85, Colet., p. 1965, n.° 21, e do Tribunal Geral de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colet., p. II‑753, n.° 40). Esse interesse deve ser real e atual, é apreciado no dia em que o recurso é interposto e só existe se o recurso puder, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (v. acórdão do Tribunal Geral de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, Colet., p. II‑1931, n.° 40 e a jurisprudência referida).

    36. Ora, no caso em apreço, a Cisco tinha, no dia em que interpôs o seu recurso, um interesse real e atual em ver anulada a decisão recorrida, uma vez que esta autorizava uma operação de concentração, que envolve um dos seus principais concorrentes, suscetível de afetar a sua situação comercial. Por consequência, o interesse em agir dessa recorrente em relação ao dispositivo da decisão recorrida não pode ser contestado (v., neste sentido, acórdão easyJet/Comissão, já referido, n.° 41).

    37. Embora seja certo que o Tribunal Geral se deve opor a que um recorrente invoque fundamentos que não tenha interesse individual em invocar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de junho de 1983, Schloh/Conselho, 85/82, Recueil, p. 2105, n. os  13 e 14), isso não acontece com o primeiro fundamento invocado pelas recorrentes no caso em apreço. Com efeito, esse fundamento visa diretamente a apreciação dos efeitos horizontais da concentração e, portanto, um dos fundamentos do dispositivo da decisão recorrida. Uma vez que a Cisco tem interesse em agir contra esse dispositivo, tem igualmente interesse em contestar os fundamentos e elementos de raciocínio que conduziram a Comissão a adotar esse dispositivo (v., neste sentido, acórdão easyJet, já referido, n.° 41).

    38. Além disso, deve recordar‑se que a inexistência de uma relação de concorrência entre uma empresa recorrente e as empresas partes na concentração não significa necessariamente que o recurso interposto pela primeira seja inadmissível, nomeadamente quando opera num mercado vizinho do destas últimas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, ARD/Comissão (T‑158/00, Colet., p. II‑3825, n. os  78 a 95).

    39. Ora, os dois fundamentos de recurso avançados pelas recorrentes estão estreitamente ligados. O segundo fundamento assenta, assim, na premissa de que a nova entidade se servirá da sua posição importante no mercado das comunicações residenciais, nomeadamente em relação às videocomunicações, como alavanca para falsear as condições de concorrência no mercado das comunicações profissionais. As recorrentes alegam, dentro da mesma lógica, que a finalidade económica da concentração no mercado das comunicações residenciais se explica, em parte, pela possibilidade de uma rentabilização no mercado das comunicações profissionais.

    40. Quanto à qualidade para agir da Messagenet, deve observar‑se que a Cisco e a Messagenet apresentaram um só e mesmo recurso. Ora, segundo jurisprudência doravante bem assente, uma vez que se trata de um só e mesmo recurso, desde que uma das recorrentes disponha da qualidade para agir, não há que examinar a qualidade para agir das outras recorrentes, a não ser com base em considerações de economia processual (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colet., p. I‑1125, n.° 31, e do Tribunal Geral de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T‑282/06, Colet., p. II‑2149, n. os  50 a 52). Na situação do caso em apreço, mesmo admitindo que um exame em separado da admissibilidade do recurso da Messagenet revelasse que esta não tem qualidade para agir, o Tribunal Geral deveria, todavia, examinar o recurso na íntegra. Não existem, portanto, motivos de economia processual que justifiquem que o Tribunal Geral se afaste da jurisprudência em causa.

    41. Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação da Comissão quanto à admissibilidade e declarar o recurso admissível.

    Quanto ao mérito

    Quanto às exigências de prova da Comissão e à intensidade da fiscalização jurisdicional

    42. A título preliminar, as recorrentes avançam vários argumentos respeitantes às exigências de prova que incumbem Comissão no seu controlo das concentrações, e à intensidade da fiscalização de legalidade exercida pelo Tribunal Geral nesse domínio.

    43. As recorrentes alegam que, diferentemente das decisões tomadas nos termos do disposto no artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004, a Comissão não beneficia de qualquer poder discricionário quando decide com fundamento no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento. A fiscalização de legalidade que o Tribunal Geral é chamado a exercer em relação às decisões tomadas na base desta última disposição não diz respeito à questão de saber se a concentração em análise entrava significativamente a concorrência no mercado interno, mas à questão de saber se a concentração suscita objetivamente dúvidas sérias que necessitem de um exame complementar. As recorrentes consideram que esse tipo de fiscalização deveria corresponder à que exerce o Tribunal Geral em matéria de auxílios estatais relativamente aos atos pelos quais a Comissão decide ou não dar início a um procedimento na aceção do artigo 108.°, n.° 2, TFUE. O Tribunal Geral não pode, portanto, limitar‑se a verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. O Tribunal Geral deverá, pelo contrário, examinar se a Comissão podia concluir, sem dúvidas razoáveis, que a concentração impugnada não colocava problemas de concorrência, mesmo no mercado mais restrito possível.

    44. A Comissão, apoiada pela interveniente, contesta estes argumentos.

    45. Deve recordar‑se que, quando a Comissão analisa uma concentração para efeitos do disposto no artigo 2.° do Regulamento n.° 139/2004, efetua uma primeira fase de investigação para apurar se a concentração suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Se concluir que a concentração em análise suscita essas dúvidas, a Comissão dá início a uma segunda fase de investigação no fim da qual deve decidir se a concentração entrava significativamente a concorrência no mercado interno na aceção do artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004.

    46. Embora seja verdade que, diferentemente do artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004, o artigo 6.° desse regulamento se refere à existência ou ausência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração notificada com o mercado interno, não é menos verdade que a Comissão se deve basear, em ambos os casos, nos mesmos critérios de apreciação, tais como são previstos no artigo 2.° do mesmo regulamento. De igual forma, contrariamente ao que as recorrentes alegam, as exigências de prova não são mais elevadas para as decisões tomadas nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 139/2004 que para as tomadas nos termos do artigo 8.° do mesmo regulamento. Com efeito, autorize a Comissão, como no caso em apreço, uma concentração no fim da primeira fase ou depois de uma segunda fase de exame, as exigências de prova são idênticas. A resposta à questão de saber se a Comissão pode decidir com fundamento no artigo 6.° ou com fundamento no artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004 depende, assim, da disponibilidade das provas no tempo, mas não do seu nível, tal como resulta, de resto, do considerando 35 do Regulamento n.° 139/2004.

    47. No que respeita às exigências de prova, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, Colet., p. I‑4951, n. os  50 a 53) que a Comissão está, em princípio, obrigada a tomar posição ou no sentido da autorização da operação de concentração que lhe foi submetida, ou no da sua proibição, consoante a sua apreciação da evolução económica atribuível à operação em causa cuja probabilidade é mais elevada. Trata‑se, portanto de uma apreciação de probabilidades, como alega a Comissão, e não, como sustentam as recorrentes, de uma obrigação da Comissão de demonstrar, sem dúvidas razoáveis, que uma concentração não levanta problemas de concorrência.

    48. A este propósito, a Comissão lembra com razão que o Regulamento n.° 139/2004 não assenta numa presunção de incompatibilidade das concentrações com o mercado interno. O regime de controlo de concentrações não pode, portanto, ser comparado com o regime de controlo instituído pelos artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE, que se baseia num sistema de proibição e de derrogações.

    49. É verdade que as recorrentes observam, igualmente com razão, que o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 139/2004 não confere à Comissão poder discricionário quanto à decisão de dar início a uma segunda fase de investigação suplementar quando se depara com dúvidas sérias sobre a compatibilidade da concentração com o mercado interno. Com efeito, quando a Comissão tem dúvidas sérias quanto à compatibilidade de uma concentração com o mercado interno, é obrigada a dar início a uma segunda fase de investigação. Todavia, ainda que o conceito de «dúvidas sérias» revista caráter objetivo, a Comissão lembra, acertadamente, que não é menos verdade que, antes de adotar uma decisão nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 139/2004, tem de efetuar apreciações económicas complexas e que dispõe, para esse efeito, de uma certa margem de apreciação que o Tribunal Geral deve ter em conta (acórdão do Tribunal Geral de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T‑119/02, Colet., p. II‑1433, n.° 77).

    50. Por conseguinte, seja para as decisões adotadas nos termos do artigo 6.° seja para as adotadas com base no artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004, a jurisprudência prevê um grau de fiscalização jurisdicional idêntico. Em ambos os casos, como sustenta a Comissão, a fiscalização exercida pelo juiz da União sobre as apreciações económicas complexas da Comissão deve limitar‑se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, da inexatidão material dos factos, bem como da inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvio de poder. A este propósito, cabe recordar que o juiz da União deve não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa, e se são de molde a sustentar as conclusões daí retiradas (v., em relação às decisões tomadas nos termos do artigo 8.° do Regulamento n.° 139/2004, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colet., p. I‑987, n.° 39, e em relação às decisões tomadas nos termos do artigo 6.° do mesmo regulamento, acórdão Sun Chemical Group e o./Comissão, já referido, n.° 60).

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo aos efeitos horizontais da operação de concentração no mercado das comunicações residenciais

    51. Segundo a decisão recorrida, as atividades da Skype no domínio das comunicações residenciais e as atividades exercidas pela Microsoft com o WLM sobrepõem‑se. Essa sobreposição diz respeito, nomeadamente, às videocomunicações feitas a partir de PC que funcionam com Windows, que constitui um mercado restrito. Nesse mercado restrito, o WLM detém uma quota de 30% a 40% e o serviço da Skype de 40% a 50%, pelo que a concentração dá lugar a uma quota de mercado combinada compreendida entre 80% e 90% (considerandos 97 a 102 e 109 da decisão recorrida).

    52. A Comissão considerou, todavia, que essa combinação não levantava dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado interno. Em primeiro lugar, nesse sentido, considerou que as quotas de mercado não são muito indicativas de um poder concorrencial num mercado em plena expansão e que, na medida em que os serviços de videocomunicações são propostos gratuitamente, qualquer tentativa de impor preços incitaria os consumidores a mudarem de fornecedor. O mesmo aconteceria se a entidade resultante da concentração deixasse de inovar, pois os consumidores atribuem grande importância à inovação dos produtos. Em segundo lugar, a nova entidade sofreria a pressão concorrencial tanto da parte dos novos operadores que propõem produtos inovadores como da parte de numerosos operadores existentes, entre os quais a Google e a Facebook. Em terceiro lugar, a procura de videocomunicações propostas pelo WLM encontram‑se em acentuado declínio. Além disso, a presença do WLM nas tablets e nos smartphones é muito limitada, embora quando se trate de plataformas de utilização em plena expansão. Em quarto lugar, os efeitos de rede, aos quais a concentração poderia dar lugar, seriam reduzidos pelo facto de os utilizadores terem tendência para comunicar em pequenos grupos restritos e utilizarem uma variedade de operadores. Estes fatores mostram a facilidade com que os grupos de utilizadores migram para outros serviços de comunicações.

    53. As recorrentes consideram que, se a Comissão tivesse aplicado corretamente as Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5, a seguir «orientações para apreciação das concentrações horizontais») e respeitado a sua prática decisória anterior, deveria ter examinado mais aprofundadamente os efeitos anticoncorrenciais da concentração. As recorrentes consideram que a Comissão deveria ter analisado se esses problemas poderiam ter sido resolvidos pela imposição de condições destinadas a assegurar a interoperabilidade entre os serviços de comunicações propostos pela nova entidade e os serviços propostos por fornecedores concorrentes. Ao aprovar a transação na primeira fase sem exigir compromissos nesse sentido, a Comissão havia cometido vários erros manifestos de apreciação ao abster‑se de suscitar dúvidas sérias em relação à transação em causa.

    54. Em apoio desse primeiro fundamento, as recorrentes avançam, em substância, três alegações.

    55. Em primeiro lugar, as recorrentes censuram a Comissão por não ter tido em conta os efeitos de rede nos mercados das comunicações residenciais, nomeadamente os que se produziriam no mercado restrito. Segundo as recorrentes, a análise dos efeitos de rede pela Comissão é contrária à sua prática decisória anterior e a Comissão violou o seu dever de fundamentação ao não explicar as razões pelas quais se tinha afastado dessa prática.

    56. Em segundo lugar, as recorrentes precisam que a combinação de uma quota de mercado muito elevada e de um grau de concentração de 7 340 segundo o índice de Herfindahl‑Hirschmann (a seguir «IHH») constituía, pelo menos, um forte indício da existência de problemas de concorrência que justificavam a abertura de um inquérito complementar, sem que os argumentos avançados na decisão recorrida afetem o valor probatório desses dois elementos. Finalmente, a decisão recorrida não contém qualquer prova da possibilidade de os consumidores mudarem de fornecedor se a nova entidade deixasse de inovar ou de assegurar uma interoperabilidade com serviços concorrentes.

    57. Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que a Comissão apreciou mal as pressões concorrenciais às quais a nova entidade estaria sujeita.

    58. A Comissão e a interveniente consideram que os argumentos das recorrentes são infundados.

    59. Resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 139/2004 que só as concentrações que entravem significativamente uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste, nomeadamente devido à criação ou ao reforço de uma posição dominante, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado interno.

    60. No tocante às concentrações horizontais, as Orientações para a apreciação das concentrações horizontais descrevem os critérios que a Comissão tenciona aplicar para determinar se uma concentração preenche as condições da proibição prevista no artigo 2.° do Regulamento n.° 139/2004. Resulta do n.° 22 dessas orientações que tais condições podem estar reunidas, nomeadamente, quando uma concentração conduzir à eliminação de importantes pressões concorrenciais sobre as partes na concentração, as quais disporão, consequentemente, de um de poder de mercado acrescido, sem ter de recorrer a um comportamento coordenado.

    61. Segundo o n.° 8 das orientações para apreciação das concentrações horizontais, o facto de uma ou várias empresas disporem de um poder de mercado acrescido é suscetível de causar prejuízos à concorrência, se esse poder permitir que a entidade resultante da concentração proceda, de forma lucrativa, a aumentos de preços, a reduções da produção, a limitações na escolha ou a reduções da qualidade dos bens e dos serviços propostos bem como a uma diminuição da inovação ou, ainda, se esse poder lhe permitir influenciar outros parâmetros de concorrência.

    62. Segundo a jurisprudência, o ónus de provar que uma concentração produz esses prejuízos à concorrência incumbe à Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 21 de setembro de 2005, EDP/Comissão, T‑87/05, Colet., p. II‑3745, n.° 61). Deve recordar‑se igualmente que, quando a Comissão se baseia num comportamento futuro que, em sua opinião, será adotado por uma entidade resultante de uma fusão na sequência de uma operação de concentração, cabe‑lhe demonstrar, com base em provas sólidas e com um grau de probabilidade suficiente, que esse comportamento se produzirá realmente (acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, Colet., p. II‑5575, n.° 464).

    63. Assim, na medida em que é chamada a efetuar uma análise prospetiva que necessita de uma tomada em consideração de numerosos fatores económicos, a Comissão goza de uma margem de apreciação que o Tribunal Geral deve ter em conta no exercício da sua fiscalização. Isso não implica, no entanto, que o Tribunal Geral se deva abster de fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica, tal como foi reconhecido no n.° 50, supra .

    64. É à luz destas considerações que há que examinar os argumentos avançados pelas recorrentes em apoio do primeiro fundamento. Este exame será, todavia, efetuado por uma ordem diferente daquela em que as recorrentes apresentaram os seus argumentos. Com efeito, convém examinar, em primeiro lugar, os argumentos relativos à quota de mercado, para em seguida apreciar os argumentos relativos aos efeitos de rede. Por último, há que analisar os argumentos respeitantes ao prejuízo que a concentração impugnada é suscetível de causar à concorrência.

    — Quanto à quota de mercado

    65. Quanto à quota de mercado muito elevada no mercado restrito, resulta do ponto 17 das Orientações para a apreciação das concentrações horizontais bem como da jurisprudência referida nesse ponto que quotas de mercado de 50% e superiores são suscetíveis de constituir provas sérias da existência de uma posição dominante. Deve, no entanto, precisar‑se que as quotas de mercado apenas podem ser utilizadas como indícios de problemas concorrenciais quando o mercado a que essas quotas dizem respeito tenha sido definido previamente. O mesmo se passa com o IHH a que as recorrentes fazem igualmente referência.

    66. Ora, no caso em apreço, a Comissão limitou‑se a diferenciar as comunicações residenciais das comunicações profissionais (v. n.° 7, supra ). Em contrapartida, não tomou posição sobre a questão de saber se se devia identificar, dentro da categoria das comunicações residenciais, a existência de mercados de referência mais restritos em função das funcionalidades, das plataformas ou dos sistemas de exploração dessas comunicações, pois considerou que a concentração notificada não levantava problemas de caráter concorrencial mesmo nos mercados mais restritos. A Comissão concluiu, nomeadamente, que, mesmo baseando‑se no mercado restrito, a nova entidade ficaria sujeita a importantes pressões concorrenciais.

    67. Por conseguinte, as recorrentes baseiam a sua alegação relativa a um poder de mercado detido pela nova entidade no mercado restrito num postulado inexato, na medida em que a Comissão não definiu a existência de um mercado específico de videocomunicações residenciais a partir de PC que funcionam com Windows. A Comissão não demonstrou na decisão recorrida que os operadores presentes no mercado restrito pudessem agir independentemente da pressão concorrencial proveniente dos outros meios de comunicações residenciais, tais como os serviços propostos a partir de outras plataformas ou de outros sistemas de exploração. Além disso, as próprias recorrentes não apresentaram qualquer prova ou estudo que permita concluir pela existência de um mercado restrito dessa natureza. Em contrapartida, limitaram‑se a criticar os elementos que tinham sido expostos na decisão recorrida para relativizar a importância das quotas de mercado (v. n.° 56, supra ). Essas críticas são, de resto, infundadas.

    68. Em primeiro lugar, no que diz respeito aos números relativos à utilização do WLM, basta observar que os números mencionados na decisão recorrida demonstram uma flutuação importante da quota de mercado do WLM num lapso de tempo relativamente limitado de sete meses. Independentemente da questão de saber se as perdas de quotas de mercado beneficiaram a Skype ou outros fornecedores de serviços de videocomunicações, não é menos verdade que os números revelam a instabilidade das quotas de mercado no mercado restrito, que a Comissão considerou exclusivamente para efeitos da sua análise.

    69. Além disso, e sobretudo, como foi sublinhado pela Comissão na decisão recorrida e na contestação, bem como pela interveniente, o setor das comunicações residenciais é um setor recente em plena fase de expansão, que se carateriza por curtos ciclos de inovação e em que grandes quotas de mercado se podem revelar efémeras. Nesse contexto dinâmico, as quotas de mercado elevadas não são necessariamente indicativas de um poder de mercado e, portanto, de um prejuízo duradouro para a concorrência que o Regulamento n.° 139/2004 procura prevenir.

    70. Em segundo lugar, embora os PC continuem a ser a plataforma mais utilizada para as videocomunicações residenciais, parte substancial e crescente da nova procura destes serviços provém dos utilizadores de tablets e de smartphones, tendo as vendas dos referidos aparelhos ultrapassado as de PC na Europa Ocidental, segundo o considerando 32 da decisão recorrida. A Comissão e a interveniente têm razão ao invocar a importância desse crescimento, que as recorrentes não contestam, pois qualquer tentativa por parte da nova entidade de exercer poder de mercado no mercado restrito implicaria o risco de reforçar essa tendência em detrimento da nova entidade. Com efeito, a nova entidade está menos presente nessas outras plataformas e deve fazer face a uma forte concorrência dos outros operadores, nomeadamente a Apple e a Google.

    71. Em terceiro lugar, a interveniente observa igualmente com razão que a utilização cada vez mais frequente de tablets e de smartphones para as videocomunicações implica que um número crescente de utilizadores espera que essas comunicações possam ser efetuadas a partir de todos os tipos de plataformas. A fraca presença do WLM nas tablets e nos smartphones não lhe permite satisfazer esta nova procura e reduz, portanto, o seu atrativo comercial. Por conseguinte, a Comissão teve razão em referir essa presença limitada para relativizar a importância das quotas de mercado elevadas verificadas no mercado restrito que tomou como ponto de partida da sua análise concorrencial na decisão recorrida.

    72. Em quarto lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual, a Facebook não seria uma concorrente efetiva da entidade resultante da concentração não poderá vingar. Com efeito, o único elemento que apresentam em apoio desse argumento é o facto de a Facebook possuir uma licença e ser uma aliada estratégica da Skype, e não poder utilizar o programa informático da Skype para propor serviços em concorrência com os serviços a pagar da Skype, denominados «SkypeOut», que permitem, nomeadamente, ligar para números de telefones fixos ou móveis e efetuar videocomunicações que envolvam mais de duas pessoas. As recorrentes não sustentam, no entanto, que esse acordo impediria a Facebook de propor os seus serviços de videocomunicações a consumidores que decidissem afastar‑se da nova entidade, se esta decidisse exercer qualquer poder de mercado. A este respeito, a Comissão e a interveniente alegam, com razão, que a utilização de uma mesma tecnologia por duas empresas não afeta necessariamente as suas relações concorrenciais.

    73. Em quinto lugar, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o caráter gratuito dos serviços é um fator pertinente para a apreciação do poder de mercado da nova entidade. Com efeito, na medida em que os utilizadores esperam receber os serviços de comunicações residenciais gratuitamente, as possibilidades de a nova entidade determinar livremente a sua política de preços é consideravelmente restringida. A Comissão observa, acertadamente, que qualquer tentativa de obrigar os utilizadores a pagarem implicaria o risco de diminuir o atrativo desses serviços e de desviar os utilizadores para outros fornecedores que continuassem a propor os seus serviços gratuitamente. Do mesmo modo, se a nova entidade decidisse deixar de inovar no que respeita aos seus serviços de comunicações, correria igualmente o risco desse tornar menos atractiva, dado o grau de inovação no mercado em causa. Cabe recordar, a este respeito, que não existem constrangimentos de ordem técnica ou económica que impedissem os utilizadores de mudar de fornecedores (v. n.° 79, supra ).

    74. Decorre daqui que as quotas de mercado e o grau de concentração muito elevados no mercado restrito, que a Comissão considerou simplesmente como hipótese de trabalho, não são indicativos de um poder que permita à nova entidade entravar significativamente a concorrência efetiva no mercado interno.

    — Quanto aos efeitos de rede

    75. Relativamente aos efeitos de rede que resultariam da concentração em causa e que entravariam o acesso ao mercado, as recorrentes afirmam que os efeitos de rede se produzem em todos os mercados das comunicações residenciais. No entanto, precisaram na audiência que esses efeitos de rede reforçavam mais a posição dominante da nova entidade no mercado restrito.

    76. Deve observar‑se, desde logo, que a existência de efeitos de rede não confere necessariamente uma vantagem concorrencial à nova entidade. Com efeito, nos segmentos do mercado das comunicações residenciais diferentes das videocomunicações a partir de PC que funcionam com Windows, os operadores concorrentes têm quotas de mercado suficientemente importantes para constituir outras redes. Resulta assim dos considerandos 103 a 105 da decisão recorrida, cujo teor as recorrentes não contestam, que a rede de utilizadores de mensagens instantâneas da Facebook é mais importante que a da entidade resultante da concentração. Da mesma forma, resulta dos considerandos 106 a 108 da decisão recorrida, cujo teor as recorrentes também não contestam, que, no segmento do telefone vocal, a concentração não alteraria a situação existente, na medida em que a quota de mercado do WLM é aí bastante fraca.

    77. Quanto aos efeitos de rede apenas no mercado restrito, as recorrentes não sustentaram de forma alguma, nem demonstraram, que o grau de utilização dos serviços de videocomunicações por PC que funcionam com Windows propostos pelo WLM e pela Skype aumentaria devido à concentração. Com efeito, as recorrentes criticam a análise dos efeitos de rede efetuada pela Comissão, mas não apresentam elementos que indiquem de que forma tais efeitos teriam incidência na concorrência no mercado restrito (v. n.° 55, supra ).

    78. De qualquer forma, a alegação relativa aos efeitos de rede é infundado.

    79. Em primeiro lugar, contrariamente às situações que estavam na base das precedentes decisões da Comissão invocadas pelas recorrentes, e tal como foi indicado pela interveniente, não existem limitações de caráter técnico ou económico que impeçam os utilizadores de telecarregar várias aplicações de comunicações nas suas plataformas informáticas, tanto mais que se trata de programas informáticos gratuitos que são fáceis de telecarregar e ocupam pouco espaço nos seus discos duros.

    80. Em segundo lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual a migração dos consumidores para fornecedores alternativos é complicada, devido à sua pertença a vários pequenos grupos interconectados, assenta na presunção errada de que a migração teria de envolver todos os grupos numa única operação. Ora, a Comissão e a interveniente observam, com razão, que não existe qualquer obstáculo de caráter económico ou técnico a que essa migração seja efetuada por pequenos grupos e a que os utilizadores continuem a utilizar vários programas informáticos de comunicações ao mesmo tempo.

    81. Contrariamente às afirmações não sustentados das recorrentes, a Comissão apresentou, na decisão recorrida, indicações concretas da existência desse fenómeno de hospedagem múltipla. Com efeito, a Comissão não se referiu unicamente a uma coexistência dessa natureza entre o WLM e o serviço da Skype antes da concentração. O relatório referido na nota 52 da decisão recorrida menciona vários outros exemplos de utilização múltipla que envolvem a Skype e fornecedores alternativos, como o Yahoo!, o AIM e o Gmail. Além disso, o considerando 93 da decisão recorrida, cujo teor as recorrentes não contestam, assinala a recente chegada de concorrentes como o Facebook, o Viber, o Fring e o Tango, o que demonstra que, de qualquer forma, os efeitos de rede não criam um entrave ao acesso ao mercado.

    82. Em terceiro lugar, as recorrentes também não contestam a conclusão, nos considerandos 73 a 74 da decisão recorrida, segundo a qual o crescimento da procura dos serviços de videocomunicações pelo grande público se produzirá em grande parte nas plataformas diferentes dos PC, tais como as tablets e os smartphones . Embora o atrativo de um programa informático de comunicação aumente supostamente em função do número de utilizadores, os efeitos de rede só poderão ser significativos se esse programa permitir contactar igualmente os consumidores que se servem dessas outras plataformas para as suas videocomunicações. Ora, no caso em apreço, a presença do WLM noutras plataformas que não os PC que funcionem com Windows não é significativa, pelo que a concentração não altera a situação concorrencial.

    83. Em quarto lugar, no tocante às declarações de natureza comercial dos dirigentes das partes na concentração segundo as quais o valor da Skype aumenta com o número dos seus utilizadores, importa precisar que a Comissão não contesta a existência de efeitos de rede. Com efeito, segundo os considerandos 91 a 94 da decisão recorrida, a Comissão considera unicamente que esses efeitos de rede não erguem barreiras à entrada. Além disso, as referidas declarações confirmam mais do infirmam a posição defendida pela Comissão. Com efeito, essas declarações podem ser interpretadas no sentido de que refletem a vontade da interveniente de se implantar, graças à aquisição da Skype, nas plataformas que o WLM não lhe permitiu alcançar.

    84. Decorre daqui que a alegação relativa aos efeitos de rede e às barreiras à entrada que daí resultariam é infundada.

    — Quanto ao prejuízo para a concorrência

    85. Mesmo que a concentração aumentasse o poder de mercado da interveniente, as recorrentes não fornecem qualquer indicação pertinente quanto à forma como esse suposto poder de mercado permitiria à nova entidade causar prejuízo significativo à concorrência.

    86. Em primeiro lugar, no que diz respeito aos preços, as recorrentes não contestam que os serviços de videocomunicações são propostos gratuitamente aos utilizadores, mas afirmam que as subidas de preços poderiam afetar os serviços da Skype prestados a outras redes, os rendimentos obtidos com a publicidade bem como os rendimentos provenientes de mercados conexos. As recorrentes sustentaram igualmente, na audiência, que a Skype poderia tentar cobrar um preço por alguns serviços que são atualmente gratuitos.

    87. Esses argumentos não podem vingar.

    88. Em primeiro lugar, os serviços a pagar da Skype, nomeadamente os seus serviços SkypeOut, apenas dizem respeito às videocomunicações num grau muito limitado. Com efeito, uma percentagem mínima dos rendimentos do SkypeOut provém das videocomunicações em grupo, que envolvem mais de dois utilizadores ao mesmo tempo. Além disso, tal como foi sublinhado pela Comissão, nenhum operador conseguiu até agora monetizar os seus serviços para as videocomunicações entre dois participantes. Os consumidores esperam que esses serviços lhes sejam prestados gratuitamente. Ora, as recorrentes não demonstraram de que forma a concentração poderia permitir à Skype mudar essas condições de mercado sem os consumidores mudarem de operador.

    89. As recorrentes continuam igualmente a não explicar de que forma um eventual poder de mercado no mercado restrito das videocomunicações em PC que funcionam com Windows permitiria impor uma subida de preços para serviços de comunicações diferentes. Além disso, as recorrentes omitem totalmente as limitações concorrenciais exercidas pelos operadores de telefone tradicional e pelos fornecedores de telefone vocal em linha diferentes da Skype, na hipótese de a nova entidade tentar aumentar os preços das comunicações vocais do SkypeOut.

    90. Em seguida, as recorrentes também não explicam de que forma a nova entidade seria capaz de impor uma subida dos preços aos anunciantes. As recorrentes não sustentaram nem demonstraram que existia um mercado da publicidade composto especificamente pelos serviços de videocomunicações residenciais a partir de PC que funcionam com Windows. Ora, na inexistência de um mercado desse tipo, os anunciantes podem facilmente subtrair‑se a qualquer tentativa de subida de preços reorientando as suas despesas de publicidade para outros media, seja a Internet ou outro.

    91. Finalmente, as recorrentes também não fornecem informações quanto à possibilidade de a nova entidade impor uma subida dos preços em mercados conexos, tais como os serviços de comunicações para empresas. Limitam‑se a remeter para o seu segundo fundamento, que será examinado a seguir.

    92. Em segundo lugar, as alegações das recorrentes quanto à incidência da concentração sobre a qualidade e na inovação dos serviços de videocomunicações são ainda mais abstratas, tanto mais que não põem em causa as conclusões retiradas pela Comissão nos considerandos 81 a 84 da decisão recorrida, segundo as quais os serviços de comunicações destinados ao grande público dependem da inovação. Qualquer tentativa da nova entidade de degradar a qualidade dos seus serviços no mercado restrito não fará mais que acelerar a perda de importância relativa de que sofrem os serviços de videocomunicações a partir de PC que funcionam com Windows (v. n.° 70, supra ).

    93. Em terceiro lugar, as recorrentes não podem colmatar as deficiências das suas teses relativas ao prejuízo causado à concorrência pela concentração impugnada remetendo para o preço de aquisição de 8,5 mil milhões de dólares dos Estados Unidos (USD). A este propósito, a Comissão alega com razão que, tendo em conta o elevado número de modelos comerciais possíveis e a inexistência de dados de mercado fiáveis relativos à sua aplicação nos mercados emergentes, a apreciação de uma concentração não pode ter como objeto predizer o modelo que rentabilizará o videotelefone na prática e que, portanto, será viável no futuro. Com efeito, os poderes que o Regulamento n.° 139/2004 confere à Comissão limitam‑se à verificação dos entraves significativos à concorrência que podem resultar de uma concentração. Esses poderes não lhe permitem, no entanto, especular sobre o nível do preço de uma aquisição ou substituir o ponto de vista das partes interessadas sobre o valor de uma transação pelo seu, tanto mais que as razões que subjazem a essa transação nem sempre têm a ver com uma racionalidade puramente económica.

    94. Resulta daí que as recorrentes não demonstraram de que forma a concentração podia causar prejuízo à concorrência no mercado das comunicações residenciais.

    95. Por conseguinte, as recorrentes não demonstraram que a Comissão tivesse cometido erro manifesto de apreciação ao considerar que a concentração não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno relativamente aos serviços de comunicações residenciais.

    96. Além disso, na medida em que as recorrentes censuram a Comissão por não ter explicado as razões que a levaram a afastar‑se da sua prática decisória anterior, basta recordar que, diferentemente das decisões anteriores, a situação do caso em apreço não se carateriza pela presença de limitações de caráter técnico ou económico que impeçam os utilizadores de telecarregar vários programas informáticos de comunicações ao mesmo tempo (v. n.° 79, supra ). Por conseguinte, não está em causa uma qualquer mudança de política que a Comissão devesse ter fundamentado na decisão recorrida. O argumento relativo à violação do artigo 296.° TFUE, que as recorrentes invocam em apoio do seu primeiro fundamento, deve, portanto, ser rejeitado.

    97. Nestas condições, há que julgar o primeiro fundamento improcedente na sua totalidade.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo aos efeitos de conglomerado da operação de concentração no mercado das comunicações profissionais

    98. Resulta da decisão recorrida que terceiros manifestaram, no procedimento administrativo, o receio de que a concentração produza efeitos de conglomerado no mercado das comunica ções profissionais. Um dos efeitos denunciados diz respeito à criação, pela nova entidade, de uma ligação privilegiada entre a base dos utilizadores do produto da Skype e o produto Lync da Microsoft. Essa integração preferencial proporcionaria à nova entidade uma vantagem concorrencial junto dos utilizadores profissionais, nomeadamente os que exploram centros de atendimento de chamadas.

    99. A Comissão considerou na decisão recorrida que esse receio não se justificava. Desde logo, a nova entidade não tem capacidade de prosseguir uma estratégia dessa natureza, pois o produto da Skype não está adaptado às necessidades das empresas que exploram centros de atendimento de chamadas. Seguidamente, essa entidade também não é incitada a impedir que as empresas que utilizam outros serviços de comunicações profissionais contactem os utilizadores dos serviços da Skype. Essas empresas mantêm a possibilidade de telecarregar a aplicação Skype gratuitamente. Por outro lado, o produto da Skype não é indispensável para os exploradores de centros de atendimento de chamadas, pois existem inúmeras outras soluções que permitem comunicar com os consumidores. Por último, é improvável que se produzam efeitos anticoncorrenciais nos próximos três anos, na medida em que o Lync é confrontado com a concorrência dos produtos de outros grandes atores do mercado, como a Cisco e a IBM.

    100. As recorrentes alegam que a Comissão não tomou em conta a estratégia de exclusão que a nova entidade poderia seguir no mercado das comunicações profissionais criando uma interoperabilidade exclusiva ou preferencial entre os produtos Lync e a grande base de clientes da Skype. Essa estratégia permitiria à nova entidade posicionar o Lync como único produto capaz de responder a uma procura crescente por parte de grandes utilizadores profissionais que desejassem poder interagir com os seus clientes e outros contactos profissionais. Para esse efeito, a nova entidade poderia, à semelhança das práticas de exclusão anteriores da Microsoft, fazer valer a sua posição de força em mercados conexos ao das comunicações profissionais, bem como integrar a oferta do Lync com outros produtos da Microsoft. Ao não examinar essa estratégia de maneira mais aprofundada e ao ignorar essa procura crescente, a Comissão fundamentou mal a sua decisão e cometeu vários erros na apreciação da ligação existente entre o mercado residencial e o mercado profissional, em que a Skype estava, de resto, bem presente.

    101. Em primeiro lugar, as recorrentes contestam que a nova entidade não tenha capacidade de encerrar o mercado. A questão pertinente não consiste em saber se o Skype[Out] é um produto para centros de atendimento de chamadas, mas identificar a capacidade da nova entidade para modificar o grau de interoperabilidade a favor dos seus próprios serviços e produtos. Ora, a Comissão reconheceu, no considerando 143 da decisão recorrida, que era esse o caso.

    102. Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a Comissão ignorou igualmente os incentivos da nova entidade para encerrar o mercado. A Comissão baseou a sua análise desses incentivos em premissas erradas. Não se trata de saber se o produto da Skype é indispensável, mas se a integração deste produto e do Lync fará com que este último se torne num produto indispensável para ter acesso à enorme base de utilizadores da Skype e, portanto, um produto indispensável para responder às expetativas dos utilizadores de comunicações profissionais que desejem poder comunicar com os utilizadores do produto da Skype. Na inexistência de uma interoperabilidade com o produto da Skype, os concorrentes do Lync não disporiam de outras possibilidades reais. Assim, o facto de o produto da Skype continuar a ser gratuito como aplicação telecarregável não responde à preocupação causada por uma interoperabilidade preferencial entre aquele produto e o Lync. Além disso, a Comissão constatou ela própria, no contexto de outros processos que envolvem a interveniente, que os utilizadores são geralmente reticentes em telecarregar várias aplicações de programas informáticos para uma mesma função. Por último, as recorrentes alegam que a Comissão não prestou qualquer atenção aos motivos que levaram a interveniente a oferecer 8,5 mil milhões USD pela aquisição da Skype e que têm precisamente a ver com a ligação privilegiada entre o produto da Skype e o Lync, ignorando, nomeadamente, as declarações de alguns representantes da interveniente. Essa omissão é ainda mais surpreendente se se atender aos seus antecedentes. A referida empresa já foi condenada em várias ocasiões por práticas de exclusão e continua a bloquear a interoperabilidade dos seus produtos com os dos seus concorrentes.

    103. Em terceiro lugar, segundo as recorrentes, a análise dos efeitos de uma estratégia de exclusão está viciada por erros de apreciação. A Comissão não só subestimou a importância do Lync no mercado das comunicações profissionais no momento do procedimento administrativo, como ignorou igualmente o facto de o Lync ser proposto em combinação com o sistema de exploração Windows Server e outros produtos Microsoft em relação aos quais a nova entidade detinha uma posição de força. Por último, o estabelecimento de uma interoperabilidade preferencial ou exclusiva entre o Lync e o produto da Skype é particularmente pernicioso nos mercados caraterizados pelos efeitos de rede.

    104. A Comissão e a interveniente consideram que os argumentos das recorrentes não são fundados.

    105. Em apoio do seu segundo fundamento, as recorrentes apresentam, em substância, duas alegações.

    106. A primeira alegação diz respeito a uma violação do dever de fundamentação tal como resulta do artigo 296.° TFUE. Segundo as recorrentes, a decisão recorrida não responde aos argumentos que a Cisco e outras partes interessadas expuseram no decurso do procedimento administrativo relativamente à estratégia de exclusão que a nova entidade está inclinada a prosseguir.

    107. A segunda alegação diz respeito ao erro manifesto de apreciação que a Comissão cometeu ao ignorar as preocupações em matéria de concorrência invocadas no número precedente. Segundo as recorrentes, a Comissão não teve em conta os efeitos de conglomerado resultantes da concentração. A Comissão ignorou, nomeadamente, a capacidade e os incentivos da nova entidade para utilizar a sua posição no mercado das comunicações residenciais como alavanca para falsear a concorrência no mercado das comunicações profissionais.

    — Quanto à fundamentação

    108. Resulta de jurisprudência constante que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 166). A este propósito, a Comissão não está obrigada, na fundamentação das decisões que é levada a adotar para garantir a aplicação das regras da concorrência, a tomar posição sobre todos os argumentos invocados pelos interessados em apoio do seu pedido. Basta que ela exponha os factos e as considerações jurídicas que revestem importância essencial na economia da decisão (v. acórdão do Tribunal Geral de 24 de janeiro de 1995, BEMIM/Comissão, T‑114/92, Colet., p. II‑147, n.° 41 e a jurisprudência referida). A questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do referido artigo 296.° deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto bem como do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63; de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, Colet., p. I‑6079, n.° 66; e de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, Colet., p. I‑2577, n.° 79).

    109. Da mesma forma, o grau de precisão da fundamentação de uma decisão deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou de prazo em que deve intervir (acórdãos do Tribunal Geral de 1 de dezembro de 1965, Schwarze, 16/65, Recueil, pp. 1081, 1096 e 1097, Colet. 1965‑1968, p. 239; de 14 de fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C‑350/88, Colet., p. I‑395, n.° 16; e acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 167). Por conseguinte, a Comissão não viola o seu dever de fundamentação se, na sua decisão, não incluir fundamentação precisa quanto à apreciação de um determinado número de aspetos da concentração que lhe pareçam manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários para a apreciação dessa concentração (acórdãos Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n.° 64, e Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 167). Com efeito, essa exigência seria dificilmente compatível com o imperativo de celeridade e com os curtos prazos processuais a que a Comissão está sujeita quando exerce o seu poder de controlo das operações de concentração, e que fazem parte das circunstâncias particulares de um procedimento de controlo dessas operações (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 167).

    110. Decorre daqui que a Comissão não é obrigada a responder a todos os argumentos avançados pelas partes e por terceiros no decurso do procedimento administrativo, nem a fornecer uma fundamentação precisa quanto à sua apreciação desses argumentos.

    111. No caso em apreço, a Comissão respondeu aos argumentos apresentados pela Cisco e por outras partes interessadas, nos considerandos 213 a 221 da decisão recorrida. Embora sucinta, é certo, essa fundamentação, não é, porém, contrária às exigências do artigo 296.° TFUE, atendendo ao contexto específico da situação do caso em apreço.

    112. Com efeito, cabe observar que a Comissão menciona ter recebido um número relativamente elevado de observações de terceiros, que ela teve de examinar num lapso de tempo relativamente curto. Além disso, a teoria dos efeitos de conglomerado avançada pela Cisco durante o procedimento administrativo é complexa e abstrata (v. n. os  124 a 127, infra ), ao passo que as concentrações que dão lugar a conglomerados não geram em geral problemas de concorrência (v. n. os  115 e 116, infra ).

    113. Nestas condições, seria excessivo exigir que a decisão recorrida contivesse uma descrição mais detalhada de cada um dos aspetos que subjazem à análise da teoria dos efeitos de conglomerado. A Comissão podia, portanto, contentar‑se em responder sumariamente aos argumentos da Cisco, tanto mais que se sabe que esta pôde perfeitamente compreender o seu raciocínio, como o atesta o presente recurso.

    114. Decorre daqui que a primeira alegação do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

    — Quanto à existência de erro manifesto de apreciação

    115. A fim de precisar os seus critérios de apreciação tal como impostos pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 139/2004 no domínio das concentrações geradoras de efeitos de conglomerado, a Comissão publicou as Orientações para a apreciação das concentrações não horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2008, C 265, p. 6). Resulta dos n. os  11 e 92 das referidas orientações que uma concentração dessa natureza não envolve empresas concorrentes, de forma que essas concentrações são menos suscetíveis de criar problemas de concorrência que as concentrações horizontais. Além disso, podem permitir às partes em causa realizar ganhos de eficiência.

    116. Todavia, as concentrações que geram efeitos de conglomerado podem, em certas circunstâncias, suscitar problemas de concorrência. Tal pode acontecer, nomeadamente, quando a concentração permite à nova entidade prosseguir uma estratégia de encerramento de mercado. Com efeito, segundo o ponto 93 das Orientações para apreciação das concentrações não horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas, um encerramento do mercado pode produzir‑se se a combinação de produtos em mercados ligados conferir à entidade resultante da fusão a capacidade e o incentivo para utilizar, através de um efeito de alavanca, a forte posição que ocupa num mercado para encerrar a concorrência noutro mercado. Segundo a jurisprudência, esse efeito no outro mercado deve ser previsível num futuro relativamente próximo para que a concentração suscite problemas de concorrência à luz do Regulamento n.° 139/2004 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 25 de outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T‑5/02, Colet., p. II‑4381, n. os  148 a 153).

    117. No tocante à prova desses efeitos de conglomerado, a jurisprudência entender que a qualidade dos elementos de prova produzidos pela Comissão para estabelecer a necessidade de uma decisão que declare a operação incompatível com o mercado interno era particularmente importante. Com efeito, a apreciação de uma concentração de tipo conglomerado assenta numa análise prospetiva em que a tomada em conta de um lapso de tempo alargado no futuro, por um lado, e o efeito de alavanca necessário para que haja um entrave significativo a uma concorrência efetiva, por outro, implicam que os encadeamentos de causa e efeito sejam dificilmente discerníveis, incertos e difíceis de apurar (acórdão Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 50; v., neste sentido, acórdão Comissão/Tetra Laval, já referido, n.° 44).

    118. Deve recordar‑se igualmente que a Comissão só pode declarar uma concentração incompatível com o mercado interno se o entrave significativo à concorrência for consequência direta e imediata da concentração. Esse entrave decorrente das decisões futuras da entidade resultante da fusão pode ser considerado uma consequência direta e imediata da concentração, se o comportamento futuro se tornar possível e economicamente racional pela alteração das caraterísticas e da estrutura do mercado causada pela concentração (acórdão do Tribunal Geral de 6 de junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colet., p. II‑2585, n.° 58; v., neste sentido, acórdão Gencor/Comissão, já referido, n.° 94).

    119. No caso em apreço, as recorrentes denunciam, nomeadamente, a possibilidade que a nova entidade teria de falsear as condições de concorrência no mercado das comunicações profissionais em favor do Lync ao assegurar uma interoperabilidade preferencial desse produto com o da Skype e, assim, com a grande base de utilizadores deste programa informático de comunicação.

    120. É dado assente que essa interoperabilidade ainda não estava assegurada à data da adoção da decisão recorrida e que requeria ainda um trabalho de inovação relativamente prolongado e complexo. Segundo as informações fornecidas pela interveniente e não contestadas pelas recorrentes, a criação de uma ponte informática entre o Lync e o produto da Skype não deveria estar concluída em 2013. Além disso, admitindo que esse trabalho estivesse concluído nos prazos previstos, a nova entidade deveria ainda empreender um esforço de comercialização do novo produto junto dos clientes profissionais suscetíveis de estarem interessados. Essa ação comercial deveria, portanto, desenrolar‑se ao longo de 2014. Por fim, para que os efeitos anticoncorrenciais temidos pelas recorrentes pudessem produzir‑se no mesmo ano, uma vez que a Comissão se referiu a um período de três anos a seguir à adoção da decisão, seria ainda necessário que essa diligência fosse coroada de um sucesso comercial de tal amplitude que fizesse oscilar, de forma quase instantânea, o mercado das comunicações profissionais a favor do Lync e permitisse à nova entidade encerrar esse mercado. Esse sucesso comercial implicaria uma mudança importante da posição dos operadores no mercado e significaria, nomeadamente, que a quota de mercado do Lync no mercado das comunicações profissionais, que era de 16% em 2011, evoluiria significativamente em comparação com a da Cisco, que era de 32% no mesmo ano.

    121. O efeito de encerramento temido pelas recorrentes depende, portanto, de uma série de fatores relativamente aos quais não existe a certeza de que possam todos intervir num futuro suficientemente próximo para que a análise prospetiva dos efeitos da concentração não se torne puramente especulativa (v. n.° 116, supra ). A este propósito, tal como foi mencionado no número precedente, a Comissão referiu‑se a um período de três anos a seguir à data de adoção da decisão. Esse período, que as recorrentes, de resto, não contestaram, é relativamente longo quando se trata, como acontece no caso em apreço, de um setor de novas tecnologias que se carateriza por ciclos de inovação relativamente curtos. Por último, o raciocínio das recorrentes não apenas se baseia em eventos futuros e incertos, como também neglicência a possibilidade de os concorrentes da nova entidade adaptarem as suas políticas comerciais e tecnológicas para antecipar e contrariar uma eventual estratégia de encerramento.

    122. Por conseguinte, deve concluir‑se que os efeitos de encerramento de mercado denunciados pelas recorrentes são demasiado incertos para serem considerados uma consequência direta e imediata da concentração.

    123. Além disso, mesmo que os efeitos negativos temidos pelas recorrentes pudessem ser considerados uma consequência da concentração, não se poderia concluir, pelas razões a seguir expostas, que a Comissão tivesse cometido um erro manifesto de apreciação ao afastar a existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado interno.

    124. No tocante, em primeiro lugar, à capacidade da nova entidade para encerrar o mercado, primeiro, deve observar‑se que as explicações dadas pelas recorrentes quanto à vantagem concorrencial de que disporá a nova entidade continuam vagas. Com a integração do Lync e da base de utilizadores da Skype, parte‑se do princípio de que a nova entidade disporia de um trunfo comercial importante no mercado das comunicações profissionais. Com efeito, essa integração permitiria aos utilizadores profissionais comunicar, em particular visualmente, com os seus clientes e outros contactos profissionais, como fornecedores e distribuidores, utilizando o mesmo programa informático que o utilizado para as comunicações no interior da empresa.

    125. As recorrentes não fornecem, no entanto, qualquer prova tangível da existência, da amplitude ou da evolução da procura em relação a esse produto. Remetem para as informações fornecidas pela Cisco à Comissão durante o procedimento administrativo, que se limitam a mencionar o nome de algumas grandes empresas ou de alguns setores que estariam interessados em comunicar com os utilizadores do produto da Skype, sem precisar se esse interesse diz respeito ao futuro produto que integra o Lync e o produto da Skype. Em contrapartida, a interveniente apresentou indicações concretas da falta de interesse dos clientes do Lync numa ferramenta de comunicação através de mensagens instantâneas.

    126. Segundo, mesmo que existisse uma procura real e significativa para uma ferramenta de comunicação como a resultante da integração do Lync e do produto da Skype, as recorrentes continuam sem explicar as razões pelas quais os utilizadores profissionais haveriam de querer comunicar precisamente com os utilizadores do produto da Skype. Limitam‑se a invocar a grande base de utilizadores da Skype e uma posição dominante da nova entidade no mercado das comunicações residenciais, em particular para as videocomunicações em PC que funcionam com Windows. Tal como a Comissão observa, a justo título, as empresas eventualmente interessadas numa ferramenta de comunicação integrada desejam, sobretudo, comunicar com os consumidores dos seus produtos e dos seus serviços, e não com os utilizadores do produto da Skype. Ora, não é claro que esses utilizadores sejam também clientes atuais ou potenciais de empresas que poderiam comprar o produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype, e ainda menos que desejem comunicar visualmente com essas mesmas empresas.

    127. Por outro lado, admitindo que os utilizadores do produto da Skype constituem um grupo de consumidores comercialmente interessante, a Skype não permite que as empresas promovam ativamente a venda dos respetivos produtos junto deles. Com efeito, tal como foi indicado pela Comissão e pela interveniente, não é possível contactar os utilizadores do produto da Skype, que se servem normalmente de um pseudónimo, sem a sua autorização prévia. Inversamente, na hipótese de o interesse comercial do produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype ter a ver com a possibilidade de os utilizadores do produto da Skype contactarem as empresas que lhes vendem produtos e serviços, as recorrentes não fornecem, todavia, qualquer precisão quanto à vantagem comercial desse produto integrado em relação aos outros modos de comunicação entre as empresas e os consumidores, como o telefone tradicional. Com efeito, a Comissão e a interveniente observam, com razão, que não é plausível, devido à presença desses outros modos de comunicação, que o produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype se torne indispensável para as empresas interessadas em comunicar com os seus consumidores. Importa igualmente observar que, após a operação de concentração, a aplicação da Skype continua a estar disponível e a poder ser telecarregada e, portanto, é perfeitamente possível a qualquer empresa permitir que os seus clientes a contactem via Skype, indicando para o efeito o respetivo identificador Skype nos seus produtos, na sua publicidade ou no seu sítio Internet. Para comunicar com os utilizadores da Skype, uma empresa não precisa de dispor do produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype.

    128. Terceiro, na hipótese de o produto resultante da integração do Lync e do produto da Skype proporcionar à nova entidade uma vantagem comercial real, essa entidade não teria sempre a capacidade de prosseguir uma estratégia de encerramento do mercado. Por um lado, resulta da análise do primeiro fundamento que a concentração não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno no que diz respeito aos serviços de comunicações residenciais. Por outro lado, como foi observado no n.° 121, supra , os concorrentes do Lync, entre os quais a Cisco, continuam a dispor de tempo suficiente para desenvolver políticas comerciais destinadas a contrariar a estratégia de encerramento do mercado que a nova entidade pudesse eventualmente decidir seguir. Com efeito, esses concorrentes poderão adaptar os seus preços, a qualidade ou as funcionalidades dos seus produtos ou ainda recorrer aos serviços de outros grandes fornecedores de serviços de comunicações residenciais, tais como a Facebook, a Twitter e a Google. Deve observar‑se, a esse propósito, que numerosas empresas já estão conectadas a esse género de redes, como sustenta a interveniente.

    129. As recorrentes não podem contestar o fraco poder de mercado da nova entidade referindo o considerando 143 da decisão recorrida, segundo o qual a Comissão reconheceu a capacidade da Microsoft de empreender políticas de encerramento noutros mercados. Com efeito, esse considerando não diz respeito ao mercado das comunicações profissionais, mas ao mercado das comunicações residenciais e, nomeadamente, à possibilidade de a nova entidade combinar outros produtos da Microsoft, concretamente o Windows, o Windows Internet Explorer ou o Microsoft Office, com o produto da Skype.

    130. Além disso, as recorrentes não forneceram qualquer outro elemento que permita demonstrar que a nova entidade tinha a capacidade para levar a efeito a estratégia de encerramento de mercado que denunciam.

    131. Em segundo lugar, no que toca aos incentivos da nova entidade para prosseguir uma estratégia desse tipo, deve recordar‑se que as recorrentes não apresentaram qualquer elemento concreto quanto aos ganhos que a mesma poderia obter com essa estratégia. Contentam‑se em referir a grande dimensão da base de utilizadores da Skype, o valor da transacção, que ascende a 8,5 mil milhões de USD, certas declarações do presidente‑diretor‑geral da Microsoft e as práticas de exclusão anteriores desta.

    132. Ora, na falta de qualquer informação quanto à realidade, à amplitude e à natureza da procura de um produto que integra o produto da Skype e o Lync, é difícil, ou mesmo impossível, apreciar se uma estratégia de exclusão pode ser proveitosa para a nova entidade. Além disso, na medida em que o produto da Skype continua disponível como programa informático telecarregável por todos os utilizadores, incluindo as empresas, é igualmente difícil responder à questão de saber se essas empresas preferirão o produto integrado a um sistema de comunicações profissionais concorrente combinado com o telecarregamento do programa informático Skype. Estas falhas não podem ser supridas através de referências a práticas comerciais anteriores respeitantes a outros mercados diferentes do das comunicações residenciais, ao valor da transação e a declarações comerciais gerais de certos representantes da Microsoft.

    133. Não existem, portanto, fatores tangíveis que permitam concluir que a nova entidade seria incitada a pôr em prática uma estratégia de encerramento de mercado.

    134. Em terceiro lugar, quanto à incidência global provável de tal estratégia nos preços e na livre escolha, deve recordar‑se, como fizeram a Comissão e a interveniente, que a presença do Lync no mercado das comunicações profissionais é por certo significativa, mas inferior à dos seus concorrentes, nomeadamente a Cisco. Na medida em que a implementação da estratégia demorará vários anos (v. n. os  120 e 121, supra ), não era previsível, aquando da adoção da decisão recorrida, que uma estratégia dessa possa natureza conduzir a uma inversão dos dados concorrenciais a favor do Lync nos anos vindouros, após essa adoção.

    135. O facto de o Lync poder ser vendido em combinação com outros produtos da gama Microsoft em nada altera esta conclusão, pois essa estratégia de venda não depende da concentração objeto da decisão recorrida.

    136. Assim, a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto na sua apreciação dos efeitos de conglomerado no mercado das comunicações profissionais.

    137. Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda alegação e, por este motivo, o segundo fundamento na sua totalidade.

    138. Face às considerações precedentes, há que negar provimento ao presente recurso.

    139. Por fim, no que toca ao primeiro ponto das conclusões, as recorrentes pedem, em substância, que o Tribunal Geral adote uma medida de organização de processo que obrigue a Comissão a fornecer‑lhes todos os documentos relativos às negociações, entre ela e as partes na transação, respeitantes a eventuais compromissos de interoperabilidade. Na medida em que resulta das considerações precedentes que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação manifesto ao aprovar a concentração com base no arrigo 6.° do Regulamento n.° 139/2004, não se coloca, no quadro do presente recurso, a questão de saber se a Comissão pôde eventualmente ter discussões respeitantes a compromissos de interoperabilidade. Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que não é necessário adotar a medida de organização do processo visada pelo primeiro ponto das conclusões.

    Quanto às despesas

    140. Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão e da interveniente.

    Parte decisória

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

    decide:

    1) É negado provimento ao recurso.

    2) A Cisco Systems Inc. e a Messagenet SpA suportarão as suas próprias despesas bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia e pela Microsoft Corp.

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