EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62012CJ0443

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 12 de dezembro de 2013.
Actavis Group PTC EHF e Actavis UK Ltd contra Sanofi.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court).
Medicamentos para uso humano — Certificado complementar de proteção — Regulamento (CE) n.° 469/2009 — Artigo 3.° — Condições de obtenção do certificado — Sucessivas introduções no mercado de dois medicamentos que contêm, total ou parcialmente, o mesmo princípio ativo — Associação de princípios ativos dos quais um já foi comercializado sob a forma de um medicamento com um princípio ativo único — Possibilidade de obter vários certificados com base na mesma patente e em duas autorizações de introdução no mercado.
Processo C‑443/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:833

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de dezembro de 2013 ( *1 )

«Medicamentos para uso humano — Certificado complementar de proteção — Regulamento (CE) n.o 469/2009 — Artigo 3.o — Condições de obtenção do certificado — Sucessivas introduções no mercado de dois medicamentos que contêm, total ou parcialmente, o mesmo princípio ativo — Associação de princípios ativos dos quais um já foi comercializado sob a forma de um medicamento com um princípio ativo único — Possibilidade de obter vários certificados com base na mesma patente e em duas autorizações de introdução no mercado»

No processo C‑443/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) (Reino Unido), por decisão de 21 de setembro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 3 de outubro de 2012, no processo

Actavis Group PTC EHF,

Actavis UK Ltd

contra

Sanofi,

sendo interveniente:

Sanofi Pharma Bristol‑Myers Squibb SNC,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Actavis Group PTC EHF, por R. Meade, QC, I. Jamal, barrister, e C. Balleny, solicitor,

em representação da Sanofi e da Sanofi Pharma Bristol‑Myers Squibb SNC, por D. Alexander, QC, S. Moore e S. Rich, solicitors,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. Beeko, na qualidade de agente, assistida por C. May, barrister,

em representação do Governo francês, por D. Colas e S. Menez, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F. W. Bulst e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO L 152, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Actavis Group PTC EHF e a Actavis UK Ltd (a seguir, conjuntamente, «Actavis») à Sanofi e à Sanofi Pharma Bristol‑Myers Squibb SNC (a seguir, conjuntamente, «Sanofi»), a propósito da validade do certificado complementar de proteção (a seguir «CCP») obtido pela Sanofi para o medicamento CoAprovel.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 4, 5, 9 e 10 do Regulamento n.o 469/2009 dizem o seguinte:

«4)

Atualmente, o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de introdução no mercado [a seguir ‘AIM’] do referido medicamento reduz a proteção efetiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efetuados na investigação;

(5)

Destas circunstâncias resulta uma proteção insuficiente que penaliza a investigação farmacêutica.

[…]

(9)

A duração da proteção conferida pelo certificado deverá ser determinada de forma a permitir uma proteção efetiva suficiente. Para este efeito, o titular de uma patente e de um certificado deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira [AIM] da Comunidade do medicamento em causa.

(10)

No entanto, todos os interesses em causa num setor tão complexo e sensível como o farmacêutico, incluindo os relativos à saúde pública, deverão ser tomados em consideração. Para este efeito, o certificado não poderá ser concedido por um período superior a cinco anos. Além disso, a proteção que o certificado confere deverá ser estritamente limitada ao produto abrangido pela autorização da sua introdução no mercado como medicamento.»

4

O artigo 1.o do referido regulamento, intitulado «Definições», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento entende‑se por:

a)

‘Medicamento’: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas […];

b)

‘Produto’: o princípio ativo ou associação de princípios ativos contidos num medicamento;

c)

‘Patente de base’: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado;

d)

‘Certificado’: o [CCP];

[…]»

5

O artigo 3.o deste regulamento, intitulado «Condições de obtenção do certificado», prevê:

«O certificado é concedido se no Estado‑Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.o e à data de tal pedido:

a)

O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;

b)

O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma [AIM] válida, nos termos do disposto na Diretiva 2001/83/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67)] […];

c)

O produto não tiver sido já objeto de um certificado;

d)

A autorização referida na alínea b) for a primeira [AIM] no mercado, como medicamento.»

6

Nos termos do artigo 4.o do referido regulamento, intitulado «Objeto da proteção»:

«Dentro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, a proteção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela [AIM] do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado.»

7

O artigo 5.o do Regulamento n.o 469/2009, relativo aos «[e]feitos do certificado», dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.»

8

O artigo 13.o do referido regulamento, intitulado «Período de validade do certificado», prevê, designadamente, que «[o] certificado produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira [AIM] na Comunidade, reduzido um período de cinco anos».

Direito do Reino Unido

9

A section 60 da Lei das Patentes do Reino Unido de 1977 (UK Patents Act 1977), relativa à «[d]efinição de contrafação», tem o seguinte teor:

«(1)

Sem prejuízo das disposições desta section, uma pessoa viola a patente de uma invenção se, e apenas se, na vigência da patente, praticar no Reino Unido um dos seguintes atos, em relação com a invenção, sem o consentimento do titular da patente:

a)

quando a invenção seja um produto, ele o produzir, dispuser dele, ou o oferecer para dele dispor, usar ou importar o produto ou o conservar seja para dele dispor ou para outro fim;

[…]

(2)

Sem prejuízo das disposições seguintes da presente section, uma pessoa (que não o titular da patente) também viola a patente de uma invenção se, na vigência da patente e sem o consentimento do titular, fornecer ou oferecer para fornecer, no Reino Unido, a uma pessoa que não o titular de uma licença de exploração ou outra pessoa autorizada a utilizar a invenção, quaisquer meios relacionados com um elemento essencial da invenção que permitam fazê‑la funcionar, quando sabe, ou, atendendo às circunstâncias, tinha razoavelmente a obrigação de saber, que esses meios são adequados para fazer a invenção funcionar no Reino Unido e para tal destinados.»

Factos no processo principal e questões prejudiciais

10

A Sanofi é titular da patente europeia EP 0454511 (a seguir «patente da Sanofi»). Resulta da descrição desta patente que a invenção por ela coberta tem por objeto, designadamente, uma família de compostos de que faz parte o irbesartan, um princípio ativo anti‑hipertensor. É também relativa a composições farmacêuticas que contêm vários princípios ativos associados, sendo um deles um composto de acordo com a invenção e podendo o outro ou os outros ser um composto bloqueador beta, um antagonista do cálcio, um diurético, um anti‑inflamatório não esteroide ou um tranquilizante.

11

As reivindicações 1 a 7 desta patente de base são relativas ao irbesartan apenas ou a um dos seus sais. A reivindicação 20 da referida patente é relativa a uma composição farmacêutica composta por irbesartan associado a um diurético. Todavia, não é expressamente designado nenhum diurético particular nesta reivindicação da referida patente de base, nem na descrição desta.

12

Esta patente foi pedida em 20 de março de 1991, no Instituto Europeu de Patentes, e emitida em 17 de junho de 1998. A referida patente expirou em 20 de março de 2011.

13

Com fundamento na mesma patente de base e nas AIM que foram concedidas em 27 de agosto de 1997 para o medicamento Aprovel, que contém o irbesartan como princípio ativo único, o qual é indicado principalmente no tratamento da hipertensão essencial, a Sanofi obteve, em 8 de fevereiro de 1999, um primeiro CCP para este princípio ativo. Este certificado expirou em 14 de agosto de 2012.

14

Ainda com fundamento na sua patente de base, mas desta vez na das AIM que foram concedidas em 15 de outubro de 1998 para o medicamento CoAprovel, o qual consiste na associação de irbesartan com um diurético, neste caso, o hidroclorotiazida, indicado no tratamento da hipertensão essencial, a Sanofi obteve um segundo CCP relativo à associação irbesartan‑hidroclorotiazida. Este foi emitido em 21 de dezembro de 1999 e expirou em 14 de outubro de 2013.

15

Resulta do resumo do Relatório Público Europeu de Avaliação (EPAR) da Agência Europeia de Medicamentos, que «[a] associação de dois princípios ativos tem um efeito aditivo e é mais eficaz na redução da tensão arterial do que qualquer um destes medicamentos em monoterapia». Daí resulta que as propriedades curativas desta associação de princípios ativos correspondem à soma dos efeitos terapêuticos que de outra forma seriam obtidos através da administração separada do medicamento Aprovel e do hidroclorotiazida. A este respeito, é indicado no resumo que «[o]s estudos realizados sobre […] Aprovel administrado em associação com o hidroclorotiazida sob a forma de comprimidos separados foram utilizados para justificar a utilização do CoAprovel», pelo que esta associação não induz um novo efeito terapêutico em comparação com os efeitos obtidos através de uma administração separada dos dois princípios ativos.

16

A Actavis pretende introduzir no mercado versões genéricas dos medicamentos Aprovel e CoAprovel. Na medida em que o medicamento genérico que corresponde ao medicamento CoAprovel viola a proteção conferida à associação de princípios ativos de irbesartan‑hidroclorotiazida pelo segundo CCP concedido à Sanofi, a Actavis intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação tendo em vista contestar a validade deste CCP.

17

Em apoio da sua ação, a Actavis alega, em primeiro lugar, que o segundo CCP obtido pela Sanofi para a associação do irbesartan com o hidroclorotiazida é inválido, na medida em que esta associação não está protegida pela patente de base na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, uma vez que tal associação de princípios ativos não está expressamente mencionada ou identificada no texto de nenhuma das reivindicações desta patente. A este respeito, a Sanofi defende, pelo contrário, que tal especificação ou menção consta da reivindicação 20 da patente da Sanofi, a qual prevê que essa patente é relativa a uma associação de irbesartan com um diurético. Ora, o hidroclorotiazida é, precisamente, um diurético.

18

Em segundo lugar, a Actavis defende que o segundo CCP é inválido à luz do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009, dado que o «produto» na aceção desta disposição já tinha sido objeto de um primeiro CCP. Em contrapartida, a Sanofi alega que não houve violação desta disposição, porque o primeiro CCP e as AIM para o medicamento Aprovel foram obtidos para o princípio ativo único irbesartan, ao passo que o segundo CCP e as AIM para o medicamento CoAprovel foram obtidos para um produto diferente, a saber, a associação do irbesartan e do hidroclorotiazida.

19

O órgão jurisdicional de reenvio refere que estes argumentos levantam questões de interpretação, por um lado, do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 e, por outro, do artigo 3.o, alíneas c) e d), do mesmo regulamento, as quais foram abordadas pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 24 de novembro de 2011, Medeva (C-322/10, Colet., p. I-12051) e Georgetown University e o. (C-422/10, Colet., p. I-12157), e nos seus despachos de 25 de novembro de 2011, Yeda Research and Development Company e Aventis Holdings (C-518/10, Colet., p. I-12209), University of Queensland e CSL (C-630/10, Colet., p. I-12231) e Daiichi Sankyo (C-6/11, Colet., p. I-12255).

20

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio entende que estes precedentes não lhe permitem decidir o litígio no processo principal.

21

Com efeito, por um lado, considera que, no âmbito das respostas dadas pelo Tribunal de Justiça aos referidos precedentes, as quais eram relativas, designadamente, à questão de saber quais eram os critérios que permitiam determinar se um produto está protegido por uma «patente de base» na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, o Tribunal de Justiça não forneceu um critério claro aplicável a factos como os que estão em causa no processo principal.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta apreciação é confirmada pelas divergências entre as decisões de vários órgãos jurisdicionais nacionais relativas a casos análogos ao do processo principal. Assim, na decisão de 10 de agosto de 2012, proferida no processo Sanofi/Sandoz, o tribunal de grande instance de Paris (França) considerou, à semelhança da Actavis no processo na causa principal, que a reivindicação 20 da patente da Sanofi não especificava ou não mencionava o hidroclorotiazida em associação com o irbesartan. Em contrapartida, o Landgericht Düsseldorf (Alemanha) e o Rechtbank’s‑Gravenhage (Países Baixos) consideraram que tal associação constava da reivindicação 20 da patente da Sanofi. Para a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court), que propõe uma resposta a esta questão, o elemento determinante deve ser o de saber se o princípio ativo ou a associação de princípios ativos em causa constituem a atividade inventiva central da patente de base.

23

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio entende que não ficou resolvida a questão de saber se, nos acórdãos, já referidos, Medeva e Georgetown University e o., o Tribunal de Justiça deu uma reviravolta na jurisprudência no que diz respeito à interpretação do artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009. Com efeito, este órgão jurisdicional entende que estes acórdãos não permitem determinar se o Tribunal de Justiça passou a considerar que esta disposição se opõe a que seja concedido mais do que um CCP por cada «patente de base» na aceção do artigo 1.o do referido regulamento, independentemente do número de produtos cobertos por esta patente, ou se o Tribunal de Justiça continua a considerar que deve ser concedido um CCP por cada «patente de base» e por cada «produto», como nos seus acórdãos de 23 de janeiro de 1997, Biogen (C-181/95, Colet., p. I-357), e de 3 de setembro de 2009, AHP Manufacturing (C-482/07, Colet., p. I-7295).

24

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, enquanto o serviço de patentes neerlandês adotou a interpretação dos referidos acórdãos Medeva e Georgetown University e o., segundo a qual é proibida a concessão de mais do que um CCP por patente, independentemente do número de produtos cobertos por esta, o Instituto de Patentes do Reino Unido considerou possível, no processo principal, conceder dois CCP à Sanofi com base numa única «patente de base» na aceção do referido artigo 1.o, quando esses dois CCP correspondessem a dois produtos distintos cobertos por este tipo de patente.

25

Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (Patents Court) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Quais são os critérios para determinar se ‘o produto [está] protegido por uma patente de base em vigor’ na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento [n.o 469/2009]?

2)

Numa situação em que vários produtos estão protegidos por uma patente de base em vigor, o Regulamento [n.o 469/2009] e, em especial, o seu artigo 3.o, alínea c), opõem‑se a que o titular da patente obtenha um certificado para cada um dos produtos protegidos?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à segunda questão

26

Através da segunda questão, que deve ser analisada em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que, com fundamento numa patente que protege um princípio ativo inovador e numa AIM de um medicamento que o contém como princípio ativo único, o titular da referida patente já obteve um CCP para esse princípio ativo, o artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, com fundamento na mesma patente, mas numa AIM de um medicamento diferente que contém o referido princípio ativo em associação com outro princípio ativo, o qual, enquanto tal, não está protegido pela referida patente, o titular dessa mesma patente obtenha um segundo CCP para esta associação de princípios ativos.

27

É certo que o Tribunal de Justiça já decidiu, numa situação em que um «produto» na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 469/2009 está protegido por várias patentes de base detidas, se for o caso, por titulares diferentes, quer se trate de patentes desse produto, de patentes para os processos de obtenção do mesmo ou de patentes relativas a uma aplicação do referido produto, que, nos termos do artigo 3.o, alínea c), deste regulamento, cada uma destas patentes é suscetível de conferir o direito a um CCP, mas que não pode ser emitido mais do que um certificado por cada patente de base (v. acórdãos, já referidos, Biogen, n.o 28, e AHP Manufacturing, n.os 22 e 23). Nessa situação, os tipos de patentes pertencentes, se for caso disso, a cada um desses titulares terão, a este respeito, consequências para a proteção que pode ser obtida pela concessão de CCP, porquanto, para uma patente que protege um produto enquanto tal, a proteção conferida pelo CCP cobrirá o produto, ao passo que, para uma patente relativa a um processo de obtenção de um produto, esta proteção incidirá unicamente sobre o processo de obtenção desse produto ou, caso o direito aplicável a essa patente o preveja, eventualmente sobre o produto diretamente obtido por via desse processo (v. despacho University of Queensland e CSL, já referido, n.o 39), e, para uma patente relativa a uma nova aplicação terapêutica de um princípio ativo, conhecido ou não, a proteção conferida pelo CCP poderá cobrir, não o princípio ativo enquanto tal mas apenas a nova utilização desse produto (acórdão de 19 de julho de 2012, Neurim Pharmaceuticals (1991), C‑130/11, n.o 25).

28

Todavia, o processo principal tem por objeto uma situação diferente. Com efeito, diz respeito à situação em que se pode considerar que a mesma patente de base protege vários produtos na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009 e suscita, assim, uma questão diferente das que foram submetidas, designadamente, nos processos que estiveram na origem dos acórdãos, já referidos, Biogen e AHP Manufacturing, no caso, a de saber se essa patente permite ao seu titular obter vários CCP.

29

A este respeito, uma patente que protege vários «produtos» distintos pode, na verdade, permitir, em princípio, a obtenção de vários CCP relacionados com cada um desses produtos distintos, desde que, nomeadamente, cada um destes esteja «protegido», enquanto tal, por essa «patente de base», na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, lido em conjugação com o artigo 1.o, alíneas b) e c), deste regulamento (acórdão de 12 de dezembro de 2013, Georgetown University, C‑484/12, n.o 30).

30

No entanto, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, mesmo partindo do princípio de que a condição prevista no artigo 3.o, alínea a), esteja preenchida, tendo em vista a aplicação do artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento, não se pode admitir que o titular de uma patente de base em vigor possa obter um novo CCP, eventualmente dotado de um período de validade mais alargado, de cada vez que introduzir no mercado de um Estado‑Membro um medicamente que contém, por um lado, o princípio ativo protegido, enquanto tal, pela sua patente de base, que constitui, segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, a atividade inventiva central dessa patente, e, por outro lado, outro princípio ativo, que não está protegido, enquanto tal, pela referida patente.

31

Com efeito, o CCP apenas visa restabelecer um período suficiente de proteção efetiva da patente de base, permitindo ao seu titular beneficiar de um período suplementar de exclusividade após a expiração da sua patente, destinado a compensar, pelo menos parcialmente, o atraso sofrido na exploração comercial da sua invenção, devido ao lapso de tempo decorrido entre a data do depósito do pedido de patente e a da obtenção da primeira AIM na União Europeia (acórdão de 11 de novembro de 2010, Hogan Lovells International, C-229/09, Colet., p. I-11335, n.o 50), e acórdão Georgetown University, já referido, n.o 36).

32

Ora, no processo principal, a patente da Sanofi, que confere proteção ao princípio ativo irbesartan, na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, já permitiu a concessão ao seu titular de um CCP para este princípio ativo. Por outro lado, não se contesta que o hidroclorotiazida, um princípio ativo pertencente à categoria dos diuréticos, não está, enquanto tal, protegido por esta patente nem, de resto, por outra patente.

33

A este respeito, nos termos do artigo 5.o do Regulamento n.o 469/2009, um CCP emitido em relação com um produto confere, ao expirar a patente de base, os mesmos direitos que os que eram conferidos por esta patente de base relativamente a este produto, nos limites da proteção conferida pela referida patente, como enunciados no artigo 4.o deste regulamento. Portanto, se, durante o período de validade da patente, o titular da patente se podia opor, com fundamento na sua patente, à utilização ou a certas utilizações do seu produto sob a forma de um medicamento consistindo nesse produto ou contendo‑o, o CCP emitido para esse mesmo produto conferir‑lhe‑á os mesmos direitos para qualquer utilização do produto, enquanto medicamento, que tenha sido autorizada antes de o certificado expirar (v. acórdãos, já referidos, Medeva, n.o 39, e Georgetown University e o., n.o 32, e os despachos, já referidos, University of Queensland e CSL, n.o 34, e Daiichi Sankyo, n.o 29).

34

Assim, no processo principal, na medida em que é ponto assente que, durante o período de validade do primeiro CCP, a Sanofi se podia opor, com base na sua patente de base, à utilização ou a certas utilizações do irbesartan sob a forma de um medicamento consistindo nesse produto ou contendo‑o, o CCP, agora expirado, que havia sido emitido para esse mesmo produto, conferia‑lhe igualmente os mesmos direitos para qualquer utilização do produto, enquanto medicamento, que tinha sido autorizada antes de o certificado expirar.

35

Daqui resulta que esse primeiro CCP permitia à Sanofi opor‑se à comercialização de um medicamento que contivesse irbesartan em combinação com hidroclorotiazida e com uma indicação terapêutica análoga à do medicamento Aprovel, pelo que, se um concorrente desse laboratório farmacêutico tivesse comercializado um medicamento análogo ao CoAprovel, para indicações terapêuticas semelhantes, a Sanofi teria podido opor‑se a tal comercialização, invocando para o efeito o seu CCP relativo ao irbesartan (v., neste sentido, quanto à utilização do princípio ativo valsartan com o hidroclorotiazida, despachos de 9 de fevereiro de 2012, Novartis, C‑442/11, n.o 23, e Novartis, C‑574/11, n.o 20).

36

Ora, nessa situação, o artigo 13.o do Regulamento n.o 469/2009 exige que, quando expirar um primeiro CCP, o seu titular já não se possa opor, em relação com a patente de base que serviu de fundamento à sua emissão, à comercialização, por terceiros, do princípio ativo que foi objeto da proteção conferida por esse CCP, o que implica que, após essa data, esses terceiros devem ter a possibilidade de introduzir no mercado não apenas medicamentos que consistem nesse princípio ativo anteriormente protegido mas também qualquer medicamento que contenha o referido princípio ativo em associação com outro princípio ativo que não está protegido, enquanto tal, por esta patente, nem por outra patente.

37

Por outro lado, no que diz respeito ao segundo CCP concedido no processo principal, não está excluído que, pela aplicação de um direito nacional que preveja uma certa proteção contra uma contrafação indireta, um CCP relativo à associação irbesartan‑hidroclorotiazida possa permitir ao seu titular opor‑se à comercialização de um medicamento que contenha o princípio ativo irbesartan, isolado ou em associação. Ora, nestas circunstâncias, o segundo CCP pode, na realidade, conferir ao seu titular, ainda que parcial e indiretamente, uma nova proteção do irbesartan, prolongando, de facto, a de que já beneficiou graças à concessão do primeiro CCP relativo a este princípio ativo, e isto nas condições recordadas no n.o 35 do presente acórdão. Assim, face às consequências que a sua emissão tem em termos da extensão da proteção, este aspeto confirma que um CCP como o segundo CCP em causa no processo principal não podia ser emitido.

38

Da mesma maneira, se, em circunstâncias como as do processo principal, o medicamento CoAprovel tivesse obtido uma AIM antes do medicamento Aprovel, o que teria permitido ao seu titular obter um CCP quer, atendendo ao n.o 34 do acórdão Medeva, já referido, apenas para o irbesartan, quer para a associação irbesartan‑hidroclorotiazida, a obtenção posterior de uma AIM para o medicamento Aprovel não teria permitido a concessão de um segundo CCP para o irbesartan, tendo em conta a condição imposta no artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009.

39

Quanto ao argumento da Sanofi segundo o qual a introdução no mercado de um medicamento como o CoAprovel implica, para o titular da patente, custos complementares de pesquisa e de ensaios pré‑clínicos e clínicos, justificando a concessão de um segundo CCP para a associação irbesartan‑hidroclorotiazida, esta circunstância não é suscetível de pôr em causa a interpretação contida no presente acórdão.

40

Com efeito, à luz do objetivo do Regulamento n.o 469/2009, tal como recordado no n.o 31 do presente acórdão, a saber, compensar o atraso sofrido pelo titular de uma patente de base na exploração comercial da sua invenção, concedendo‑lhe um período suplementar de exclusividade, por um lado, a concessão de um primeiro CCP para o princípio ativo único irbesartan já permitiu ao seu titular beneficiar de tal compensação e, por outro, o objetivo deste regulamento não é compensar na íntegra os atrasos na comercialização da sua invenção nem compensar esses atrasos relacionados com todas as formas de comercialização possíveis da referida invenção, incluindo sob a forma de associações que derivem do mesmo princípio ativo.

41

A este respeito, há que recordar que o objetivo fundamental do Regulamento n.o 469/2009 é compensar o atraso na comercialização daquilo que constitui o cerne da atividade inventiva que é objeto da patente de base, a saber, no processo principal, o irbesartan. Ora, atendendo à necessidade, recordada no considerando 10 do Regulamento n.o 469/2009, de considerar todos os interesses em jogo, incluindo os da saúde pública, admitir que dão direito à concessão de múltiplos CCP todas as introduções no mercado sucessivas desse princípio ativo com um número ilimitado de outros princípios ativos, não protegidos enquanto tais pela patente de base, mas simplesmente mencionados no texto das reivindicações da patente, em termos gerais, tais como, no processo principal, «composto bloqueador beta», «antagonista do cálcio», «diurético», «anti‑inflamatório não esteroide» ou «tranquilizante», seria contrário à ponderação que deve ser feita, quanto ao incentivo da investigação na União Europeia através dos CCP, dos interesses da indústria farmacêutica com os da saúde pública.

42

Daqui resulta que, em tal situação, o artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009 se opõe a que a mesma patente de base permita ao seu titular obter vários CCP relacionados com o irbesartan, visto que estes CCP estão, na realidade, parcial ou totalmente, relacionados com o mesmo produto (v., neste sentido, a propósito dos produtos fitofarmacêuticos, acórdão de 10 de maio de 2001, BASF, C-258/99, Colet., p. I-3643, n.os 24 e 27). Em contrapartida, se uma associação constituída por um princípio ativo inovador que já tenha beneficiado de um CCP e por outro princípio ativo, que não foi protegido enquanto tal pela patente em causa, for objeto de uma nova patente de base na aceção do artigo 1.o, alínea c), do referido regulamento, esta última patente, na medida em que cubra uma inovação completamente distinta, poderá legitimar um CCP para esta nova associação posteriormente introduzida no mercado.

43

Em face das considerações anteriores, há que responder à segunda questão submetida que, em circunstâncias como as do processo principal, em que, com fundamento numa patente que protege um princípio ativo inovador e numa AIM de um medicamento que o contém como princípio ativo único, o titular desta patente já tenha obtido, para este princípio ativo, um CCP que lhe permite opor‑se à utilização do referido princípio ativo, isolado ou em associação com outros princípios ativos, o artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, com fundamento na mesma patente, mas numa AIM posterior de um medicamento diferente que contém o referido princípio ativo em associação com outro princípio ativo que, enquanto tal, não está protegido pela referida patente, o titular dessa mesma patente obtenha um segundo CCP para esta associação de princípios ativos.

Quanto à primeira questão

44

Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, em virtude da qual um segundo CCP como o que está em causa no processo principal não podia ser concedido à Sanofi para a associação irbesartan‑hidroclorotiazida, e isto independentemente da questão de saber se esta associação estava protegida enquanto tal pela patente de base na aceção do artigo 3.o, alínea a), do Regulamento n.o 469/2009, não há que responder à primeira questão.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

Em circunstâncias como as do processo principal, em que, com fundamento numa patente que protege um princípio ativo inovador e numa autorização de introdução no mercado de um medicamento que o contém como princípio ativo único, o titular desta patente já tenha obtido, para este princípio ativo, um certificado complementar de proteção que lhe permite opor‑se à utilização do referido princípio ativo, isolado ou em associação com outros princípios ativos, o artigo 3.o, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, com fundamento na mesma patente, mas numa autorização de introdução no mercado posterior de um medicamento diferente que contém o referido princípio ativo em associação com outro princípio ativo que, enquanto tal, não está protegido pela referida patente, o titular dessa mesma patente obtenha um segundo certificado complementar de proteção para esta associação de princípios ativos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

Top