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Document 62012CJ0413

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 5 de dezembro de 2013.
    Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León contra Anuntis Segundamano España SL.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pela Audiencia Provincial de Salamanca.
    Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Ação inibitória intentada por uma associação regional de defesa dos consumidores — Tribunal territorialmente competente — Irrecorribilidade de uma decisão proferida em primeira instância que declina a competência — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade.
    Processo C‑413/12.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:800

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    5 de dezembro de 2013 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Ação inibitória intentada por uma associação regional de defesa dos consumidores — Tribunal territorialmente competente — Irrecorribilidade de uma decisão proferida em primeira instância que declina a competência — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípios da equivalência e da efetividade»

    No processo C‑413/12,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Audiencia Provincial de Salamanca (Espanha), por decisão de 7 de setembro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de setembro de 2012, no processo

    Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León

    contra

    Anuntis Segundamano España SL,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León, por S. Román Capillas, procuradora, assistida por A. Castro Martín, letrado,

    em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

    em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz, M. van Beek e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de setembro de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Asociación de Consumidores Independientes de Castilla y León (a seguir «ACICL») à Anuntis Segundamano España SL (a seguir «ASE»), a propósito de uma ação inibitória que tem por objeto a declaração da nulidade de algumas das condições de utilização presentes no portal Internet desta última sociedade.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os vigésimo terceiro e vigésimo quarto considerandos da Diretiva 93/13 enunciam:

    «Considerando que as pessoas ou organizações que, segundo a legislação de um Estado‑Membro, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, devem dispor da possibilidade de recorrer, quer a uma autoridade judicial quer a um órgão administrativo competentes para decidir em matéria de queixas ou para intentar ações judiciais adequadas contra cláusulas contratuais, em particular cláusulas abusivas, redigidas com vista a uma utilização generalizada, em contratos celebrados pelos consumidores; que essa faculdade não implica, contudo, um controlo prévio das condições gerais utilizadas nos diversos setores económicos;

    Considerando que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,»

    4

    Nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, da diretiva:

    «1.   Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

    2.   Os meios a que se refere o n.o 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.»

    Direito espanhol

    5

    O artigo 52.o, n.o 1, pontos 14 e 16, do Código de Processo Civil (Ley de Enjuiciamiento Civil, a seguir «LEC»), que figura na secção 2, relativa à competência territorial, do capítulo II, intitulado «Das regras de competência», do título II, dedicado à jurisdição e à competência, deste código dispõe:

    «Não são aplicados os foros definidos nos artigos anteriores e a competência é determinada segundo o estabelecido no presente artigo nos seguintes casos:

    […]

    14.

    Nos processos em que sejam exercidas ações para que se declare a exclusão de uma cláusula contratual de um contrato ou declare a nulidade das cláusulas de condições gerais do contrato, é competente o tribunal do domicílio do demandante. Sobre essa mesma matéria, quando se intentem ações declarativas, inibitórias ou de retratação, é competente o tribunal do lugar do estabelecimento do demandado e, na falta deste, o do seu domicílio; no caso de o demandado não ter domicílio no território espanhol, o do lugar em que tenha tido celebrado o contrato.

    […]

    16.

    Nos processos em que a ação inibitória seja exercida em defesa dos interesses tanto coletivos como difusos dos consumidores e utentes, é competente o tribunal do lugar onde o demandado tem o seu estabelecimento, e, na falta deste, o tribunal do seu domicílio; se não tiver domicílio no território espanhol, é competente o tribunal do lugar do domicílio do demandante.»

    6

    Nos termos do artigo 60.o, n.o 1, da LEC, relativo ao conflito negativo de competência territorial:

    «Se um tribunal decidir declarar‑se territorialmente incompetente após ter sido deduzida uma exceção de incompetência ou após audiência de todas as partes, o tribunal ao qual são remetidas as ações está vinculado por essa decisão e não pode declarar oficiosamente a sua incompetência territorial.»

    7

    O artigo 67.o da LEC, relativo aos recursos em matéria de competência territorial, prevê:

    «1.   Os despachos que decidam sobre as questões de competência territorial não são suscetíveis de recurso.

    2.   Nos recursos de segunda instância e extraordinários por violação da lei de processo, a falta de competência territorial só pode ser invocada quando, à situação em causa, forem aplicáveis normas imperativas.»

    8

    No direito espanhol, a ação inibitória em matéria de defesa dos interesses dos consumidores é regulada pelos artigos 53.° a 56.° do Decreto Real Legislativo 1/2007 que aprova o texto reformulado da Lei geral da defesa dos consumidores e utentes e outras leis complementares (Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias), de 16 de novembro de 2007 (BOE n.o 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181, a seguir «Decreto Real Legislativo 1/2007»).

    9

    O artigo 53.o do Decreto Real Legislativo 1/2007, relativo à ação inibitória, dispõe:

    «A ação inibitória tem por objeto condenar o demandado a pôr termo ao seu comportamento ou evitar que esse comportamento se reproduza no futuro. Além disso, a ação pode ser exercida para que seja declarada a proibição de comportamentos que tenham cessado no momento da propositura da ação, desde que existam indícios suficientes da possibilidade de reprodução imediata do comportamento.

    Para efeitos do disposto no presente capítulo, entende‑se igualmente por comportamento contrário à legislação em matéria de cláusulas abusivas todas as recomendações favoráveis à utilização de cláusulas abusivas.»

    10

    O artigo 54.o, n.o 1, alínea b), deste decreto prevê:

    «No caso de comportamentos contrários ao disposto na presente lei em matéria de cláusulas abusivas, de contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, de vendas à distância, de garantias na venda de produtos e de viagens combinados, têm legitimidade para intentar a ação inibitória:

    […]

    b)

    as associações de consumidores e de utentes que preencham os requisitos previstos na presente lei ou, sendo caso disso, na legislação regional em matéria de defesa dos consumidores e dos utentes;

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    11

    A ACICL é uma associação de defesa dos consumidores, inscrita no registo das organizações de consumidores e utentes da Comunidade Autónoma de Castilla y León. Tem sede em Salamanca (Espanha) e 110 membros. Esta associação tem o seu âmbito de intervenção limitado ao território da referida comunidade e não está federada nem associada a nenhuma confederação ou federação regional ou nacional de associações de defesa dos consumidores.

    12

    A ASE é uma sociedade comercial, com sede em Barcelona (Espanha), que gere um portal Internet no qual particulares e profissionais podem publicar anúncios relativos a imóveis ou a produtos em segunda mão e ofertas de emprego.

    13

    As condições de utilização do sítio Internet, disponíveis no portal, dividem‑se em duas categorias, a saber, por um lado, «condições gerais de utilização» e, por outro lado, «condições particulares do contrato de serviço de anúncios» (a seguir «condições particulares»).

    14

    Entre as condições particulares figuravam, à data da propositura da ação inibitória no processo principal nos órgãos jurisdicionais nacionais, os artigos 6.°, relativo à limitação da responsabilidade, e 7.°, intitulado «Declarações e garantias do anunciante/Indemnizações».

    15

    A ACICL, com base no artigo 54.o do Decreto Real Legislativo 1/2007, intentou no Juzgado de Primera Instancia n.o 4 y de lo Mercantil de Salamanca (tribunal de primeira instância e de comércio n.o 4 de Salamanca) uma ação inibitória contra a ASE. A referida ação tinha por objeto, por um lado, a declaração de nulidade dos artigos 6.° e 7.°, n.o 7, das condições particulares e, por outro, a condenação da ASE a suprimir estas disposições e a não as utilizar no futuro.

    16

    Por despacho de 6 de abril de 2011, o Juzgado de Primera Instancia n.o 4 y de lo Mercantil de Salamanca declarou‑se incompetente para conhecer da ação inibitória intentada pela ACICL. Com efeito, este órgão jurisdicional declarou que, por força do disposto no artigo 52.o, n.o 1, ponto 14, da LEC, o tribunal competente para conhecer das ações inibitórias intentadas em defesa dos interesses coletivos dos consumidores é o do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado. Nesse mesmo despacho, foi mencionada a possibilidade de recurso para a Audiencia Provincial de Salamanca (tribunal de grande instância de Salamanca).

    17

    A ACICL recorreu desta decisão na Audiencia Provincial de Salamanca, alegando que o facto de excluir a competência territorial do tribunal da sede da associação de defesa dos consumidores para conhecer das ações inibitórias intentadas por uma associação dessa natureza contra a utilização de cláusulas abusivas é contrário ao objetivo prosseguido pela Diretiva 93/13.

    18

    Na sua decisão de reenvio, a Audiencia Provincial de Salamanca indica que dois pontos, em especial, suscitam dúvidas.

    19

    Por um lado, segundo as normas processuais nacionais, mais concretamente, os artigos 52.°, n.o 1, ponto 16, e 67.° da LEC, os despachos de incompetência territorial proferidos pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância não são suscetíveis de recurso, tendo por consequência, num caso como o que está em causa no litígio principal, a ACICL ter de intentar a ação exclusivamente no tribunal do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado, ou seja, Barcelona. O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade das referidas regras de direito espanhol em matéria de competência territorial e de recurso das decisões de incompetência territorial proferidas pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância, no âmbito das referidas ações inibitórias, com a exigência de um elevado nível de proteção dos consumidores, conforme requerida pela Diretiva 93/13.

    20

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade, com o objetivo de um nível elevado de proteção dos consumidores e com os princípios da equivalência e da efetividade, da regra de competência segundo a qual a ação inibitória intentada por uma associação de defesa dos consumidores deve ser apresentada no tribunal do lugar do estabelecimento ou do domicílio do profissional. Com efeito, nestas condições, uma associação de defesa dos consumidores, como a ACICL, pode de facto ser obrigada a renunciar a intentar uma ação dessa natureza devido ao seu orçamento reduzido e ao seu âmbito de ação territorial limitado.

    21

    A este respeito, o referido órgão jurisdicional indica que, na sua jurisprudência respeitante às disposições da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; JO 1998, C 27, p. 1; a seguir «Convenção de Bruxelas»), o Tribunal de Justiça declarou que a eficácia das ações inibitórias da utilização de cláusulas ilícitas previstas no artigo 7.o da Diretiva 93/13 seria consideravelmente afetada se essas ações só pudessem ser propostas no Estado em que o comerciante está domiciliado (acórdão de 1 de outubro de 2002, Henkel, C-167/00, Colet., p. I-8111, n.o 43). Deduz daí que esses mesmos princípios podem ser aplicados num caso como o que está em causa no litígio principal, devendo assim ser declarados competentes os tribunais do lugar da sede de uma associação de defesa dos consumidores que aja contra um profissional que tenha inserido cláusulas abusivas nos seus contratos.

    22

    Neste contexto, a Audiencia Provincial de Salamanca decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A proteção garantida ao consumidor pela Diretiva [93/13] permite à Audiencia Provincial [de Salamanca], na qualidade de tribunal nacional de recurso, conhecer, embora sem qualquer base legal interna, de um recurso interposto da decisão do [Juzgado de Primera Instancia n.o 4 y de lo Mercantil de Salamanca] que atribui a um tribunal do domicílio da demandada a competência territorial para apreciar a ação inibitória intentada por uma associação de [defesa dos] consumidores, de âmbito territorial restrito, não associada nem federada com outras, com um orçamento diminuto e um pequeno número de associados?

    2)

    Os artigos 4.° [TFUE], 12.° [TFUE], 114.° [TFUE] e 169.° [TFUE] e o artigo 38.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conjugados com a Diretiva 93/13 e a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao elevado nível de proteção dos interesses dos consumidores, bem como ao efeito útil das diretivas e aos princípios da equivalência e da efetividade, devem ser interpretados no sentido de que declaram territorialmente competente para apreciar a ação inibitória, para proteção dos interesses coletivos ou difusos dos consumidores e utentes, intentada por uma associação de [defesa dos] consumidores, com um âmbito territorial restrito, não associada nem federada com outras, com um orçamento diminuto e um pequeno número de associados, o tribunal do lugar do domicílio dessa associação e não o do lugar do domicílio do demandado?»

    Quanto às questões prejudiciais

    23

    Com as suas duas questões, que importa analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 93/13 e os princípios da equivalência e da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação processual nacional segundo a qual, em matéria de ações inibitórias intentadas por associações de defesa dos consumidores, por um lado, uma ação dessa natureza deve ser intentada nos tribunais do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado e, por outro, a decisão de incompetência territorial proferida por um tribunal de primeira instância não é suscetível de recurso.

    24

    O Governo espanhol invocou a inadmissibilidade da questão prejudicial relativa à impossibilidade de contestar a decisão de incompetência proferida por um órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre uma ação inibitória em primeira instância, como a do processo principal, sustentando que esta questão não diz respeito a nenhum princípio do direito da União. Segundo este governo, a referida questão está relacionada com o direito à tutela judicial efetiva, conforme garantido pela Constituição espanhola.

    25

    A este respeito, basta observar que a ação judicial em causa no processo principal foi intentada por uma associação de defesa dos consumidores com intuito de proibir as cláusulas contratuais abusivas utilizadas por um profissional. Resulta daqui que, no âmbito do litígio principal, a questão da irrecorribilidade da decisão de incompetência territorial proferida por um órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre uma ação inibitória diz respeito à efetividade de uma modalidade processual destinada a assegurar a salvaguarda de um direito da União que assiste aos cidadãos, neste caso, o direito de as associações de defesa dos consumidores agirem judicialmente para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas, como previsto designadamente no artigo 7.o da Diretiva 93/13, tudo «no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes».

    26

    Consequentemente, quando as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer das mesmas (v., neste sentido, acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, n.o 76).

    27

    Quanto ao mérito, importa recordar que o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantirem que, nas suas ordens jurídicas nacionais, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional. Os referidos meios devem compreender disposições que permitam às organizações que, nos termos da legislação nacional, tenham um interesse legítimo na defesa dos consumidores de recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para o efeito.

    28

    No entanto, há que observar que a Diretiva 93/13 não contém nenhuma disposição que permita determinar o tribunal territorialmente competente para conhecer das ações inibitórias para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas, intentadas pelas associações de defesa dos consumidores no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes. Esta diretiva também não regula a questão do número de graus de jurisdição relativamente às decisões de incompetência territorial num caso como este.

    29

    Além disso, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 28 das suas conclusões, nem a Diretiva 98/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de maio de 1998 relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 166, p. 51), nem a Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO L 110, p. 30), que lhe sucedeu, regulam a questão do número de graus de jurisdição que os Estados‑Membros devem prever no que toca às decisões de incompetência territorial em matéria de ações inibitórias à disposição das associações de defesa dos consumidores. Por outro lado, estas diretivas também não preveem regras de atribuição de competência territorial relativas às ações inibitórias em matéria de defesa dos interesses dos consumidores.

    30

    Não havendo harmonização das vias de recurso à disposição das associações de defesa dos consumidores para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas, quer no interesse dos consumidores, quer no dos profissionais concorrentes, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro estabelecer tais regras, por força do princípio da autonomia processual, desde que, contudo, não sejam menos favoráveis do que as regras que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e que, na prática, não impossibilitem ou dificultem excessivamente o exercício dos direitos conferidos às associações de defesa dos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade) (v., por analogia, acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, n.o 50, e de 18 de abril de 2013, Irimie, C‑565/11, n.o 23 e jurisprudência referida).

    31

    Relativamente ao princípio da equivalência, há que constatar que o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita suscitar dúvidas quanto à conformidade das normas processuais em causa no processo principal com este princípio.

    32

    Com efeito, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, decorre do disposto no artigo 52.o, n.o 1, pontos 14 e 16, da LEC que a regra segundo a qual a competência territorial pertence ao tribunal do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado é aplicável a todas as ações inibitórias, tanto às que visam pôr termo à utilização de condições gerais previstas em contratos‑tipo como às exercidas pelas associações de defesa dos consumidores em defesa dos interesses coletivos dos consumidores.

    33

    No que se refere à regra nacional que prevê a irrecorribilidade das declarações de incompetência territorial do tribunal de primeira instância, a saber, o artigo 67.o, n.o 1, da LEC, decorre da decisão de reenvio que esta regra é de aplicação geral no direito processual espanhol.

    34

    No que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma norma processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração, se necessário, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (v., neste sentido, acórdãos de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C-40/08, Colet., p. I-9579, n.o 39 e jurisprudência referida, e Aziz, já referido, n.o 53).

    35

    No presente processo, alegou‑se que a remessa da ação inibitória em causa no processo principal a outro órgão jurisdicional, mais afastado da sede da ACICL, poderia implicar inconvenientes importantes para esta associação já que, em virtude da distância geográfica do tribunal competente para conhecer da sua ação, a referida associação corria o risco de ter de renunciar à mesma por motivos financeiros.

    36

    Quanto às dificuldades invocadas pela ACICL, tudo indica que as mesmas não resultam da regra segundo a qual a ação inibitória intentada por uma associação de defesa dos consumidores é da competência territorial do tribunal do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandante, nem da regra da irrecorribilidade da declaração de incompetência territorial proferida pelo tribunal de primeira instância.

    37

    Com efeito, não são estas normas processuais, em si mesmas, que dificultam a propositura, pela ACICL, da ação inibitória em causa no processo principal no tribunal do lugar do estabelecimento do demandado, mas sim a situação económica desta associação.

    38

    A este respeito, como o advogado‑geral sublinhou no n.o 36 das suas conclusões, as normas processuais relativas à estrutura das vias de recurso internas e ao número de graus de jurisdição, que prosseguem um interesse geral de boa administração da justiça e de previsibilidade, devem prevalecer sobre os interesses privados, no sentido de que não podem ser adaptadas em função da situação económica concreta de uma parte.

    39

    É certo que, para respeitar o princípio da efetividade, a organização das vias de recurso internas e o número de graus de jurisdição não devem tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União.

    40

    Em primeiro lugar, importar observar que, como decorre da decisão de reenvio, nos termos do disposto no artigo 60.o, n.o 1, da LEC, o tribunal do lugar do estabelecimento do demandado, chamado a pronunciar‑se sobre a ação inibitória na sequência da declaração de incompetência do tribunal do lugar do estabelecimento do demandante, não pode questionar a sua competência e, por conseguinte, tem o dever de se pronunciar sobre o mérito desta ação.

    41

    Em segundo lugar, ainda que não seja de excluir que prosseguir a ação no tribunal do lugar do estabelecimento do demandado implique custos adicionais para a ACICL, os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não permitem concluir, sem prejuízo de verificações pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o bom funcionamento do processo requer a comparência da associação em todas as suas fases (v., por analogia, acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04, C‑93/12, n.o 50).

    42

    Em terceiro lugar, as dificuldades que a ACICL enfrentaria podem ser ultrapassadas através de outros mecanismos que compensem as suas dificuldades financeiras, como a obtenção de apoio judiciário (v., neste sentido, acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB, C-279/09, Colet., p. I-13849, n.os 59 e 60, e, por analogia, acórdão Agrokonsulting‑04, já referido, n.o 50).

    43

    Por outro lado, o Governo espanhol sublinhou nos seus articulados que as organizações de defesa dos consumidores podem, quando intentem ações inibitórias, obter uma dispensa de garantia, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

    44

    Além disso, importa observar que, no litígio principal, o debate sobre a competência não foi definitivamente encerrado em virtude da irrecorribilidade do despacho de 6 de abril de 2011, nos termos do qual o Juzgado de Primera Instancia n.o 4 y de lo Mercantil de Salamanca se declarou territorialmente incompetente para conhecer da ação inibitória intentada pela ACICL. Com efeito, como decorre da decisão de reenvio, o debate poderia ser reaberto caso fosse interposto recurso da decisão quanto ao mérito.

    45

    Em quarto lugar, como o Governo espanhol sublinhou nos seus articulados, o artigo 60.o, n.o 1, da LEC visa, nomeadamente, evitar decisões contraditórias através da atribuição da competência a um único órgão jurisdicional. Assim, uma regra como esta poderia assegurar uma prática uniforme em todo o território nacional, contribuindo deste modo para a segurança jurídica (v., por analogia, acórdão Agrokonsulting‑04, já referido, n.o 56).

    46

    No que toca à jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do acórdão Henkel, já referido, invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve‑se, antes de mais, precisar que as disposições da Convenção de Bruxelas e as do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1), que lhe sucedeu, dizem apenas respeito aos litígios transfronteiriços.

    47

    Daqui resulta que o ensinamento que decorre do acórdão Henkel, já referido, nomeadamente do seu n.o 43, em que o Tribunal de Justiça, no que respeita à interpretação da Convenção de Bruxelas, declarou, num contexto transfronteiriço, que a eficácia das ações inibitórias da utilização de cláusulas ilícitas previstas no artigo 7.o da Diretiva 93/13 seria consideravelmente afetada se essas ações só pudessem ser intentadas no Estado‑Membro em que o comerciante está domiciliado, não é transponível para circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, que visam a interpretação de normas processuais de direito interno de um único Estado‑Membro.

    48

    No que respeita à equiparação das associações de defesa dos consumidores aos consumidores, na aceção da Diretiva 93/13, sugerida pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que recordar que, como o advogado‑geral sublinhou, no essencial, no n.o 51 das suas conclusões, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita, quer ao poder de negociação, quer ao nível de informação (v., nomeadamente, acórdãos de 4 de junho de 2009, Pannon GSM, C-243/08, Colet., p. I-4713, n.o 22; Banco Español de Crédito, já referido, n.o 39; e Aziz, já referido, n.o 44).

    49

    Ora, há que observar que, no que se refere aos meios processuais à disposição das associações de defesa dos consumidores para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas, estas associações não se encontram nessa situação de inferioridade relativamente ao profissional.

    50

    Com efeito, sem negar a importância do papel essencial que estas associações devem poder exercer para alcançar um nível de proteção elevado dos consumidores na União Europeia, há, não obstante, que observar que uma ação inibitória que opõe uma associação dessa natureza a um profissional não se caracteriza pelo desequilíbrio existente no âmbito de uma ação isolada que envolva um consumidor e seu cocontratante profissional.

    51

    Além disso, essa abordagem diferenciada é confirmada pelo disposto nos artigos 4.°, n.o 1, da Diretiva 98/27, e 4.°, n.o 1, da Diretiva 2009/22, segundo os quais os tribunais do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandante é que são competentes para conhecer das ações inibitórias intentadas pelas associações de defesa dos consumidores de outros Estados‑Membros, em caso de violação intracomunitária da legislação da União relativa à proteção dos consumidores.

    52

    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que concluir que as normas processuais em causa no processo principal não tornam, na prática, impossível nem excessivamente difícil o exercício de uma ação inibitória intentada por uma associação de defesa dos consumidores, como a ACICL, e não põem em causa a realização do objetivo prosseguido pela Diretiva 93/13.

    53

    Nestas condições, há que responder às questões submetidas que a Diretiva 93/13 e os princípios da efetividade e da equivalência devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual, em matéria de ações inibitórias intentadas pelas associações de defesa dos consumidores, por um lado, uma ação dessa natureza deve ser intentada nos tribunais do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado e, por outro, a decisão de incompetência territorial proferida por um tribunal de primeira instância não é suscetível de recurso.

    Quanto às despesas

    54

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, e os princípios da efetividade e da equivalência devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, segundo a qual, em matéria de ações inibitórias intentadas pelas associações de defesa dos consumidores, por um lado, uma ação dessa natureza deve ser intentada nos tribunais do lugar do estabelecimento ou do domicílio do demandado e, por outro, a decisão de incompetência territorial proferida por um tribunal de primeira instância não é suscetível de recurso.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: espanhol.

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