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Document 62012CJ0284

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 21 de novembro de 2013.
    Deutsche Lufthansa AG contra Flughafen Frankfurt‑Hahn GmbH.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Koblenz.
    Auxílios de Estado — Artigos 107.° e 108.° TFUE — Vantagens concedidas por uma empresa pública que explora um aeroporto a uma companhia aérea de baixo custo — Decisão de dar início ao procedimento formal de investigação dessa medida — Obrigação de os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros se conformarem com a apreciação da Comissão feita nesta decisão quanto à existência de um auxílio.
    Processo C‑284/12.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:755

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção)

    21 de novembro de 2013 ( *1 )

    «Auxílios de Estado — Artigos 107.° e 108.° TFUE — Vantagens concedidas por uma empresa pública que explora um aeroporto a uma companhia aérea de baixo custo — Decisão de dar início ao procedimento formal de investigação dessa medida — Obrigação de os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros se conformarem com a apreciação da Comissão feita nesta decisão quanto à existência de um auxílio»

    No processo C‑284/12,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Oberlandesgericht Koblenz (Alemanha), por decisão de 30 de maio de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2012, no processo

    Deutsche Lufthansa AG

    contra

    Flughafen Frankfurt‑Hahn GmbH,

    sendo interveniente:

    Ryanair Ltd,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev (relator), juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: K. Malacek, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 11 de abril de 2013,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Deutsche Lufthansa AG, por A. Martin‑Ehlers, Rechtsanwalt,

    em representação da Flughafen Frankfurt‑Hahn GmbH, por T. Müller‑Heidelberg, Rechtsanwalt,

    em representação da Ryanair Ltd, por G. Berrisch, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo belga, por T. Materne e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por A. Lepièce, avocate,

    em representação do Governo neerlandês, por M. Noort e C. Wissels, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por V. Di Bucci e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de junho de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE.

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Deutsche Lufthansa AG (a seguir «Lufthansa») à Flughafen Frankfurt‑Hahn GmbH (a seguir «FFH»), que explora o aeroporto de Frankfurt‑Hahn (Alemanha), relativamente à cessação e à recuperação de auxílios de Estado que a FFH concedeu à Ryanair Ltd (a seguir «Ryanair»).

    Quadro jurídico

    3

    O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), intitulado «Cláusula suspensiva», tem a seguinte redação:

    «Os auxílios a notificar nos termos do n.o 1 do artigo 2.o não serão executados antes de a Comissão ter tomado, ou de se poder considerar que tomou, uma decisão que os autorize.»

    4

    O artigo 4.o do mesmo regulamento, intitulado «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», dispõe nos seus n.os 2 a 4:

    «2.   Quando, após análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

    3.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo [artigo 107.o, n.o 1, TFUE], decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum […].

    4.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do [artigo 108.o, n.o 2, TFUE], adiante designada ‘decisão de início de um procedimento formal de investigação’.»

    5

    O artigo 6.o do referido regulamento, intitulado «Procedimento formal de investigação», enuncia, no seu n.o 1:

    «A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. […]»

    6

    O artigo 7.o deste regulamento, intitulado «Decisão da Comissão de encerramento do procedimento formal de investigação», dispõe:

    «1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 8.o, o procedimento formal de investigação será encerrado por via de decisão, nos termos dos n.os 2 a 5 do presente artigo.

    2.   Quando a Comissão verificar que, eventualmente após alterações pelo Estado‑Membro em causa, uma medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

    3.   Quando a Comissão considerar que, eventualmente após alterações pelo Estado‑Membro em causa, deixaram de existir dúvidas quanto à compatibilidade de uma medida notificada com o mercado comum, decidirá que o auxílio é compatível com o mercado comum […]

    4.   A Comissão pode acompanhar a sua decisão positiva de condições […] e de obrigações […]

    5.   Quando a Comissão considerar que o auxílio notificado é incompatível com o mercado comum, decidirá que o mesmo não pode ser executado […].

    6.   As decisões nos termos dos n.os 2, 3, 4 e 5 devem ser tomadas quando tenham sido dissipadas as dúvidas referidas no n.o 4 do artigo 4.o Na medida do possível, a Comissão esforçar‑se‑á por adotar uma decisão no prazo de 18 meses a contar da data de início do procedimento. […]

    […]»

    7

    O artigo 11.o do Regulamento n.o 659/1999, intitulado «Injunção de suspensão ou de recuperação provisória do auxílio», prevê:

    «1.   Depois de ter dado ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de apresentar as suas observações, a Comissão pode tomar uma decisão em que ordena ao Estado‑Membro a suspensão de qualquer auxílio ilegal até que a Comissão tome uma decisão quanto à sua compatibilidade com o mercado comum […]

    2.   Depois de ter dado ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de apresentar as suas observações, a Comissão pode tomar uma decisão em que ordena ao Estado‑Membro que recupere provisoriamente qualquer auxílio ilegal até que a Comissão tome uma decisão quanto à sua compatibilidade com o mercado comum […]

    […]»

    8

    O artigo 12.o deste regulamento, intitulado «Incumprimento da injunção», dispõe:

    «Se um Estado‑Membro não der cumprimento a uma injunção de suspensão ou de recuperação, a Comissão pode, ao mesmo tempo que procede ao exame de fundo do caso com base nas informações disponíveis, recorrer diretamente ao [Tribunal de Justiça] para que este declare que esse incumprimento constitui uma violação do Tratado.»

    9

    Nos termos do artigo 13.o do referido regulamento, intitulado «Decisões da Comissão»:

    «1.   O exame de um auxílio eventualmente ilegal conduz a uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 4.o Em caso de decisão de início de um procedimento formal de investigação, este é encerrado por uma decisão, nos termos do artigo 7.o […]

    2.   Em caso de um auxílio eventualmente ilegal e sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 11.o, a Comissão não está vinculada pelo prazo estabelecido no n.o 5 do artigo 4.o e nos n.os 6 e 7 do artigo 7.o

    […]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    10

    A FFH, sociedade que explora o aeroporto civil Frankfurt‑Hahn era detida, até janeiro de 2009, em 65% pela Fraport AG, em 17,5% pelo Land da Renânia‑Palatinado e em 17,5% pelo Land de Hesse. A Fraport AG é uma sociedade anónima cotada em bolsa e detida maioritariamente pela República Federal da Alemanha, pelo Land de Hesse e pelo município de Frankfurt‑am‑Main.

    11

    Desde o início da sua atividade, a FFH gerou perdas anuais de vários milhões de euros. Em 31 de dezembro de 2011, as referidas perdas ascendiam aproximadamente a 197 milhões de euros. Até 2009, estas perdas foram suportadas pela Fraport AG com base no acordo de transferência de resultados. No entanto, em 1 de janeiro de 2009, a Fraport AG vendeu as suas participações ao Land da Renânia‑Palatinado pelo preço simbólico de um euro. Esta transferência foi motivada pela impossibilidade de criar uma taxa sobre os passageiros a fim de reduzir as perdas geradas pelo aeroporto de Frankfurt‑Hahn, devido à intenção de a Ryanair abandonar o aeroporto se essa taxa fosse criada.

    12

    A Ryanair é uma companhia aérea de baixo custo que representa mais de 95% do tráfego de passageiros do aeroporto de Frankfurt‑Hahn. Segundo a tabela de taxas de 2001 deste aeroporto, as companhias aéreas que o utilizavam deviam pagar uma taxa de 4,35 euros por cada passageiro. No entanto, não foram cobradas taxas de descolagem, de aproximação, de aterragem ou de utilização das infraestruturas do aeroporto à Ryanair, visto que usava exclusivamente aviões que, em conformidade com a referida tabela, lhe conferiam o direito a uma isenção, a saber, aviões cujo peso na descolagem se situa entre 5,7 e 90 toneladas.

    13

    A tabela de taxas de 2006 do aeroporto de Frankfurt‑Hahn tem por base uma grelha elaborada em função do número de passageiros transportados por ano por uma companhia aérea a partir deste aeroporto, situando‑se entre os 5,35 euros, para um número inferior a 100 000 passageiros por ano, e os 2,24 euros, a partir de 3 milhões de passageiros. Além disso, esta tabela subordina a isenção das taxas de aterragem e de descolagem, bem como as relativas à prestação de serviços de navegação aérea e de serviços de assistência em escala, à condição de a duração da assistência em escala não exceder 30 minutos. A referida tabela prevê também a concessão de um «auxílio à comercialização» para a abertura de novas linhas aéreas. O montante desse auxílio é determinado em função do volume total de passageiros transportados pela companhia aérea em questão. A Ryanair beneficiou do referido auxílio.

    14

    Considerando que as práticas comerciais levadas a cabo pela FFH constituíam um auxílio de Estado não notificado à Comissão e, portanto, concedido em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Lufthansa intentou no Landgericht Bad Kreuznach, em 26 de novembro de 2006, uma ação em que pedia que fosse ordenada a recuperação dos montantes pagos à Ryanair a título de «auxílio à comercialização» entre 2002 e 2005, dos montantes correspondentes às reduções das taxas aeroportuárias de que a Ryanair beneficiou em 2003 em aplicação da tabela de 2001 e ainda a cessação de qualquer auxílio a favor da Ryanair.

    15

    Como a ação foi julgada improcedente, a Lufthansa interpôs recurso no Oberlandesgericht Koblenz. Tendo sido negado provimento ao recurso, a Lufthansa interpôs um recurso de «Révision» no Bundesgerichtshof. Por acórdão de 10 de fevereiro de 2011, o referido órgão jurisdicional anulou o acórdão do Oberlandesgericht Koblenz e remeteu‑lhe o processo, para que determinasse se o artigo 108.o, n.o 3, TFUE tinha sido violado.

    16

    Por decisão de 17 de junho de 2008, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, no que se refere aos eventuais auxílios estatais concedidos pela República Federal da Alemanha à FFH e à Ryanair (JO 2009, C 12, p. 6). Entre as medidas objeto dessa decisão figuravam a redução das taxas aeroportuárias e as disposições em matéria de auxílios à comercialização a favor da Ryanair. Na referida decisão, a Comissão chegou à conclusão preliminar de que cada uma das medidas em causa era seletiva e constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a menos que respeitassem o princípio do investidor privado. Quanto a este princípio, a Comissão sustentou que, segundo as informações de que dispunha no momento da tomada da decisão de 17 de junho de 2008, as taxas aeroportuárias pagas pela Ryanair não eram suficientes para cobrir todas as despesas incorridas pela FFH.

    17

    Consequentemente, o Oberlandesgericht Koblenz enviou à Comissão um pedido de emissão de parecer, com base no ponto 3.2 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais nacionais (JO 2009, C 85, p. 1). No seu parecer, a Comissão indicou que não era necessário o Oberlandesgericht Koblenz apreciar ele próprio se as medidas em causa podiam ou não ser qualificadas de auxílio de Estado, uma vez que se podia basear na decisão de 17 de junho de 2008 para extrair todas as consequências resultantes da violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Quanto ao mérito, a Comissão precisou que as medidas em causa eram simultaneamente imputáveis ao Estado e seletivas.

    18

    Considerando, porém, que lhe incumbe determinar se as medidas em causa constituem auxílios de Estado e tendo dúvidas, em especial, quanto à natureza seletiva dessas medidas, o Oberlandesgericht Koblenz decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Uma decisão, não impugnada, da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 3, segundo período, TFUE, tem como consequência que um órgão jurisdicional nacional, num processo que tem por objeto a recuperação de pagamentos efetuados e a cessação de futuros pagamentos, esteja vinculado ao entendimento jurídico da Comissão na decisão de dar início ao procedimento em relação à apreciação do caráter de auxílio?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão:

    Devem as medidas de uma empresa pública na aceção do artigo 2.o, alínea b), i), da Diretiva 2006/111/CE da Comissão, de 16 de novembro 2006, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira relativamente a certas empresas [JO L 318, p. 17 ([…])], que explora um aeroporto, nos termos da regulamentação sobre os auxílios de Estado, ser consideradas desde logo uma medida seletiva na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, porque dela beneficiam apenas as companhias aéreas que usam o aeroporto?

    3)

    Em caso de resposta negativa à segunda questão:

    a)

    O requisito do caráter seletivo não está preenchido quando a empresa pública que explora o aeroporto concede, de forma transparente, as mesmas condições a todas as companhias aéreas que decidem utilizar o aeroporto?

    b)

    O mesmo vale também quando a entidade gestora do aeroporto segue um determinado modelo de negócio (neste caso: colaboração com as designadas companhias aéreas de baixo custo — Low‑cost‑carrier), e as condições de utilização, por terem sido adaptadas a essa clientela, não são da mesma forma atrativas para todas as companhias aéreas?

    c)

    Estamos, em todo o caso, perante uma medida seletiva quando uma parte substancial do volume de passageiros do aeroporto durante vários anos se deveu a uma companhia aérea?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    19

    A Lufthansa contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial por considerar que a decisão de reenvio não está suficientemente fundamentada e que a mesma não expõe de forma detalhada o quadro factual do litígio no processo principal.

    20

    A este respeito, importa recordar que, conforme resulta de jurisprudência constante, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e legal em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões (v. acórdãos de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7, C-380/05, Colet., p. I-349, n.o 57 e jurisprudência referida, e de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C-384/08, Colet., p. I-2055, n.o 32). Estas exigências são particularmente válidas no domínio da concorrência, que se caracteriza por situações de facto e de direito complexas (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 26 de janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o., C-320/90 a C-322/90, Colet., p. I-393, n.o 7, e Attanasio Group, já referido, n.o 32 e jurisprudência referida).

    21

    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, também é importante que o órgão jurisdicional nacional indique as razões precisas que o conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 6 de dezembro de 2005, ABNA e o., C-453/03, C-11/04, C-12/04 e C-194/04, Colet., p. I-10423, n.o 46 e jurisprudência referida, e despacho de 20 de janeiro de 2011, Chihabi e o., C‑432/10, n.o 22).

    22

    No caso em apreço, há que reconhecer que a decisão de reenvio contém os elementos de facto e de direito que permitem tanto ao Tribunal de Justiça fornecer respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio como aos governos dos Estados‑Membros e aos restantes interessados apresentarem as suas observações nos termos do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Além disso, as razões que levaram o órgão jurisdicional de reenvio a submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça foram claramente indicadas na decisão de reenvio.

    23

    Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

    Quanto à primeira questão

    24

    Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, quando, em aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Comissão dá início ao procedimento formal de investigação, previsto no n.o 2 do referido artigo, relativamente a uma medida estatal não notificada em fase de execução, o órgão jurisdicional nacional perante o qual é intentada uma ação que visa a cessação dessa medida e a recuperação dos montantes já pagos deve extrair consequências relativas à eventual violação da obrigação de suspensão de execução da referida medida.

    25

    O artigo 108.o, n.o 3, TFUE institui uma fiscalização preventiva dos projetos de auxílios novos (acórdãos de 11 de dezembro de 1973, Lorenz, 120/73, Colet., p. 1471, n.o 2, e de 12 de fevereiro de 2008, CELF e Ministre de la Culture et de la Communication, a seguir «acórdão CELF I», C-199/06, Colet., p. I-469, n.o 37).

    26

    O objetivo da prevenção assim organizada é o de que só seja dada execução aos auxílios compatíveis. Para concretizar este objetivo, a execução de um projeto de auxílio é diferida até que a dúvida quanto à sua compatibilidade seja afastada pela decisão final da Comissão (acórdão CELF I, já referido, n.o 48).

    27

    A execução deste sistema de controlo incumbe, por um lado, à Comissão e, por outro, aos órgãos jurisdicionais nacionais, sendo os respetivos papéis que desempenham complementares mas distintos (v., neste sentido, acórdãos de 11 de julho de 1996, SFEI e o., C-39/94, Colet., p. I-3547, n.o 41; de 21 de outubro de 2003, Van Calster e o., C-261/01 e C-262/01, Colet., p. I-12249, n.o 74; e de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich, C-368/04, Colet., p. I-9957, n.os 36 e 37).

    28

    Enquanto a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado interno é da competência exclusiva da Comissão, que atua sob o controlo dos órgãos jurisdicionais da União, os órgãos jurisdicionais nacionais zelam pela salvaguarda, até à decisão final da Comissão, dos direitos dos particulares em caso de uma eventual violação, pelas autoridades estatais, da proibição prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, acórdãos já referidos, Van Calster e o., n.o 75, e Transalpine Ölleitung in Österreich, n.o 38).

    29

    A intervenção dos órgãos jurisdicionais nacionais resulta do efeito direto reconhecido à proibição de execução dos projetos de auxílio previsto no artigo 108.o, n.o 3, último período, TFUE. A este respeito, o Tribunal de Justiça esclareceu que a natureza imediatamente aplicável da proibição de execução, contida nesse artigo, abrange qualquer auxílio que tenha sido executado sem ser notificado (acórdão Lorenz, já referido, n.o 8; acórdão de 21 de novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, a seguir «acórdão FNCE», C-354/90, Colet., p. I-5505, n.o 11; e acórdão SFEI e o., já referido, n.o 39).

    30

    Os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir aos particulares que todas as consequências da violação do artigo 108.o, n.o 3, último período, TFUE serão daí retiradas, em conformidade com o direito nacional, quer no que diz respeito à validade dos atos de execução das medidas de auxílio, quer à restituição dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição ou de eventuais medidas provisórias (acórdãos já referidos FNCE, n.o 12, e SFEI e o., n.o 40).

    31

    O objetivo da missão dos órgãos jurisdicionais nacionais é, por consequência, o de adotar as medidas adequadas para remediar a ilegalidade da execução dos auxílios, a fim de que o beneficiário não conserve o poder de livre disposição sobre estes durante o restante período de tempo até à decisão da Comissão (acórdão de 11 de março de 2010, CELF e ministre de la Culture et de la Communication, C-1/09, Colet., p. I-2099, n.o 30).

    32

    O início de um procedimento formal de investigação pela Comissão nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE não exonera os órgãos jurisdicionais nacionais da sua obrigação de salvaguardarem os direitos dos particulares em caso de uma eventual violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE (acórdão SFEI e o., já referido, n.o 44).

    33

    Dito isto, o alcance desta obrigação pode variar em função da questão de saber se a Comissão deu ou não início ao procedimento formal de investigação em relação à medida objeto do litígio no órgão de jurisdição nacional.

    34

    No caso de a Comissão ainda não ter dado início ao procedimento formal de investigação e, portanto, de ainda não se ter pronunciado sobre a questão de saber se as medidas analisadas constituem auxílios de Estado, os órgãos jurisdicionais nacionais perante os quais é intentada uma ação relativa a uma eventual violação do artigo 108.o, n.o 3, última frase, do TFUE, podem ter de interpretar e de aplicar o conceito de auxílio a fim de determinar que essas medidas deveriam ter sido notificadas à Comissão (v., neste sentido, acórdão SFEI e o., já referido, n.os 49, 53 e n.o 1 do dispositivo). Deste modo, cabe‑lhes verificar, designadamente, se a medida em causa constitui uma vantagem e se é seletiva, isto é, se favorece determinadas empresas ou determinados produtores na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (acórdão Transalpine Ölleitung in Österreich, já referido, n.o 39).

    35

    Com efeito, a obrigação de notificação e a proibição de execução previstas no artigo 108.o, n.o 3, do TFUE dizem respeito aos projetos que podem ser qualificados de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE. Portanto, antes de extrair as consequências de uma eventual violação do artigo 108.o, n.o 3, último período, TFUE, os órgãos jurisdicionais nacionais devem pronunciar‑se previamente sobre a questão de saber se as medidas em causa constituem ou não auxílios de Estado.

    36

    No caso de a Comissão já ter dado início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, importa analisar que medidas devem ser tomadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

    37

    Se é certo que as avaliações feitas na decisão de iniciar o procedimento formal de investigação revestem um caráter preliminar, tal não implica que esta decisão seja desprovida de efeitos jurídicos.

    38

    A este respeito, importa sublinhar que, no caso de os órgãos jurisdicionais nacionais poderem considerar que uma medida não constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, portanto, não suspenderem a sua execução, apesar de a Comissão declarar, na sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, que essa medida pode apresentar elementos de auxílio, o efeito útil do artigo 108.o, n.o 3, TFUE ficaria comprometido.

    39

    Com efeito, se, por um lado, a avaliação preliminar da natureza de auxílio da medida em questão, feita na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, for posteriormente confirmada na decisão final da Comissão, os órgãos jurisdicionais nacionais terão violado a sua obrigação imposta pelos artigos 108.°, n.o 3, TFUE, e 3.° do Regulamento n.o 659/1999, de suspender a execução de qualquer projeto de auxílio até à adoção da decisão da Comissão relativa à compatibilidade desse projeto com o mercado interno.

    40

    Por outro lado, ainda que a Comissão tenha concluído, na sua decisão final, pela falta de elementos de auxílio, o objetivo de prevenção subjacente ao sistema de controlo dos auxílios estatais instituído pelo Tratado FUE e recordado nos n.os 25 e 26 do presente acórdão exige que, após a dúvida levantada na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação quanto à natureza de auxílio desta medida e à sua compatibilidade com o mercado interno, a sua execução seja diferida até que esta dúvida seja dissipada pela decisão final da Comissão.

    41

    Importa também sublinhar que a aplicação das regras da União em matéria de auxílios de Estado assenta numa obrigação de cooperação leal entre, por um lado, os órgãos jurisdicionais nacionais e, por outro, a Comissão e as jurisdições da União, no âmbito da qual cada um atua em função da missão que lhe é conferida pelo Tratado. No âmbito desta cooperação, os órgãos jurisdicionais nacionais devem tomar todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do direito da União e abster‑se das que são suscetíveis de pôr em perigo a realização dos fins do Tratado, como resulta do artigo 4.o, n.o 3, TUE. Deste modo, os órgãos jurisdicionais nacionais devem, em especial, abster‑se de tomar decisões que vão contra uma decisão da Comissão, ainda que a mesma tenha natureza provisória.

    42

    Por conseguinte, quando a Comissão dá início ao procedimento formal de investigação relativamente a uma medida em fase de execução, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a adotar todas as medidas necessárias para extrair as consequências de uma eventual violação da obrigação de suspensão da execução da referida medida.

    43

    Para o efeito, os órgãos jurisdicionais nacionais podem decidir suspender a execução da medida em causa e ordenar a recuperação dos montantes já pagos. Podem também ordenar medidas provisórias a fim de salvaguardar, por um lado, os interesses das partes e, por outro, o efeito útil da decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação.

    44

    Quando têm dúvidas quanto à questão de saber se a medida em causa constitui um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ou quanto à validade ou à interpretação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, os órgãos jurisdicionais nacionais podem, por um lado, pedir esclarecimentos à Comissão e, por outro, podem ou devem, nos termos do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, no que diz respeito aos reenvios prejudiciais de apreciação da validade em matéria de auxílios de Estado, acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C-222/04, Colet., p. I-289, n.os 72 a 74).

    45

    Atendendo às considerações que precedem, há que responder à primeira questão:

    Quando, em aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Comissão dá início a um procedimento formal de investigação, previsto no n.o 2 do referido artigo, relativamente a uma medida não notificada em fase de execução, o órgão jurisdicional nacional perante o qual é intentada uma ação que visa a cessação dessa medida e a recuperação dos montantes já pagos é obrigado a adotar todas as medidas necessárias para extrair as consequências de uma eventual violação da obrigação de suspensão da execução da referida medida.

    Para o efeito, o órgão jurisdicional pode decidir suspender a execução da medida em causa e ordenar a recuperação dos montantes já pagos. Pode também ordenar medidas provisórias a fim de salvaguardar, por um lado, os interesses das partes e, por outro, o efeito útil da decisão da Comissão de dar início o procedimento formal de investigação.

    Quando o órgão jurisdicional nacional tem dúvidas quanto à questão de saber se a medida em causa constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ou quanto à validade ou à interpretação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, pode, por um lado, pedir esclarecimentos à Comissão e, por outro, pode ou deve, nos termos do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

    Quanto às segunda e terceira questões

    46

    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às segunda e terceira questões.

    Quanto às despesas

    47

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

     

    Quando, em aplicação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Comissão Europeia dá início a um procedimento formal de investigação, previsto no n.o 2 do referido artigo, relativamente a uma medida não notificada em fase de execução, o órgão jurisdicional nacional perante o qual é intentada uma ação que visa a cessação dessa medida e a recuperação dos montantes já pagos é obrigado a adotar todas as medidas necessárias para extrair as consequências de uma eventual violação da obrigação de suspensão da execução da referida medida.

     

    Para o efeito, o órgão jurisdicional pode decidir suspender a execução da medida em causa e ordenar a recuperação dos montantes já pagos. Pode também ordenar medidas provisórias a fim de salvaguardar, por um lado, os interesses das partes e, por outro, o efeito útil da decisão da Comissão Europeia de dar início ao procedimento formal de investigação.

     

    Quando o órgão jurisdicional nacional tem dúvidas quanto à questão de saber se a medida em causa constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ou quanto à validade ou à interpretação da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, pode, por um lado, pedir esclarecimentos à Comissão Europeia e, por outro, pode ou deve, nos termos do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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