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Document 62012CC0557

Conclusões da advogada-geral Kokott apresentadas em 30 de Janeiro de 2014.
Kone AG e outros contra ÖBB-Infrastruktur AG.
Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria.
Artigo 101.º TFUE - Reparação dos danos causados por um cartel proibido por este artigo - Danos resultantes do preço mais elevado aplicado por uma empresa em consequência de um cartel proibido, no qual não participa (‘Umbrella pricing’) - Nexo de causalidade.
Processo C-557/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:45

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 30 de janeiro de 2014 ( 1 )

Processo C‑557/12

KONE AG e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo österreichischen Obersten Gerichtshofs (Áustria)]

«Concorrência — Direito da concorrência — Aplicação privada — Ação de indemnização — Pedido de indemnização dos clientes de um não participante no cartel contra as empresas envolvidas no cartel devido aos preços excessivos praticados pelo não participante no cartel aproveitando o cartel — Preços ‘guarda‑chuva’ (Umbrella‑pricing) — Nexo de causalidade direto — Princípio da efetividade»

I – Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial permite ao Tribunal de Justiça complementar com mais um elemento decisivo a sua jurisprudência relativa à aplicação privada do direito da concorrência europeu. Em causa está a questão, ainda pendente a nível da União, de saber se a responsabilidade civil dos membros de um cartel também se estende aos efeitos dos denominados «preços guarda‑chuva» (em inglês: «umbrela effects» ou«umbrella‑pricing»).

2.

Fala‑se de efeito de «preço guarda‑chuva» quando as empresas que não estão envolvidas num cartel (os denominados não participantes no cartel), aproveitando as atividades do mesmo cartel, como que «sob o guarda‑chuva do cartel», aumentam — de forma consciente ou inconsciente — os seus próprios preços de uma forma que não seria possível em condições de concorrência. O direito da União permite aos clientes dos não participantes no cartel pedir nos tribunais nacionais uma indemnização pelos preços excessivos aos membros do cartel? Ou, pelo contrário, uma obrigação de indemnização deste tipo deve ser excluída no âmbito do direito civil nacional devido ao facto de estarem em causa prejuízos demasiado distantes, ou mesmo indiretos?

3.

Estas questões levantam‑se no contexto do cartel dos elevadores, que o Tribunal de Justiça já foi chamado a analisar por diversas ocasiões em contextos diferentes ( 2 ). A ÖBB‑Infrastruktur AG adquiriu, como compradora, elevadores de um fabricante não envolvido no cartel cujo preço considerou ser mais elevado do que seria de esperar em condições de concorrência, tendo o vendedor aproveitado as atividades do cartel. A ÖBB‑Infrastruktur AG exige nos tribunais austríacos o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos sofridos às quatro empresas participantes no cartel dos elevadores.

4.

Caso se pretenda apenas analisar o referido pedido de indemnização com base no direito civil interno austríaco, este deveria, desde logo, ser indeferido, de acordo com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, porque, nos termos dos princípios vigentes no direito nacional, os «preços guarda‑chuva» não podem ser imputados aos participantes num cartel. O Tribunal de Justiça deve agora apreciar se o direito da União se opõe a uma exclusão de tal forma categórica da responsabilidade dos participantes num cartel pelos preços «guarda‑chuva». O acórdão do Tribunal de Justiça nesta matéria constituirá certamente uma referência essencial para o desenvolvimento do direito da concorrência europeu e, em particular, para a sua aplicação privada.

II – Matéria de facto e processo principal

A – O cartel dos elevadores

5.

O chamado cartel dos elevadores operou em vários Estados‑Membros da União Europeia ao longo de vários anos, tendo vários grandes fabricantes de elevadores e escadas rolantes — designadamente a Kone, a Otis, a Schindler e a ThyssenKrupp — celebrado acordos anticoncorrenciais no seu âmbito. Em 2003, a Comissão Europeia conseguiu detetar o referido cartel, tendo‑lhe aplicado coimas pelas suas atividades no mercado belga, alemão, neerlandês e luxemburguês ( 3 ).

6.

Na Áustria, tanto a Bundeswettbewerbsbehörde (autoridade austríaca da concorrência) como o Kartellgericht (órgão jurisdicional competente em matéria de cartéis) agiram contra o cartel dos elevadores. As coimas aplicadas pelo Kartellgericht em 2007 ( 4 ) foram confirmadas em 2008 pelo Oberster Gerichtshof, na qualidade de última instância em matéria de concorrência ( 5 ). A ThyssenKrupp assumiu o papel de beneficiária do regime de clemência.

7.

De acordo com as conclusões formuladas no âmbito do processo austríaco relativo ao direito dos cartéis, desde os anos 80 e até ao início de 2004 os participantes no cartel aplicaram em grande escala, embora não sistematicamente, um acordo, que confirmavam regularmente, de repartição do mercado de elevadores e de escadas rolantes. O cartel visava garantir à empresa favorecida um preço mais elevado do que poderia ser atingido em condições de concorrência. Daqui resultou o falseamento da concorrência e da evolução dos preços relativamente ao que se verificaria em condições concorrenciais.

8.

Os participantes no cartel tentaram atingir uma coordenação relativamente a muito mais de metade do volume de mercado para instalações novas na Áustria. Mais de metade dos projetos concertados foram também repartidos de comum acordo entre os participantes no cartel, de modo que pelo menos um terço do volume de mercado foi concretamente objeto de uma concertação. Cerca de dois terços dos projetos concertados foram realizados como planeado. No restante terço dos casos a atribuição foi feita a empresas não participantes no cartel ou a uma das participantes no cartel que não respeitou a atribuição estipulada e fez uma oferta menos elevada do que o acordado.

9.

O comportamento dos participantes no cartel levou, em termos gerais, a que os preços de mercado tivessem poucas alterações e as suas quotas de mercado se tivessem mantido quase inalteradas.

B – A ação de indemnização intentada pela ÖBB‑Infrastruktur

10.

A ÖBB‑Infrastruktur é uma filial dos Österreichische Bundesbahnen (caminhos de ferro austríacos) e, enquanto tal, encarregada da construção e manutenção de estações ferroviárias em toda a Áustria, sendo um importante cliente no mercado austríaco de elevadores e escadas rolantes.

11.

A ÖBB‑Infrastruktur intentou nos tribunais cíveis austríacos uma ação de indemnização de valor superior a 8 milhões de euros contra as empresas participantes no cartel — a Kone, a Otis, a Schindler e a ThyssenKrupp. Na sua fundamentação, a ÖBB‑Infrastruktur alegou, no essencial, que as atividades do cartel dos elevadores a obrigaram a pagar um preço mais elevado pelos elevadores por si adquiridos. Neste âmbito estão em causa elevadores que a ÖBB‑Infrastruktur adquiriu, em parte, quer como adquirente direta quer como adquirente indireta dos participantes no cartel e, em parte, como cliente de empresas não participantes no cartel.

12.

O presente pedido de decisão prejudicial apenas tem por objeto a parte da ação de indemnização através da qual a ÖBB‑Infrastruktur alega que um não participante no cartel, aproveitando as atividades do cartel, lhe apresentou preços significativamente mais elevados do que poderiam ter sido atingidos em condições de concorrência normais. A ÖBB‑Infrastruktur calcula que os referidos prejuízos atinjam 1,8 milhões de euros.

13.

A decisão de primeira instância que julgou parcialmente improcedente a ação de indemnização ( 6 ) foi revogada em pontos decisivos pelo Oberlandesgericht Wien, na qualidade de instância de recurso ( 7 ). O litígio encontra‑se atualmente pendente no Oberster Gerichtshof austríaco, na qualidade de instância de revista.

14.

No entender do Oberster Gerichtshof, os prejuízos reclamados pela ÖBB‑Infrastruktur não podem ser imputados aos participantes no cartel por razões de natureza jurídica. Por um lado, o referido órgão jurisdicional considera que não se verifica o nexo de causalidade adequada, exigido nos termos do direito austríaco, e, por outro, que os prejuízos invocados não estão abrangidos pelo objetivo de proteção das regras em matéria de concorrência. Atendendo à controvérsia existente na doutrina especializada quanto ao adequado tratamento jurídico dos «preços guarda‑chuva», o Oberster Gerichtshof tem dúvidas sobre se uma conclusão deste tipo, exclusivamente baseada no direito civil interno, é compatível com o direito da União — em particular com o princípio da efetividade.

III – Pedido de decisão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

15.

Por decisão de 17 de outubro de 2012, o Oberster Gerichtshof ( 8 ) submeteu, na qualidade de órgão jurisdicional de reenvio, a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia:

Deve o artigo 101.o TFUE (atual artigo 81.o CE, ex‑artigo 85.o do Tratado CE) ser interpretado no sentido de que qualquer pessoa pode exigir aos participantes num cartel indemnização pelo prejuízo que lhe foi causado por um não participante no cartel que, aproveitando os elevados preços de mercado, aumenta os seus próprios preços para os seus produtos mais do que o teria feito sem o cartel (umbrella‑pricing), pelo que o princípio da efetividade enunciado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia exige uma decisão favorável no quadro do direito nacional?

16.

Na fase escrita do processo prejudicial intervieram, por um lado, a ÖBB‑Infrastruktur como demandante no processo principal e, por outro, a Kone, a Otis, a Schindler e a ThyssenKrupp, como demandadas no processo principal, bem como o Governo austríaco, o Governo italiano e a Comissão Europeia. Com exceção dos dois governos, as partes apresentaram as suas observações na audiência de 12 de dezembro de 2013.

IV – Apreciação

17.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeira linha, quanto à interpretação do artigo 101.o TFUE, apenas parecendo remeter para o artigo 81.o CE e o artigo 85.o do Tratado CE a título subsidiário. Considerando, no entanto, que as maquinações do cartel dos elevadores decorreram antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, e em parte no âmbito de aplicação temporal do artigo 81.o CE, em parte mesmo ainda durante a vigência do disposto no artigo 85.o do Tratado C(E)E, apenas estas duas disposições são pertinentes para a resposta a dar ao pedido de decisão prejudicial. As minhas considerações podem, no entanto, ser facilmente transpostas para o artigo 101.o TFUE, que tem um teor essencialmente idêntico.

18.

Nos termos da jurisprudência constante, os lesados por um cartel, que é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 81.o ou do artigo 85.o do Tratado C(E)E, podem pedir a reparação do prejuízo causado às empresas participantes no cartel ( 9 ). Não está, no entanto, ainda esclarecida a questão de saber se este tipo de direitos a indemnização também abrange os prejuízos que se baseiam no aumento de preços por não participantes no cartel superiores ao nível que poderia ser atingido em condições de concorrência, ou seja, que estão relacionados com o efeito de «preços guarda‑chuva». Esta temática é objeto de um debate aceso na doutrina especializada ( 10 ). Não surpreende, por conseguinte, que também as partes no presente litígio defendam opiniões bastante díspares a este respeito, sobretudo se considerarmos as significativas implicações financeiras em causa.

19.

Do ponto de vista jurídico é um problema de causalidade saber se os participantes num cartel também podem ser responsabilizados civilmente pelo efeito de «preços guarda‑chuva». Neste âmbito levanta‑se a questão de saber se se verifica um nexo suficientemente direto entre o cartel e os prejuízos resultantes dos «preços guarda‑chuva» provocados pelo cartel ou se estão em causa prejuízos demasiado indiretos cuja reparação não pode ser razoavelmente imposta aos participantes no cartel.

20.

De seguida, irei começar por expor que o problema da responsabilidade civil dos participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva» constitui uma questão de direito da União e não uma questão do direito nacional (v., infra, o ponto A). Numa segunda frase irei analisar as exigências jurídicas concretas que podem ser impostas pelo direito da União ao apuramento do nexo de causalidade entre um cartel e o efeito de «preços guarda‑chuva» (v., a este respeito, o ponto B, infra).

A – A responsabilidade civil dos participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva: um problema de direito da União

21.

O órgão jurisdicional de reenvio e vários intervenientes no processo consideram que a responsabilidade civil dos participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva» se está regulada, em primeira linha, pelo direito nacional e que de um ponto de vista do direito da União apenas os princípios da equivalência e da efetividade impõem limites à discricionariedade dos Estados‑Membros. A Kone invoca neste contexto também o princípio da subsidiariedade.

22.

Efetivamente, este entendimento parece, após uma análise superficial, ser acolhido no acórdão Manfredi, em que o Tribunal de Justiça refere que «compete à ordem jurídica interna»«regular as modalidades do exercício» do direito à indemnização, incluindo as da aplicação do conceito de «nexo de causalidade», lembrando, neste contexto, o respeito dos princípios da equivalência e da efetividade ( 11 ).

23.

Uma análise mais aprofundada do acórdão Manfredi e também de alguns acórdãos mais recentes permite, no entanto, concluir que, no estado atual, mais do que a existência de direitos de indemnização (ou seja, a questão de saber se se deve conceder uma indemnização), dependem sobretudo do direito interno os pormenores da aplicação e as modalidades de invocação concreta deste tipo de direitos (ou seja, a questão de saber de que forma deve ser concedida a indemnização), ou seja, em particular as competências, os processos, os prazos e a produção da prova ( 12 ).

24.

No entanto, o princípio segundo o qual qualquer pessoa tem o direito de pedir a reparação do dano sofrido quando existe um nexo de causalidade entre este dano e uma infração às regras da concorrência resulta do próprio direito da União, mais precisamente da proibição de cartéis constante do artigo 81.o CE e do artigo 85.o do Tratado C(E)E (atual artigo 101.o TFUE) ( 13 ). Esta fundamentação direta no direito da União é comum à responsabilidade civil das empresas pelas suas violações da proibição de cartéis e à responsabilidade dos Estados‑Membros pelas suas violações do direito da União ( 14 ) ‑ apesar de todas as diferenças que possam existir a nível conceptual entre estes instrumentos ( 15 ).

25.

O facto de o dever de indemnização dos participantes no cartel, em particular, constituir um princípio genuíno do direito da União está, em última análise, relacionado com a natureza jurídica e o significado da referida proibição de cartéis, tal como o Governo italiano salientou corretamente. Esta proibição é diretamente aplicável entre os particulares, fundamenta obrigações para todas as empresas que operam no mercado interno em virtude do direito primário e pode ser invocada por qualquer pessoa ( 16 ). O pleno efeito útil — o effet utile — da proibição de cartéis seria posto em causa se não fosse possível a qualquer pessoa reclamar reparação do prejuízo que lhe houvesse sido causado por uma infração por parte de empresas ao artigo 81.o CE ou artigo 85.o do Tratado C(E)E (atual artigo 101.o TFUE) ( 17 ).

26.

Por esse motivo o Tribunal de Justiça reconhece no acórdão Manfredi «o direito de qualquer pessoa a pedir a reparação do dano causado por um contrato ou um comportamento suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência» sem fazer depender esse direito do direito nacional dos Estados‑Membros ( 18 ).

27.

Mas não é tudo: do acórdão Manfredi é possível deduzir que quer o círculo de pessoas que podem pedir aos participantes no cartel a reparação do dano causado na sequência da violação da referida proibição de cartéis («qualquer pessoa»), quer os tipos de danos que os participantes no cartel estão eventualmente obrigados a reparar estão (pré)definidos no direito da União. Deste modo, está desde logo esclarecido que as pessoas que tenham sofrido um dano devem poder pedir a reparação do dano real (damnum emergens), incluindo os lucros cessantes (lucrum cessans), bem como o pagamento de juros ( 19 ).

28.

Transpondo o exposto para o caso vertente, pode‑se concluir que também a problemática da responsabilidade civil de participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva» constitui uma questão de direito da União. Isto porque a apreciação da questão de saber se os membros de um cartel devem reparar os prejuízos causados pelos «preços guarda‑chuva» não diz apenas respeito às modalidades de aplicação e ao cálculo dos direitos de indemnização e à produção de prova nos tribunais nacionais (ou seja, ao «como» da indemnização). Pelo contrário, no centro da discussão está a questão bastante mais fundamental de saber se os participantes no cartel podem efetivamente ser responsabilizados civilmente por este tipo de prejuízos e se podem ser demandados por pessoas que não são seus clientes diretos ou indiretos (ou seja, «se» deve ser paga uma indemnização). Esta questão não pode ser deixada unicamente às ordens jurídicas dos Estados‑Membros.

29.

Caso os critérios jurídicos de acordo com os quais os órgãos jurisdicionais nacionais apreciam a responsabilidade civil dos participantes num cartel na aceção do artigo 81.o CE ou do artigo 85.o do Tratado C(E)E por determinados tipos de prejuízos e em relação a determinadas pessoas divergissem profundamente de Estado‑Membro para Estado‑Membro correr‑se‑ia o risco de uma desigualdade de tratamento entre os operadores económicos. Isto não só contrariaria o objetivo geral do direito da concorrência europeu de assegurar condições o mais possível uniformes para todas as empresas a operar no mercado interno («level playing field» ( 20 )), como incentivaria ainda ao recurso ao «forum shopping».

30.

Resumindo, o objetivo de uma aplicação uniforme e efetiva das regras de concorrência do mercado interno europeu exige uma resposta uniforme a nível da União à questão fundamental de saber se os prejuízos decorrentes da prática de «preços guarda‑chuva» devem ser reparados pelos participantes no cartel ou não.

B – As exigências do direito da União quanto à declaração da causalidade

31.

Importa agora analisar quais as exigências concretas que podem ser feitas, do ponto de vista do direito da União, à declaração da existência de nexo causalidade de um cartel pela eventual prática de «preços guarda‑chuva».

32.

Tal como é desde logo demonstrado pela formulação «qualquer pessoa» utilizada pelo Tribunal de Justiça, a obrigação de indemnização dos participantes no cartel não pode ser interpretada de forma restritiva. Os cartéis podem provocar prejuízos económicos significativos não apenas no círculo mais restrito dos participantes no cartel, mas muito para além deles. Por conseguinte, seria despropositado que se limitasse de tal forma o círculo de pessoas beneficiárias que apenas determinados operadores económicos — como, por exemplo, as partes contratantes dos participantes no cartel ou os adquirentes diretos ou indiretos dos seus bens ou dos seus serviços — pudessem apresentar pedidos de indemnização. A não ser assim, não se garantiria a plena eficácia da proibição de cartéis imposta pelo direito da União.

33.

Por outro lado, é perfeitamente legítimo que no âmbito do exame da causalidade se estabeleçam critérios que assegurem que a obrigação de indemnização dos participantes no cartel não se estenda a todos os prejuízos possíveis, por mais distantes que sejam, cuja causa, no sentido de «conditio sine qua non», possa ter sido o seu comportamento anticoncorrencial.

34.

Neste sentido, de acordo com a jurisprudência constante, exige‑se no âmbito da responsabilidade extracontratual das instituições da União, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, um nexo de causalidade suficientemente direto entre o comportamento lesivo e o prejuízo invocado ( 21 ). Este mesmo critério deveria também ser transposto, por razões de coerência, para todos os outros casos em que estão em causa direitos a indemnização por violação do direito da União, quer este tipo de direitos seja invocado por particulares contra Estados‑Membros ( 22 ) quer — como no presente caso — entre particulares, para exigir a responsabilidade civil de participantes num cartel em relação aos prejuízos por eles provocados no mercado ( 23 ).

35.

Como é evidente, também o referido critério do caráter direto ainda tem de ser clarificado. De forma a definir mais detalhadamente o que se deve entender concretamente por «causalidade suficientemente direta» importa proceder a uma análise normativa, tal como também é habitual nos sistemas de direito civil nacionais no âmbito das correspondentes regras relativas à responsabilidade extracontratual ( 24 ). Os conceitos utilizados neste contexto («legal causation», «adäquate Kausalität» e semelhantes) podem divergir de acordo com a ordem jurídica em causa. Em termos de conteúdo estão essencialmente em causa, no entanto, as mesmas considerações que estão na base do conceito da causalidade suficientemente direta.

36.

Neste contexto importa realçar, antes de mais, que a causalidade direta não pode ser equiparada à causalidade exclusiva. Por conseguinte, a circunstância, sublinhada pelo órgão jurisdicional de reenvio e por alguns intervenientes no processo, de que a formação de preços por parte de um não participante no cartel se baseia numa decisão de gestão livre, não pode, por si só, ser pertinente para negar a imputação de eventuais prejuízos relacionados com a prática de «preços guarda‑chuva» aos participantes no cartel. Pelo contrário, é suficiente para considerar a existência de uma causalidade direta quando o cartel pelo menos tiver contribuído para a produção do efeito de «preços guarda‑chuva ( 25 ).

37.

A jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União não presume sempre, e de forma geral, uma interrupção da cadeia causal quando o comportamento de um terceiro tenha contribuído para o prejuízo causado. Pelo contrário, tal depende sempre das circunstâncias concretas do respetivo caso em apreço ( 26 ). Em casos como o presente, parece‑me que a cadeia causal relacionada com o cartel não foi interrompida pela inclusão de um não participante no cartel, sendo, pelo contrário, precisamente continuada, se o não participante no cartel (também) se tiver orientado, na sua fixação de preços, pelas respetivas realidades do mercado e tiver assumido — de uma forma previsível — os impulsos em matéria de preços criados pelo cartel ( 27 ).

38.

A irrelevância da livre decisão empresarial do não participante no cartel é igualmente demonstrada por um breve relance sobre uma problemática com ela relacionada: a da responsabilidade civil dos participantes no cartel por prejuízos criados aos seus clientes indiretos (ou seja, aos clientes dos seus clientes). Também naquele contexto a ocorrência de um prejuízo para o cliente indireto depende, afinal, da livre decisão empresarial de um terceiro (o cliente intermédio); pois só quando este repercutir os preços excessivos e anticoncorrenciais dos participantes no cartel sobre os seus próprios clientes é que estes serão lesados. As maquinações dos participantes no cartel não são, por conseguinte, exclusivamente responsáveis pelos prejuízos dos seus clientes indiretos. Não obstante, mais recentemente tem‑se vindo a impor o entendimento de que este tipo de prejuízos de clientes indiretos é passível de ser indemnizado ( 28 ).

39.

Também no que respeita aos prejuízos em causa no presente caso, decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva», não seria razoável que se convertesse uma produção de prejuízos monocausal no pressuposto da responsabilidade civil dos participantes no cartel. Os preços muito raramente apenas têm uma única causa. Isto não exclui, no entanto, que os participantes no cartel que — tal como sucede no presente caso — contribuíram, através das suas atividades anticoncorrenciais, para o falseamento dos mecanismos normais de fixação de preços no mercado sejam responsabilizados pelos prejuízos daí resultantes.

40.

Dito isto, através do conteúdo do critério da causalidade suficientemente direta visa‑se garantir, por um lado que uma pessoa apenas deva ser responsabilizada na sequência do seu comportamento ilegal pelos prejuízos cuja produção poderia razoavelmente prever (v., a este respeito, o ponto 1). Por outro, uma pessoa apenas deve suportar os prejuízos cuja reparação esteja em harmonia com o objetivo da norma jurídica por ela violada (v., a este respeito, o ponto 2, infra).

1. Previsibilidade dos prejuízos decorrentes da prática de «preços guarda‑chuva»

41.

Antes de mais, cumpre esclarecer em que circunstâncias os prejuízos decorrentes da prática de «preços guarda‑chuva» podem ser previstos pelos participantes num cartel. Por outras palavras, está em causa a questão de saber se pode existir uma causalidade adequada entre os referidos prejuízos e as maquinações ilegais do cartel.

42.

São previsíveis (ou provocados por uma causa adequada) todos os prejuízos com cuja ocorrência os participantes no cartel devem razoavelmente contar de acordo com a experiência comum de vida, ao contrário de prejuízos que se baseiam num encadeamento absolutamente excecional de circunstâncias e, por conseguinte, numa sequência causal atípica.

43.

À semelhança da Kone, da Otis, da Schindler, da ThyssenKrupp, e do Governo austríaco, o órgão jurisdicional de reenvio entende que os prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» não são suficientemente previsíveis para os participantes no cartel, pelo que não podem, por conseguinte, ser por eles provocados de uma forma causalmente adequada. O efeito de «preços guarda‑chuva» seria apenas um «efeito colateral» do cartel.

44.

Esta argumentação deve ser rejeitada.

45.

É efetivamente correto que no âmbito da sua livre decisão empresarial a formação de preços por parte de não participantes no cartel pode ser influenciada por uma série de fatores ( 29 ). Por si só, esta circunstância não exclui, no entanto, a previsibilidade para os participantes no cartel dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva».

46.

Isto porque numa economia de mercado a observação intensa do funcionamento do mercado e a consideração deste na adoção das decisões comerciais é um padrão de comportamento comum das empresas. Neste contexto, é tudo menos imprevisível e surpreendente que os não participantes no cartel fixem os seus preços tendo em atenção o comportamento no mercado das empresas envolvidas no cartel, independentemente do facto de terem ou não conhecimento das suas maquinações anticoncorrenciais. Pelo contrário, essa será precisamente a situação normal.

47.

Tanto mais assim é quanto os participantes no cartel — tal como sucede no presente caso — cobrem uma parte significativa do mercado relevante tal como é demonstrado pela sua elevada quota de mercado comum ( 30 ) e também as suas maquinações anticoncorrenciais dizem respeito a uma parte significativa do referido mercado ( 31 ), o que não implica de forma alguma que eles manipulem a principal parte do mercado. Quanto mais importante for a posição do cartel no mercado afetado, maior é a probabilidade de ele influenciar de forma decisiva o nível de preços global do referido mercado, e menos hipóteses terá um não participante no cartel de influenciar consideravelmente o preço de mercado através de impulsos próprios.

48.

É evidente que para o não participante no cartel se torna mais fácil orientar‑se, no âmbito da sua própria formação de preços, pelas práticas comerciais dos participantes no cartel quanto mais homogéneo e transparente for o mercado materialmente relevante. Daqui não é, no entanto, possível concluir, a contrario, que em mercados não homogéneos e pouco transparentes com produtos personalizados — como sucede com alguns dos elevadores e escadas rolantes em causa no presente processo — nunca fosse expectável a existência de «preços guarda‑chuva» relacionados com um cartel ( 32 ). Isto porque, tendencialmente, também neste tipo de mercados os operadores económicos atentos estarão a par do nível de preços predominante e do tipo de comportamento de cada operador ativo no mercado.

49.

Mesmo o facto de os elevadores e as escadas rolantes serem frequentemente adquiridos após a realização de um concurso, sobretudo no caso de grandes encomendas públicas, pouco altera esta conclusão. Tal como a ÖBB‑Infrastruktur referiu, sem que fosse desmentida, os resultados deste tipo de processos de adjudicação não são de todo desconhecidos dos outros operadores económicos ( 33 ), pelo que podem servir de ponto de referência para o nível de preços predominantes em encomendas futuras.

50.

É possível que um não participante no cartel com capacidades livres esteja tentado a fixar os seus próprios preços abaixo dos preços do cartel, de forma a conquistar assim quotas de mercado à custa dos participantes no cartel. Mesmo numa situação deste tipo o não participante no cartel manter‑se‑á bastante tentado a exigir um preço mais elevado dos seus clientes do que aquele que poderia atingir em condições de concorrência. Caso se admita que o preço do cartel se situa em 120 e o preço a obter em condições de concorrência atingiria os 100, o não participante no cartel poderia fixar o seu preço em 110, por exemplo. Um comportamento deste tipo não seria de modo algum invulgar, podendo antes ser descrito como economicamente racional e tudo menos imprevisível para os participantes no cartel.

51.

Inversamente, o facto de os preços dos não participantes no cartel subirem e se aproximarem dos preços praticados pelos participantes no cartel assume uma grande importância para o sucesso dos acordos anticoncorrenciais das empresas envolvidas no cartel. Isto porque quanto mais subir o nível de preços, mais depressa os preços praticados pelo próprio cartel poderão ser impostos a longo prazo no mercado. Também por este motivo é possível concluir que os participantes num cartel que atuem racionalmente e reflitam sobre a lógica das suas maquinações anticoncorrenciais não ficarão surpreendidos pelos efeitos de guarda‑chuva, devendo, pelo contrário, esperar mesmo a produção deste tipo de efeitos, tendo a ÖBB‑Infrastruktur remetido corretamente para esta situação.

52.

Neste contexto, há que partir do princípio de que os prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» não constituem prejuízos cuja ocorrência seja sempre atípica ou imprevista para os participantes no cartel. Não seria conciliável com o efeito útil do artigo 81.o CE ou do artigo 85.o do Tratado C(E)E (atual artigo 101.o TFUE) que se excluísse a priori a indemnização deste tipo de prejuízos com base num entendimento comparativamente rígido do critério da causalidade adequada.

2. Compatibilidade da reparação de prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» com os objetivos das regras de concorrência violadas

53.

Em segundo lugar necessita ainda de ser analisada a questão de saber se a reparação dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» está em conformidade com os objetivos do artigo 81.o CE ou do artigo 85.o do Tratado C(E)E (atual artigo 101.o TFUE).

54.

O órgão jurisdicional de reenvio entende — à semelhança da Kone, da Otis, da Schindler e da ThyssenKrupp, bem como do Governo austríaco — que os prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» não são abrangidos pelo objetivo de proteção das regras de concorrência do direito da União. Os participantes no cartel não podem ser civilmente responsabilizados por este tipo de prejuízos na medida em que falta o «elemento de ilicitude».

55.

Também este argumento não convence.

56.

O objetivo das regras de concorrência constantes dos artigos 81.° CE e 82.° CE, bem como dos artigos 85.° do Tratado C(E)E e 86.° do Tratado C(E)E (atuais artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE), consiste na criação e manutenção de um sistema de concorrência não falseada no mercado interno europeu. Os mecanismos de aplicação, tanto privados como públicos, do direito da concorrência visam a concretização deste objetivo fundamental para a unificação europeia ( 34 ).

57.

É difícil de afirmar que precisamente o reconhecimento de uma responsabilidade civil dos participantes no cartel pelos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» não é compatível com os referidos objetivos. Tal como irei demonstrar de seguida, um dever de indemnização deste tipo enquadra‑se facilmente no sistema de aplicação das regras de concorrência europeias [v., a este respeito, o ponto a), infra], sendo, para além disso, adequado para corrigir as consequências negativas para os outros operadores — em particular os consumidores — das infrações às regras de concorrência cometidas pelos participantes no cartel [v., a este respeito, o ponto b), infra].

a) Enquadramento no sistema de aplicação das regras de concorrência

58.

Antes de mais, importa analisar a questão de saber se uma obrigação de direito civil dos participantes no cartel de reparação dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» se coaduna em termos gerais com o sistema em que são aplicados na União Europeia as regras de concorrência dos Tratados.

59.

É reconhecido que a aplicação eficaz das regras de concorrência da União assenta em dois pilares. Por um lado, a aplicação pública com meios repressivos que compete às autoridades da concorrência (também designada por «public enforcement») e, por outro, a aplicação com meios civis que se baseia na iniciativa dos particulares (também designada por «private enforcement») ( 35 ).

60.

Para garantir o efeito útil das regras de concorrência é indispensável que tanto o sistema da aplicação pública como o sistema da aplicação privada se possam desenvolver o mais possível ( 36 ). A eficácia das regras de concorrência seria significativamente enfraquecida caso se pretendesse renunciar desde logo aos meios de aplicação privada a respeito de determinados fenómenos como os «preços guarda‑chuva» e apenas se recorresse, neste âmbito, à aplicação pública, tal como parecem sugerir os membros do cartel dos elevadores.

61.

Como é evidente, o instrumento da aplicação privada — tal como o da aplicação pública — deve ser concebido e aplicado de forma que a sua utilização não tenha efeitos contraproducentes no que respeita à eficácia das regras de concorrência. Ao contrário da ThyssenKrupp, não tenho, no entanto, a impressão de que a inclusão do «preços guarda‑chuva» na responsabilidade civil dos participantes no cartel possa, no essencial, fornecer incentivos errados que acabassem por ser mais prejudiciais do que benéficos na aplicação das regras de concorrência.

62.

O objeto da discussão no processo oral e escrito perante o Tribunal de Justiça diz sobretudo respeito à possível correlação entre a responsabilidade civil, por um lado, e os programas de clemência da Comissão Europeia e das autoridades da concorrência nacionais.

63.

É possível que a perspetiva de uma ação cível intentada por operadores de mercado lesados eventualmente leve alguns dos participantes no cartel a colocar as cartas na mesa e a colaborar com as autoridades da concorrência. Mas será que tal pode ser considerado uma razão para ignorar inteiramente os interesses legítimos dos lesados a uma compensação financeira? É certamente sensato que se possibilite aos participantes no cartel o regresso à legalidade por via de programas de clemência e se contribua assim para a deteção de infrações, mas isso não pode ser feito à custa dos interesses legítimos dos outros operadores.

64.

Pode considerar‑se justificado que num eventual processo de indemnização se tenha adequadamente em consideração a posição de uma empresa como beneficiária do regime de clemência e se recorra primariamente a outros participantes no cartel para a satisfação de pedidos de indemnização, tal como também é proposto pela Comissão ( 37 ). Na minha opinião seria, errado que se usasse um suposto «chilling effect» resultante da indemnização para programas de clemência — desde que possa ser efetivamente medido — como motivo de exclusão categórica de qualquer responsabilidade civil dos participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva».

65.

Isto é tanto mais assim quanto uma prática restritiva no âmbito da indemnização beneficiaria essencialmente aqueles que participam nas práticas anticoncorrenciais ou ponderem fazê‑lo, na medida em que para estes os riscos financeiros relacionados com a participação num cartel são mais facilmente calculáveis quanto menos estiverem expostos a pedidos de indemnização em caso de serem descobertos. Se se desse aos participantes num cartel a certeza de que nunca teriam de se responsabilizar pelo efeito de «preços guarda‑chuva» isso seria um incentivo suplementar para a prossecução das suas maquinações anticoncorrenciais. Deste modo, seria invertido o efeito dissuasivo relacionado com os mecanismos de aplicação privada e expressamente desejado em relação a empresas ( 38 ) que consideram a hipótese de violar as regras vigentes no mercado interno europeu.

66.

Ao contrário do entendimento da Krone, o objetivo do direito da concorrência europeu não pode ser reduzido ao facto de se proporcionar uma gestão o mais possível eficaz em termos de custos para as empresas a operar no mercado interno. Numa União de direito, que se propôs concretizar uma economia social de mercado altamente competitiva (artigo 3.o, n.o 3, TUE) os mercados que funcionem bem com uma concorrência não falseada são um valor em si, independentemente de todas as considerações de custo‑benefício.

67.

Para além disso, não é particularmente credível que precisamente as empresas que manipularam o funcionamento do mercado e mantiveram artificialmente os preços elevados lancem avisos sobre custos excessivos para os operadores económicos e evoquem um perigo para a eficiência dos mercados casos os participantes no cartel não fiquem protegidos de determinados pedidos de indemnização. A forma mais eficaz de os participantes num cartel se protegerem dos custos relacionados com eventuais pedidos de indemnização consiste em se absterem a priori de cometer infrações às regras de concorrência. Caso os participantes no cartel fossem protegidos em relação aos pedidos de indemnização tal apenas significaria que teriam de ser os outros operadores económicos, em particular os clientes lesados, a suportar os encargos financeiros decorrentes com as maquinações do cartel.

68.

Neste contexto, também se revela particularmente curioso o argumento da ThyssenKrupp, segundo a qual a responsabilidade civil dos participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva» poderia «provocar a redução da concorrência no mercado», devido ao facto de as empresas poderiam passar a temer uma intervenção no respetivo mercado devido aos riscos em matéria de responsabilidade que sobre eles impendem ( 39 ). A este respeito é suficiente a seguinte indicação: o modelo para uma atividade no mercado devem ser as empresas que respeitam as regras de concorrência e não aquelas que pretendem recorrer a práticas ilegais à custa de terceiros. Caso o reconhecimento de um dever de indemnizar de participantes num cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva» fizesse com que as «ovelhas negras» se mantivessem distantes do mercado é difícil de conceber por que razão isso seria uma desvantagem para a concorrência.

69.

Pouco convincente é também o aviso, ocasionalmente formulado, de uma sobrecarga dos tribunais cíveis dos Estados‑Membros caso o Tribunal de Justiça aceitasse que os participantes num cartel têm o dever de reparação dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva». Isto porque, considerando os elevados obstáculos que o esperam a respeito do ónus da prova perante os tribunais cíveis ( 40 ), qualquer lesado pelo efeito de «preços guarda‑chuva» («umbrella plaintiff») faria bem em ponderar com atenção as hipóteses e os riscos de uma ação cível contra os participantes no cartel.

70.

Caso o cliente de um participante num cartel se decida, por conseguinte, a invocar em juízo os seus prejuízos decorrentes dos efeito de «preços guarda‑chuva» contra os participantes no cartel não se deve impedi‑lo de instaurar um processo judicial remetendo para um suposto dispêndio de esforço demasiado elevado. Pelo contrário, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e do artigo 47.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, os Estados‑Membros estão obrigados a criar, no âmbito de aplicação do direito europeu da concorrência, as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva ( 41 ).

b) Aptidão para a correção de consequências negativas de infrações às regras da concorrência

71.

Por fim, importa ainda analisar se a inclusão do efeito de «preços guarda‑chuva» na responsabilidade civil dos participantes no cartel é compatível com a função da indemnização. Em termos gerais, esta função visa corrigir as consequências negativas das infrações cometidas às regras da concorrência, e esta mesma finalidade está também subjacente ao dever dos participantes no cartel de reparação dos prejuízos causados por via das suas maquinações anticoncorrenciais erga omnes ( 42 ). A possibilidade de obter uma indemnização reforça, em simultâneo, a confiança nas regras de concorrência da União Europeia e representa uma contribuição fundamental para a sua aplicação efetiva ( 43 ).

i) Quanto à objeção de que os prejuízos decorrentes da prática de «preços guarda‑chuva» não foram intencionais

72.

Alguns intervenientes no processo alegam que as empresas participantes no cartel teriam tencionado aumentar os seus próprios preços em relação aos seus próprios clientes, mas não um aumento dos preços dos não participantes no cartel em relação aos seus clientes como consequência dos «preços guarda‑chuva». Por conseguinte consideram injusto que os participantes no cartel sejam responsabilizados pecuniariamente no que respeita a este tipo de efeitos.

73.

Esta objeção não pode ser acolhida.

74.

A declaração da causalidade de um cartel em relação a determinados tipos de prejuízos que possam ter sido causados aos operadores do mercado baseia‑se em critérios puramente objetivos. De uma perspetiva subjetiva, a responsabilidade civil pode depender do facto de os participantes no cartel terem infringido, com dolo ou negligência, as regras de concorrência dos Tratados. No entanto, não está em causa se, para além disso, os participantes no cartel também provocaram, com dolo ou negligência, os prejuízos que se verificaram concretamente. Uma tal exigência de culpabilidade não seria compatível com os princípios gerais do direito civil e dificultaria excessivamente a aplicação prática das regras de concorrência.

75.

Independentemente deste facto, num caso como o presente a produção de efeitos de «preços guarda‑chuva» não é de todo imprevisível para as empresas participantes num cartel, tal como já foi referido ( 44 ). Afigura‑se, por conseguinte, lógico que os membros de um cartel deem de barato eventuais efeitos de «preços guarda‑chuva» no âmbito das suas maquinações anticoncorrenciais, pelo que os referidos membros podem pelo menos ser acusados de negligência, ou até mesmo de dolo eventual (dolus eventualis), no que respeita aos prejuízos verificados.

ii) Quanto à objeção de que a indemnização relacionada com a prática de «preços guarda‑chuva» não permite a restituição de lucros ilegítimos

76.

Ao contrário do entendimento de alguns intervenientes no processo, não é relevante a questão de saber se através da reparação dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» podem ser restituídos os lucros ilegítimos dos participantes no cartel.

77.

O facto de se verificar uma restituição de lucros deste tipo pode, em muitos casos, constituir uma consequência benéfica acessória da indemnização relacionada com as infrações ao direito dos cartéis. Esta recuperação de lucros não constitui, no entanto, uma condição indispensável para a interposição de ações de indemnização contra os participantes no cartel.

78.

Neste aspeto o direito a indemnização difere fundamentalmente do direito à restituição por enriquecimento sem causa. A indemnização não visa, em primeira linha, retirar ao autor de um dano aquilo que ele tem a mais, mas atribuir ao lesado uma compensação pelo facto de ter ficado prejudicado na sequência do comportamento ilícito do autor do dano ( 45 ). O alargamento da responsabilidade civil dos participantes no cartel a prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» corresponde plenamente a esta função.

iii) Quanto à objeção de que se estaria a introduzir uma indemnização a título de sanção

79.

Pouco útil neste contexto é também a objeção de vários intervenientes no processo de que o reconhecimento da responsabilidade civil pelo efeito de «preços guarda‑chuva» faria com que a indemnização devida pelos participantes no cartel redundasse numa indemnização a título de sanção.

80.

Para além do facto de o direito da União não proibir por princípio a atribuição de indemnizações a título de sanção exemplares ( 46 ) não se verificam quaisquer indícios que permitam concluir que a responsabilidade civil dos participantes no cartel por «preços guarda‑chuva» poderia produzir um efeito deste tipo.

81.

Ao contrário do que é habitual no caso da indemnização a título de sanção, através da inclusão dos «preços guarda‑chuva» em causa no presente processo no seu dever de indemnizar apenas se exige dos participantes no cartel uma reparação do prejuízo que provocaram (ou para o qual contribuíram) no respetivo mercado por via das suas maquinações anticoncorrenciais, não se verificando uma sobrecompensação do referido prejuízo.

82.

Concluindo, deve‑se, por conseguinte, partir do princípio de que a reparação dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» está em conformidade com os objetivos do artigo 81.o CE ou do artigo 85.o do Tratado C(E)E (atual artigo 101.o TFUE).

3. Conclusão

83.

Resumindo, os prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» não devem, em geral, ser considerados imprevisíveis para os participantes num cartel e a sua reparação corresponde aos objetivos do artigo 81.o CE ou do artigo 85.o do Tratado C(E)E (atual artigo 101.o TFUE). Caso a reparação deste tipo de prejuízos fosse desde logo categoricamente excluída no âmbito do direito civil nacional estaria a ser contrariado o efeito útil das referidas regras de concorrência.

C – Observação final

84.

A solução por mim proposta não cria automaticamente em todos os casos um dever de indemnização dos participantes no cartel em relação aos clientes de não participantes no cartel, mas também não o exclui à partida. Pelo contrário, é essencial que se analise sempre com base numa apreciação abrangente de todas as circunstâncias relevantes se no caso concreto se verificou um efeito de «preço guarda‑chuva» provocado pela existência de um cartel.

85.

A deslocação da problemática do efeito de «preços guarda‑chuva» do plano puramente teórico para o plano da produção da prova parece‑me ser a solução mais adequada para contribuir para uma aplicação efetiva das regras de concorrência europeias tendo devidamente em consideração os interesses de todos os operadores do mercado.

86.

Não será certamente possível encontrar sempre estudos ou outros meios de prova pertinentes que permitem concluir de forma razoável que no respetivo mercado se verificou o fenómeno dos «preços guarda‑chuva» provocado pela existência de um cartel. Por outro lado, não se exclui também um efeito deste tipo e os prejuízos com ele relacionados não são de forma alguma tão «especulativos» ou«incertos», como tem sido argumentado até agora ( 47 ). No presente caso, o Oberster Gerichtshof austríaco expôs que o cartel dos elevadores provocou um falseamento da evolução expectável dos preços ( 48 ) e a ÖBB‑Infrastruktur remete para um estudo que visa provar a existência de efeitos de «preços guarda‑chuva» ( 49 ).

87.

A título meramente acessório, refira‑se que a confirmação da responsabilidade civil dos participantes no cartel pelo efeito de «preços guarda‑chuva», em oposição a várias críticas, não é mais nem menos «favorável às atividades económicas» do que a exclusão categórica de qualquer dever de indemnizar, como parece ser sugerida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Isto porque os operadores económicos não incluem apenas os participantes no cartel, mas também os clientes a quem são exigidos preços excessivos, independentemente da questão de saber se eles mantêm relações contratuais com os próprios participantes no cartel ou com não participantes no cartel. Seria decididamente injusto que precisamente os participantes no cartel culpados de cometer uma infração muito grave às regras de concorrência fossem beneficiados unilateralmente por via de uma exclusão categórica do efeito de «preços guarda‑chuva» da sua responsabilidade civil, para mais quando esta situação — tal como já foi referido ( 50 ) — fornece incentivos errados no que respeita à aplicação efetiva das regras de concorrência.

88.

A solução por mim preconizada também não é incompatível com o projeto legislativo relativo à harmonização parcial das ações de indemnização no âmbito do direito nacional, que a Comissão Europeia apresentou recentemente. Tal como foi apreciado na audiência com as partes, a proposta de diretiva da Comissão não se opõe à concessão de uma reparação dos prejuízos decorrentes do efeito de «preços guarda‑chuva» ( 51 ).

89.

O facto de a jurisprudência norte‑americana não ser uniforme a respeito dos denominados «umbrella claims» ( 52 ) e o Supremo Tribunal dos Estados Unidos ainda não ter procedido a uma clarificação desta questão não deve impedir o nosso Tribunal de Justiça de debater a problemática dos «preços guarda‑chuva».

V – Conclusão

90.

Em face do anteriormente exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Oberster Gerichtshof austríaco:

Os artigos 85.° do Tratado C(E)E e 81.° CE opõem‑se a uma interpretação e aplicação do direito interno de um Estado‑Membro nos termos do qual é categoricamente excluído por razões de natureza jurídica que as empresas envolvidas num cartel sejam civilmente responsabilizadas por prejuízos resultantes do facto de uma empresa não participante no cartel, aproveitando as maquinações do cartel, ter aumentado os seus próprios preços acima daquilo que poderia ser atingido em condições de concorrência.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) V., por exemplo, os acórdãos de 6 de novembro de 2012, Otis e o. («Otis», C‑199/11), e de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P), bem como, a título complementar, as minhas conclusões de 18 de abril de 2013 neste último processo.

( 3 ) V., a este respeito, também os acórdãos Otis e o. (n.os 18 e segs.) e Schindler Holding e o./Comissão (n.os 10 e segs.), referidos na nota 2.

( 4 ) Decisão de 14 de dezembro de 2007 do Oberlandesgericht Wien, na qualidade de órgão jurisdicional competente em matéria de cartéis (Az. 25 Kt 12/07).

( 5 ) Decisão de 8 de outubro de 2008 do Oberster Gerichtshof, na qualidade de instância superior em matéria de cartéis (Az. 16 Ok 5/08).

( 6 ) Decisão parcial do Handelsgericht Wien de 19 de setembro de 2011 (Az. 19 Cg 21/10z‑57).

( 7 ) Decisão de 21 de dezembro de 2011 do Oberlandesgericht Wien, na qualidade de órgão jurisdicional de recurso (Az. 1 R 272/11v‑65).

( 8 ) Az. 7 Ob 48/12b.

( 9 ) Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan (C-453/99, Colet., p. I-6297, n.os 25 e 26); de 13 de julho de 2006, Manfredi e o. («Manfredi», C-295/04 a C-298/04, Colet., p. I-6619, n.os 60 e 61); de 14 de junho de 2011, Pfleiderer (C-360/09, Colet., p. I-5161, n.o 28), Otis (já referido na nota 2, n.os 41 e 43); e de 6 de junho de 2013, Donau Chemie e o. («Donau Chemie», C‑536/11, n.o 21).

( 10 ) Quanto ao estado da doutrina em ambos os lados do Atlântico v., entre outros, R. D. Blair e V. G. Maurer, «Umbrella Pricing and Antitrust Standing: An Economic Analysis», in: Utah Law Review 1982, p. 763; J. M. Lave, «Umbrella Standing: the tradeoff between plaintiff suit and speculative claims», in: Antitrust Bulletin 48 (2003), p. 223; F. W. Bulst, «Schadensersatzansprüche der Marktgegenseite im Kartellrecht», Baden‑Baden 2006, p. 255; F. W. Bulst, in: W. Möschel e F. Bien (eds.), «Kartellrechtsdurchsetzung durch private Schadensersatzklagen», Baden‑Baden 2010, p. 225 (242 e seg.); G. Meeßen, «Der Anspruch auf Schadensersatz bei Verstößen gegen EU‑Kartellrecht — Konturen eines europäischen Kartelldeliktsrechts», Tübingen 2011, pp. 256 e seg.; I. Hartung, «'Umbrella claims`: Schadenersatz bei Kartellverstößen auf Um‑ oder Abwegen?», in: ecolex 2012, p. 497; H. Beth e C.‑M. Pinter, «Preisschirmeffekte: Wettbewerbsökonomische Implikationen für kartellrechtliche Bußgeld‑ und Schadensersatzverfahren», in: Wirtschaft und Wettbewerb (WuW) 2013, p. 228; R. Inderst, F. Maier‑Rigaud e U. Schwalbe, «Umbrella Effects», in: IESEG Working Paper Series 2013‑ECO17.

( 11 ) Acórdão Manfredi (já referido na nota 9, n.os 64 e 92).

( 12 ) Acórdãos Courage e Crehan (n.o 29), Manfredi (n.os 62, 64 e 77), Pfleiderer (n.o 30) e Donau Chemie (n.o 25), já referidos na nota 9.

( 13 ) V., a este respeito, os acórdãos Courage e Crehan (n.os 25 e 26) e Manfredi (n.os 60 e 61), já referidos na nota 9. Também a Comissão reconhece o mesmo princípio na sua proposta de diretiva, de 11 de junho de 2013, do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia, COM(2013) 404 final (a seguir «proposta de diretiva»), onde se refere ao «direito da União à reparação por danos causados por violações ao direito da concorrência da União» (v. décimo primeiro considerando do preâmbulo da diretiva proposta).

( 14 ) Quanto à responsabilidade dos Estados‑Membros, v. essencialmente os acórdãos de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C-6/90 e C-9/90, Colet., p. I-5357, n.os 35 a 37), e de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C-46/93 e C-48/93, Colet., p. I-1029, n.o 31).

( 15 ) No mesmo sentido, também o advogado‑geral Van Gerven nas suas conclusões de 27 de outubro de 1993 no processo Banks (C-128/92, Colet., p. I-1209, n.os 36 a 45).

( 16 ) V. os acórdãos Courage e Crehan (n.os 19 e 23) e Manfredi (n.os 39 e 57), já referidos na nota 9, e remissões.

( 17 ) Acórdãos Courage e Crehan (n.o 26) e Manfredi (n.os 60, 89 e 90), já referidos na nota 9.

( 18 ) Acórdão Manfredi (já referido na nota 9, n.o 95).

( 19 ) Acórdão Manfredi (já referido na nota 9, n.os 95 e 96).

( 20 ) Quanto ao conceito de «level playing field» v., por exemplo, as minhas conclusões de 29 de abril de 2010 no processo Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C-550/07 P, Colet., I-8301, n.o 169), de 8 de setembro de 2011 no processo Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, n.o 118), de 6 de setembro de 2012 no processo Expedia (C‑226/11, n.o 37) e de 28 de fevereiro de 2013 no processo Schenker e o. (C‑681/11, n.o 48).

( 21 ) Fundamental a este respeito, o acórdão de 4 de outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho (64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Colet., 3091, n.o 21): «de modo suficientemente direto»; v., para além disso, os acórdãos de 30 de abril de 2009, CAS Succhi di Frutta/Comissão (C‑497/06 P, n.o 67), e de 18 de março de 2010, Trubowest Handel e Makarov/Conselho e Comissão (C-419/08 P, Colet., p. I-2259, n.o 53).

( 22 ) Acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame (já referido na nota 14, n.o 51) e de 14 de março de 2013, Leth (C‑420/11, n.o 41).

( 23 ) Após o advogado‑geral Van Gerven se ter já pronunciado a favor desta exigência nas suas conclusões no processo Banks (já referidas na nota 15, n.os 49 a 54), o critério da causalidade direta foi recentemente introduzido através do acórdão Otis (já referido na nota 2, n.o 65) na jurisprudência relativa ao dever de indemnização de participantes num cartel.

( 24 ) No mesmo sentido vão as considerações do grupo de estudos sobre um código civil europeu, nos termos do qual o prejuízo a reparar no âmbito da responsabilidade extracontratual deve ser um «prejuízo juridicamente relevante»: «[…] loss or injury constitutes legally relevant damage only if it would be fair and reasonable for there to be a right to reparation or prevention […]»; v. C. von Bar e E. Clive, «Principles, Definitions and Model Rules of European Private Law — Draft Common Frame of Reference», Munique 2009, tomo 4, livro VI, capítulo 2, VI.‑2:101.

( 25 ) Opinião diferente defende aparentemente o advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, que nas suas conclusões de 3 de fevereiro de 2009 no processo Comissão/Schneider Electric (C-440/07 P, Colet., p. I-6413, n.o 140) exigiu que o prejuízo a reparar deva decorrer «do ato ilegal de maneira direta, imediata e exclusiva» (o sublinhado é meu). Tanto quanto é possível depreender, esta fórmula particularmente rígida nunca foi, no entanto, acolhida na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União.

( 26 ) V., por um lado, os acórdãos de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric (C-440/07 P, Colet., I-6413, n.o 222), CAS Succhi di Frutta/Comissão (já referido na nota 20, n.os 61 e 62), de 28 de fevereiro de 2013, Inalca e Cremonini/Comissão (C‑460/09 P, n.o 120) e de 10 de julho de 2012, Interspeed/Comissão (T‑587/10, n.o 40), em que se parte de uma interrupção da cadeia causal, bem como, por outro lado, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Grande Secção) de 14 de dezembro de 2005, CD Cartondruck/Conselho e Comissão (T‑320/00, em particular o n.o 177), em que se nega uma interrupção da cadeia causal.

( 27 ) Quanto à previsibilidade do comportamento do não participante no cartel v. análise mais pormenorizada infra, n.os 41 a 52 das presentes conclusões.

( 28 ) V., a nível nacional, em particular, o acórdão do Bundesgerichtshof alemão de 28 de junho de 2011, «ORWI» (KZR 75/10, BGHZ 190, 145). O Oberster Gerichtshof austríaco adotou a mesma posição no presente caso (decisão de 17 de outubro de 2012, Az. 7 Ob 48/12b). O mesmo se aplica à proposta de diretiva da Comissão (v., em particular, o décimo primeiro e o trigésimo terceiro considerandos do preâmbulo da diretiva proposta, bem como os seus artigos 12.° e 13.°).

( 29 ) Entre os quais se podem incluir, a título exemplificativo, a estratégia empresarial (ênfase numa imagem de marca, estratégia de preços superiores, etc.) e a personalidade do empresário, mas também o poder dos compradores.

( 30 ) De acordo com as informações não contestadas da ÖBB‑Infrastruktur, participaram no cartel dos elevadores na Áustria os principais fabricantes do setor, que dispõem de uma quota de mercado comum superior a cerca de 80%.

( 31 ) Segundo a matéria de facto fixada no processo principal, pelo menos um terço do volume de mercado foi objeto de acordos concretos entre os participantes no cartel, tendo‑se mesmo tentado concretizar uma coordenação a respeito de um valor significativamente superior a metade do volume de mercado na Áustria relativo a instalações novas (v., supra, n.o 8 das presentes conclusões).

( 32 ) No mesmo sentido H. Beth e C.‑M. Pinter, WuW 2013, p. 228 (232): «Mesmo neste caso de diferenças de produtos a prática de preços guarda‑chuva não é pouco provável, mas no entanto esta será mais reduzida do que nos casos em que se verifica um elevado grau de homogeneização.»

( 33 ) Neste contexto, a ÖBB‑Infrastruktur remeteu para as regras aplicáveis na Áustria a respeito da abertura de propostas no âmbito de um concurso.

( 34 ) Acórdão Courage e Crehan (já referido na nota 9, n.os 20 e 21). Quanto à importância das regras de concorrência para o funcionamento do mercado interno, v. ainda o acórdão de 1 de junho de 1999, Eco Swiss (C-126/97, Colet., p. I-3055, n.o 36), bem como — já com referência ao quadro jurídico vigente após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa — os acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera (C-52/09, Colet., p. I-527, n.o 20), e de 17 de novembro de 2011, Comissão/Itália (C-496/09, Colet., p. I-11483, n.o 60).

( 35 ) Acórdãos Courage e Crehan (já referido na nota 9, n.o 27), Pfleiderer (já referido na nota 9, n.o 29), Otis (já referido na nota 2, n.o 42) e Donau Chemie (já referido na nota 9, n.o 23).

( 36 ) Neste sentido, os acórdãos Courage e Crehan (já referido na nota 9, n.o 26), Manfredi (já referido na nota 9, n.os 60, 89 e 90) e Otis (já referido na nota 2, n.o 41). Sobre a importância da aplicação privada, v. igualmente o «Livro Branco sobre ações de indemnização por incumprimento das regras comunitárias no domínio antitrust», apresentado pela Comissão Europeia em 2 de abril de 2008 [COM(2008) 165 final]. No seu Livro Branco, a Comissão propõe medidas que visam «criar um sistema eficaz de aplicação ‘privada’ [do direito de concorrência], baseado em ações de indemnização que virão completar, sem substituir nem prejudicar, a ação dos poderes públicos neste domínio» (p. 4, secção 1.2). Também o Tribunal da EFTA teve recentemente a oportunidade de remeter para a importância da aplicação privada do direito de concorrência, sublinhando que esta é do interesse público (acórdão de 21 de dezembro de 2012, DB Schenker/Órgão de Fiscalização da EFTA, E‑14/11, n.o 132).

( 37 ) No artigo 11.o da sua proposta de diretiva e no respetivo vigésimo oitavo considerando do preâmbulo a Comissão propõe que se privilegie em certa medida no âmbito da responsabilidade civil uma empresa à qual foi concedida imunidade em matéria de coimas por uma autoridade da concorrência no âmbito de um programa de clemência.

( 38 ) Apesar de a Comissão ter tentado na audiência minimizar a relevância deste efeito dissuasivo, o Tribunal de Justiça atribui‑lhe uma importância significativa em jurisprudência assente; v. acórdãos Courage e Crehan (n.o 27), Manfredi (n.o 91), Pfleiderer (n.o 28) e Donau Chemie (n.o 23), já referidos na nota 9.

( 39 ) Por mim questionado a este respeito, o representante da ThyssenKrupp relativizou este argumento na audiência como um «exagero retórico».

( 40 ) A proposta de diretiva da Comissão prevê, no entanto, algumas regras que facilitam o ónus da prova.

( 41 ) No mesmo sentido, acórdãos Courage e Crehan (n.o 25), Manfredi (n.o 89) e Donau Chemie (n.o 22), já referidos na nota 9; v. ainda, especialmente, quanto à relevância do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais no contexto de um litígio em matéria de direito civil entre particulares, o acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o. (C-317/08 a C-320/08, Colet., p. I-2213, em particular o n.o 61).

( 42 ) Acórdão Donau Chemie (já referido na nota 9, n.o 24).

( 43 ) Acórdão Donau Chemie (n.o 23); num sentido semelhante, os acórdãos Courage e Crehan (n.os 26 e 27), Manfredi (n.o 91) e Pfleiderer (n.o 28), já referidos na nota 9.

( 44 ) V., supra, n.os 41 a 52 das presentes conclusões.

( 45 ) Na audiência perante o Tribunal de Justiça, também o representante da Otis aceitou esta diferença, após ter sido por mim questionado a este respeito.

( 46 ) Acórdão Manfredi (já referido na nota 9, n.os 92 e 93).

( 47 ) Neste sentido, em particular, as decisões da United States Court of Appeals (Third Circuit), Mid‑West Paper Products Co. v. Continental Group Inc., 596 F.2d 573, 597 (1979), e da United States District Court (District of Columbia), Federal Trade Commission v. Mylan Laboratories, 62 F.Supp.2d 25, 39 (1999) — retiradas da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos da América.

( 48 ) V., a este respeito, supra, o n.o 7 das presentes conclusões.

( 49 ) Compete aos órgãos jurisdicionais internos analisar este argumento e apreciar o valor probatório deste estudo.

( 50 ) V., a este respeito, supra, os n.o 65 e 68 das presentes conclusões.

( 51 ) A referida proposta de diretiva (já referida na nota 13) não visa uma harmonização exaustiva da matéria, mas, tal como o seu título indica, apenas tem por objetivo a adoção de «certas regras que regem as ações de indemnização» e reconhece expressamente que existem outros «aspetos não abrangidos pela presente diretiva» (v. o décimo considerando da diretiva proposta). Para além disso, as disposições contidas na proposta de diretiva estão formulados de forma suficientemente aberta para abranger também a reparação de prejuízos decorrentes a prática de «preços guarda‑chuva» e não a excluir, pelo menos (v., nomeadamente, o artigo 11.o, n.os 2 e 4, da diretiva proposta, onde se refere «as partes lesadas, que não os seus adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos» das empresas infratoras).

( 52 ) São favoráveis à existência de responsabilidade as seguintes decisões: United States Court of Appeals (Seventh Circuit), United States Gypsum Co. v. Indiana Gas Co., 350 F.3d 623, 627 (2003); United States Court of Appeals (Fifth Circuit), In re Beef Industry Antitrust Litigation, 600 F.2d 1148, 1166 (1979). Contrários a uma responsabilidade deste tipo apresentam‑se as seguintes decisões, entre outras: United States Court of Appeals (Third Circuit), Mid‑West Paper Products Co. v. Continental Group Inc., 596 F.2d 573, 597 (1979); United States District Court (District of Columbia), Federal Trade Commission v. Mylan Laboratories, 62 F.Supp.2d 25, 39 (1999).

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