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Document 62012CC0300

Conclusões do advogado-geral Wathelet apresentadas em 18 de Julho de 2013.
Finanzamt Düsseldorf-Mitte contra Ibero Tours GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
Imposto sobre o valor acrescentado - Operações das agências de viagens - Concessão de descontos aos viajantes - Determinação da matéria coletável para os serviços prestados no âmbito de uma atividade de intermediação.
Processo C-300/12.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:502

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 18 de julho de 2013 ( 1 )

Processo C‑300/12

Finanzamt Düsseldorf‑Mitte

contra

Ibero Tours GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesfinanzhof (Alemanha)]

«Imposto sobre o valor acrescentado — Operações das agências de viagens — Concessão de descontos aos clientes de agências de viagens, que levam a uma redução da comissão da agência de viagens — Determinação da matéria coletável da prestação do intermediário»

I — Introdução

1.

O presente processo de reenvio prejudicial que entrou no Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2012 visa, essencialmente, determinar se — e, sendo caso disso, em que condições — os princípios estabelecidos pelo acórdão Elida Gibbs ( 2 ), respeitantes aos descontos concedidos por um fabricante através de uma cadeia de distribuição, se aplicam igualmente quando um intermediário concede reduções de preços aos consumidores. Este processo tem lugar num contexto em que uma agência de viagens, atuando como intermediário entre o organizador de circuitos turísticos e os consumidores, concedia a estes últimos reduções no preço das viagens e pretendia deduzi‑las da sua matéria coletável para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»).

II — Quadro jurídico

A — Direito da União

2.

Nos termos do artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54; a seguir «Sexta Diretiva IVA») ( 3 ):

«[…]

1.   A matéria coletável é constituída por:

a)

No caso de entregas de bens e de prestações de serviços que não sejam as referidas nas alíneas b), c) e d), por tudo o que constitui a contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações;».

3.

Segundo o artigo 11.o, A, n.o 3, da Sexta Diretiva IVA:

«A matéria coletável não inclui:

a)

As reduções de preço resultantes de desconto por pagamento antecipado;

b)

Os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza;

[...]»

4.

O artigo 11.o, C, da Sexta Diretiva IVA, intitulada «Disposições diversas», dispõe o seguinte, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço, depois de efetuada a operação, a matéria coletável é reduzida em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.»

5.

O artigo 26.o da Sexta Diretiva IVA, com a epígrafe «Regime especial das agências de viagens», prevê:

«1.   Os Estados‑Membros aplicarão o [IVA] às operações das agências de viagens, nos termos do presente artigo, quando as agências atuarem em nome próprio perante o cliente e sempre que utilizem, para a realização da viagem, entregas e serviços de outros sujeitos passivos. O presente artigo não se aplica às agências de viagens que atuem unicamente na qualidade de intermediário às quais é aplicável o disposto em A), n.o 3, c), do artigo 11.o Para efeitos do disposto no presente artigo, são igualmente consideradas agências de viagens os organizadores de circuitos turísticos.

2.   As operações efetuadas por uma agência de viagens para a realização de uma viagem são consideradas como uma única prestação de serviços realizada pela agência de viagens ao viajante. Esta prestação de serviços será tributada no Estado‑Membro em que a agência de viagens tem a sede da sua atividade económica ou um estabelecimento estável a partir do qual é efetuada a prestação de serviços. Considera‑se matéria coletável e preço líquido de imposto desta prestação de serviços, na aceção do n.o 3, alínea b), do artigo 22.o, a margem da agência de viagens, isto é, a diferença entre o montante total líquido de imposto sobre o valor acrescentado pago pelo viajante e o custo efetivo suportado pela agência de viagens relativo às entregas é às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que tais operações se efetuem em benefício direto do viajante.

3.   Se as operações relativamente às quais a agência de viagens recorre a outros sujeitos passivos forem efetuadas por estes fora da Comunidade, a prestação de serviços da agência é equiparada a uma atividade de intermediário, isenta por força do n.o 14 do artigo 15.o Se estas operações forem efetuadas tanto na Comunidade, como fora dela, só deve ser considerada isenta a parte da prestação de serviços da agência de viagens respeitante às operações efetuadas fora da Comunidade.

4.   O [IVA] debitado à agência de viagens por outros sujeitos passivos relativamente às operações referidas no n.o 2 efetuadas em benefício direto do viajante não é dedutível nem reembolsável em nenhum Estado‑Membro.»

B — Direito nacional

6.

O § 17, n.o 1, da Umsatzsteuergesetz (Lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG»), na versão aplicável entre 1 de janeiro de 2002 e 16 de dezembro de 2004, previa:

«Quando a base de cálculo de uma operação tributável for alterada nos termos do § 1, n.o 1, ponto 1:

1.

O empresário que efetuou a operação deverá retificar, correspondentemente, o montante do imposto devido e

2.

O empresário beneficiário da referida operação deve retificar, correspondentemente, a dedução do imposto a montante a que procedeu àquele título;

as disposições anteriores serão aplicadas por analogia no caso do § 1, n.o 1, ponto 5 e do § 13b. É possível renunciar à retificação da dedução do imposto pago a montante desde que o empresário terceiro pague à Administração das Finanças um montante de imposto correspondente à diminuição da remuneração; nesse caso, o empresário terceiro é o devedor do imposto. […]»

7.

O § 17, n.o 1, da UStG, na versão aplicável a partir de 16 de dezembro de 2004, dispõe:

«Quando a base de cálculo de uma operação tributável for alterada nos termos do § 1, n.o 1, ponto 1, o empresário que efetuou a operação deverá retificar o montante do imposto devido. Também deve ser retificada a dedução do imposto a montante pelo empresário beneficiário da referida operação. Esta disposição não se aplica caso este não seja beneficiado economicamente pela alteração da base de cálculo. Se nesta situação um outro empresário for beneficiado economicamente pela alteração da base de cálculo, este terá de retificar a dedução do imposto a montante a que procedeu. As frases primeira a quarta serão aplicadas por analogia no caso do § 1, n.o 1, ponto 5 e do § 13b. É possível renunciar à retificação da dedução do imposto pago a montante desde que o empresário terceiro pague à Administração das Finanças um montante de imposto correspondente à diminuição da remuneração; nesse caso, o empresário terceiro é o devedor do imposto. […]»

III — O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

8.

O esquema que se segue, que retoma os números do exemplo utilizado pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou seja, o Bundesfinanzhof (Alemanha), e pela Comissão Europeia ( 4 ), ajuda a descrever e a compreender os factos no presente processo.

9.

A sociedade Ibero Tours GmbH (a seguir «Ibero Tours») é uma agência de viagens alemã que propõe aos seus clientes serviços de viagem concebidos por organizadores de circuitos turísticos. De acordo com o exemplo utilizado pelo órgão jurisdicional de reenvio e pela Comissão, o preço ilíquido da viagem ascende a 2 000 euros, incluindo 275,86 euros de IVA. Uma vez vendida a viagem, o organizador de circuitos turísticos fornece o serviço de viagem ao cliente e paga uma comissão à agência de viagens, como contrapartida pelo seu serviço de intermediação. Neste exemplo, o montante ilíquido da comissão é de 232 euros, incluindo 32 euros de IVA.

10.

Para promover as vendas, a Ibero Tours concede aos clientes reduções no preço das viagens. No exemplo, supõe‑se que esta agência de viagens oferece ao consumidor uma redução de 3% no preço ilíquido da viagem, ou seja, 60 euros. Esta redução não é suportada pelo organizador de circuitos turísticos, mas pela referida agência de viagens.

11.

No exemplo acima referido, o consumidor paga à Ibero Tours o preço reduzido estipulado, ou seja, 1940 euros. Depois, esta paga ao organizador de circuitos turísticos uma quantia de valor correspondente à diferença entre o preço total da viagem (sem a redução, ou seja, 2000 euros) e a comissão calculada sobre o preço não reduzido da viagem (IVA incluído, ou seja, 232 euros), que corresponde também à diferença entre o preço reduzido que o cliente pagou (ou seja, 1940 euros) e o montante diminuído da comissão (ou seja, 172 euros) obtido após dedução da redução feita ao consumidor pela Ibero Tours (ou seja, 60 euros, IVA incluído). No exemplo, este montante corresponde a 1 768 euros (ou seja, 2000 euros — 232 euros = 1768 euros ou 1940 euros — 172 euros = 1768 euros).

12.

De acordo com o regime especial previsto para as agências de viagens no artigo 26.o da Sexta Diretiva IVA, o organizador de circuitos turísticos deve pagar ao fisco o IVA sobre o preço total da viagem e não pode ter em conta a redução concedida pela agência de viagens ao cliente, uma vez que se trata de uma viagem a ter lugar na União Europeia ( 5 ).

13.

Anteriormente, a Ibero Tours tinha pago ao fisco o IVA (de 32 euros, no exemplo) aplicado sobre o montante integral da comissão paga pelo organizador de circuitos turísticos, ou seja, os 232 euros do exemplo, sem deduzir do mesmo o IVA de 8,28 euros, incluído na redução concedida ao consumidor final, ou seja, os 60 euros do exemplo. Por isso, a Ibero Tours considerou que deste modo tinha sido tributada sobre um montante que excedia o montante que tinha realmente recebido. Considerou ainda que isso tinha permitido às autoridades fiscais receberem um montante superior ao IVA efetivamente pago pelo consumidor final. Segundo este exemplo, considera ter direito a um reembolso de 8,28 euros, que constitui a diferença entre o IVA calculado sobre a comissão que recebeu sem ter tido em conta a redução sobre o preço de viagem (32 euros) e o IVA calculado sobre a comissão que lhe resta, depois de integrada no cálculo do IVA a redução concedida ao consumidor (23,72 euros).

14.

Neste contexto, a Ibero Tours pediu ao Finanzamt Düsseldorf‑Mitte (a seguir «Finanzamt») uma alteração do IVA fixado para os anos fiscais controvertidos, de 2002 a 2005, com fundamento em que as reduções de preços concedidas aos seus clientes conduziram, em aplicação do § 17 da UStG, a uma redução da remuneração dos serviços de intermediação que forneceu aos organizadores de circuitos turísticos.

15.

O Finanzamt apenas acolheu este pedido na medida em que os serviços prestados pelos organizadores de circuitos turísticos eram tributados com base nas condições do regime especial instituído pelo artigo 26.o da Sexta Diretiva IVA. Em contrapartida, na medida em que os serviços prestados pelos organizadores de circuitos turísticos estavam isentos, por força do artigo 26.o, n.o 3, da Sexta Diretiva IVA, o Finanzamt recusou proceder à alteração a favor da Ibero Tours. Após reclamação infrutífera, a Ibero Tours interpôs recurso que o Finanzgericht julgou procedente. Consequentemente, o Finanzamt interpôs recurso da sentença proferida pelo Finanzgericht.

16.

Nestas circunstâncias, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Considerando os princípios enunciados no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs (C-317/94, Colet., p. I-5339), também se verifica uma redução da matéria coletável no âmbito de uma cadeia de distribuição quando um intermediário (neste caso, uma agência de viagens) reembolsa uma parte do preço da operação [principal] ao destinatário (neste caso, o cliente da agência de viagens) da referida operação (neste caso, a prestação do operador turístico ao cliente da agência de viagens)?

2)

Se for dada resposta afirmativa à primeira questão: os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no seu acórdão Elida Gibbs (já referido) também são aplicáveis quando apenas a operação [principal] do operador turístico, mas não [a prestação do intermediário] da agência de viagens, está sujeita ao regime especial previsto no artigo 26.o da Sexta Diretiva do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (Diretiva 77/388/CEE)?

3)

Se for dada resposta igualmente afirmativa à segunda questão: em caso de isenção fiscal [da prestação principal], um Estado‑Membro que tenha transposto corretamente o artigo 11.o, [C], n.o 1, da Sexta Diretiva do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (Diretiva 77/388/CEE) apenas pode recusar uma redução da matéria coletável caso tenha, exercendo o poder que lhe é conferido pela referida disposição, criado condições suplementares para a referida recusa?»

IV — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2012. A Ibero Tours, o Governo alemão, o Governo do Reino Unido e a Comissão apresentaram observações escritas e apresentaram alegações orais na audiência de 5 de junho de 2013.

V — Análise

A — Quanto à primeira questão prejudicial

18.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, à luz do acórdão Elida Gibbs, já referido, uma redução de preço relativa a uma prestação de serviços, concedida ao cliente final por um intermediário, deve ser tratada da mesma forma que uma redução de preço semelhante à concedida pelo fabricante de um bem.

19.

Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça foi confrontado com uma campanha de promoção de vendas de artigos de toilette em que o fabricante usava dois tipos de sistemas de promoção:

Segundo o primeiro sistema, o fabricante fornecia um cupão de desconto ao consumidor final, prometendo reembolsar o valor nominal deste cupão ao grossista ou ao retalhista que vendesse o produto ao consumidor final, se este grossista ou este retalhista aceitasse receber o cupão do consumidor final como pagamento parcial dos produtos do fabricante. Com este sistema, os montantes líquidos que o intermediário pagava e recebia não eram afetados.

Segundo o segundo sistema, o fabricante entregava um cupão de reembolso ao consumidor final (cupão que era geralmente aposto sobre os produtos de maneira a servir também de prova de compra) e reembolsava‑lhe diretamente o valor nominal deste cupão. Nesta variante, os montantes líquidos que o intermediário pagava e recebia também não eram afetados.

20.

Nesse processo, o Tribunal de Justiça decidiu que, nessas condições, a matéria coletável para efeitos do IVA é igual ao preço de venda praticado pelo fabricante, diminuído do montante indicado no cupão e reembolsado ao retalhista ou ao consumidor ( 6 ). O Tribunal de Justiça aceitou o princípio de que o fabricante pode reduzir a sua matéria coletável em IVA quando assume o encargo da redução do preço ao consumidor final após a venda dos seus produtos a grossistas e a retalhistas. O facto de as vendas do fabricante aos grossistas e retalhistas terem sido efetuadas a preços que não têm em conta as reduções finalmente concedidas ao consumidor não deve ter nenhuma incidência sobre o direito do fabricante de pedir a redução da sua matéria coletável.

21.

No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo alemão manifestam dúvidas quanto à aplicabilidade ao presente processo dos princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido, por os serviços de intermediação não se incluírem na mesma «cadeia de distribuição», na qual são repetidamente fornecidas prestações de serviço semelhantes e nas mesmas condições fiscais.

22.

Em especial, o Governo alemão é de opinião que, no caso em apreço, a prestação principal é o serviço de viagem ao consumidor final cujo prestador é o organizador de circuitos turísticos. Em seu entender, a Ibero Tours é um intermediário que se limita a intervir para que se estabeleça esta relação comercial, estabelecimento pelo qual recebe a sua comissão, sem no entanto influenciar a operação principal.

23.

Nesta base, o Governo alemão e o Governo do Reino Unido alegam que o consumidor final da prestação do intermediário é o organizador de circuitos turísticos e não o consumidor final da prestação do intermediário, o que leva a uma configuração triangular na qual o organizador de circuitos turísticos é o prestador da prestação principal em benefício do «consumidor‑viajante», no presente caso a viagem, e a agência de viagens o prestador de outra prestação do intermediário prestada ao organizador de circuitos turísticos.

24.

No entender do Governo alemão, tal como manifestado na audiência, é inconcebível a existência, no caso em apreço, de uma cadeia de distribuição que permita comparar o presente processo com o processo que deu origem ao acórdão Elida Gibbs, já referido. Segundo o Governo alemão, no presente caso, a agência de viagens oferece ao organizador de circuitos turísticos um serviço que desaparece logo que é prestado, porque o serviço de viagem oferecido pelo organizador de circuitos turísticos ao consumidor não é, em absoluto, o mesmo que a prestação do intermediário prestada pela agência de viagens ao organizador de circuitos turísticos. Em contrapartida, ainda segundo o Governo alemão, o processo Elida Gibbs, já referido, dizia respeito a uma cadeia de distribuição de mercadorias as quais, evidentemente, continuavam a existir após a sua entrega pelo fabricante ao intermediário e, deste último, ao consumidor.

25.

Não partilho deste entendimento. Como salienta a Comissão, não há nenhuma razão para que a aplicação dos princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido, seja excluída e, portanto, para que a redução seja recusada a um intermediário, quando as condições em que um fabricante ou um intermediário poderiam beneficiar da redução da matéria coletável são, em tudo o mais, idênticas.

26.

O argumento de que a Ibero Tours não faz parte da cadeia de valor no final da qual o consumidor final recebe um serviço sujeito a IVA ignora a realidade. Embora, em termos muito formalistas, uma agência de viagens, como a Ibero Tours, preste um serviço de intermediação ao organizador de circuitos turísticos em troca de uma comissão, é ela que concede a redução de preço ao consumidor e que suporta economicamente o encargo da mesma.

27.

Contrariamente ao que afirma o Governo do Reino Unido, a redução do preço que a agência de viagens oferece ao consumidor traduz‑se de facto e em termos económicos numa redução da comissão que o organizador de circuitos turísticos lhe paga. Com efeito, a comissão é a única receita que a agência de viagens obtém da sua participação na prestação do serviço de viagem ao consumidor e a redução que ela oferece ao consumidor reduz forçosamente o montante da sua comissão. A não ser assim, a redução seria suportada pelo organizador de circuitos turísticos a quem a agência de viagens, no exemplo supramencionado, apenas pagaria 1940 euros — reduzidos de 232 euros, ou seja, 1708 euros, situação que não corresponderia ao acordo das partes. Por conseguinte, no processo principal, a agência de viagens encontra‑se na mesma situação que o fabricante no acórdão Elida Gibbs, já referido.

28.

Tal como o Tribunal de Justiça declarou nesse acórdão, «para garantir o respeito do princípio da neutralidade, no cálculo da matéria coletável do IVA, há que ter em conta o caso de um sujeito passivo que, não estando contratualmente vinculado ao consumidor final, mas sendo o primeiro elo de uma cadeia de operações que conduz a este último, lhe concede, por intermédio dos retalhistas, uma redução ou lhe restitui diretamente o valor dos cupões. De contrário, a Administração Fiscal cobraria ao sujeito passivo, a título de IVA, um montante superior ao efetivamente pago pelo consumidor final» ( 7 ).

29.

Embora o Tribunal de Justiça tenha considerado o sujeito passivo como «o primeiro elo de uma cadeia de operações», trata‑se nesse caso de uma referência aos factos do processo que deu lugar ao acórdão Elida Gibbs, já referido, em que o fabricante que concedeu a redução de preço ao consumidor final se encontrava no início da cadeia de valor, e não se tratava tanto da expressão de uma condição prévia para ter direito a beneficiar da redução da matéria coletável.

30.

Com efeito, se aceitássemos a posição do órgão jurisdicional de reenvio e do Governo alemão, não tomaríamos em consideração que a redução de preço concedida ao consumidor leva, em termos económicos, a uma redução da comissão recebida pela Ibero Tours e, por conseguinte, obrigaríamos esta última a pagar um IVA calculado sobre uma operação tributável superior à que ela finalmente realizou ( 8 ).

31.

Tal resultado seria inadmissível à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Elida Gibbs, já referido, que «tendo em conta, em cada caso, o mecanismo do IVA, o seu funcionamento e o papel dos intermediários, a Administração Fiscal não pode, finalmente, receber um montante superior ao que foi pago pelo consumidor final» ( 9 ).

32.

Para evitar este resultado, como o Tribunal de Justiça já decidiu, a matéria coletável para efeitos do IVA deve ter em conta a diminuição do montante finalmente recebido pelo intermediário: «embora o fabricante possa efetivamente ser considerado terceiro relativamente à operação entre o retalhista beneficiário do reembolso do valor do cupão e o consumidor final, é também certo que este reembolso origina a correspondente diminuição da quantia finalmente recebida pelo fabricante como contrapartida pelo fornecimento que efetuou e que esta contrapartida constitui, em aplicação do princípio da neutralidade do IVA, a base de cálculo do imposto de que é devedor» ( 10 ).

33.

Por conseguinte, há que responder à primeira questão prejudicial que os princípios relativos à redução da matéria coletável no caso de empresas que concedem reduções de preços ao consumidor de um serviço a jusante, como definidas no acórdão Elida Gibbs, já referido, são igualmente aplicáveis no caso de um intermediário (neste caso, uma agência de viagens) que concede, a seu cargo, uma redução de preço ao adquirente (neste caso, o cliente da agência de viagens) da operação principal em que este intermediário intervém (neste caso, o serviço do organizador de circuitos turísticos).

B — Quanto à segunda questão prejudicial

34.

Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se, no caso de prestações principais abrangidas pelo artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA, o acórdão Elida Gibbs, já referido, não acarreta a inaplicabilidade, seja em razão das particularidades deste artigo que considera como matéria coletável «a margem da agência de viage[ns]» (a seguir «regime de margem»), contrariamente ao artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da referida diretiva, que define como matéria coletável «a contrapartida que recebe […] do destinatário» (a seguir «regime de contrapartida») (título 1, infra), seja porque estes serviços constituiriam, a ser o caso, elementos constitutivos de um serviço global (misto) que inclui igualmente outros elementos (título 2, infra).

1. No caso de prestações principais abrangidas pelo artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA, com a epígrafe «Regime especial das agências de viagens»

35.

No processo que deu lugar ao acórdão Elida Gibbs, já referido, a matéria coletável era calculada mediante a aplicação do artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva IVA, ou seja, sobre a base do regime de contrapartida. Por outro lado, o presente processo é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 26.o da referida diretiva, que prevê um sistema de tributação para as agências de viagens. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o acórdão Elida Gibbs, já referido, ainda é aplicável no presente caso na medida em que, ao invés desse processo, em que a matéria coletável era calculada segundo o regime de contrapartida, a matéria coletável no presente caso deve ser calculada segundo o regime de margem.

36.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, quando o serviço é abrangido pelo regime de margem, o cálculo da matéria coletável previsto pelo artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva IVA já não é possível, porque a matéria coletável não é igual à contrapartida paga pelo consumidor mas à diferença entre o montante total pago pelo cliente da agência de viagens, sem IVA, e o custo efetivo suportado pela agência de viagens, relativo às entregas e às prestações de serviços de outros sujeitos passivos, na medida em que essas operações se efetuam em benefício direto do cliente da agência de viagens. O órgão jurisdicional de reenvio e o Governo alemão salientam que é igualmente necessário ter em conta a possibilidade de a margem ser nula, sempre que o preço do mercado não seja superior ao custo suportado pela viagem.

37.

Como refere a Comissão, esta diferença é inoperante no processo submetido ao Tribunal de Justiça. Como o Tribunal de Justiça já declarou, «[a]o fixar um lugar de tributação único e ao considerar como matéria coletável do IVA a margem da agência de viagens ou do organizador de circuitos turísticos, ou seja, a diferença entre o «montante total pago pelo viajante» sem IVA e o custo efetivo, IVA incluído, suportado pela agência de viagens ou pelo organizador de circuitos turísticos para as prestações de serviços de outros sujeitos passivos, o artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva [IVA] destina‑se a evitar as dificuldades mencionadas no número anterior [ ( 11 )] e, em especial, a garantir uma dedução simplificada do imposto pago a montante, seja qual for o Estado‑Membro em que foi cobrado» ( 12 ).

38.

Contudo, o Tribunal de Justiça também decidiu o seguinte:

«26.

A realização deste objetivo não requer de forma alguma uma derrogação à regra geral enunciada no artigo 11.o, [A], n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva [IVA], que, para efeitos da determinação da matéria coletável, se refere ao conceito de ‘contrapartida que [...] o prestador recebeu ou deve receber [...] do destinatário ou de um terceiro’.

27.

Esta ‘contrapartida’ corresponde ao mesmo elemento económico que o ‘montante total pago pelo viajante’ ao qual se refere o artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva [IVA]. Tanto no regime geral como no regime específico, este elemento corresponde ao preço pago ao prestador de serviços. Independentemente do objetivo prosseguido pelo referido artigo 26.o, n.o 2, o conceito em causa deve manter a mesma definição jurídica nos dois regimes» ( 13 ).

39.

Além disso, importa observar que o acórdão First Choice Holidays, já referido, dizia respeito ao mesmo tipo de factos que o processo principal. A First Choice Holidays organizava férias a preço fixo combinando vários elementos que adquiria. Confiava a agências de viagens, no âmbito de contratos de comissão, o cuidado de vender o produto final aos viajantes. Tal como neste caso, a redução de preço era oferecida aos clientes pelas agências de viagens.

40.

Neste contexto factual, o advogado‑geral A. Tizzano observou que: «[o] facto de o método de cálculo da matéria coletável diferir nos dois regimes não implica de forma alguma que sejam também diferentes os elementos a tomar em consideração para esse efeito» ( 14 ).

41.

Do mesmo modo, o facto de os dois regimes de cálculo da matéria coletável serem diferentes não implica que a aplicação dos princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido, deva ser excluída, uma vez que se trata, como no presente caso, de uma operação de viagem que está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 26.o da Sexta Diretiva IVA.

42.

De resto, não é mesmo nada surpreendente que se chegue ao mesmo resultado, consoante o cálculo seja feito segundo o regime de margem ou segundo o de contrapartida. Isto está suficientemente demonstrado no exemplo exposto no n.o 8 das presentes conclusões.

43.

Se o regime de contrapartida for aplicado, a agência de viagens que conceda ao consumidor uma redução de 60 euros no preço da viagem, nas mesmas condições que a Ibero Tours, deverá pagar ao organizador de circuitos turísticos 1940 euros (incluindo 267,58 euros de IVA). A comissão ilíquida que lhe é devida será, então, reduzida de 232 euros para 172 euros (IVA incluído), uma vez que a redução de 60 euros está a seu cargo e não é suportada pelo organizador de circuitos turísticos.

44.

Isto faz passar a matéria coletável da agência de 200 euros para 148,32 euros e o IVA de 32 euros para 23,72 euros. Nesta hipótese, a diferença entre o montante do IVA, sem ou com a redução, corresponde a 8,28 euros, ou seja, 32 euros -23,72 euros = 8,28 euros.

45.

Este montante corresponde precisamente à diferença entre o IVA aplicável ao preço da viagem que o consumidor deveria pagar, sem a redução concedida pela agência de viagens, e o que vai pagar, após a redução, ou seja, 275,86 euros -267,58 euros = 8,28 euros.

46.

O resultado é idêntico quando é aplicado o regime de margem. Suponhamos que, na mesma hipótese, o organizador de circuitos turísticos comprou os serviços que oferece ao consumidor ao preço de 1000 euros. A diferença de 1000 euros, entre o preço a que vende ao consumidor os serviços de viagem e o preço a que os adquire, decompõe‑se numa margem de 862,07 euros e um IVA à taxa de 16% sobre este montante de cerca de 137,93 euros.

47.

Se a agência de viagens conceder uma redução de um montante ilíquido de 60 euros ao consumidor, este último deverá pagar‑lhe o montante de 1940 euros que inclui um «custo efetivo» de 1000 euros, uma «margem» de 810,35 euros e um montante de 129,65 euros de IVA.

48.

Mesmo sob este regime, a diferença entre os dois montantes de IVA (sem e com redução) corresponde igualmente a 8,28 euros, ou seja, 137,93 euros -129,65 euros = 8,28 euros. É precisamente esse o montante que a agência de viagens poderia reclamar às autoridades fiscais, nos casos em que tivesse pago o IVA com base num valor composto do montante da comissão sem tomar em conta a redução oferecida ao consumidor.

49.

Tal como esclarece a Comissão, este montante idêntico explica‑se, nos dois casos, pelo facto de os 60 euros de redução, concedidos pela agência de viagens, conterem inelutavelmente um montante de IVA de 8,28 euros. Por conseguinte, resulta claro deste exemplo que o regime de margem não afeta também as bases aritméticas da solução apresentada no acórdão Elida Gibbs, já referido.

50.

Na audiência, o Governo alemão não contestou a metodologia do exemplo utilizado pela Comissão nem fundamentou o direito que o fisco alemão teria de arrecadar o excedente de 8,28 euros de IVA. Pelo contrário, como sustentam a Ibero Tours e a Comissão nas suas observações escritas, a dedução do montante da redução do preço da viagem da matéria coletável da agência de viagens para efeitos do IVA garante que a Administração Fiscal receba um montante de IVA correspondente ao montante efetivamente pago pelo consumidor.

51.

Com efeito, na hipótese da aplicação do regime de contrapartida ao exemplo acima, a Administração Fiscal cobraria 243,86 euros do organizador de circuitos turísticos, ou seja a diferença entre o IVA pago no preço da viagem (275,86 euros) e o IVA pago a montante que corresponda à comissão paga (32 euros) e a 23,72 euros da agência de viagens que constituem o IVA pago obtido na comissão reduzida, ou seja, um montante total de 267,58 euros. O IVA assim cobrado pela Administração Fiscal corresponderia exatamente ao montante de IVA a cargo do consumidor final correspondente aos 1940 euros que ele pagou.

52.

Do mesmo modo, se o regime da margem for aplicado ao exemplo acima, a Administração Fiscal cobra o mesmo montante de IVA, isto é, 267,58 euros, ou seja, 137,93 euros correspondente ao IVA que o organizador de circuitos turísticos liquidou para comprar os serviços que revende ao consumidor final, 105,93 euros devidos pelo próprio organizador de circuitos turísticos, que correspondem à diferença entre o IVA pago sobre a margem deste último (137,93 euros) e o IVA que liquidou à agência de viagens pela comissão antes da redução (32 euros), assim como 23,72 euros correspondentes ao IVA que a agência de viagens deve liquidar sobre a comissão que receba do organizador de circuitos turísticos após a redução.

53.

Os princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido, não são assim afetados pelo simples facto de que, no caso referido no artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA, não é a contrapartida que constitui a matéria coletável, mas a margem. Isto é assim porque, como o Tribunal de Justiça explicitou, «[…] não é necessário reajustar a matéria coletável relativa às transações intermédias […] dado que, no que respeita a essas transações, a aplicação do princípio da neutralidade é garantida recorrendo ao regime de dedução constante do título XI da Sexta Diretiva [IVA], que permite aos operadores intermédios da cadeia de distribuição, como os grossistas e os retalhistas, deduzirem à sua própria matéria coletável os montantes pagos por cada um ao respetivo fornecedor a título de IVA sobre a correspondente operação e restituir assim à Administração Fiscal a parte do IVA correspondente à diferença entre o preço por cada um pago ao respetivo fornecedor e o preço a que a mercadoria foi entregue ao comprador» ( 15 ).

54.

Não só a aplicação dos princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido, é conciliável com a aplicação do artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA, mas esta aplicação é, além disso, necessária para evitar que a incidência sobre a matéria coletável com base na qual é calculado o IVA devido pelo fabricante, enquanto sujeito passivo, seja mais elevada do que o montante por este recebido ( 16 ). Uma tal eventualidade, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não respeitaria o princípio da neutralidade ( 17 ).

55.

O órgão jurisdicional de reenvio considera igualmente a eventualidade de uma margem nula. Embora, em minha opinião, tal não devesse mudar em nada o raciocínio, saliento, como a Comissão, que a decisão de reenvio não faz nenhuma referência a elementos do processo que levem a crer que tal poderia ser o caso dos serviços de viagem principais, nos quais a Ibero Tours interveio. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que não examine nesta perspetiva a segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2. No caso de prestações mistas

56.

Numa primeira fase, o órgão jurisdicional de reenvio considera a possibilidade de um serviço de viagem determinado estar sujeito na sua totalidade ao IVA, mas aplicando‑se bases de tributação diferentes aos diversos elementos que a constituem. Os elementos fornecidos pelo próprio organizador de circuitos turísticos seriam tributados em conformidade com o regime geral, enquanto os elementos adquiridos a outros sujeitos passivos seriam submetidos ao regime da margem.

57.

Numa segunda fase, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o acórdão Comissão/Alemanha, já referido, impõe que os princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido, não sejam aplicados, quando o último serviço prestado da cadeia de distribuição estiver isento por aplicação do artigo 26.o, n.o 3, da Sexta Diretiva IVA.

58.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que estes dois casos são problemáticos, na medida em que o intermediário, sem o concurso do organizador de circuitos turísticos, poderia ver‑se impossibilitado de conhecer a composição exata do serviço de viagem.

59.

No que respeita, em primeiro lugar, aos serviços de prestações mistas do organizador de circuitos turísticos que estejam sujeitos a IVA, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo alemão entendem que reconhecer aos organizadores de circuitos turísticos o direito de deduzir o IVA para os serviços de intermediação poderia conduzir ao reembolso de um IVA fictício.

60.

Em seu entender, uma redução da matéria coletável, no caso de um serviço de viagem proposto por um intermediário, só pode ser tomado em conta em relação à parte do preço da viagem correspondente à margem do organizador de circuitos turísticos, o que geralmente apenas vale para uma parte muito reduzida do preço da viagem.

61.

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio e o Governo alemão interrogam‑se sobre qual a maneira como o intermediário pode determinar esta parte de IVA. Defendem que os intermediários não podem efetivamente proceder a essa determinação, uma vez que não conhecem o modo de cálculo do organizador de circuitos turísticos. Em face desta impossibilidade técnica, os princípios do acórdão Elida Gibbs, já referido, não seriam transponíveis.

62.

Esta conclusão parece‑me errada. Com efeito, importa recordar que, como a Ibero Tours e a Comissão demonstraram através dos seus exemplos, o regime geral baseado na contrapartida, na aceção do artigo 11.o, A, n.o 1, alínea a), da Sexta Diretiva IVA, e o baseado na margem, na aceção do artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA, são, em princípio, equivalentes à luz dos princípios definidos no acórdão Elida Gibbs, já referido.

63.

Quando os elementos reunidos para constituir um serviço de viagem único estão abrangidos por estes dois regimes, esta circunstância não obriga o intermediário que concede uma redução de preço a proceder a um cálculo separado. Como indica a Comissão, a questão de saber se ele só pode estabelecer aquele cálculo com o concurso do organizador de circuitos turísticos não se coloca.

64.

Seguidamente, no que respeita a serviços de viagem em que certos elementos constitutivos estão submetidos ao regime de margem, na aceção do artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA, enquanto outros estão isentos, ao abrigo do n.o 3 do mesmo artigo, é necessário decompô‑los. Com efeito, se as reduções de preços do intermediário só implicam a aplicação do acórdão Elida Gibbs, já referido, para aqueles que estão abrangidos pelo n.o 2 do referido artigo, todavia, tal não justifica a inaplicabilidade deste acórdão aos referidos elementos constitutivos, com o fundamento em que a necessária decomposição dos serviços, consoante estejam sujeitos ao IVA ou isentos, poderia originar dificuldades.

65.

É certamente correto que, quando algumas partes dos serviços de viagem principais são, conforme as circunstâncias, suscetíveis de estarem abrangidas pelo artigo 26.o, n.o 3, da referida diretiva incumbe ao intermediário demonstrar em que medida se aplica, não esta disposição, mas antes o regime da margem (ou o regime geral). Todavia, não se justifica tornar a prova impossível, excluindo, a priori, uma redução da matéria coletável do IVA.

66.

No tocante às dificuldades que podem ser encontradas no quadro da produção de provas requeridas para deduzir o IVA, pode acontecer que os organizadores de circuitos turísticos sejam reticentes em comunicar aos seus intermediários o preço de cada elemento constitutivo de uma viagem calculada internamente, mas, como sustenta a Comissão e contrariamente ao que sustenta o Governo alemão, não vejo motivos para que estas empresas recusem comunicar anualmente os seus dados numéricos agregados, a fim de permitir aos intermediários uma decomposição exata das suas operações para o ano de referência.

67.

Em qualquer caso, como observou a Ibero Tours na audiência, as dificuldades teóricas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Governo alemão e o Governo do Reino Unido não constituem motivo para se afastarem os princípios enunciados no acórdão Elida Gibbs, já referido.

68.

Por conseguinte, importa responder à segunda questão prejudicial que, no caso de a prestação principal de um organizador de circuitos turísticos compreender uma atividade de intermediário, o direito de este último, com base no acórdão Elida Gibbs, já referido, pedir uma redução da sua matéria coletável de IVA para as reduções de preços que conceda aos consumidores não é afetado pelo simples facto de a prestação principal ser abrangida pelo regime de margem previsto no artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva IVA.

C — Quanto à terceira questão prejudicial

69.

Com a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, em caso de isenção fiscal [da prestação principal], um Estado‑Membro que tenha transposto corretamente para a sua ordem jurídica interna o artigo 11.o, C, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA apenas pode recusar uma redução da matéria coletável caso tenha, exercendo o poder que lhe é conferido pela referida disposição, criado condições suplementares para a referida recusa.

70.

Trata‑se assim de saber se um Estado‑Membro pode recusar uma redução da matéria coletável, apenas com fundamento na interpretação contida no acórdão Comissão/Alemanha, já referido, sem dever prever condições suplementares. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que «ao não adotar disposições que permitam, no caso de um reembolso de cupões de desconto, retificar a matéria coletável do sujeito passivo que efetuou este reembolso, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11.o da Sexta Diretiva [IVA]» ( 18 ), em especial à luz do acórdão Elida Gibbs, já referido.

71.

Neste processo, o Governo alemão e o Governo do Reino Unido invocaram a hipótese de o fornecimento do retalhista ao consumidor final ser uma transação isenta, caso em que a inclusão do cupão de desconto na matéria coletável do retalhista poderia conduzir a uma dedução em excesso, em detrimento do fisco, no valor do IVA incluído no valor nominal do dito cupão ( 19 ).

72.

O Tribunal de Justiça respondeu que, «nos casos em que, em razão de uma isenção, o valor indicado no cupão de desconto não seja tributável no Estado‑Membro a partir do qual a mercadoria é expedida, não há qualquer preço faturado nesta fase da cadeia de distribuição ou a jusante que inclua IVA, o que significa que uma redução ou um reembolso parcial deste preço também não pode incluir uma parte de IVA que possa conduzir a uma redução do imposto pago pelo fabricante» ( 20 ).

73.

O Tribunal acrescentou que, «no que toca aos fornecimentos para exportação ou intracomunitários que são isentos, as autoridades fiscais estão na posição, fazendo uso das possibilidades que lhes são conferidas pelo artigo 11.o, [C], n.o 1, da Sexta Diretiva [IVA], de impedir que o fabricante deduza do seu imposto a jusante o que constituiria um montante fictício de IVA» ( 21 ).

74.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta última passagem do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, é suscetível de duas interpretações.

75.

Por um lado, os Estados‑Membros que tiverem transposto corretamente o referido artigo 11.o, C, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA poderiam automaticamente basear‑se nesse acórdão para recusar a redução da matéria coletável no seguimento dos descontos concedidos numa cadeia de distribuição quando o último serviço ao consumidor final for isento.

76.

Por outro lado, a indicação, constante do n.o 65 do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, que precisa que, «fazendo uso das possibilidades que lhes são conferidas pelo artigo 11.o, C, n.o 1, da Sexta Diretiva [IVA]», poderia igualmente ser interpretado no sentido de que, a fim de recusar a redução da matéria coletável, em caso de isenção fiscal do último serviço de uma cadeia de distribuição, um Estado‑Membro deveria adotar uma legislação específica para alcançar este objetivo.

77.

Segundo a Ibero Tours, como a República Federal da Alemanha não criou as condições específicas suscetíveis de justificar a recusa de reduzir a matéria coletável de IVA no âmbito do poder que lhe é conferido pelo artigo 11.o, C, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA, não teria fundamento para recusar uma tal redução da matéria coletável.

78.

O Governo alemão considera que importa responder à terceira questão prejudicial que um Estado‑Membro pode recusar uma redução da matéria coletável, em caso de isenção da prestação principal com base apenas no acórdão Comissão/Alemanha, já referido, e portanto sem criar disposições específicas no seu direito interno.

79.

Segundo este Governo, as «condições determinadas pelos Estados‑Membros», mencionadas pelo artigo 11.o, C, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA e segundo as quais a matéria coletável é reduzida, não se reportam apenas ao conteúdo material da matéria coletável, mas unicamente às condições de forma que conviria preencher para invocar, posteriormente à transação, uma redução da matéria coletável. O Governo alemão considera, assim, que o facto de a prestação principal constituir uma transação isenta de IVA é uma condição de fundo para recusar a redução da matéria coletável e entende que, neste contexto, uma legislação nacional não deve determinar as condições específicas para recusar a concessão da redução no caso de transações finais isentas.

80.

Como o Tribunal de Justiça já decidiu, «o artigo 11.o, [C], n.o 1, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva [IVA] define os casos em que os Estados‑Membros estão obrigados a proceder à redução da matéria coletável na devida proporção e nas condições por eles próprios fixadas. Assim, esta disposição obriga os Estados‑Membros a reduzirem a matéria coletável e, em consequência, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que este não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida» ( 22 ).

81.

Assim resulta claramente deste excerto que os Estados‑Membros são obrigados, salvo em caso de utilização da derrogação prevista no segundo parágrafo do referido artigo (o que não sucede neste caso), a conceder a redução da matéria coletável desde que estejam preenchidas as condições do referido artigo. Portanto, é com razão que o Governo alemão sustenta que a expressão «condições por eles próprios [os Estados‑Membros] fixadas» apenas pode referir‑se às modalidades da redução e não à existência do direito à redução ( 23 ).

82.

Assim, é necessário ler o n.o 65 do acórdão Comissão/Alemanha, já referido, sob esta perspetiva. Efetivamente, como indica a Comissão, ao decidir no n.o 64 deste acórdão que «nos casos em que, em razão de uma isenção, o valor indicado no cupão de desconto não é tributável no Estado‑Membro a partir do qual a mercadoria é expedida, não há qualquer preço faturado nesta fase da cadeia de distribuição ou a jusante que inclua IVA, o que significa que uma redução ou um reembolso parcial deste preço também não pode incluir uma parte de IVA que possa conduzir a uma redução do imposto pago pelo fabricante», o Tribunal de Justiça perspetivava uma consequência jurídica imperativa e não uma mera faculdade concedida aos Estados‑Membros.

83.

Embora no n.o 65 do referido acórdão o Tribunal de Justiça refira igualmente certas «possibilidades» conferidas aos Estados‑Membros pelo artigo 11.o, C, n.o 1, da Sexta Diretiva IVA, estas visam apenas permitir aos Estados‑Membros assegurar corretamente o tratamento fiscal pretendido pela referida diretiva, uma vez que as derrogações à regra substantiva, facultativas e exatamente delimitadas, são em contrapartida tratadas separadamente no segundo parágrafo do referido artigo.

84.

Esta conclusão é reforçada pelo acórdão Becker ( 24 ), em que o Tribunal de Justiça, em relação ao artigo 13.o da Sexta Diretiva IVA, com a epígrafe «Isenções no território do país», cuja parte B) tem o título «Outras isenções», declarou que a frase «nas condições fixadas [pelos Estados‑Membros] com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções», e, mais precisamente, o termo «condições» não se referem «de forma nenhuma à definição do conteúdo das exonerações previstas» ( 25 ) e que «[u]m Estado‑Membro não pode opor a um contribuinte que está em condições de demonstrar que a sua situação fiscal corresponde efetivamente a uma das categorias de isenção enunciadas pela [Sexta] [D]iretiva [IVA], o facto de não ter adotado as disposições destinadas, precisamente, a facilitar a aplicação desta mesma isenção» ( 26 ).

85.

Raciocinando por analogia no presente processo, parece ser ainda mais claro que a fórmula «as condições determinadas pelos Estados‑Membros» apenas confere aos Estados‑Membros a faculdade de imporem os critérios que condicionem ou eliminem o direito do contribuinte à redução da matéria coletável «[e]m caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço, depois de efetuada a operação» ( 27 ), ou tornariam o seu exercício praticamente impossível.

86.

Assim, a transposição correta da referida diretiva implica que a matéria coletável de IVA do intermediário não possa ser reduzida, no caso de a prestação principal ser uma transação isenta, porque é intrínseco ao sistema da Sexta Diretiva IVA que a redução não se verifique neste caso, e isto sem que seja necessário que o Estado‑Membro tenha criado condições específicas para esta finalidade.

87.

Deve assim responder‑se à terceira questão prejudicial que, em caso de isenção fiscal da prestação principal, é intrínseco ao sistema da Sexta Diretiva IVA que um Estado‑Membro recuse uma redução da matéria coletável em IVA, sem ter incluído previamente numa legislação específica condições suplementares para o fazer.

VI — Conclusão

88.

Tendo em conta o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesfinanzhof:

1)

Os princípios relativos à redução da matéria coletável no caso de empresas que concedam reduções de preços ao consumidor de um serviço a jusante, tais como se encontram definidos no acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs (C-317/94, Colet., p. I-5339), são igualmente aplicáveis no caso de um intermediário (neste caso, uma agência de viagens) que conceda, a seu cargo, uma redução de preço ao comprador (neste caso, o cliente da agência de viagens) da operação principal na qual este intermediário intervenha (neste caso, o serviço do organizador de circuitos turísticos).

2.

Nos casos em que a operação principal de um organizador de circuitos turísticos compreenda uma atividade de intermediário, o direito de este último pedir uma redução da sua matéria coletável pelo facto de conceder reduções de preços aos consumidores, ao abrigo do acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs (C-317/94, Colet., p. I-5339), não é afetado pelo simples facto de a operação principal ser abrangida pelo regime de margem previsto pelo artigo 26.o, n.o 2, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme.

3.

Em caso de isenção fiscal da prestação principal, é intrínseco ao sistema da Sexta Diretiva 77/388 que um Estado‑Membro recuse uma redução da matéria coletável ao imposto sobre o valor acrescentado, sem ter incluído, previamente, numa legislação específica, as condições suplementares para o fazer.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs (C-317/94, Colet., p. I-5339).

( 3 ) A Sexta Diretiva IVA foi alterada várias vezes no período de 2002 a 2004, mas as disposições relativas ao presente processo não foram afetadas. Por conseguinte, retomo, nas presentes conclusões, o texto desta diretiva tal como constava na versão publicada em 1 de janeiro de 2001, que entrou em vigor no início do período a que se refere o presente processo.

( 4 ) A Ibero Tours utiliza números diferentes.

( 5 ) V. acórdão de 19 de junho de 2003, First Choice Holidays (C-149/01, Colet., p. I-6289).

( 6 ) V. acórdão Elida Gibbs, já referido (n.os 34 e 35).

( 7 ) Ibidem (n.o 31).

( 8 ) Ibidem (n.o 24). V., também, acórdão de 15 de outubro de 2002, Comissão/Alemanha (C-427/98, Colet., p. I-8315, n.o 45).

( 9 ) Acórdão Elida Gibbs, já referido (n.o 24).

( 10 ) Acórdão Comissão/Alemanha, já referido (n.o 45).

( 11 ) No número anterior, o Tribunal de Justiça refere‑se à dificuldade de aplicar as regras de direito comum relativamente ao local da tributação, à matéria coletável e à dedução do imposto a montante, devido à multiplicidade e ao local onde as prestações são fornecidas, assim como às dificuldades práticas para essas empresas, suscetíveis de entravarem o exercício da sua atividade (v. acórdão First Choice Holidays, já referido (n.o 24).

( 12 ) V. acórdão First Choice Holidays, já referido (n.o 25).

( 13 ) Ibidem (n.os 26 e 27).

( 14 ) V. n.o 26 das conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo que deu origem ao acórdão First Choice Holidays, já referido.

( 15 ) Acórdão Elida Gibbs, já referido (n.o 33).

( 16 ) V. acórdão de 3 de julho de 1997, Goldsmiths (C-330/95, Colet., p. I-3801, n.o 15).

( 17 ) V. acórdão Elida Gibbs, já referido (n.o 28).

( 18 ) V. acórdão Comissão/Alemanha, já referido (n.o 79).

( 19 ) Ibidem (n.o 62).

( 20 ) Ibidem (n.o 64).

( 21 ) Ibidem (n.o 65).

( 22 ) Acórdão Goldsmiths, já referido (n.o 16). O sublinhado é meu.

( 23 ) V., neste sentido, n.os 84 e 85 das conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Alemanha, já referido.

( 24 ) Acórdão de 19 de janeiro de 1982 (8/81, Colet., p. 53).

( 25 ) Ibidem (n.o 32).

( 26 ) Ibidem (n.o 33).

( 27 ) Artigo 11.o, C, primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva IVA.

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