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Document 62011CJ0642

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 31 de janeiro de 2013.
    Stroy trans EOOD contra Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Varna.
    Fiscalidade — IVA — Diretiva 2006/112/CE — Princípio da neutralidade fiscal — Direito a dedução — Recusa — Artigo 203.° — Menção do IVA na fatura — Exigibilidade — Existência de uma operação tributável — Apreciação igual da situação do emitente da fatura e do seu destinatário — Obrigatoriedade.
    Processo C‑642/11.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:54

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    31 de janeiro de 2013 ( *1 )

    «Fiscalidade — IVA — Diretiva 2006/112/CE — Princípio da neutralidade fiscal — Direito a dedução — Recusa — Artigo 203.o — Menção do IVA na fatura — Exigibilidade — Existência de uma operação tributável — Apreciação igual da situação do emitente da fatura e do seu destinatário — Obrigatoriedade»

    No processo C-642/11,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Administrativen sad Varna (Bulgária), por decisão de 2 de dezembro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de dezembro de 2011, no processo

    Stroy trans EOOD

    contra

    Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, G. Arestis, J. Malenovský e T. von Danwitz (relator), juízes,

    advogado-geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por S. Zlateva, na qualidade de agente,

    em representação do Governo búlgaro, por T. Ivanov e D. Drambozova, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e D. Roussanov, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Stroy trans EOOD (a seguir «Stroy trans») ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite (Diretor da Direção «Impugnação e Gestão das Execuções», da cidade de Varna, da Administração Central da Agência das Receitas Públicas), devido ao facto de o diretor não ter admitido o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), com a alegação de que a existência efetiva das operações a montante não ficou demonstrada.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    O artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112 sujeita a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

    4

    Nos termos do artigo 62.o desta diretiva:

    «Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

    1)

    ‘Facto gerador do imposto’, o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto;

    2)

    ‘Exigibilidade do imposto’, o direito que o fisco pode fazer valer, nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.»

    5

    O artigo 63.o da Diretiva 2006/112 prevê que o facto gerador do IVA ocorre e o imposto se torna exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.

    6

    Nos termos do artigo 167.o da Diretiva 2006/112, «[o] direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível».

    7

    O artigo 168.o, alínea a), desta diretiva dispõe:

    «Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

    a)

    O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.»

    8

    O artigo 178.o da mesma diretiva dispõe:

    «Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

    a)

    Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.o, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida em conformidade com os artigos 220.° a 236.°, 238.°, 239.° e 240.°;

    [...]»

    9

    O artigo 203.o da Diretiva 2006/112, incluído no título XI, com a epígrafe «Obrigações dos sujeitos passivos e de determinadas pessoas que não sejam sujeitos passivos», capítulo 1, com a epígrafe «Obrigação de pagamento», secção 1, com a epígrafe «Devedores do imposto ao fisco», dispõe:

    «O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.»

    Direito búlgaro

    10

    Nos termos do artigo 70.o, n.o 5, da Lei do imposto sobre o valor acrescentado (Zakon za danak varhu dobavenata stoynost, DV n.o 63, de 4 de agosto de 2006), na versão aplicável ao processo principal (a seguir «ZDDS»), «[n]ão se pode exercer o direito a dedução de IVA pago a montante, se o mesmo tiver sido indevidamente faturado».

    11

    O artigo 82.o, n.o 1, da ZDDS dispõe que «o imposto é devido pelo sujeito passivo registado na aceção da presente lei, o qual é o fornecedor ou o adquirente da entrega ou da prestação tributável [...]».

    12

    Nos termos do artigo 85.o da ZDDS, o IVA é devido por qualquer pessoa que indique o imposto numa fatura.

    13

    Os n.os 1 e 2 do artigo 113.o da ZDDS dispõem:

    «(1)   Todos os sujeitos passivos que realizam operações tributáveis devem emitir uma fatura pelo fornecimento do bem ou pela prestação do serviço por eles realizados ou, caso obtenham um pagamento antecipado, antes da realização dos mesmos [...]

    (2)   A fatura deve ser emitida em, pelo menos, dois exemplares, um para o fornecedor ou prestador de serviços e outro para o adquirente ou destinatário.»

    14

    Segundo o artigo 115.o, n.o 1, da ZDDS, em caso de alteração do valor tributável ou de anulação de uma operação para a qual foi emitida uma fatura, o fornecedor ou prestador de serviços deve emitir uma nota de crédito ou de débito relativa à fatura.

    15

    O artigo 116.o da ZDDS prevê:

    «(1)   Não se admitem retificações e aditamentos às faturas e às notas de débito ou de crédito relativas às faturas. Os documentos que contenham erros ou correções devem ser anulados e devem ser emitidos novos documentos.

    […]

    (3)   Também se entende por documentos erradamente emitidos as faturas emitidas e as notas às mesmas nas quais tenha sido mencionado imposto, apesar de não haver imposto a mencionar.

    (4)   Quando os documentos que contenham erros ou correções são reproduzidos nos livros do fornecedor ou prestador de serviços ou do adquirente ou destinatário, deve, com a anulação dos mesmos, ser elaborada uma ata para cada uma das partes, contendo as seguintes informações:

    1.

    o motivo da anulação;

    2.

    o número e a data do documento que é anulado;

    3.

    o número e a data do novo documento emitido;

    4.

    as assinaturas das pessoas que elaboraram a ata para cada uma das partes.

    [...]»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    16

    A Stroy trans estava registada nos termos da ZDDS e tinha como atividade principal o transporte rodoviário de mercadorias bem como a prestação de serviços mecanizados com equipamentos especializados. No decurso do ano de 2009, esta sociedade deduziu o IVA pago a montante, resultante de várias faturas relativas ao fornecimento de combustível diesel, emitidas, respetivamente, por Hadzhi 98 EOOD e por Dieseltrans-73 EOOD (a seguir «Dieseltrans-73»).

    17

    A Administração Fiscal efetuou controlos junto destas duas sociedades e também junto dos seus fornecedores a montante. Nesses controlos, foram exigidos e apresentados vários documentos.

    18

    Na sequência desses controlos, a Administração Fiscal considerou que os documentos apresentados não permitiam seguir o percurso do combustível e que não tinha existido efetiva entrega de bens no caso das faturas em causa, pelo que não estavam reunidas as condições necessárias para a constituição do direito a dedução do IVA a montante. A Administração Fiscal dirigiu, portanto, à Stroy trans um aviso retificativo de tributação, no qual negou a dedução do IVA relativo a um montante de 42759,22 BGN e liquidou juros de mora (a seguir «aviso retificativo litigioso»).

    19

    Após confirmação do aviso retificativo ligitioso pelo Direktor na Direktsia «Obzhalvane i upravlenie na izpalnenieto» — Varna pri Tsentralno upravlenie na Natsionalnata agentsia za prihodite, por decisão de 28 de fevereiro de 2011, a Stroy trans interpôs recurso para o Administrativen sad Varna, alegando que as faturas em causa correspondiam a entregas efetivas de bens, pelo que a recusa do direito a dedução não tinha fundamento.

    20

    No decurso do processo principal, foram admitidas as conclusões de uma perícia contabilística, nos termos das quais, perante a contabilidade da Dieseltrans-73, as quantidades de combustível vendidas existiam no momento em que foi realizada cada venda.

    21

    Além disso, a Stroy trans apresentou uma ata de fiscalização tributária do seu fornecedor Dieseltrans-73 e um aviso retificativo de tributação a este dirigido, anteriores ao aviso retificativo litigioso. Segundo os documentos apresentados, o direito de deduzir o IVA pago a montante com base na aquisição de combustível pela Dieseltrans-73 foi-lhe recusado, em parte, com a alegação de que os respetivos fornecedores não tinham apresentado provas, havendo assim que concluir que não existira fornecimento à Dieseltrans-73, e, em parte, porque as faturas originais das compras não foram apresentadas. Em contrapartida, no que se refere ao IVA a montante, declarado pela Dieseltrans-73, relativo à venda de combustível, foi considerado que, «no âmbito do controlo fiscal, não foi encontrada nenhuma razão para se proceder à correção da matéria coletável relativa às entregas efetuadas e do IVA faturado».

    22

    A Stroy trans sustenta que a existência efetiva dos fornecimentos invocados para basear o seu direito a dedução está demonstrada pelo aviso retificativo de tributação dirigido ao seu fornecedor Dieseltrans-73, uma vez que a Administração Fiscal não retificou, nesse aviso, o IVA a montante declarado por esse fornecedor.

    23

    Segundo o tribunal de reenvio, é heterogénea a jurisprudência do Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) sobre a prova da realização efetiva de uma entrega resultante de um aviso retificativo de tributação dirigido ao fornecedor do sujeito passivo que pretende exercer o direito a dedução. Uma parte das secções daquele supremo tribunal consideram que o aviso retificativo é apenas uma prova entre outras, não podendo, de per se, provar a existência de uma entrega de bens efetiva. Segundo outras secções, o facto de o aviso não fazer qualquer retificação do IVA faturado pelo fornecedor significa que os serviços da Administração Fiscal emitiram um documento oficial que atesta que a operação foi efetivamente realizada e que o IVA correspondente foi corretamente faturado.

    24

    O tribunal de reenvio salienta que interpreta o artigo 85.o da ZDDS, que transpõe o artigo 203.o da Diretiva 2006/112, no sentido de que este artigo impõe especialmente a exigibilidade do IVA mencionado na fatura, quer a fatura e a menção do IVA nela aposta sejam justificadas ou não. Além disso, considera que, prevendo as disposições nacionais que as correções e as anulações de faturas sejam realizadas pelo emitente, sem preverem que a Administração Fiscal as possa corrigir, o IVA mencionado numa fatura é devido por si mesmo, sem que o organismo de fiscalização o possa corrigir.

    25

    Nestas condições, o Administrativen sad Varna decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 203.o da Diretiva [2006/112] deve ser interpretado no sentido de que o IVA mencionado por uma pessoa numa fatura é devido, independentemente de os motivos para a referida menção existirem (falta de um fornecimento ou serviço ou de um pagamento), e ainda no sentido de que os serviços que fiscalizam a aplicação da [ZDDS], tendo em conta uma disposição nacional segundo a qual uma fatura só pode ser retificada por quem a emite, não têm competência para proceder a retificações ao [IVA] mencionado pela referida pessoa?

    2)

    Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da tutela da confiança são violados por uma prática da Administração e dos órgãos jurisdicionais segundo a qual, através de uma liquidação adicional do imposto, se recusa a uma das partes (ao adquirente ou destinatário referido na fatura) o direito à dedução do [IVA] pago a montante, ao mesmo tempo que, em relação à outra parte (o emitente da fatura) — também através de uma liquidação adicional do imposto —, não se procede a nenhuma retificação do IVA mencionado, mais concretamente nos seguintes casos:

    o emitente da fatura não apresentou nenhuns documentos no âmbito da inspeção fiscal que lhe foi realizada;

    o emitente da fatura apresentou documentos no âmbito da inspeção fiscal, mas os seus fornecedores não apresentaram nenhuns elementos de prova ou as provas apresentadas não permitem concluir que foram efetivamente fornecidos bens ou prestados serviços;

    a cadeia dos fornecimentos controvertidos não foi fiscalizada no âmbito da inspeção fiscal do emitente das faturas?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    26

    Com a primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 203.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que o IVA mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido independentemente da existência efetiva de uma operação tributável e se do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido, num aviso retificativo dirigido ao emitente da fatura, o IVA por ele declarado se pode deduzir que a Administração Fiscal reconheceu que essa fatura correspondia a uma operação tributável efetiva.

    27

    Em primeiro lugar, há que salientar que, embora visando a existência de uma dívida fiscal do emitente da fatura, a referida questão foi colocada no quadro de um litígio entre a Administração Fiscal e o destinatário das faturas litigiosas. Esse litígio diz respeito ao direito de este destinatário deduzir o IVA mencionado nas faturas apresentadas, recusado com a alegação de que tais faturas não correspondiam a entregas tributáveis efetivas, o que o sujeito passivo contesta.

    28

    No quadro do referido litígio, em que o emitente das faturas litigiosas não é parte, as obrigações do emitente para com a Administração Fiscal só têm importância indiretamente, na medida em que um aviso retificativo que lhe foi dirigido foi apresentado como meio de prova da existência efetiva das operações tributáveis.

    29

    A respeito da disposição que precedeu o artigo 203.o da Diretiva 2006/112, ou seja, o artigo 21.o, n.o 1, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de dezembro de 1991 (JO L 376, p. 1), o Tribunal de Justiça declarou que, segundo esta disposição, qualquer pessoa que mencione o IVA numa fatura ou documento equivalente fica devedor desse imposto. Em particular, essas pessoas são devedoras do IVA mencionado numa fatura, independentemente da obrigação de a pagarem em virtude de uma operação sujeita a IVA (v. acórdão de 18 de junho de 2009, Stadeco, C-566/07, Colet., p. I-5295, n.o 26 e jurisprudência referida).

    30

    É verdade que, em conformidade com os artigos 167.° e 63.° da Diretiva 2006/112, o direito de deduzir o IVA faturado, regra geral, está ligado à realização efetiva de uma operação tributável (v. acórdão de 26 de maio de 2005, António Jorge, C-536/03, Colet., p. I-4463, n.os 24 e 25) e o exercício desse direito não se aplica ao IVA que é devido, nos termos do artigo 203.o desta diretiva, apenas por estar mencionado na fatura (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.os 13 e 19, e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken, C-35/05, Colet., p. I-2425, n.o 23).

    31

    Contudo, o risco de perda de receitas fiscais não fica, em princípio, completamente eliminado, enquanto o destinatário de uma fatura na qual o IVA foi indevidamente mencionado a puder utilizar para esse exercício, em conformidade com o artigo 178.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 (v., neste sentido, acórdão Stadeco, já referido, n.o 29).

    32

    Nestas circunstâncias, a obrigação consagrada no artigo 203.o desta diretiva visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode resultar do direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da mesma diretiva (v. acórdão Stadeco, já referido, n.o 28).

    33

    Tendo em conta este objetivo, a referida obrigação é limitada pela possibilidade, que os Estados-Membros podem consagrar nas suas ordens jurídicas, de se corrigir o imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre estar de boa-fé ou quando, em tempo útil, tiver eliminado completamente o risco de perda de receitas fiscais (v., neste sentido, acórdão Genius, já referido, n.o 18; e acórdãos de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.os 56 a 61 e 63, e de 6 de novembro de 2003, Karageorgou e o., C-78/02 a C-80/02, Colet., p. I-13295, n.o 50).

    34

    Tendo em conta, por um lado, a referida possibilidade de correção e, por outro, o risco de a fatura que menciona indevidamente o IVA ser utilizada para efeitos do exercício do direito a dedução, a obrigação prevista no artigo 203.o da Diretiva 2006/112 não pode ser entendida como conferindo caráter de sanção à obrigação de pagamento.

    35

    Além disso, resulta do que precede que, se o emitente de uma fatura não invocar uma das situações que permitem a correção do IVA indevidamente faturado, indicadas no n.o 33 do presente acórdão, a Administração Fiscal não está obrigada, no quadro de uma inspeção fiscal realizada ao emitente, a verificar se o IVA faturado e declarado corresponde a operações tributáveis efetivamente realizadas por esse emitente.

    36

    Ora, não existindo essa obrigação de verificação, não se poderia inferir do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido o IVA declarado pelo emitente da fatura que a mesma Administração reconheceu que as faturas por ele emitidas correspondiam a operações tributáveis efetivas.

    37

    Contudo, o direito da União não exclui que a Administração competente proceda ao controlo da existência das operações faturadas por um sujeito passivo, regularizando, se for caso disso, a dívida fiscal resultante das declarações efetuadas pelo sujeito passivo. O resultado desse controlo constitui, como a declaração e o pagamento do IVA faturado pelo emitente da fatura, um elemento a ter em conta, pelo juiz nacional, ao apreciar a existência de uma operação tributável que confere o direito a dedução pelo destinatário de uma fatura, num caso concreto.

    38

    Face às considerações que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 203.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que:

    o IVA mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável;

    do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido, num aviso retificativo de tributação dirigido ao emitente da fatura, o IVA por ele declarado não se pode inferir que a Administração Fiscal reconheceu que a referida fatura correspondia a uma operação tributável efetiva.

    Quanto à segunda questão

    39

    Com a segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legítima devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que ao destinatário de uma fatura seja negado o direito de deduzir o IVA pago a montante, quando, no aviso retificativo de tributação dirigido ao emitente dessa fatura, o IVA declarado pelo emitente não foi corrigido.

    40

    É assim colocada a questão de saber se o direito da União exige que a existência efetiva de uma entrega de um bem ou de uma prestação de serviços seja apreciada da mesma maneira, quando se trata do emitente da fatura e quando se trata do destinatário dessa mesma fatura.

    41

    No que se refere ao tratamento do IVA indevidamente faturado por não existir uma operação tributável, decorre da Diretiva 2006/112 que os dois operadores envolvidos não são necessariamente tratados da mesma maneira, se o emitente da fatura não tiver corrigido a fatura, como resulta dos n.os 29 a 33 do presente acórdão.

    42

    Com efeito, por um lado, o emitente da fatura é devedor do IVA nela mencionado, ainda que não exista operação tributável, em conformidade com a regra do artigo 203.o da Diretiva 2006/112. Por outro lado, o exercício do direito a dedução pelo destinatário de uma fatura está limitado ao imposto que corresponde a operações sujeitas a IVA, em conformidade com os artigos 63.° e 167.° da mesma diretiva.

    43

    Nesta situação, a observância do princípio da neutralidade fiscal é assegurada pela faculdade conferida aos Estados-Membros, já recordada no n.o 33 do presente acórdão, de se corrigir o imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstre estar de boa-fé ou quando, em tempo útil, tiver eliminado completamente o risco de perda de receitas fiscais.

    44

    Daqui resulta que o princípio da neutralidade fiscal não se opõe à recusa de dedução, pelo destinatário da fatura, do IVA pago a montante, por não ter existido uma operação tributável, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o IVA declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido.

    45

    Ora, tal como resulta da decisão de reenvio, no processo principal, a Administração Fiscal inferiu a inexistência de uma entrega tributável do facto de o fornecedor ou os seus fornecedores não terem apresentado todos os documentos exigidos numa inspeção fiscal. Esta conclusão foi contestada pela recorrente, pelo que cabe ao tribunal nacional verificá-la, fazendo, em conformidade com as regras de prova do direito nacional, uma apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal (v., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, n.o 53, e de 6 de dezembro de 2012, Bonik, C-285/11, n.o 32).

    46

    A este respeito, importa recordar que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112, e os sujeitos passivos não podem, fraudulenta ou abusivamente, aproveitar-se das normas do direito da União (v., nomeadamente, acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, Colet., p. I-1609, n.os 68 e 71, e de 21 de junho de 2012, Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11, n.o 41; e acórdão Bonik, já referido, n.os 35 e 36).

    47

    Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução se se demonstrar, face a elementos objetivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p. I-6161, n.o 55; e acórdãos, já referidos, Mahagében e Dávid, n.o 42, e Bonik, n.o 37).

    48

    Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução previsto pela Diretiva 2006/112 sancionar com a recusa desse direito um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.os 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.os 45, 46 e 60, Mahagében e Dávid, n.o 47, e Bonik, n.o 41).

    49

    Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 61 a 65 do acórdão Mahagében e Dávid, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.

    50

    Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, não existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por que a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.o 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em princípio, não lhe incumbem.

    51

    Quando, numa situação como a que está em causa no processo principal, a recusa do direito a dedução resulte da aplicação da Diretiva 2006/112 em condições que respeitam as exigências resultantes dos n.os 47 a 50 do presente acórdão, não existe um indício que permita presumir que os princípios da proporcionalidade e da confiança legítima obstam a essa recusa.

    52

    Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legítima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o direito a dedução do IVA pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o IVA declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que não lhe incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha a obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao IVA, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

    Quanto às despesas

    53

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 203.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que:

    o imposto sobre o valor acrescentado mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável;

    do simples facto de a Administração Fiscal não ter corrigido, num aviso retificativo de tributação dirigido ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado por ele declarado não se pode inferir que a Administração Fiscal reconheceu que a referida fatura correspondia a uma operação tributável efetiva.

     

    2)

    Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legítima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo mesmo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que não lhe incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha a obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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