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Document 62011CJ0553

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 25 de outubro de 2012.
    Bernhard Rintisch contra Klaus Eder.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof.
    Marcas ― Diretiva 89/104/CEE ― Artigo 10.°, n.os 1 e 2, alínea a) ― Uso sério ― Uso sob uma forma também registada como marca, que difere em elementos que não alteram o caráter distintivo da marca ― Efeitos de um acórdão no tempo.
    Processo C‑553/11.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:671

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    25 de outubro de 2012 ( *1 )

    «Marcas — Diretiva 89/104/CEE — Artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a) — Uso sério — Uso sob uma forma também registada como marca, que difere em elementos que não alteram o caráter distintivo da marca — Efeitos de um acórdão no tempo»

    No processo C-553/11,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 17 de agosto de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de novembro de 2011, no processo

    Bernhard Rintisch

    contra

    Klaus Eder,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts (relator), E. Juhász, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,

    advogado-geral: V. Trstenjak,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de K. Eder, por M. Douglas, Rechtsanwalt,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por F. Bulst, na qualidade de agente,

    vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe B. Rintisch a K. Eder, a propósito do uso sério de uma marca utilizada sob uma forma que difere, em elementos que não alteram o seu caráter distintivo, da forma sob a qual foi registada, quando a forma utilizada também foi registada como marca.

    Quadro jurídico

    O direito internacional

    3

    O artigo 5.o, C, n.o 2, da Convenção para a Proteção da Propriedade Industrial, assinada em Paris, em 20 de março de 1883, revista, em último lugar, em Estocolmo, em 14 de julho de 1967, e alterada em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 11851, p. 305, a seguir «Convenção de Paris»), dispõe:

    «O uso, pelo proprietário, de uma marca de fábrica ou de comércio, por forma que difere, quanto a elementos que não alteram o caráter distintivo da marca, da forma por que esta foi registada num dos países da União [constituída pelos Estados aos quais se aplica a Convenção de Paris] não implicará a anulação do registo nem diminuirá a proteção que lhe foi concedida.»

    O direito da União

    4

    O décimo segundo considerando da Diretiva 89/104 tem a seguinte redação:

    «Considerando que todos os Estados-Membros da Comunidade estão vinculados pela Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial; que é necessário que as disposições da presente diretiva estejam em harmonia completa com as da Convenção de Paris; que as obrigações dos Estados-Membros decorrentes desta Convenção não são afetadas pela presente diretiva; que, se necessário, é aplicável o segundo parágrafo do artigo [267.° TFUE].»

    5

    O artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva 89/104 manteve a redação no artigo 10.o da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25), em que apenas foi alterada a numeração, dispõe, sob a epígrafe «Uso da marca»:

    «1.   Se, num prazo de cinco anos a contar da data do encerramento do processo de registo, a marca não tiver sido objeto de uso sério pelo seu titular, no Estado-Membro em questão, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se tal uso tiver sido suspenso durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca fica sujeita às sanções previstas na presente diretiva, salvo justo motivo para a falta de uso.

    2.   São igualmente considerados como uso para efeitos do n.o 1:

    a)

    O uso da marca por modo que difira em elementos que não alterem o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada.»

    Direito alemão

    6

    O § 26, n.o 3, da Lei sobre a proteção das marcas e outros sinais distintivos (Gesetz über den Schutz von Marken und sonstigen Kennzeichen), de 25 de outubro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 3082, a seguir «MarkenG»), dispõe:

    «Também é considerado uso de uma marca registada o uso da mesma de um modo que, diferindo da forma sob a qual foi registada, não altere o seu caráter distintivo. O primeiro período também é aplicável ainda que a marca se encontre igualmente registada na forma em que foi usada.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    7

    B. Rintisch, demandante no processo principal, é titular das marcas nominativas PROTIPLUS, registada em 20 de maio de 1996, sob o número 395 49 559.8, e PROTI, registada em 3 de março de 1997, sob o número 397 02 429, e da marca nominativa e figurativa Proti Power, registada em 5 de março de 1997, sob o número 396 08 644.6. Estas marcas nacionais estão registadas para produtos à base de proteínas.

    8

    K. Eder, demandado no litígio no processo principal, é titular da marca nominativa posterior Protifit, registada em 11 de fevereiro de 2003, sob o número 302 47 818, para suplementos alimentares, preparados vitamínicos e alimentos dietéticos.

    9

    B. Rintisch intentou uma ação com o objetivo, em primeiro lugar, de obter que K. Eder consentisse no cancelamento da marca Protifit e, em segundo lugar, de que fosse proibida a utilização dessa marca, invocando direitos decorrentes das suas marcas anteriores. Para tanto, baseou os seus pedidos principalmente na marca PROTI e, a título subsidiário, nas marcas PROTIPLUS e Proti Power. O demandante pediu também que o demandado fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que alega ter sofrido.

    10

    K. Eder deduziu a exceção da falta de uso da marca PROTI por B. Rintisch. Este defendeu-se dizendo que tinha feito uso desta marca através da utilização das denominações «PROTIPLUS» e «Proti Power». O órgão jurisdicional de primeira instância julgou improcedentes os pedidos de B. Rintisch, uma vez que os direitos baseados na marca PROTI não podiam ser invocados contra a marca Protifit. No recurso para o Oberlandesgericht Köln, este confirmou a improcedência do pedido de B. Rintisch.

    11

    No recurso de «Revision» interposto por B. Rintisch para o Bundesgerichtshof, este salientou, antes de mais, que, de acordo com as regras do direito processual alemão, na fase atual do processo, é admitido o facto de que, apesar das alterações que apresentam relativamente à marca PROTI, as denominações «PROTIPLUS» e «Proti Power» não alteram o caráter distintivo daquela marca e que o demandante fez um uso sério das marcas PROTIPLUS e Proti Power, antes da publicação do registo da marca Protifit. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio baseia-se na premissa de acordo com a qual se deve considerar que a marca PROTI foi objeto de uso sério no sentido do § 26, n.o 3, da MarkenG.

    12

    Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a saber se, e eventualmente em que circunstâncias, o § 26, n.o 3, segundo período, da MarkenG está em conformidade com o artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva 89/104.

    13

    Foi nestas circunstâncias que o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva [89/104/] ser interpretado no sentido de esta disposição obstar, em termos gerais, a um regime jurídico nacional nos termos do qual também se deve considerar que existe uso de uma marca (marca 1), quando o uso da marca (marca 1) se realiza numa forma que difere da que foi registada, sem que as divergências alterem o caráter distintivo da marca (marca 1), e quando a marca também se encontra registada na forma em que é usada (marca 2)?

    2)

    Em caso de resposta negativa à primeira questão:

    A disposição de direito nacional designada no n.o 1 é compatível com a Diretiva [89/104/] se essa disposição de direito nacional for interpretada restritivamente no sentido de não se aplicar a uma marca (marca 1) que apenas foi objeto de registo a fim de assegurar ou ampliar o âmbito de proteção de que beneficia uma outra marca registada (marca 2), que se encontra registada na forma em que é usada?

    3)

    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão ou de resposta negativa à segunda questão:

    a)

    Não existe uso de uma marca registada (marca 1), na aceção do artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva [89/14/],

    quando o titular das marcas usa uma forma de sinal que só difere da marca, na forma sob a qual foi registada (marca 1), e de uma outra sua marca (marca 2), em elementos que não alteram o caráter distintivo das marcas (marca 1 e marca 2);

    quando o titular das marcas usa duas formas de sinais que não correspondem à marca registada (marca 1), coincidindo, contudo, uma forma do sinal (forma 1) usado com uma outra marca registada (marca 2) do titular e a segunda forma de sinal (forma 2) utilizada por este difere em elementos que não alteram o caráter distintivo das marcas (marca 1 e marca 2), e quando esta forma do sinal (forma 2) revela a maior semelhança com a outra marca (marca 2) do titular das marcas?

    b)

    Pode um órgão jurisdicional de um Estado-Membro aplicar uma disposição de direito nacional (in casu, o § 26, n.o 3, segundo período, da MarkenG) que é incompatível com uma disposição contida numa diretiva (in casu, o artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva [89/104/]) a casos cujos factos ocorreram em momento anterior ao da prolação de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia da qual resultaram pela primeira vez indícios da incompatibilidade da disposição do Estado-Membro com a disposição da diretiva [está em causa, mais concretamente, o acórdão de 13 de setembro de 2007, Il Ponte Finanziaria/IHMI […] C-234/06 P, Colet., p. I-7333), que tem por objeto a marca, se o mencionado órgão jurisdicional nacional valora a confiança depositada por um dos intervenientes processuais na validade jurídica da sua posição garantida constitucionalmente acima do interesse na transposição de uma disposição da diretiva?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    14

    K. Eder sustenta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível, uma vez que é irrelevante para a decisão do litígio no processo principal porque o Oberlandesgericht Köln já se pronunciou sobre as questões de facto e de direito no decurso da instância nesse órgão jurisdicional.

    15

    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um processo nos termos do artigo 267.o TFUE, baseado numa nítida separação de funções entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional é o único competente para verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal assim como para interpretar e aplicar o direito nacional. De igual modo, compete exclusivamente ao tribunal nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar-se (acórdãos de 12 de abril de 2005, Keller, C-145/03, Colet., p. I-2529, n.o 33; de 18 de julho de 2007, Lucchini, C-119/05, Colet., p. I-6199, n.o 43; e de 11 de setembro de 2008, Eckelkamp e o., C-11/07, Colet., p. I-6845, n.os 27 e 32).

    16

    Assim, o Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão prejudicial submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C-618/10, n.o 77 e jurisprudência referida).

    17

    Ora, importa concluir que não é essa a situação no presente caso. Com efeito, a interpretação pedida do artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva 89/104 é suscetível de ter incidência no quadro jurídico aplicável ao litígio no processo principal e, portanto, na solução que lhe deve ser dada. Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

    Quanto à primeira questão e à terceira questão, alínea a)

    18

    Com a primeira questão e a terceira questão, alínea a), que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o titular de uma marca registada possa, para provar o seu uso no sentido da referida disposição, invocar esse uso sob uma forma que difere daquela sob a qual essa marca foi registada, sem que as diferenças entre essas duas formas alterem o caráter distintivo dessa marca e não obstante o facto de essa forma diferente estar ela própria registada como marca.

    19

    Antes de mais, há que observar que o caráter distintivo de uma marca, na aceção das disposições da Diretiva 89/104, significa que essa marca permite identificar o produto para o qual é pedido o registo como proveniente de uma empresa determinada e, portanto, distinguir esse produto dos de outras empresas (v., por analogia, acórdãos de 29 de abril de 2004, Procter & Gamble/IHMI, C-468/01 P a C-472/01 P, Colet., p. I-5141, n.o 32; de 21 de outubro de 2004, IHMI/Erpo Möbelwerk, C-64/02 P, Colet., p. I-10031, n.o 42; de 8 de maio de 2008, Eurohypo/IHMI, C-304/06 P, Colet., p. I-3297, n.o 66; e de 12 de julho de 2012, Smart Technologies/IHMI, C-311/11 P, n.o 23).

    20

    Importa observar seguidamente que não decorre de modo algum do teor do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 que a forma diferente sob a qual a marca é usada não pode ser também registada como marca. Com efeito, o único requisito enunciado nesta disposição é o de que a forma utilizada só pode diferir da forma sob a qual a marca foi registada em elementos que não alterem o caráter distintivo desta última.

    21

    Quanto à finalidade do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104, há que assinalar que esta disposição, ao evitar a exigência de uma conformidade estrita entre a forma usada no comércio e aquela sob a qual a marca foi registada, tem por objetivo permitir ao seu titular acrescentar ao sinal, quando da sua exploração comercial, variações que, sem alterarem o caráter distintivo, permitem uma melhor adaptação às exigências da comercialização e da promoção dos produtos ou dos serviços em causa.

    22

    Ora, esta finalidade ficaria comprometida se, para provar o uso de uma marca registada, se exigisse um requisito suplementar de acordo com o qual a forma diferente sob a qual esta marca é usada não deveria também ter sido objeto de um registo como marca. Com efeito, o registo de novas formas de uma marca permite, eventualmente, antecipar as alterações que podem ocorrer na imagem da marca e, assim, adaptá-las às realidades de um mercado em evolução.

    23

    Além disso, decorre do décimo segundo considerando da Diretiva 89/104 que as suas disposições devem estar «em harmonia completa com as da Convenção de Paris». Por conseguinte, deve interpretar-se o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva em conformidade com o artigo 5.o, C, n.o 2, dessa Convenção. Ora, nesta última disposição, nada deixa entender que o registo de um sinal enquanto marca tem como consequência que o uso deste já não pode ser invocado para demonstrar o uso de outra marca registada da qual difere unicamente de uma forma que não altera o seu caráter distintivo.

    24

    Consequentemente, o registo como marca da forma sob a qual outra marca registada é usada, forma essa que difere daquela sob a qual esta última marca está registada, embora não alterando o caráter distintivo desta, não obsta à aplicação do artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104.

    25

    Esta interpretação não está em contradição com a que resulta do acórdão Il Ponte Finanziaria/IHMI, já referido, designadamente com o seu n.o 86, mencionado na decisão de reenvio.

    26

    No processo que deu origem ao referido acórdão, foi submetido ao Tribunal de Justiça um litígio no quadro do qual uma parte invocava a proteção de uma «família» ou de uma «série» de marcas semelhantes, para efeitos da apreciação do risco de confusão com a marca cujo registo era requerido. Esse litígio era abrangido pelo artigo 15.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), disposição que correspondia, à data dos factos do referido litígio, ao artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104, sendo o teor destas disposições substancialmente idêntico.

    27

    Ao ter decidido, no n.o 63 do acórdão Il Ponte Finanziaria/IHMI, já referido, que, em presença de uma «família» ou de uma «série» de marcas, o risco de confusão resulta mais precisamente do facto de o consumidor se poder enganar sobre a proveniência ou a origem dos produtos ou dos serviços abrangidos pela marca cujo registo é pedido, entendendo, erradamente, que a marca faz parte dessa família ou dessa série de marcas, o Tribunal de Justiça considerou que, a fim de provar a existência de uma «família» ou de uma «série» de marcas, deve ser demonstrado o uso de um número suficiente de marcas suscetível de constituir essa «família» ou essa «série».

    28

    O Tribunal de Justiça declarou a seguir, no n.o 64 do acórdão Il Ponte Finanziaria/IHMI, já referido, que não é de esperar que um consumidor, na falta de utilização de um número de marcas suscetível de constituir uma família ou uma série, detete um elemento comum na referida família ou série de marcas e/ou que associe a essa família ou série outra marca contendo o mesmo elemento comum. Por conseguinte, para que exista risco de o público se enganar sobre a pertença a uma «família» ou a uma «série» da marca cujo registo é pedido, as marcas anteriores que fazem parte dessa «família» ou «série» devem estar presentes no mercado.

    29

    É nesse contexto particular da alegada existência de uma «família» ou de uma «série» de marcas que importa compreender a afirmação do Tribunal de Justiça, no n.o 86 do acórdão Il Ponte Finanziaria/IHMI, já referido, de acordo com a qual o artigo 15.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, e, portanto, o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104, não permite alargar, mediante a prova do seu uso, a proteção de que beneficia uma marca registada a uma outra marca registada, cujo uso não foi provado, pelo facto de esta última não ser mais do que uma ligeira variante da primeira. Com efeito, o uso de uma marca não pode ser invocado para justificar o uso de outra marca, quando o objetivo é demonstrar o uso de um número suficiente de marcas de uma mesma «família».

    30

    Tendo em conta o exposto, deve responder-se à primeira questão e à terceira questão, alínea a), que o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o titular de uma marca registada possa, para provar o uso desta na aceção da referida disposição, invocar o seu uso sob uma forma que difere daquela sob a qual essa marca foi registada, sem que as diferenças entre essas duas formas alterem o caráter distintivo dessa marca e não obstante o facto de essa forma diferente estar ela própria registada como marca.

    Quanto à segunda questão

    31

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação da legislação nacional que pretende transpor o referido artigo 10.o, n.o 2, alínea a), para o direito interno no sentido de que esta última disposição não se aplica a uma marca «defensiva» cujo registo não tem outro objetivo senão garantir ou alargar o âmbito de proteção de outra marca registada, na forma sob a qual é usada.

    32

    A este respeito, importa observar que nada permite interpretar o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 no sentido de que afasta a aplicação desta disposição a uma situação como a prevista no número anterior. Com efeito, a intenção subjetiva que preside ao registo de uma marca é irrelevante para efeitos da aplicação da referida disposição e, nessa medida, tal conceito de marcas «defensivas», às quais esta não se aplica, não tem fundamento algum na Diretiva 89/104 nem noutras disposições do direito da União.

    33

    Decorre do exposto que se deve responder à segunda questão que o artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação da disposição nacional que visa transpor o referido artigo 10.o, n.o 2, alínea a), para o direito interno no sentido de que esta última disposição não se aplica a uma marca «defensiva» cujo registo não teve outro objetivo senão garantir ou alargar o âmbito de proteção de outra marca registada, na forma sob a qual é usada.

    Quanto à terceira questão, alínea b)

    34

    Com a sua terceira questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, no essencial, sobre a questão de saber em que circunstâncias um acórdão do Tribunal de Justiça, como o acórdão Il Ponte Finanziaria/IHMI, já referido, só pode produzir efeitos, ou alguns destes, no período posterior à data da sua prolação.

    35

    O órgão jurisdicional de reenvio coloca a terceira questão globalmente, «[e]m caso de resposta afirmativa à primeira questão ou de resposta negativa à segunda questão». No presente caso, a resposta à segunda questão integra esta segunda hipótese.

    36

    Todavia, a terceira questão, alínea b), assenta na premissa de acordo com a qual existe uma incompatibilidade entre uma disposição nacional, concretamente, o § 26, n.o 3, segundo período, da MarkenG, e uma disposição de uma diretiva, no vertente caso, o artigo 10.o, n.os 1 e 2, alínea a), da Diretiva 89/104. Ora, nem a resposta à primeira questão e à terceira questão, alínea a), nem a resposta dada à segunda questão correspondem a essa premissa.

    37

    Decorre do que antecede que não há que responder à terceira questão, alínea b).

    Quanto às despesas

    38

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o titular de uma marca registada possa, para provar o uso desta na aceção da referida disposição, invocar o seu uso sob uma forma que difere daquela sob a qual essa marca foi registada, sem que as diferenças entre essas duas formas alterem o caráter distintivo dessa marca e não obstante o facto de essa forma diferente estar ela própria registada como marca.

     

    2)

    O artigo 10.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação da disposição nacional que visa transpor o referido artigo 10.o, n.o 2, alínea a), para o direito interno no sentido de que esta última disposição não se aplica a uma marca «defensiva» cujo registo não tem outro objetivo senão garantir ou alargar o âmbito de proteção de outra marca registada, na forma sob a qual é usada.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: alemão.

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