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Document 62011CJ0425

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de fevereiro de 2013.
Katja Ettwein contra Finanzamt Konstanz.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Baden‑Württemberg.
Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas — Igualdade de tratamento — Trabalhadores fronteiriços independentes — Cidadãos de um Estado‑Membro da União — Rendimentos profissionais auferidos nesse Estado‑Membro — Mudança da residência para a Suíça — Recusa de um benefício fiscal no referido Estado‑Membro devido à mudança da residência.
Processo C‑425/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:121

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

28 de fevereiro de 2013 ( *1 )

«Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas — Igualdade de tratamento — Trabalhadores fronteiriços independentes — Cidadãos de um Estado-Membro da União — Rendimentos profissionais auferidos nesse Estado-Membro — Mudança da residência para a Suíça — Recusa de um benefício fiscal no referido Estado-Membro devido à mudança da residência»

No processo C-425/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Finanzgericht Baden-Württemberg (Alemanha), por decisão de 7 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 16 de agosto de 2011, no processo

Katja Ettwein

contra

Finanzamt Konstanz,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász (relator), T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,

advogado-geral: N. Jääskinen,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de julho de 2012,

vistas as observações apresentadas:

em representação de K. Ettwein, por T. Picker, Steuerberater,

em representação do Finanzamt Konstanz, por N. Rogall, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, A. Wiedmann e K. Petersen, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por A. Rubio González, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls e T. Scharf, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 18 de outubro de 2012,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das disposições pertinentes do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo, em 21 de junho de 1999 (JO 2002, L 114, p. 6, a seguir «acordo»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K. Ettwein, cidadã alemã, ao Finanzamt Konstanz, a propósito da recusa deste último de aplicar, a ela e ao seu marido, igualmente de nacionalidade alemã (a seguir «casal Ettwein»), devido à transferência da sua residência para a Suíça, o benefício fiscal previsto na legislação alemã em caso de tributação conjunta do casal.

Quadro jurídico

Acordo

3

Nos termos do segundo período do preâmbulo, as partes contratantes estão «decidid[a]s a realizar entre si a livre circulação de pessoas, com base nas disposições em aplicação na Comunidade Europeia».

4

Segundo o seu artigo 1.o, alíneas a) e d), o objetivo do acordo é, nomeadamente, conceder, a favor dos nacionais dos Estados-Membros da Comunidade Europeia e da Confederação Suíça, um direito de entrada, de residência, de acesso a uma atividade económica assalariada e de estabelecimento enquanto independente, bem como o direito de residir no território das partes contratantes e ainda conceder as mesmas condições de vida, de emprego e de trabalho que as concedidas aos nacionais.

5

O artigo 2.o, intitulado «Não discriminação», dispõe:

«Os nacionais de uma Parte Contratante que permaneçam legalmente no território de uma outra Parte Contratante não serão discriminados devido à sua nacionalidade, em conformidade com a aplicação das disposições dos Anexos I, II e III do presente Acordo.»

6

O artigo 4.o, intitulado «Direito de residência e de acesso a uma atividade económica», tem a seguinte redação:

«O direito de residência e de acesso a uma atividade económica é garantido […] de acordo com as disposições do Anexo I.»

7

O artigo 11.o, intitulado «Recursos», prevê, no seu n.o 1:

«As pessoas abrangidas pelo presente Acordo têm direito de interpor recurso, junto das autoridades competentes, da aplicação das disposições do presente Acordo.»

8

O artigo 16.o, intitulado «Referência ao direito comunitário», tem a seguinte redação:

«1.   Para alcançar os objetivos do presente Acordo, as Partes Contratantes adotarão todas as medidas necessárias para que os direitos e obrigações equivalentes aos contidos nos atos jurídicos da Comunidade Europeia aos quais se faz referência sejam aplicados nas suas relações.

2.   Na medida em que a aplicação do presente Acordo implique conceitos de direito comunitário, ter-se-á em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias anterior à data da sua assinatura. A partir desta data, a Suíça será informada da evolução dessa jurisprudência. Com vista a assegurar o bom funcionamento do Acordo, o Comité Misto determinará, a pedido de uma das Partes Contratantes, as implicações dessa jurisprudência.»

9

O artigo 21.o, intitulado «Relação com os acordos bilaterais em matéria de dupla tributação», dispõe, no seu n.o 2:

«Nenhuma disposição do presente Acordo pode ser interpretada de forma a impedir as Partes Contratantes de estabelecerem uma distinção, na aplicação das disposições pertinentes da sua legislação fiscal, entre contribuintes que não se encontrem em situações comparáveis, em especial no que se refere ao seu local de residência.»

10

O anexo I do acordo é dedicado à livre circulação de pessoas e o capítulo II deste anexo contém as disposições respeitantes aos trabalhadores assalariados. O artigo 9.o deste capítulo, intitulado «Igualdade de tratamento», estabelece:

«1.   Um trabalhador assalariado nacional de uma Parte Contratante não pode, no território da outra Parte Contratante, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais assalariados no que respeita às condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.   O trabalhador assalariado e os seus familiares referidos no artigo 3.o do presente anexo beneficiam das mesmas vantagens fiscais e sociais que os trabalhadores assalariados nacionais e os seus familiares.

[…]»

11

O capítulo III deste anexo I é consagrado aos «[i]ndependentes».

12

O artigo 12.o desse capítulo III, intitulado «Regulamentação da residência», dispõe, no seu n.o 1:

«O nacional de uma Parte Contratante que deseje estabelecer-se no território de uma outra Parte Contratante com vista ao exercício de uma atividade não assalariada (adiante designado ‘independente’) receberá uma autorização de residência com uma duração mínima de cinco anos a contar da sua emissão, desde que prove às autoridades nacionais competentes que está estabelecido ou deseja estabelecer-se para esse fim.»

13

O artigo 13.o do referido capítulo, intitulado «Trabalhadores fronteiriços independentes», dispõe:

1.   O trabalhador fronteiriço independente é um nacional de uma Parte Contratante que tem a sua residência no território de uma Parte Contratante e exerce uma atividade não assalariada no território da outra Parte Contratante, regressando, em princípio, diariamente ao seu domicílio, ou pelo menos uma vez por semana.

2.   Os trabalhadores fronteiriços independentes não necessitam de uma autorização de residência.

[…]»

14

Nos termos do artigo 15.o do mesmo capítulo, intitulado «Igualdade de tratamento»:

«1.   O independente receberá no país de acolhimento, no que se refere ao acesso a uma atividade não assalariada e ao seu exercício, um tratamento não menos favorável do que o concedido aos nacionais desse país.

2.   O disposto no artigo 9.o do presente Anexo é aplicável, mutatis mutandis, aos independentes referidos no presente capítulo.»

15

O capítulo V do referido anexo I é consagrado às «[p]essoas que não exercem uma atividade económica». O artigo 24.o deste capítulo, intitulado «Regulamentação da residência», dispõe, no seu n.o 1:

«Os nacionais de uma Parte Contratante que não exerçam uma atividade económica no Estado de residência e que não beneficiem do direito de residência em virtude de outras disposições do presente Acordo[…] receberão uma autorização de residência com uma duração não inferior a cinco anos, desde que provem às autoridades nacionais competentes que dispõem, para si e para os seus familiares:

a)

Dos recursos financeiros suficientes para não necessitarem de recorrer à assistência social durante a sua residência;

b)

De um seguro de doença que abranja a totalidade dos riscos.

[...]»

Legislação alemã

16

As disposições pertinentes são as da Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (Einkommensteuergesetz, a seguir «EStG»), na sua versão publicada em 19 de outubro de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 4212), conforme alterada em 20 de dezembro de 2007 (BGBl. 2007 I, p. 3150).

17

O § 1 da EStG dispõe:

«1.   As pessoas singulares que tenham o seu domicílio ou residência habitual na Alemanha são consideradas sujeitos passivos cujos rendimentos são tributados na totalidade na Alemanha […]

[…]

3.   Mediante requerimento, as pessoas singulares que não tenham domicílio ou residência habitual na Alemanha podem, de igual modo, ser considerados sujeitos passivos cujos rendimentos são tributados totalmente na Alemanha, na medida em que aufiram rendimentos nacionais na aceção do § 49. Esta opção é unicamente aplicável se os seus rendimentos durante o ano civil estiverem sujeitos, no mínimo em 90%, ao imposto alemão sobre o rendimento das pessoas singulares […]

[…]»

18

O § 1a, n.o 1, da EStG tem a seguinte redação:

«Relativamente aos nacionais de um Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado ao qual se aplica o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [a seguir ‘Acordo EEE’] […] que devem ser tratados como estando integralmente sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares em virtude do n.o 3 do § 1, são aplicáveis as seguintes regras para efeitos […] do § 26, n.o 1, primeiro período:

1.   […] Para tanto, o beneficiário deve ter domicílio ou residência habitual no território de outro Estado-Membro da [União Europeia] ou de um Estado a que seja aplicável o [Acordo EEE].

[…]

2.   Mediante requerimento, o cônjuge não separado que não tem o seu domicílio ou a sua residência habitual no território alemão será tratado como estando integralmente sujeito ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares para efeitos da aplicação do § 26, n.o 1, primeiro período. O segundo período do ponto 1 é aplicável mutatis mutandis. Na aplicação do § 1, n.o 3, segundo período, há que tomar como base o rendimento de ambos os cônjuges e multiplicar por dois a fração do rendimento tributável isenta de imposto […]»

19

O § 26, n.o 1, da EStG confere aos cônjuges não separados, que estejam integralmente sujeitos ao imposto ou que devam ser tratados como tal, um direito de opção entre uma tributação separada, nos termos do § 26a, e uma tributação conjunta, nos termos do § 26b.

20

O § 26b da EStG, intitulado «Tributação conjunta do casal», dispõe:

«Nos termos do regime da tributação conjunta, os rendimentos obtidos pelos cônjuges são adicionados e são-lhes imputados conjuntamente e, salvo disposição em contrário, os cônjuges são então tratados como um único contribuinte.»

21

O § 32a da EStG, intitulado «Taxa de tributação dos rendimentos», prevê no seu n.o 5:

«A taxa do imposto sobre o rendimento do casal tributado conjuntamente ao abrigo dos §§ 26 e 26b corresponde […] ao dobro da taxa de imposto que incidiria sobre metade do seu rendimento tributável comum por força do n.o 1 (método do ‘splitting’).»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

22

Ambos os cônjuges do casal Ettwein exercem uma atividade profissional independente, a recorrente no processo principal enquanto consultora de empresas e o seu marido enquanto artista pintor. Obtêm na Alemanha a totalidade dos seus rendimentos. Em 1 de agosto de 2007, o casal Ettwein, que, até essa data, tinha residência em Lindau (Alemanha), transferiu a sua residência para a Suíça. Continuaram, no entanto, a exercer a sua atividade profissional na Alemanha e a obter a quase totalidade dos seus rendimentos nesse Estado-Membro.

23

Com vista ao cálculo do imposto sobre os seus rendimentos para o exercício fiscal do ano de 2008, o casal Ettwein requereu, como o tinha feito para os exercícios fiscais anteriores, a tributação conjunta, a saber, em aplicação do método dito do «splitting», realçando não terem auferido nenhum rendimento tributável na Suíça.

24

No aviso inicial de liquidação do imposto, o Finanzamt Konstanz deferiu o requerimento do casal. Anulou, porém, este aviso em 1 de dezembro de 2009, alegando que o regime favorável do «splitting», que fora concedido devido à situação pessoal e familiar do casal Ettwein, não lhe devia ser aplicado, pois a sua residência não se situava no território de um dos Estados-Membros da União nem no de um Estado parte no Acordo EEE. Por aviso de liquidação de 22 de março de 2010, o Finanzamt sujeitou, assim, o casal Ettwein ao regime de tributação separada. Como a reclamação administrativa deduzida contra este aviso não foi deferida, a recorrente no processo principal interpôs recurso de anulação para o Finanzgericht Baden-Württemberg.

25

Esse órgão jurisdicional considerou que a recorrente no processo principal e o seu marido são «trabalhadores fronteiriços independentes» na aceção do artigo 13.o, n.o 1, do anexo I do acordo, dado que são cidadãos alemães, domiciliados na Suíça, exercem uma atividade independente no território da República Federal da Alemanha e voltam cada dia do lugar da sua atividade profissional para o da sua residência. Por força das disposições conjugadas dos artigos 9.°, n.o 2, e 15.°, n.o 2, do anexo I do acordo, os trabalhadores fronteiriços independentes gozam, no território do Estado onde exercem a sua atividade profissional, dos mesmos benefícios fiscais e sociais de que gozam os nacionais que exercem uma atividade independente. O órgão jurisdicional de reenvio inclina-se a considerar contrária a essas disposições do acordo a recusa ao casal Ettwein do benefício do método do «splitting» unicamente por a sua residência ser na Suíça.

26

No entender do órgão jurisdicional de reenvio, esta conclusão está conforme com os princípios estabelecidos pela jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça relativa à liberdade de estabelecimento e à livre circulação dos trabalhadores, liberdades também retomadas no acordo. Resulta desta jurisprudência que o princípio da não discriminação, aplicável igualmente em matéria fiscal, proíbe não apenas as discriminações ostensivas baseadas na nacionalidade mas também todas as formas dissimuladas de discriminação.

27

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que incumbe, em princípio, ao Estado de residência tributar o contribuinte de modo global, tendo em conta os elementos inerentes à sua situação pessoal e familiar. Porém, quando a tributação global é efetuada no Estado da fonte dos rendimentos, visto que o interessado obtém os seus rendimentos quase exclusivamente nesse Estado, este último não se pode recusar a ter em conta a situação pessoal e familiar do interessado quando tal não é possível no Estado de residência. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o método do «splitting» faz parte dos elementos da situação pessoal e familiar que devem ser tidos em conta num caso como este (acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colet., p. I-225, e de 27 de junho de 1996, Asscher, C-107/94, Colet., p. I-3089).

28

Por conseguinte, a situação do casal Ettwein, que não pode ser tida em conta no Estado de residência, concretamente, na Suíça, por inexistência de rendimentos, deve ser tida em conta na Alemanha com vista ao cálculo do imposto, de maneira a não introduzir uma discriminação relativamente aos casais que residem na Alemanha, auferem os seus rendimentos nesse Estado-Membro e se encontram na mesma situação pessoal e familiar que o casal Ettwein.

29

Tendo em conta as considerações precedentes, o Finanzgericht Baden-Württemberg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As disposições do acordo […], em particular, os seus artigos 1.°, 2.°, 11.°, 16.° e 21.°, bem como os artigos 9.°[,] 13.° e 15.° do seu anexo I, devem ser interpretadas no sentido de que não permitem que seja recusado aos cônjuges que residem juntos na Suíça e que estão sujeitos a tributação na Alemanha pela totalidade dos seus rendimentos tributáveis o regime da tributação conjunta com aplicação do método [dito do ‘Splitting’]?»

Quanto à questão prejudicial

30

Há que salientar que, como resulta da legislação em causa no processo principal, o regime do «splitting» constitui, para os casais sujeitos a imposto sobre o rendimento na Alemanha, um benefício fiscal quando o rendimento de um dos cônjuges é bastante superior ao do outro. Como o Tribunal de Justiça declarou, este regime foi criado para atenuar a progressividade das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Consiste em adicionar o rendimento global do casal, imputando ficticiamente 50% do montante obtido a cada um dos cônjuges, sendo tributado por este valor. Se o rendimento de um dos cônjuges for elevado e o do outro reduzido, o «splitting» nivela o rendimento coletável e atenua a progressividade do imposto sobre o rendimento (acórdão Schumacker, já referido, n.o 7).

31

No entanto, nos termos dessa legislação, este regime só é aplicável quando o casal tem o seu domicílio ou residência habitual no território alemão ou no de outro Estado-Membro da União ou de um Estado ao qual se aplica o Acordo EEE. Este acordo não é aplicável na Confederação Suíça.

32

Para responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que examinar, em primeiro lugar, se uma situação como a do casal Ettwein está abrangida pelo âmbito de aplicação do acordo.

33

A este respeito, importa afastar desde já o argumento do Governo alemão e da Comissão Europeia segundo o qual o acordo é unicamente aplicável em caso de discriminação com base na nacionalidade, concretamente, quando os nacionais de uma parte contratante são tratados, no território de outra parte contratante, de maneira desigual relativamente aos nacionais. Com efeito, é possível que os nacionais de uma parte contratante possam invocar também no seu próprio país direitos decorrentes do acordo, em determinadas circunstâncias e em função das disposições aplicáveis (v., designadamente, acórdão de 15 de dezembro de 2011, Bergström, C-257/10, Colet., p. I-13227, n.os 27 a 34).

34

No que respeita às circunstâncias do processo principal e às disposições do acordo suscetíveis de aplicação, importa notar que, com base na sua redação, o artigo 13.o, n.o 1, do anexo I do acordo é aplicável à situação do casal Ettwein. Com efeito, ambos os cônjuges são nacionais «de uma parte contratante», concretamente a República Federal da Alemanha, têm a sua residência no território de «uma parte contratante», no presente caso, a Confederação Suíça, e exercem uma atividade não assalariada no território da «outra parte contratante», ou seja, da República Federal da Alemanha.

35

Nesta disposição, é feita distinção entre o lugar de residência, situado no território de uma parte contratante, e o lugar de exercício de uma atividade não assalariada, que se deve situar no território da outra parte contratante, sem ter em conta a nacionalidade dos interessados. Assim, nos termos da referida disposição e para efeitos da aplicação do acordo, ambos os cônjuges do casal Ettwein devem ser qualificados de «trabalhadores fronteiriços independentes», sendo além disso pacífico que voltam cada dia do lugar da sua atividade profissional ao lugar da sua residência.

36

Não pode ser acolhido, a este respeito, o argumento do Governo alemão e da Comissão segundo o qual o conceito de «trabalhador fronteiriço independente» está compreendido no conceito de «independente», resultante do artigo 12.o, n.o 1, do anexo I do acordo. Com efeito, embora o «trabalhador fronteiriço independente» seja também um «independente», na medida em que exerce uma atividade não assalariada, o conceito de «trabalhador fronteiriço independente» é definido por disposições distintas que apresentam diferenças em relação ao conceito de «independente» definido no referido artigo 12.o, n.o 1.

37

Importa salientar, a este respeito, que, como resulta do artigo 13.o, n.o 1, do anexo I do acordo, o «trabalhador fronteiriço independente» não necessita de uma autorização de residência para exercer uma atividade não assalariada, contrariamente ao previsto para o «independente» no artigo 12.o desse anexo. Esta última disposição, como resulta do seu título e de uma leitura de conjunto do seu conteúdo, foi adotada unicamente para a regulamentação da residência.

38

O facto de as partes contratantes terem consagrado uma disposição distinta do acordo aos trabalhadores fronteiriços independentes salienta a situação particular desta categoria de independentes e denota a vontade de facilitar a sua circulação e mobilidade.

39

Esta conclusão é também corroborada pelo artigo 24.o, n.o 1, do anexo I do acordo, que consagra o direito de residência, concretamente, o direito dos nacionais de uma parte contratante de estabelecer a sua residência no território da outra parte contratante independentemente do exercício de uma atividade económica. Ora, nomeadamente os trabalhadores fronteiriços, como o casal Ettwein, devem poder usufruir plenamente desse direito, embora mantendo a sua atividade económica no seu país de origem.

40

Por conseguinte, há que concluir que a situação do casal Ettwein está abrangida pelo âmbito de aplicação do acordo.

41

Dado que ambos os cônjuges do casal Ettwein são «trabalhadores fronteiriços independentes» na aceção do artigo 13.o, n.o 1, do anexo I do acordo, o princípio da igualdade de tratamento, estabelecido no artigo 15.o, n.o 1, desse anexo, é-lhes igualmente aplicável (v. acórdão de 6 de outubro de 2011, Graf e Engel, C-506/10, Colet., p. I-9345, n.o 23 e jurisprudência aí referida), sendo o «país de acolhimento» na aceção desta última disposição, na sua situação, a República Federal da Alemanha.

42

Além disso, segundo o n.o 2 do referido artigo 15.o, as disposições do artigo 9.o do mesmo anexo I são aplicáveis, mutatis mutandis, aos trabalhadores transfronteiriços independentes. Resulta do n.o 2 deste último artigo que o princípio da igualdade de tratamento abrange igualmente os benefícios fiscais.

43

Resulta desta aplicação mutatis mutandis que um trabalhador fronteiriço independente beneficia, no país de acolhimento, dos mesmos benefícios fiscais que os trabalhadores independentes que exerçam a sua atividade nesse país e aí residam.

44

No entanto, importa também ter em conta o artigo 21.o, n.o 2, do acordo, segundo o qual nenhuma disposição deste acordo pode ser interpretada de forma a impedir as partes contratantes de estabelecerem uma distinção, na aplicação das disposições pertinentes da sua legislação fiscal, entre contribuintes que não se encontrem em situações comparáveis, em especial no que se refere ao seu local de residência.

45

Esta disposição permite, portanto, um tratamento diferente, em matéria fiscal, entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, mas apenas quando os mesmos não se encontram numa situação comparável.

46

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, relativamente ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, a capacidade contributiva pessoal do contribuinte, resultante da tomada em consideração do conjunto dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode ser apreciada mais facilmente no Estado da sua residência, no qual é, normalmente, centralizado o essencial dos seus rendimentos, e que, desse ponto de vista, a situação dos residentes e a dos não residentes não são, regra geral, comparáveis (acórdãos, já referidos, Schumacker, n.os 32 a 34, e Asscher, n.o 41). O Tribunal salientou, todavia, que a situação é diferente no caso de o não residente não auferir rendimentos significativos no Estado de residência e obter o essencial dos seus recursos tributáveis de uma atividade exercida noutro Estado, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar (acórdão Schumacker, já referido, n.o 36).

47

O Tribunal de Justiça declarou que o contribuinte não residente — assalariado ou independente — que aufira a totalidade ou a quase totalidade dos seus rendimentos no Estado onde exerce as suas atividades profissionais está, objetivamente, na mesma situação, no que diz respeito ao imposto sobre o rendimento, que o residente desse Estado que aí exerça as mesmas atividades. Estas duas categorias de contribuintes encontram-se nomeadamente em situação comparável no que respeita à tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar. Com efeito, essa tomada em consideração não é possível no Estado de residência de trabalhadores fronteiriços como o casal Ettwein, dado que não recebem rendimentos nesse Estado (v., neste sentido, acórdãos Schumacker, já referido, n.os 37 e 38; Asscher, já referido, n.os 42 e 43; e de 11 de agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colet., p. I-2493, n.o 20).

48

À luz desta jurisprudência, o artigo 21.o, n.o 2, do acordo não pode ser invocado por uma parte contratante para recusar a um casal que exerce a sua atividade profissional nesse Estado, nele aufere a totalidade do seu rendimento e nele está sujeito integralmente ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares o benefício fiscal ligado à situação pessoal e familiar e que consiste na aplicação do método do «splitting», apenas com o fundamento de que o lugar de residência do casal se situa na outra parte contratante.

49

Portanto, a legislação em causa no processo principal, ao recusar o referido benefício fiscal com fundamento no lugar de residência dos contribuintes, é contrária ao artigo 13.o, n.o 1, do anexo I do acordo, lido em conjugação com os artigos 15.°, n.o 2, e 9.°, n.o 2, desse anexo.

50

Além disso, o acordo tem nomeadamente como objetivo, nos termos do seu artigo 1.o, alínea a), conceder o direito de residir no território das partes contratantes aos nacionais dos Estados-Membros da União e da Confederação Suíça.

51

Aliás, esta solução está em consonância com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a liberdade de circulação de pessoas que, nos termos do segundo período do preâmbulo do acordo, as partes contratantes estão decididas a realizar entre si, com base nas disposições em aplicação na União, será entravada se um nacional de uma parte contratante sofrer uma desvantagem no seu país de origem pela simples razão de ter exercido o seu direito de circulação (acórdão Bergström, já referido, n.os 27 e 28).

52

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 1.o, alínea a), do acordo, bem como os artigos 9.°, n.o 2, 13.°, n.o 1, e 15.°, n.o 2, do anexo I desse acordo, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado-Membro que recuse o benefício da tributação conjunta com aplicação do método dito do «splitting», previsto por essa legislação, a um casal de nacionais desse Estado e sujeitos nesse mesmo Estado ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares a título da totalidade dos seus rendimentos tributáveis, unicamente com o fundamento de que a sua residência se situa no território da Confederação Suíça.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

O artigo 1.o, alínea a), do Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo, em 21 de junho de 1999, bem como os artigos 9.°, n.o 2, 13.°, n.o 1, e 15.°, n.o 2, do anexo I desse acordo, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado-Membro que recuse o benefício da tributação conjunta com aplicação do método dito do «splitting», previsto por essa legislação, a um casal de nacionais desse Estado e sujeitos nesse mesmo Estado ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares a título da totalidade dos seus rendimentos tributáveis, unicamente com o fundamento de que a sua residência se situa no território da Confederação Suíça.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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