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Document 62010CJ0442

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 1 de Dezembro de 2011.
    Churchill Insurance Company Limited contra Benjamin Wilkinson e Tracy Evans contra Equity Claims Limited.
    Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) - Reino Unido.
    Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - Directiva 84/5/CEE - Artigos 1.º, n.º 4, e 2.º, n.º 1 - Terceiros lesados - Autorização expressa ou implícita de conduzir - Directiva 90/232/CEE - Artigo 1.º, primeiro parágrafo - Directiva 2009/103/CE - Artigos 10.º, 12.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1 - Vítima de acidente de viação que tem a qualidade de passageiro do veículo relativamente ao qual é segurado como condutor - Veículo conduzido por uma pessoa não coberta pela apólice - Não exclusão do segurado e também lesado da cobertura do seguro.
    Processo C-442/10.

    Colectânea de Jurisprudência 2011 -00000

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:799

    Processo C-442/10

    Churchill Insurance Company Limited

    contra

    Benjamin Wilkinson

    e

    Tracy Evans

    contra

    Equity Claims Limited

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division)]

    «Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – Directiva 84/5/CEE – Artigos 1.°, n.° 4, e 2.°, n.° 1 – Terceiros lesados – Autorização expressa ou implícita de conduzir – Directiva 90/232/CEE – Artigo 1.°, primeiro parágrafo – Directiva 2009/103/CE – Artigos 10.°, 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1 – Vítima de acidente de viação que tem a qualidade de passageiro do veículo relativamente ao qual é segurado como condutor – Veículo conduzido por uma pessoa não coberta pela apólice – Não exclusão do segurado e também lesado da cobertura do seguro»

    Sumário do acórdão

    Aproximação das legislações – Seguro de responsabilidade civil automóvel – Âmbito da garantia a favor de terceiros prestada pelo seguro obrigatório – Cláusulas de exclusão – Acidente causado por um condutor não segurado

    (Directivas do Conselho 72/166, 84/5, artigo 2.º, n.º 1, e 90/232, artigo 1.º, primeiro parágrafo)

    O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva 90/232, e o artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva 84/5 relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que tenha por efeito exonerar automaticamente a seguradora da obrigação de indemnizar a vítima de um acidente de viação quando esse acidente tiver sido causado por um condutor não coberto pela apólice de seguro e essa vítima, que era passageiro do veículo no momento do acidente e segurado como condutor desse veículo, tenha autorizado o condutor a conduzi‑lo.

    Esta interpretação não será diferente se o segurado que é simultaneamente lesado tivesse conhecimento de que a pessoa que autorizou a conduzir o veículo não estava segurada para esse efeito, ou tivesse a convicção de que o estava ou ainda se se tivesse interrogado a esse respeito.

    Com efeito, o seguro de responsabilidade civil automóvel referido no artigo 3.°, n.º 1, da Primeira Directiva 72/166, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, deve cobrir todas as vítimas com excepção do condutor do veículo que causou o dano, a não ser que uma das excepções expressamente previstas na Primeira, Segunda ou Terceira Directivas seja aplicável.

    (cf. n.os 44, 46, 50, disp. 1 e 2)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    1 de Dezembro de 2011 (*)

    «Seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – Directiva 84/5/CEE – Artigos 1.°, n.° 4, e 2.°, n.° 1 – Terceiros lesados – Autorização expressa ou implícita de conduzir – Directiva 90/232/CEE – Artigo 1.°, primeiro parágrafo – Directiva 2009/103/CE – Artigos 10.°, 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1 – Vítima de acidente de viação que tem a qualidade de passageiro do veículo relativamente ao qual é segurado como condutor – Veículo conduzido por uma pessoa não coberta pela apólice – Não exclusão do segurado e também lesado da cobertura do seguro»

    No processo C‑442/10,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 26 de Agosto de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Setembro de 2010, no processo

    Churchill Insurance Company Limited

    contra

    Benjamin Wilkinson,

    e

    Tracy Evans

    contra

    Equity Claims Limited,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, A. Prechal, L. Bay Larsen, C. Toader e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: R. Şereş, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 7 de Julho de 2011,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação da Churchill Insurance Company Limited, por F. Randolph, barrister, e S. Worthington, QC,

    –        em representação de B. Wilkinson, por C. Quigley e S. Grime, QC,

    –        em representação de T. Evans, por G. Wood e C. Quigley, QC,

    –        em representação da Equity Claims Limited, por W. R. O. Hunter, QC, mandatado por J. Herzog, solicitor,

    –        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente,

    –        em representação da Comissão Europeia, por K.‑P. Wojcik e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de Setembro de 2011,

    profere o presente

    Acórdão

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, da Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 263, p. 11).

    2        Este pedido foi apresentado no âmbito de litígios que opõem, por um lado, a Churchill Insurance Company Limited (a seguir «Churchill») a B. Wilkinson e, por outro, T. Evans à Equity Claims Limited (a seguir «Equity») a propósito da indemnização de prejuízos sofridos resultantes de acidentes de viação.

     Quadro jurídico

     Direito da União

    3        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113; a seguir «Primeira Directiva»):

    «Cada Estado‑Membro […] adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Essas medidas devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.»

    4        A Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 224; a seguir «Segunda Directiva»), refere no sexto a oitavo considerandos:

    «Considerando que é necessário prever a existência de um organismo que garanta que a vítima não ficará sem indemnização, no caso do veículo causador do sinistro não estar seguro ou não ser identificado; que, sem prejuízo das disposições aplicadas pelos Estados‑Membros relativamente à natureza, subsidiária ou não, da intervenção deste organismo, bem como às normas aplicáveis e[m] matéria de subrogação, é importante prever que a vítima de um sinistro ocorrido naquelas circunstâncias se possa dirigir directa e prioritariamente a esse organismo; que é, todavia, conveniente[…] dar aos Estados‑Membros a possibilidade de aplicarem certas exclusões limitativas no que respeita à intervenção deste organismo e de prever, no caso de danos materiais causados por um veículo não identificado, devido aos riscos de fraude, que a indemnização por tais danos possa ser limitada ou excluída;

    Considerando que é do interesse das vítimas que os efeitos de certas cláusulas de exclusão sejam limitados às relações entre a seguradora e o responsável pelo acidente; que os Estados‑Membros podem, todavia, prever que, no caso de veículos roubados ou obtidos por meios violentos, o referido organismo possa intervir para indemnizar a vítima;

    Considerando que, para aliviar o encargo financeiro a ser suportado por este organismo, os Estados‑Membros podem prever a aplicação de certas franquias, sempre que o mesmo intervenha para indemnizar danos materiais causados por veículos não seguros, ou, se for caso disso, por veículos roubados ou obtidos por meios violentos».

    5        O artigo 1.°, n.° 4, da Segunda Directiva prevê que cada Estado‑Membro deve criar ou autorizar a criação de um organismo que tenha por missão reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais ou corporais causados por veículos não identificados ou não segurados (a seguir «organismo nacional»). Esta disposição refere no seu terceiro parágrafo:

    «[...] Os Estados‑Membros podem, todavia, determinar que este organismo não intervenha, relativamente a pessoas que, por sua livre vontade, se encontrassem no veículo causador do sinistro, sempre que o organismo possa provar que elas tinham conhecimento de que o veículo não estava seguro.»

    6        Ao abrigo do quarto parágrafo desta disposição, os Estados‑Membros podem também limitar ou excluir a intervenção deste organismo, relativamente a danos materiais causados por um veículo não identificado e, de acordo com o quinto parágrafo da referida disposição, podem igualmente autorizar, relativamente aos danos materiais causados por um veículo não seguro, uma franquia oponível à vítima não superior a 500 euros.

    7        As normas aplicáveis a estes organismos nacionais foram em seguida precisadas e completadas, nomeadamente pela Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, que altera as Directivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (JO L 149, p. 14). O artigo 1.°, n.° 4, terceiro parágrafo, da Segunda Directiva passou assim a ser, no essencial, o artigo 1.°, n.° 5, segundo parágrafo, da Segunda Directiva, conforme alterada pela Directiva 2005/14.

    8        O artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva dispõe:

    «Cada Estado‑Membro tomará as medidas adequadas para que qualquer disposição legal ou cláusula contratual contida numa apólice de seguro, emitida em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Directiva], que exclua do seguro a utilização ou a condução de veículos por:

    –        pessoas que não estejam expressa ou implicitamente autorizadas para o fazer;

    ou

    –        pessoas que não sejam titulares de uma carta de condução que lhes permita conduzir o veículo em causa;

    ou

    –        pessoas que não cumpram as obrigações legais de carácter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo em causa,

    seja, por aplicação do n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Directiva], considerada sem efeito no que se refere ao recurso de terceiros vítimas de um sinistro.

    Todavia, a disposição ou a cláusula a que se refere o primeiro travessão do n.° 1 pode ser oponível às pessoas que, por sua livre vontade[,] se encontrassem no veículo causador do sinistro, sempre que a seguradora possa provar que elas tinham conhecimento de que o veículo tinha sido roubado.

    [...]»

    9        Nos termos do quarto e quinto considerandos da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis (JO L 129, p. 33, a seguir «Terceira Directiva»):

    «Considerando que deve ser garantido que as vítimas de acidentes de veículos automóveis recebam tratamento idêntico, independentemente dos locais da Comunidade onde ocorram os acidentes;

    Considerando que, em particular, existem em certos Estados‑Membros lacunas na cobertura pelo seguro obrigatório dos passageiros de veículos automóveis; que, para proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais, é conveniente que essas lacunas sejam preenchidas».

    10      O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva prevê:

    «Sem prejuízo do n.° 1, segundo parágrafo, do artigo 2.° da [Segunda Directiva], o seguro referido no n.° 1 do artigo 3.° da [Primeira Directiva] cobrirá a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, além do condutor, resultantes da circulação de um veículo.»

    11      A Directiva 2009/103 codificou as directivas preexistentes em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (a seguir «responsabilidade civil automóvel»), revogando‑as, por consequência, com efeitos a 27 de Outubro de 2009. Segundo a tabela de correspondência que figura no anexo II desta directiva, o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva corresponde ao artigo 3.°, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva 2009/103, os artigos 1.°, n.° 4, terceiro parágrafo, e 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva correspondem, respectivamente, aos artigos 10.°, n.° 2, segundo parágrafo, e 13.°, n.° 1, da Directiva 2009/103 e o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva corresponde ao artigo 12.°, n.° 1, da Directiva 2009/103.

     Direito nacional

    12      A section 151 da Lei sobre a Circulação Rodoviária de 1988 (Road Traffic Act 1988, a seguir «Lei de 1988»), relativa à obrigação das seguradoras de executarem uma sentença referente a responsabilidade civil coberta pelos termos da apólice de seguro obrigatório, dispõe:

    «1.      A presente disposição aplica‑se quando, após a emissão […] de um certificado de seguro […] a favor de uma pessoa coberta por uma apólice de seguro […], seja proferida uma sentença resultante da aplicação deste número.

    [...]

    5.      Sem prejuízo de poder anular ou cancelar, ou de ter anulado ou cancelado, a apólice […], a seguradora deve pagar, de acordo com as disposições da presente section, às pessoas a favor das quais a sentença foi proferida:

    a)      no que respeita à responsabilidade por morte ou lesões físicas, o montante em cujo pagamento tenha sido condenada pela sentença proferida a esse respeito […],

    [...]

    [...]

    8.      Quando uma seguradora fique obrigada, nos termos da presente section, ao pagamento de uma indemnização a título da responsabilidade de uma pessoa não coberta por uma apólice [de seguro], tem direito de regresso contra essa pessoa ou contra a pessoa:

    a)      que está coberta pela apólice […] que cobriria a responsabilidade se a apólice abrangesse todas as pessoas […] e

    b)      que deu causa ou autorizou o uso do veículo que deu origem à responsabilidade.

    [...]»

     Litígios no processo principal e questões prejudiciais

    13      B. Wilkinson foi designado como condutor do automóvel numa apólice de seguro subscrita junto da Churchill. Em 23 de Novembro de 2005, autorizou um amigo a conduzir esse veículo e ocupou o lugar de passageiro. É dado assente que B. Wilkinson sabia que essa pessoa não estava coberta por essa apólice. O condutor perdeu o controlo da dita viatura que colidiu com um veículo que circulava em sentido oposto. B. Wilkinson sofreu ferimentos graves. A Churchill reconheceu que devia indemnizar B. Wilkinson, mas exigiu‑lhe, nos termos da section 151, n.° 8, da Lei de 1988, uma compensação, na sua qualidade de segurado, no mesmo montante da indemnização que lhe era devida, o que B. Wilkinson contestou. Uma vez que o juiz de primeira instância proferiu uma decisão favorável a este último, a Churchill recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio.

    14      T. Evans, que era proprietária de um motociclo que segurou junto da Equity, era a única pessoa segurada como condutor desse veículo. Em 4 de Agosto de 2004, autorizou um amigo a conduzir o referido motociclo e ocupou o lugar do passageiro. Por negligência, o condutor embateu na traseira de um camião. T. Evans ficou gravemente ferida. O juiz de primeira instância considerou que, quando T. Evans autorizou o condutor a conduzir o seu motociclo, não se colocou a questão de saber se o mesmo estava abrangido pelo seguro. E declarou também que a Equity, nos termos da section 151, n.° 8, da Lei de 1988, tinha direito a ser indemnizada pelos montantes que deveria pagar a T. Evans, uma vez que a segurada autorizou uma pessoa não segurada a conduzir o motociclo. T. Evans interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

    15      A Churchill e a Equity alegam perante o órgão jurisdicional de reenvio que a section 151, n.° 8, da Lei de 1988 não é uma disposição «que exclua do seguro», na acepção do artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2009/103, e que cada um dos condutores em causa dispunha da autorização exigida para utilizar ou conduzir o veículo. Em contrapartida, B. Wilkinson e T. Evans alegam, por um lado, que esta disposição, quando aplicada a um segurado que é simultaneamente lesado, privando‑o da indemnização por parte da sua seguradora, exclui do seguro essa vítima na acepção do artigo 13.°, n.° 1, e, por outro, que a autorização a que a disposição se refere é a da seguradora e não a do segurado.

    16      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no direito inglês, a section 151, n.° 8, da Lei de 1988 tem por efeito excluir de forma automática do seguro o segurado que, tendo ocupado um lugar de passageiro no veículo para cuja condução está segurado, autorize um condutor não segurado a conduzi‑lo. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o direito da União se opõe a uma tal exclusão e se, sendo esse o caso, essa disposição poderia ser objecto de uma interpretação conforme com o direito da União.

    17      O órgão jurisdicional de reenvio entende que, segundo a jurisprudência, o artigo 12.°, n.° 1, da Directiva 2009/103 deve ter uma interpretação extensiva. Todavia, refere que, nas circunstâncias como as que lhe foram apresentadas, tal interpretação provocaria uma diferença de tratamento em relação à situação prevista no artigo 10.°, n.° 2, da dita directiva. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha também que a situação na qual se encontra um passageiro de um veículo, que é simultaneamente o segurado e que autorizou um condutor não segurado a conduzi‑lo, pode variar, consoante esse passageiro tenha ou não conhecimento do facto de o condutor não estar coberto, ou consoante o referido passageiro se tenha ou não questionado sobre se o referido condutor estava segurado.

    18      Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)       Devem os artigos 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, da Directiva 2009/103 ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que exclui do benefício do seguro uma vítima de um acidente de viação quando:

    –        o acidente tenha sido provocado por um condutor não coberto por um seguro; e

    –        o condutor não seguro tenha sido autorizado pela vítima a conduzir o veículo; e

    –        a vítima viajasse no veículo na qualidade de passageiro quando o acidente ocorreu; e

    –        a vítima estivesse coberta por um seguro para conduzir o veículo em causa?

    Em particular:

    –        Deve considerar‑se que essa disposição nacional ‘exclui do seguro’ na acepção do artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2009/103?

    –        Em circunstâncias como as do caso vertente, a autorização dada pela pessoa coberta pelo seguro à que não está coberta constitui uma ‘autorização expressa ou implícita’ na acepção do artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2009/103?

    –        A resposta a esta pergunta é susceptível de ser afectada pelo facto de, nos termos do artigo 10.° da Directiva 2009/103, as entidades nacionais encarregadas de pagar indemnizações em caso de danos provocados por veículos não identificados ou não cobertos por um seguro poderem recusar o pagamento da indemnização a uma pessoa que se tenha deixado voluntariamente conduzir no veículo que causou o dano ou a lesão, quando essas entidades provem que essa pessoa tinha conhecimento de que o veículo não estava coberto por um seguro?

    2)      A resposta à [primeira questão] depende do facto de a referida autorização […] ter sido dada com conhecimento efectivo de que o condutor em causa não estava coberto por um seguro ou […] ter sido dada na convicção de que o condutor estava coberto por um seguro ou [ainda depende do facto de] ter sido dada pela pessoa coberta pelo seguro sem que esta se tenha colocado sequer a questão de saber se o condutor estava ou não coberto por um seguro?»

     Quanto às questões prejudiciais

     Quanto à primeira questão

    19      Deve observar‑se a título preliminar que a Directiva 2009/103 não se encontrava em vigor à data dos factos no processo principal. Por isso, há que entender a questão colocada como fazendo referência não às disposições da Directiva 2009/103, mas às disposições correspondentes da Segunda e Terceira Directivas, as quais se aplicam ratione temporis a estes factos e foram mais tarde reproduzidas na Directiva 2009/103.

    20      Daqui decorre que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio questiona, no essencial, se os artigos 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva e 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que tem por efeito excluir de forma automática do benefício do seguro uma vítima de um acidente de viação quando este acidente foi causado por um condutor não segurado e o lesado, que era passageiro do veículo no momento do acidente, estava segurado como condutor desse veículo e tinha autorizado o condutor a conduzi‑lo.

    21      A este respeito, a Churchill e a Equity alegam, antes de mais, que as disposições da Directiva 2009/103 correspondentes ao artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva não são aplicáveis ao caso em apreço. A section 151, n.° 8, da Lei de 1988 não constitui uma exclusão da cobertura do seguro obrigatório. Em seu entender, esta disposição tem simplesmente o efeito de permitir a uma seguradora, quando esta tenha de pagar uma indemnização por responsabilidade de um condutor não coberto pelo seguro, exercer o direito de regresso contra o segurado quando este segurado tenha causado ou permitido a utilização do veículo por esse condutor.

    22      Todavia, segundo jurisprudência assente, no âmbito do processo previsto no artigo 267.° TFUE, as funções do Tribunal de Justiça e as do órgão jurisdicional de reenvio estão claramente separadas e é, exclusivamente, a este último que compete interpretar a legislação nacional e apreciar os seus efeitos (v. acórdãos de 3 de Fevereiro de 1977, Benedetti, 52/76, Recueil, p. 163, n.° 25, Colect., p. 67; de 21 de Setembro de 1999, Kordel e o., C‑397/96, Colect., p. I‑5959, n.° 25; e de 17 de Julho de 2008, Corporación Dermoestética, C‑500/06, Colect., p. I‑5785, n.° 21).

    23      Ora, resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional interpreta a section 151, n.° 8, da Lei de 1988, em circunstâncias como as descritas na primeira questão prejudicial, não como prevendo o pagamento de uma indemnização pelo segurador ao segurado que é também lesado, devendo este em seguida reembolsar o segurador, mas como tendo por efeito excluir automaticamente do seguro um passageiro lesado num acidente de viação, mas que era simultaneamente o segurado que autorizou um condutor não segurado a conduzir o veículo.

    24      Daqui decorre que as questões com as quais o Tribunal de Justiça se vê confrontado neste caso não dizem respeito à compatibilidade com o direito da União de uma norma que regula a responsabilidade civil, mas à compatibilidade com este direito de uma disposição que, segundo a interpretação do órgão jurisdicional de reenvio, ao excluir de forma automática o benefício da indemnização eventualmente devida ao segurado, limita o âmbito da cobertura da responsabilidade civil. As questões submetidas são abrangidas, por isso, pelo âmbito de aplicação da regulamentação da União nesta matéria.

    25      A Churchill, a Equity e o Governo do Reino Unido alegam, além disso, que a primeira questão reclama uma resposta negativa. Com efeito, pessoas que se encontrem numa situação como a de B. Wilkinson e de T. Evans não podem ser qualificadas de terceiros lesados na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva.

    26      B. Wilkinson, T. Evans e a Comissão Europeia consideram, em contrapartida, que a regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel se opõe a uma disposição nacional como a descrita na primeira questão. A Comissão considera que o lesado num acidente de viação não deve ser excluído da qualificação de passageiro pela simples razão de ser simultaneamente a pessoa segurada. Por conseguinte, segundo a Comissão, o lesado que é simultaneamente segurado deve ser equiparado a um terceiro lesado na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva.

    27      A este propósito, há que recordar que a regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel visa garantir a livre circulação tanto dos veículos que tenham o seu estacionamento habitual no território da União como das pessoas que neles viajam e assegurar que as vítimas dos acidentes causados por esses veículos receberão tratamento idêntico, independentemente do local do território da União onde o acidente tenha ocorrido (v., designadamente, acórdãos de 28 de Março de 1996, Ruiz Bernáldez, C‑129/94, Colect., p. I‑1829, n.° 13, e de 30 de Junho de 2005, Candolin e o., C‑537/03, Colect., p. I‑5745, n.° 17). Esta regulamentação da União tem também por objectivo, nos termos do quinto considerando da Terceira Directiva, proteger essa categoria particularmente vulnerável de vítimas potenciais que são os passageiros de veículos automóveis, preenchendo as lacunas da cobertura pelo seguro obrigatório desses passageiros que existem em certos Estados‑Membros (acórdão de 19 de Abril de 2007, Farrell, C‑356/05, Colect., p. I‑3067, n.° 24).

    28      Para estes efeitos, o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, tal como precisado e completado pela Segunda e Terceira Directivas, impõe, portanto, aos Estados‑Membros que assegurem que a responsabilidade civil relativa à circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro e precisa, nomeadamente, os tipos de danos e os terceiros lesados que esse seguro deve cobrir (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C‑348/98, Colect., p. I‑6711, n.os 25 a 27, e de 17 de Março de 2011, Carvalho Ferreira Santos, C‑484/09, Colect., p. I‑0000, n.os 25 a 27).

    29      A propósito deste último aspecto, o Tribunal de Justiça já sublinhou que o objectivo do artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, do artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva e do artigo 1.° da Terceira Directiva consiste em garantir que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel permitirá que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que sofreram (v., neste sentido, acórdão Candolin e o., já referido, n.° 27). O Tribunal de Justiça considerou assim que, ao prever que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel cobre a responsabilidade pelos danos físicos de todos os passageiros com excepção do condutor, o artigo 1.° da Terceira Directiva estabelece apenas uma distinção entre o condutor e os outros passageiros e concede, incontestavelmente, uma cobertura de seguro a todos os passageiros (acórdãos, já referidos, Candolin e o., n.° 32, e Farrell, n.° 23).

    30      Tendo em conta este elemento, o Tribunal de Justiça declarou que o objectivo de protecção das vítimas prosseguido pela Primeira, Segunda e Terceira Directivas, recordado no n.° 27 do presente acórdão, impõe que a situação jurídica do proprietário do veículo que nele viajava no momento do acidente como passageiro seja equiparada à de qualquer passageiro vítima do acidente (acórdão Candolin e o., já referido, n.° 33). O Tribunal de Justiça declarou também que este objectivo se opõe a que uma regulamentação nacional reduza indevidamente o conceito de passageiro coberto por um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ao excluir dele as pessoas que viajarem numa parte do veículo não concebida para o seu transporte nem equipada para esse fim (v., neste sentido, acórdão Farrell, já referido, n.os 28 a 30).

    31      Sendo a distinção entre condutor e passageiro – como indicado no n.° 29 do presente acórdão e sublinhado pelo advogado‑geral no n.° 28 das suas conclusões – a única distinção admitida pela regulamentação da União em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o objectivo de protecção das vítimas impõe também que a situação jurídica da pessoa segurada como condutor do veículo, mas que era passageiro no momento do acidente, seja equiparada à de qualquer passageiro vítima do acidente.

    32      Daqui decorre que o facto de uma pessoa estar segurada como condutor do veículo que causou o acidente não permite excluí‑la do conceito de terceiro lesado na acepção do artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva, só por ser passageiro e não condutor do veículo.

    33      No que se refere aos direitos reconhecidos aos terceiros lesados, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva se opõe a que a seguradora da responsabilidade civil automóvel possa invocar disposições legais ou cláusulas contratuais para recusar indemnizar os terceiros vítimas de um acidente causado por um veículo segurado (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Ruiz Bernáldez, n.° 20; Candolin e o., n.° 18; e Carvalho Ferreira Santos, n.° 29).

    34      O Tribunal de Justiça declarou também que o artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Segunda Directiva mais não faz do que aplicar esta obrigação no que respeita às disposições ou às cláusulas de uma apólice de seguro referida nesse artigo que excluam da cobertura do seguro de responsabilidade civil automóvel os danos causados a terceiros vítimas em virtude da utilização ou da condução do veículo segurado por pessoas não autorizadas a conduzi‑lo, por pessoas sem carta de condução ou por pessoas que não cumpram as obrigações legais de ordem técnica relativamente ao estado e à segurança do referido veículo (acórdãos, já referidos, Ruiz Bernáldez, n.° 21; Candolin e o., n.° 19; e Carvalho Ferreira Santos, n.° 30).

    35      É certo que, em derrogação a essa obrigação, o artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Segunda Directiva prevê que certas vítimas poderão não ser indemnizadas pela seguradora, tendo em conta a situação que elas próprias tenham criado, a saber, as pessoas que por sua livre vontade ocuparam o veículo que causou o dano, quando a seguradora prove que sabiam que o mesmo tinha sido furtado (acórdãos, já referidos, Ruiz Bernáldez, n.° 21, e Candolin e o., n.° 20). Todavia, e como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Segunda Directiva não pode ser derrogado a não ser nesta situação específica (v., neste sentido, acórdão Candolin e o., já referido, n.° 23).

    36      Resulta do exposto que os artigos 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva e 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que tenha como efeito exonerar automaticamente a seguradora da obrigação de indemnizar um passageiro, vítima de um acidente de viação, pelo facto de o mesmo estar segurado como condutor do veículo que lhe causou o dano, mas não o estando o condutor.

    37      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta também ao Tribunal de Justiça se a autorização para conduzir dada pelo segurado a um condutor não segurado constitui, nas circunstâncias do processo principal, uma «autorização expressa ou implícita» na acepção do artigo 2.°, n.° 1, primeiro travessão, da Segunda Directiva. Como sublinhou o advogado‑geral no n.° 42 das suas conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio coloca esta questão para saber se as disposições legais ou as cláusulas contratuais que excluem a cobertura do seguro no caso de condução por parte de uma pessoa que não tenha sido expressa ou implicitamente autorizada pela seguradora podem ser opostas à vítima.

    38      Este argumento não pode ser acolhido. Mesmo admitindo que os termos «autorização expressa ou implícita» visem apenas a autorização dada pelo segurado, em todo o caso, daí não decorreria que uma cláusula que exclui a cobertura no caso de condução por parte de uma pessoa não autorizada pela seguradora seja válida e oponível a um terceiro vítima de um sinistro. Com efeito, a única hipótese em que um terceiro vítima pode ser excluído da cobertura é a referida no artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Segunda Directiva. Ora, é ponto assente que, neste caso, não se trata dessa hipótese.

    39      Assim, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se também sobre se a circunstância de os Estados‑Membros poderem excluir, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 4, terceiro parágrafo, da Segunda Directiva, a intervenção do organismo nacional no que respeita às pessoas que por sua livre vontade se encontram no veículo que causou o dano, quando o referido organismo prove que essas pessoas sabiam que nem o condutor nem o veículo estavam segurados, pode ter uma influência na resposta que deve ser dada à primeira questão.

    40      A este respeito, há que sublinhar, em primeiro lugar, que a situação na qual o veículo que causou o dano foi conduzido por uma pessoa não segurada para esse efeito, existindo no entanto um condutor segurado desse veículo, e a referida no artigo 1.°, n.° 4, terceiro parágrafo, da Segunda Directiva, em que o veículo que esteve na origem do acidente não tinha uma apólice de seguro, não são situações similares nem comparáveis. Efectivamente, a circunstância de um veículo ser conduzido por uma pessoa não designada na apólice de seguro para esse efeito – tendo especialmente em conta o objectivo de protecção das vítimas de acidentes de circulação prosseguido pela Primeira, Segunda e Terceira Directivas – não permite considerar que o veículo não está segurado ao abrigo da referida disposição.

    41      Em segundo lugar, como referiu a Comissão, a intervenção do organismo nacional está concebida como uma medida de último recurso, prevista apenas para o caso de os danos serem causados por um veículo não identificado ou por um veículo para o qual não tenha sido cumprida a obrigação de seguro referida no artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva.

    42      Isto explica que, apesar do objectivo geral de protecção de vítimas que a regulamentação da União prossegue em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o legislador da União tenha permitido aos Estados‑Membros excluírem a intervenção deste organismo em certos casos específicos, nomeadamente no das pessoas que por sua livre vontade se encontravam no veículo causador do dano, quando o referido organismo prove que essas pessoas sabiam que nem o condutor nem o veículo estavam segurados.

    43      Por conseguinte, a circunstância de os Estados‑Membros poderem excluir, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 4, terceiro parágrafo, da Segunda Directiva, a intervenção do organismo nacional no que respeita às pessoas que por sua livre vontade se encontravam no veículo causador do dano, quando o referido organismo prove que essas pessoas sabiam que nem o condutor nem o veículo estavam segurados, não tem, neste caso, qualquer influência na interpretação a fazer do artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva, e do artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva.

    44      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva e o artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que tenha por efeito exonerar automaticamente a seguradora da obrigação de indemnizar a vítima de um acidente de viação quando esse acidente tiver sido causado por um condutor não coberto pela apólice de seguro e essa vítima, que era passageiro do veículo no momento do acidente e segurado como condutor desse veículo, tenha autorizado o condutor a conduzi‑lo.

     Quanto à segunda questão

    45      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a resposta à primeira questão poderá ser diferente caso o segurado que é simultaneamente lesado tivesse conhecimento de que a pessoa que autorizou a conduzir o veículo não estava segurada para esse efeito, ou tivesse a convicção que estava segurada ou ainda se se tivesse colocado a questão de saber se o mesmo estava ou não coberto por um seguro.

    46      A este respeito, há que recordar, como referiu o advogado‑geral no n.° 50 das suas conclusões, que o seguro de responsabilidade civil automóvel referido no artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva deve cobrir todas as vítimas com excepção do condutor do veículo que causou o dano, a não ser que uma das excepções expressamente previstas na Primeira, Segunda ou Terceira Directivas seja aplicável.

    47      Por conseguinte, a circunstância de o segurado que é simultaneamente lesado ter conhecimento de que a pessoa que autorizou a conduzir o veículo não estava segurada para esse efeito, ou de ter a convicção de que a mesma estava segurada, ou ainda de se ter ou não colocado a questão a esse respeito, não é pertinente para a resposta a dar à primeira questão.

    48      Todavia, isto não exclui a possibilidade de os Estados‑Membros levarem em consideração este elemento no âmbito das suas regras de responsabilidade civil, com a condição de exercerem as suas competências neste domínio com observância do direito da União, e, em particular, do artigo 3.°, n.° 1, da Primeira Directiva, do artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva e do artigo 1.° da Terceira Directiva, e de as referidas disposições nacionais não privarem essas directivas do seu efeito útil (acórdãos, já referidos, Ruiz Bernáldez, n.° 19; Candolin e o., n.os 27 e 28; Farrell, n.° 34; Carvalho Ferreira Santos, n.os 35 e 36; e acórdão de 9 de Junho de 2011, Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, C‑409/09, Colect., p. I‑0000, n.° 28).

    49      Assim, uma regulamentação nacional definida em função de critérios gerais e abstractos não pode negar ou limitar de modo desproporcionado o direito do passageiro a ser indemnizado pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel pelo simples facto de o mesmo ter contribuído para a produção do dano. Só em circunstâncias excepcionais, com base numa apreciação individual, a indemnização da vítima poderá ser limitada (acórdãos, já referidos, Candolin e o., n.os 29, 30 e 35; Farrell, n.° 35; Carvalho Ferreira Santos, n.° 38; e Ambrósio Lavrador e Olival Ferreira Bonifácio, n.° 29).

    50      Resulta do exposto que se deve responder à segunda questão que a resposta à primeira questão submetida não será diferente se o segurado que é simultaneamente lesado tivesse conhecimento de que a pessoa que autorizou a conduzir o veículo não estava segurada para esse efeito, ou tivesse a convicção de que o estava ou ainda se se tivesse interrogado ou não a esse respeito.

     Quanto às despesas

    51      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

    1)      O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, e o artigo 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que tenha por efeito exonerar automaticamente a seguradora da obrigação de indemnizar a vítima de um acidente de viação quando esse acidente tiver sido causado por um condutor não coberto pela apólice de seguro e essa vítima, que era passageiro do veículo no momento do acidente e segurado como condutor desse veículo, tenha autorizado o condutor a conduzi‑lo.

    2)      A resposta à primeira questão submetida não será diferente se o segurado que é simultaneamente lesado tivesse conhecimento de que a pessoa que autorizou a conduzir o veículo não estava segurada para esse efeito, ou tivesse a convicção de que o estava ou ainda se se tivesse interrogado ou não a esse respeito.

    Assinaturas


    * Língua do processo: inglês.

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