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Document 62010CJ0221
Judgment of the Court (Third Chamber), 19 April 2012.#Artegodan GmbH v European Commission.#Appeal — Second paragraph of Article 288 EC — Non-contractual liability of the Union — Conditions — Sufficiently serious breach of a rule of law conferring rights on individuals — Decision withdrawing marketing authorisations for medicinal products for human use containing amfepramone.#Case C‑221/10 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de abril de 2012.
Artegodan GmbH contra Comissão Europeia e República Federal da Alemanha.
Recurso de decisão do Tribunal Geral ― Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE ― Responsabilidade extracontratual da União ― Requisitos ― Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares ― Decisão relativa à revogação de autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano que contêm anfepramona.
Processo C‑221/10 P.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de abril de 2012.
Artegodan GmbH contra Comissão Europeia e República Federal da Alemanha.
Recurso de decisão do Tribunal Geral ― Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE ― Responsabilidade extracontratual da União ― Requisitos ― Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares ― Decisão relativa à revogação de autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano que contêm anfepramona.
Processo C‑221/10 P.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:216
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
19 de abril de 2012 ( *1 )
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 288.o, segundo parágrafo, CE — Responsabilidade extracontratual da União — Requisitos — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Decisão relativa à revogação de autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano que contêm anfepramona»
No processo C-221/10 P,
que tem por objeto o recurso de uma decisão do Tribunal Geral, interposto ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 5 de maio de 2010,
Artegodan GmbH, com sede em Lüchow (Alemanha), representada por U. Reese, Rechtsanwalt,
recorrente,
sendo as outras partes no processo:
Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e M. Heller, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada em primeira instância,
República Federal da Alemanha,
interveniente em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), E. Juhász, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,
advogado-geral: Y. Bot,
secretário: K. Malacek, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 29 de setembro de 2011,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 17 de novembro de 2011,
profere o presente
Acórdão
1 |
Através do presente recurso, a Artegodan GmbH (a seguir «Artegodan») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 3 de março de 2010, Artegodan/Comissão (T-429/05, Colet., p. II-491, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este julgou improcedente o pedido de indemnização apresentado ao abrigo dos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, para a reparação do prejuízo alegadamente sofrido devido à aprovação da Decisão C (2000) 453 da Comissão, de 9 de março de 2000, relativa à revogação das autorizações de introdução no mercado de medicamentos para uso humano que contêm anfepramona (a seguir «decisão controvertida»). |
Quadro jurídico
Diretiva 65/65/CEE
2 |
O artigo 3.o da Diretiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), conforme alterada a última vez pela Diretiva 93/39/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993 (JO L 214, p. 22, a seguir «Diretiva 65/65»), enuncia o princípio segundo o qual nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado de um Estado-Membro, sem que para tal tenha sido emitida uma autorização pela autoridade competente desse Estado-Membro, nos termos da referida diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento (CEE) n.o 2309/93 do Conselho, de 22 de julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1). |
3 |
Nos termos do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 65/65: «Tendo em vista a concessão da autorização de [introdução] no mercado [a seguir «AIM»] prevista no artigo 3.o, o responsável por essa colocação apresentará à autoridade competente do Estado-Membro o respetivo pedido.» |
4 |
O artigo 5.o, primeiro parágrafo, da mesma diretiva dispõe: «A autorização prevista no artigo 3.o será recusada quando, após verificação das informações e documentos enumerados no artigo 4.o, se revelar que a especialidade é nociva em condições normais de emprego, ou que falta o efeito terapêutico da especialidade ou está insuficientemente comprovado pelo requerente, ou que a especialidade não tem a composição qualitativa e quantitativa declarada.» |
5 |
O artigo 10.o, n.o 1, da referida diretiva prevê: «A autorização é válida por cinco anos, renovável por iguais períodos, a pedido do titular, apresentado pelo menos três meses antes do termo da autorização, e após análise, pela autoridade competente, de um processo que descreva, nomeadamente, a situação respeitante aos dados da farmacovigilância e inclua outras informações pertinentes para o controlo do medicamento.» |
6 |
O artigo 11.o, primeiro parágrafo, da mesma diretiva tem a seguinte redação: «As autoridades competentes dos Estados-Membros suspenderão ou revogarão [a AIM], quando se revelar que a especialidade farmacêutica é nociva nas condições normais de emprego ou que falta o efeito terapêutico ou, por fim, que a especialidade não tem a composição quantitativa e qualitativa declarada. O efeito terapêutico falta quando se apurar que a especialidade farmacêutica não permite obter resultados terapêuticos.» |
7 |
Por força do artigo 21.o da Diretiva 65/65, a AIM apenas pode ser recusada, suspensa ou revogada pelas razões enumeradas nesta diretiva. |
Diretiva 75/319/CEE
8 |
A Segunda Diretiva 75/319/CEE do Conselho, de 20 de maio de 1975, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO L 147, p. 13; EE 13 F4 p. 92), na redação que lhe foi dada pela Diretiva 93/39 (a seguir «Diretiva 75/319»), contém um capítulo III, intitulado «Comité das Especialidades Farmacêuticas» (a seguir «CEF»), que é constituído pelos artigos 8.° a 15.°-C. |
9 |
O artigo 9.o da Diretiva 75/319 institui um procedimento de reconhecimento recíproco das AIM nacionais. Prevê, nos seus n.os 1 e 4: «1. Para obter o reconhecimento, de acordo com os procedimentos estabelecidos no presente capítulo, num ou mais Estados-Membros, de uma autorização emitida por um Estado-Membro em conformidade com o artigo 3.o da Diretiva [65/65], o titular da autorização deve apresentar um pedido às autoridades competentes do Estado-Membro ou Estados-Membros em questão, acompanhado das informações e dos documentos referidos nos artigos 4.°, 4.°-A e 4.°-B da Diretiva [65/65]. […] [...] 4. Salvo no caso excecional previsto no n.o 1 do artigo 10.o, todos os Estados-Membros devem reconhecer a [AIM] concedida pelo primeiro Estado-Membro no prazo de 90 dias após a receção do pedido [...]» |
10 |
O artigo 10.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 75/319 prevê: «1. Sem prejuízo do n.o 4 do artigo 9.o, caso um Estado-Membro considere existirem razões para supor que a autorização de um medicamento pode constituir um risco para a saúde pública [...], deve de imediato informar do facto o requerente, o Estado-Membro que concedeu a autorização inicial, os demais Estados-Membros a que o pedido diga respeita e o [CEF]. […] 2. Todos os Estados-Membros interessados devem envidar esforços no sentido de chegarem a acordo quanto às medidas a adotar relativamente ao pedido. […] Todavia, caso os Estados-Membros não cheguem a acordo no prazo previsto no n.o 4 do artigo 9.o, devem submeter de imediato a questão ao [CEF], por forma a que seja aplicado o procedimento previsto no artigo 13.o» |
11 |
Por força do artigo 11.o da referida diretiva, caso tenham sido apresentados vários pedidos de AIM nacionais para o mesmo medicamento e os Estados-Membros tenham adotado decisões divergentes relativamente à sua autorização, suspensão ou retirada do mercado, os Estados-Membros, a Comissão Europeia ou o responsável pela introdução do medicamento no mercado podem submeter a questão ao CEF, tendo em vista a aplicação do procedimento previsto no artigo 13.o desta diretiva. |
12 |
Nos termos do artigo 12.o, primeiro parágrafo, da mesma diretiva: «Em casos específicos em que esteja envolvido o interesse comunitário, os Estados-Membros ou a Comissão, o requerente ou o titular da [AIM] podem submeter a questão ao [CEF], com vista à aplicação do procedimento previsto no artigo 13.o, antes de ser tomada qualquer decisão sobre o pedido, a suspensão ou a revogação da [AIM] ou sobre qualquer outra alteração, eventualmente necessária, dos termos da [AIM], nomeadamente para atender às informações obtidas [no âmbito do sistema de farmacovigilância previsto no] capítulo V A.» |
13 |
O artigo 13.o da Diretiva 75/319, que regula a tramitação do procedimento no CEF, prevê que, nos termos do procedimento, este emitirá um parecer fundamentado. Nos termos do n.o 5 deste artigo, a Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos envia o parecer final do CEF, no prazo de trinta dias após a sua adoção, aos Estados-Membros, à Comissão e ao responsável pela introdução do medicamento no mercado, acompanhado de um relatório descrevendo a avaliação do medicamento e fundamentando as suas conclusões. |
14 |
O artigo 14.o desta diretiva fixa o procedimento a seguir após a receção do parecer do CEF pela Comissão. Em conformidade com o n.o 1, primeiro parágrafo, deste artigo, no prazo de trinta dias após a receção desse parecer, a Comissão deve elaborar um projeto de decisão a tomar relativamente ao pedido, que tenha em conta o direito da União. Nos termos do terceiro parágrafo do referido número, caso, a título excecional, o projeto de decisão não corresponda ao parecer da referida agência, a Comissão deve fundamentar pormenorizadamente no anexo os motivos de quaisquer divergências. O n.o 2 do mesmo artigo prevê que a decisão final sobre o pedido será adotada em conformidade com o procedimento previsto no artigo 37.o-B da referida diretiva. |
15 |
O artigo 15.o-A da Diretiva 75/319 tem a seguinte redação: «1. Caso um Estado-Membro considere necessário, para proteger a saúde pública, alterar os termos de uma [AIM] concedida em conformidade com o disposto no presente capítulo, suspendê-la ou revogá-la, submeterá de imediato a questão ao [CEF], a fim de que sejam aplicados os procedimentos previstos nos artigos 13.° e 14.° 2. Sem prejuízo do disposto no artigo 12.o, em casos excecionais em que seja necessária uma ação urgente para proteger a saúde pública e até ser tomada uma decisão definitiva, qualquer Estado-Membro pode suspender a comercialização no mercado e a utilização do medicamento em questão no seu território. Deve notificar a Comissão e os outros Estados-Membros, o mais tardar no dia útil seguinte, dos motivos dessa medida.» |
Factos na origem do litígio
16 |
A Artegodan é titular de uma AIM para o Tenuate retard, um medicamento que contém anfepramona, uma substância anorexígena de tipo anfetamínico. Em setembro de 1998, voltou a utilizar essa AIM e a comercializar o Tenuate retard na Alemanha. |
17 |
Na sequência de uma reavaliação da anfepramona a pedido de um Estado-Membro, a Comissão, com base no artigo 15.o-A da Diretiva 75/319, adotou a decisão controvertida, pela qual ordenou aos Estados-Membros que revogassem «as autorizações nacionais de introdução no mercado previstas no artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 65/65, relativas aos medicamentos [que contêm anfepramona], enumerados no anexo I», fundamentando-se nas conclusões científicas, anexas ao parecer final do CEF, de 31 de agosto de 1999, sobre essa substância (a seguir «parecer final»). |
18 |
Por recurso interposto no Tribunal Geral em 30 de março de 2000, a Artegodan pediu a anulação da decisão controvertida, invocando, nomeadamente, a incompetência da Comissão assim como a violação dos artigos 11.° e 21.° da Diretiva 65/65. |
19 |
Em execução da decisão controvertida, a República Federal da Alemanha, por decisão de 11 de abril de 2000 do Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte (Instituto Federal dos Medicamentos e dos Produtos Medicamentosos), revogou a AIM do Tenuate retard. |
20 |
Por acórdão de 26 de novembro de 2002, Artegodan e o./Comissão (T-74/00, T-76/00, T-83/00 a T-85/00, T-132/00, T-137/00 e T-141/00, Colet., p. II-4945), o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida na medida em que visava os medicamentos comercializados pela Artegodan, dando provimento ao fundamento relativo à incompetência da Comissão. Além disso, o Tribunal Geral decidiu que, mesmo partindo do princípio de que a Comissão fosse competente para adotar a referida decisão, apesar disso, a decisão está viciada de uma irregularidade na medida em que viola o artigo 11.o da Diretiva 65/65. |
21 |
A Comissão interpôs um recurso contra esse acórdão, invocando fundamentos relativos, por um lado, à fundamentação do Tribunal Geral sobre a falta de competência da Comissão e, por outro, à interpretação, feita pelo Tribunal Geral, dos requisitos de revogação das AIM, como definidos no artigo 11.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 65/65. |
22 |
Por outro lado, a Comissão requereu, em articulados separados, que o processo fosse submetido a tramitação acelerada e que se suspendesse a execução do acórdão do Tribunal Geral. O presidente do Tribunal de Justiça decidiu submeter o processo a tramitação acelerada, tendo indeferido o pedido de suspensão de execução por despacho de 8 de maio de 2003, Comissão/Artegodan e o. (C-39/03 P-R, Colet., p. I-4485). |
23 |
Por acórdão de 24 de julho de 2003, Comissão/Artegodan e o. (C-39/03 P, Colet., p. I-7885), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, com o fundamento de que, sem que houvesse necessidade de examinar os outros fundamentos e argumentos invocados pela Comissão, se concluía que o Tribunal Geral tivera razão ao decidir que ela não tinha competência para tomar, designadamente, a decisão controvertida e que, por conseguinte, esta devia ser anulada. |
24 |
Em 6 de outubro de 2003, as autoridades alemãs competentes notificaram a Artegodan da revogação da decisão de 11 de abril de 2000, relativa à revogação da AIM do Tenuate retard. A partir de novembro de 2003, esta sociedade voltou a comercializar este medicamento. |
25 |
Por carta de 9 de junho de 2004, a Artegodan pediu à Comissão uma indemnização pelo prejuízo, avaliado em 1652926,19 euros, que sofrera devido à decisão controvertida. |
26 |
Por ofício de 9 de novembro de 2004, a Comissão indeferiu esse pedido, alegando que, não havendo uma violação suficientemente caracterizada do direito da União, não se verificavam os requisitos da responsabilidade extracontratual da União Europeia. |
27 |
Em resposta a uma carta da Artegodan de 10 de março de 2005, a Comissão, num ofício de 20 de abril de 2005, manteve a sua posição, recusando o pedido de indemnização apresentado por essa sociedade. |
Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido
28 |
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância (atualmente Tribunal Geral) em 7 de dezembro de 2005, a Artegodan propôs uma ação destinada a obter a reparação do prejuízo que considera ter sofrido devido à adoção da decisão controvertida. |
29 |
No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a pedido da Comissão e ouvida a Artegodan, este Tribunal, por ofício do seu secretário de 27 de março de 2006, convidou as partes a limitarem as suas observações à questão da responsabilidade extracontratual da União, ficando reservada para uma fase ulterior do processo, se fosse caso disso, a apreciação da questão da avaliação do prejuízo invocado. |
30 |
Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de abril de 2006, a República Federal da Alemanha pediu que fosse autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão. |
31 |
Por despacho de 10 de maio de 2006, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu esse pedido. |
32 |
Em 16 de setembro de 2009, realizou-se uma audiência na qual a República Federal da Alemanha não participou. |
33 |
No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou a ação da Artegodan improcedente, designadamente, pelo facto de não estar provada a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito suscetível de dar origem à responsabilidade extracontratual da União. |
34 |
Antes de examinar os fundamentos suscitados pela Artegodan em apoio da sua ação, o Tribunal Geral, nos n.os 38 a 63 do acórdão recorrido, formulou observações preliminares sobre os requisitos da responsabilidade extracontratual da União e sobre o alcance do seu acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, que anulou a decisão controvertida. Quanto a este último aspeto, o Tribunal Geral, nos n.os 44 a 48 do acórdão recorrido, declarou o seguinte:
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35 |
Quanto à questão de saber se, ao não ter em consideração as regras de competência para adotar a decisão controvertida, a Comissão violou de forma suficientemente caracterizada as regras jurídicas que conferem direitos aos particulares, o Tribunal Geral, nos n.os 71 a 78 do acórdão recorrido, declarou o seguinte:
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36 |
Quanto à questão de saber se a inobservância, pela Comissão, dos requisitos de revogação de uma AIM enunciados no artigo 11.o da Diretiva 65/65 constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tem por objeto conferir direitos aos particulares, o Tribunal Geral, nos n.os 104 a 112 do acórdão recorrido, declarou: «104 Daqui se conclui que, no caso vertente, a Comissão de modo algum dispunha, neste contexto determinado, de qualquer margem de apreciação quando da aplicação dos critérios substantivos de suspensão ou revogação de uma AIM definidos pelo artigo 11.o da Diretiva 65/65. 105 Contudo, ao contrário do alegado pela recorrente, só esta circunstância não basta para considerar que a violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65 é suficientemente caracterizada para dar origem à responsabilidade da Comunidade. Como efeito, como se recordou já […], compete ao tribunal comunitário tomar também em consideração, nomeadamente, a complexidade, jurídica e fáctica, da situação a regular. 106 No caso vertente, importa notar que o princípio geral da prevalência da proteção da saúde pública, concretizado nas disposições substantivas da Diretiva 65/65, acarreta obrigações específicas para a autoridade competente no âmbito da concessão e gestão das AIM de medicamentos. Este princípio impõe-lhe, em primeiro lugar, que sejam exclusivamente tomadas em conta as considerações respeitantes à proteção da saúde, em segundo lugar, a reavaliação da relação benefício/risco de um medicamento quando dados novos suscitem dúvidas quanto à sua eficácia ou à sua segurança, e, em terceiro lugar, uma aplicação do ónus da prova conforme ao princípio d[a] precaução (acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, n.o 174). 107 No caso vertente, compete portanto ao Tribunal Geral apreciar a complexidade jurídica e fáctica da situação, levando em conta, em especial, a prevalência dos objetivos de saúde pública prosseguidos, para verificar se o erro de direito em que a Comissão incorreu constitui uma irregularidade que uma administração normalmente prudente e diligente não teria cometido em circunstâncias análogas […]. 108 Neste âmbito, não obstante a violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65 estar claramente provada e ter justificado a anulação da [decisão controvertida], há que tomar em consideração as dificuldades específicas conexas com a interpretação e aplicação desse artigo no caso vertente. Com efeito, face à imprecisão do artigo 11.o da Diretiva 65/65, as dificuldades conexas com a interpretação sistemática das condições para a revogação ou suspensão de uma AIM, enunciadas nesse artigo, e à luz de todo o sistema comunitário de autorização prévia dos medicamentos (acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, n.os 187 a 195), podiam razoavelmente explicar, na falta de precedente semelhante, o erro de direito que a Comissão cometeu quando admitiu a relevância jurídica do novo critério científico aplicado pelo CEF, apesar de não ser corroborado por nenhum dado científico ou informação novos. 109 Além disso, importa, em todo o caso, tomar também em consideração a complexidade, no caso vertente, do exame da fundamentação do parecer final, em que a [decisão controvertida] se baseia, que a Comissão tinha de efetuar para poder verificar a existência de um nexo entre a aplicação do novo critério científico e as linhas de orientação em que o CEF se baseara para fundamentar essa aplicação. 110 Com efeito, as averiguações quanto à inexistência de demonstração, nas linhas de orientação do CEF e nas linhas de orientação nacionais, da alegada evolução do critério científico referido supra […] só podiam ser efetuadas pela Comissão com base num exame complexo dos relatórios científicos preparatórios sucessivos elaborados no âmbito do procedimento de investigação que culminou no parecer final relativo à anfepramona e com base nas linhas de orientação referidas nesse parecer final […]. 111 Neste contexto, há que considerar que, atendendo, por um lado, à complexidade das apreciações jurídicas e fácticas exigidas, nas circunstâncias do caso vertente e na falta de um precedente semelhante, para efeitos da aplicação do artigo 11.o da Diretiva 65/65 e, por outro, ao princípio da prevalência das exigências ligadas à proteção da saúde pública, a violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65 pela Comissão era explicada pelas obrigações específicas que impendiam, no caso vertente, sobre essa instituição, na prossecução da finalidade da proteção da saúde pública visada pela Diretiva 65/65. 112 Nestas condições, não se pode considerar que a violação, no caso vertente, do artigo 11.o da Diretiva 65/65 seja uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário suscetível de dar origem à responsabilidade extracontratual da Comunidade.» |
Pedidos das partes
37 |
No presente recurso, a Artegodan conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:
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38 |
A Comissão interpôs um recurso subordinado e solicitou ao Tribunal de Justiça que se dignasse:
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Quanto aos recursos
39 |
Em apoio do seu recurso, a Artegodan suscita dois fundamentos, relativos à violação do artigo 288.o, segundo parágrafo, CE. |
40 |
No seu recurso subordinado, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter declarado inadmissível o fundamento de defesa que ela tinha invocado, relativo à inexistência de uma violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65. |
41 |
Há que examinar em conjunto o recurso da Artegodan e o recurso subordinado da Comissão. |
Argumentação das partes
O primeiro fundamento de recurso
42 |
Através do primeiro fundamento, a Artegodan sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao decidir, nos n.os 73 a 75 do acórdão recorrido, que a violação, pela Comissão, das regras de repartição de competências entre a Comissão e os Estados-Membros resultante da Diretiva 75/319 não pode desencadear a responsabilidade extracontratual da União, pelo facto de essas regras não terem por objeto conferir direitos aos particulares. |
43 |
Com efeito, embora a Artegodan admita que nem todas as regras de competência tenham necessariamente por objeto proteger os cidadãos e as empresas da União, considera que já assim não é quando essas regras fixam um quadro jurídico em que uma instituição da União pode, no exercício das suas prerrogativas de poder público, tomar medidas vinculativas em relação aos cidadãos ou às empresas. Nesse caso, as regras que fixam os limites da competência dessa instituição não dizem apenas respeito às relações entre esta e os Estados-Membros, mas visam, pelo menos em parte, proteger os cidadãos e as empresas, destinatários dessa medida, contra uma ação da referida instituição desprovida de fundamento jurídico. |
44 |
Por outro lado, a Artegodan alega que as regras de competência têm por objetivo assegurar a proteção das pessoas abrangidas por essas medidas, uma vez que devem permitir garantir que essas medidas só possam ser adotadas pela autoridade que possua o conhecimento necessário reconhecido pelo legislador da União. |
45 |
Segundo a Artegodan, ao negar às referidas regras qualquer função protetora de terceiros, o Tribunal Geral não respeita os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros, que, por força do artigo 288.o, segundo parágrafo, CE, devem servir de critério para a responsabilidade extracontratual da União. A este respeito, indica que, no direito alemão, as regras de competência relativas às prerrogativas de poder público têm uma função protetora de terceiros. |
46 |
A Comissão sustenta que, ao aplicar os requisitos da responsabilidade extracontratual que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça e ao não reconhecer a existência de uma violação de uma regra de direito que tem por objetivo conferir direitos aos particulares na aceção dessa jurisprudência, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito. |
47 |
Segundo a Comissão, a argumentação da Artegodan assenta numa distinção de acordo com o direito administrativo alemão, que não tem fundamento na jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União nem nos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros e que não foi transposta para o direito da União. |
48 |
Quanto ao argumento segundo o qual, ao garantir que a autoridade investida do poder de decisão disponha do conhecimento necessário, as regras de competência em causa têm por objetivo assegurar a proteção dos particulares, a Comissão alega que não há dúvida de que o legislador da União, nos diferentes regulamentos e diretivas relativos ao domínio dos medicamentos, já reconheceu à Comissão a competência para tomar decisões no domínio sensível da proteção da saúde e que a circunstância de que tal competência não lhe tenha sido reconhecida para a adoção da decisão controvertida é irrelevante quanto ao facto de possuir os conhecimentos técnicos exigidos nesse domínio. |
49 |
Além disso, a Comissão refere que o Tribunal Geral não nega uma função protetora às regras de competência enquanto tais, mas que, como resulta claramente dos n.os 73 e 74 do acórdão recorrido, a apreciação do Tribunal Geral incide sobre uma norma de competência precisa que decorre da Diretiva 75/319. |
50 |
Por último, segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça tomou expressamente posição sobre essa questão, dado que, no seu acórdão de 13 de março de 1992, Vreugdenhil/Comissão (C-282/90, Colet., p. I-1937), não considerou a existência do requisito segundo qual a regra de direito violada deve ter uma função de proteção dos particulares quando se trata de uma violação de uma regra de repartição de competências. |
O segundo fundamento de recurso
51 |
Através do segundo fundamento, a Artegodan sustenta que o Tribunal Geral aplicou, e até reforçou, os requisitos da responsabilidade extracontratual da União, de uma forma que não é compatível com o artigo 288.o, segundo parágrafo, CE. |
52 |
A Artegodan critica, nomeadamente, o Tribunal Geral por, no quadro da apreciação do caráter suficientemente caracterizado da violação dos requisitos de revogação de uma AIM enunciados no artigo 11.o da Diretiva 65/65, não ter dado a importância necessária às circunstâncias específicas do litígio, isso tanto mais num contexto em que a Comissão, que não dispunha de margem de apreciação na matéria, adotou uma decisão que prejudica os seus interesses. |
53 |
Em primeiro lugar, a Artegodan considera que, no caso concreto, o «princípio geral do primado da proteção da saúde pública» não permite concluir pela inexistência de uma violação suficientemente caracterizada. |
54 |
A este respeito, a Artegodan alega que, embora a aplicação do princípio da precaução, que necessita de uma ponderação dos interesses ligados à proteção da saúde e dos interesses económicos das empresas em causa, possa conduzir frequentemente a optar pelos primeiros interesses, pelo facto de os segundos serem, em princípio, reparáveis, não é aceitável que, através de uma aplicação excessivamente restritiva da responsabilidade extracontratual da União, seja impedida uma reparação ulterior e apropriada do prejuízo sofrido pelas empresas em causa. Isso constituiria uma «dupla pena» para essas empresas. |
55 |
Em seguida, a Artegodan considera que é inaceitável e contrário aos princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima que, além de, por força do princípio da proteção da saúde pública, os seus interesses económicos terem sido preteridos e de ter sido adotada uma decisão vinculativa de revogação da AIM do medicamento em causa, adotada pela Comissão com fundamento numa disposição imprecisa, essa alegada imprecisão seja também invocada contra ela para impedir a reparação do prejuízo que sofreu devido a essa decisão. |
56 |
Do mesmo modo, a Artegodan alega que o Tribunal Geral a privou do direito a indemnização, invocando uma «inexistência de precedente similar». Segundo a Artegodan, a existência de uma violação suficientemente caracterizada e, portanto, do direito a indemnização não pode depender de um precedente similar. |
57 |
Por último, a Artegodan sustenta que a complexidade de uma situação jurídica ou factual bem como da apreciação a realizar não implica necessariamente que se conclua pela inexistência de violação suficientemente caracterizada e não basta, portanto, por si só, para considerar que os requisitos da responsabilidade extracontratual da União não estão preenchidos. Com efeito, segundo a Artegodan, é possível que, mesmo em presença de uma situação ou de uma apreciação complexas, uma instituição ultrapasse inequívoca e claramente as suas competências, e isso ainda de forma mais acentuada, quando, como no caso em apreço, a instituição não dispõe de nenhuma margem de apreciação. Neste contexto, a Artegodan alega que a complexidade de uma situação ou de uma apreciação deve resultar de todos os elementos em causa, apreciados na sua globalidade, e essa complexidade deve ser analisada de maneira não abstrata, mas concreta, em relação à problemática em causa e por comparação com o grau médio de dificuldade no domínio em questão. |
58 |
A Comissão sustenta que, através do seu segundo fundamento, a Artegodan se limita, essencialmente, a repetir os argumentos que já invocou em primeira instância, sem apoiar nem demonstrar um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral. Trata-se, portanto, na realidade, de um pedido de reapreciação pura e simples, pelo Tribunal de Justiça, da ação proposta por essa sociedade no Tribunal Geral, o que, por força do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não é da sua competência. |
59 |
Quanto ao argumento segundo o qual a existência de uma violação suficientemente caracterizada não pode ser refutada com fundamento no princípio do primado da proteção da saúde pública, a Comissão considera que não houve uma análise pormenorizada e concreta do acórdão recorrido nem uma fundamentação precisa do erro de direito invocado. |
60 |
A Comissão considera que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao decidir que, aquando da aplicação do artigo 11.o da Diretiva 65/65, só podem ser tomadas em consideração as exigências ligadas à proteção da saúde pública e não podem ser tidos em conta interesses económicos do titular de uma AIM nesse contexto. |
61 |
Quanto aos argumentos segundo os quais a imprecisão do artigo 11.o da Diretiva 65/65, a inexistência de precedente, bem como a complexidade das apreciações jurídicas e factuais em causa não podem conduzir à declaração de uma inexistência de violação suficientemente caracterizada do direito da União, a Comissão considera que equivalem a contestar a complexidade especial da situação em causa e, a este respeito, recorda que, no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça não aprecia os elementos de facto e não procede a uma apreciação própria destes. Neste contexto, a questão de saber se os factos em causa numa ação de indemnização têm caráter complexo é da exclusiva apreciação do Tribunal Geral e não é suscetível de ser discutida no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, salvo se houve desvirtuação desses factos, que não é invocada no caso em apreço. |
62 |
De qualquer modo, a Comissão alega que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito e que aplicou corretamente os critérios admitidos pela jurisprudência para determinar se um comportamento ilegal de uma instituição constitui também uma violação suficientemente caracterizada do direito da União. |
63 |
A este respeito, a Comissão salienta que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral se baseou num conjunto de elementos, concretamente, a existência ou não de uma margem de apreciação, a complexidade da situação a regular, as dificuldades de aplicação e de interpretação dos diplomas e a importância das exigências ligadas à proteção da saúde pública. |
O recurso subordinado
64 |
No seu recurso subordinado, a Comissão critica o Tribunal Geral, por, nos n.os 44 a 48 do acórdão recorrido, ter declarado inadmissível o seu fundamento de defesa relativo à existência de uma violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65, pelo facto de este colidir com a força de caso julgado decorrente do acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido. |
65 |
Segundo a Comissão, o Tribunal Geral afasta-se assim da jurisprudência constante segundo a qual a força de caso julgado está ligada a todos os elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente decididos pela decisão jurisdicional em causa e parece dar uma interpretação lata da força de caso julgado decorrente desse acórdão, segundo a qual este pode ser considerado de modo isolado e independente do acórdão do Tribunal de Justiça proferido no recurso. |
66 |
A este respeito, a Comissão considera que o facto de ter sido interposto um recurso contra o referido acórdão do Tribunal Geral e de ter sido proferido um acórdão pelo Tribunal de Justiça tem de ser tomado em consideração para determinar o alcance do acórdão proferido em primeira instância pelo Tribunal Geral, mesmo que, por último, o dispositivo do acórdão proferido no recurso revogue o acórdão do Tribunal Geral. |
67 |
Por outro lado, a Comissão alega que o alcance da força de caso julgado de um acórdão não pode ser determinado unicamente em função do seu dispositivo, dado que, segundo a jurisprudência, a força de caso julgado não está ligada apenas ao dispositivo de um acórdão, mas abrange também os fundamentos do acórdão que constituem o apoio necessário do seu dispositivo e são, por esse facto, indissociáveis deste. |
68 |
Ora, a fundamentação do Tribunal Geral significaria que, pelo não provimento de um recurso, todas as observações do Tribunal Geral adquirem força de caso julgado, o que teria como consequência que os fundamentos de um acórdão proferido no recurso fossem irrelevantes quanto à determinação do alcance da força de caso julgado quando é negado provimento ao recurso no dispositivo desse acórdão. |
69 |
Essa interpretação constituiria um erro de direito, na medida em que alargaria demasiado o alcance da força de caso julgado por um acórdão proferido em primeira instância, no caso em que é proferido um acórdão que nega provimento ao recurso, e não teria suficientemente em consideração os fundamentos desse último acórdão. |
70 |
Assim, ao decidir, no n.o 48 do acórdão recorrido, que, após ter sido negado provimento ao recurso interposto pela Comissão do acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido, este adquiriu força de caso julgado quanto a todos os elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente julgados pelo Tribunal Geral, este último não tem em consideração o facto de que, no seu acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, o Tribunal de Justiça indicou expressamente que não tinha examinado o fundamento de anulação relativo a uma violação dos requisitos de revogação de uma AIM enunciados no artigo 11.o da Diretiva 65/65. |
71 |
Com efeito, a Comissão salienta que, no n.o 52 desse último acórdão, o Tribunal de Justiça declarou acertadamente que o Tribunal Geral entendeu que a Comissão era incompetente para adotar a decisão controvertida e que esta devia consequentemente ser anulada, «sem que seja necessário pronunciar-se quanto aos outros fundamentos e argumentos invocados pela Comissão». |
72 |
Daqui resulta que o Tribunal de Justiça identificou o fundamento que sustenta o dispositivo do seu acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, e que a nulidade da decisão controvertida assente na alegada violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65 não constitui, portanto, um fundamento que apoia o dispositivo do acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido, no sentido de que seria indispensável para determinar o sentido exato do que foi julgado no dispositivo deste último acórdão. |
73 |
Neste contexto, a Comissão considera que o dispositivo e os fundamentos do acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido, devem ser interpretados à luz do dispositivo e dos fundamentos do acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, proferido pelo Tribunal de Justiça no quadro do processo de recurso de um acórdão do Tribunal Geral, uma vez que só uma análise e uma leitura paralela desses dois acórdãos permitem determinar os fundamentos que, em definitivo, sustentam a anulação da decisão controvertida e adquirem, por isso, força de caso julgado. |
74 |
Nestas circunstâncias, a Comissão alega que a declaração de inadmissibilidade, feita pelo Tribunal Geral, do seu fundamento de defesa relativo aos requisitos de revogação de uma AIM é juridicamente errada. |
75 |
A Artegodan sustenta que, para apreciar a força de caso julgado de uma decisão jurisdicional, o único critério decisivo é o relativo ao facto de essa decisão não ser suscetível de recurso, sem que a hierarquia da jurisdição que profere essa decisão tenha importância a esse respeito. |
76 |
Assim, segundo a Artegodan, uma decisão jurisdicional adquire força de caso julgado quando não existe nenhuma via de recurso contra essa decisão ou, se existir uma, quando não foi interposto nenhum recurso ou quando, depois do esgotamento das vias de recurso, a decisão inicial não foi reformada. |
77 |
Por conseguinte, a Artegodan considera que, na medida em que a declaração, pelo Tribunal Geral, de uma violação, cometida pela Comissão, dos requisitos de revogação de uma AIM enunciados no artigo 11.o da Diretiva 65/65 constitui um elemento de facto que foi, se não necessariamente, pelo menos efetivamente decidida pelo acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido, e em que o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto desse acórdão, a dita declaração adquiriu força de caso julgado. |
78 |
A este respeito, a Artegodan considera que o alcance da força de caso julgado não pode depender da questão de saber se os fundamentos da decisão em causa são exatos ou errados. |
79 |
Com efeito, segundo a Artegodan, mesmo que não se possa excluir que uma decisão jurisdicional contém um erro, a força de caso julgado tem por objetivo evitar que, mesmo nesse caso, um litígio já decidido por essa decisão seja objeto de outra apreciação jurisdicional e, portanto, subtraí-lo definitivamente a qualquer contestação, no interesse da paz e da segurança jurídicas. |
Apreciação do Tribunal de Justiça
Quanto ao primeiro fundamento do presente recurso
80 |
Importa recordar que, quando está em causa a ilegalidade de um ato jurídico, a responsabilidade extracontratual da União é subordinada à reunião de um conjunto de requisitos, entre os quais figura a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma de direito que tem por objeto conferir direitos aos particulares [v. acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C-352/98 P, Colet., p. I-5291, n.os 41 e 42; de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão, C-282/05 P, Colet., p. I-2941, n.o 47; e de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C-120/06 P e C-121/06 P, Colet., p. I-6513, n.os 172 e 173]. |
81 |
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça já decidiu que se o incumprimento do sistema de repartição de competências entre as diferentes instituições da União, que tem por objetivo garantir o respeito do equilíbrio institucional previsto pelos Tratados, e não a proteção dos particulares, não basta, por si só, para desencadear a responsabilidade da União face aos operadores económicos interessados, o mesmo não sucede caso uma medida da União fosse adotada em violação da repartição de competências entre as instituições, mas também das disposições materiais de uma norma superior de direito que protege os particulares (v. acórdão Vreugdenhil/Comissão, já referido, n.os 20 a 22). |
82 |
Por conseguinte, ao decidir, nos n.os 71 a 78 do acórdão recorrido, que a violação, pela Comissão, das regras de repartição de competências entre esta e os Estados-Membros, que decorre da Diretiva 75/319, não é suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual da União, pelo facto de essas regras não terem por objetivo conferir direitos aos particulares, sem ter em consideração a jurisprudência recordada no número anterior do presente acórdão, segundo a qual essa violação, quando é acompanhada de uma disposição material com esse objetivo, pode desencadear essa responsabilidade, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. |
Quanto ao segundo fundamento do presente recurso e quanto ao recurso subordinado
83 |
No que respeita à violação das regras de repartição de competências entre a Comissão e os Estados-Membros, há que recordar que, no seu acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, o Tribunal de Justiça decidiu definitivamente que a Comissão não tinha competência para adotar a decisão controvertida. |
84 |
A fim de determinar se, no caso em apreço, existe responsabilidade extracontratual da União, há que examinar, portanto, se, como decidiu o Tribunal Geral, a Comissão, ao adotar a decisão controvertida, não violou de modo suficientemente caracterizado o artigo 11.o da Diretiva 65/65. |
85 |
Neste contexto, há que começar por examinar o recurso subordinado da Comissão. |
86 |
O Tribunal de Justiça já recordou a importância que reveste, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais, o princípio da força de caso julgado. Com efeito, para garantir a estabilidade do direito e das relações jurídicas assim como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de decorridos os prazos previstos para tais recursos já não possam ser postas em causa (acórdãos de 16 de março de 2006, Kapferer, C-234/04, Colet., p. I-2585, n.o 20; de 29 de junho de 2010, Comissão/Luxemburgo, C-526/08, Colet., p. I-6151, n.o 26, e de 29 de março de 2011, ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C-352/09 P, Colet., p. I-2359, n.o 123). |
87 |
A este respeito, o Tribunal de Justiça decidiu, por um lado, que a força de caso julgado apenas diz respeito aos elementos de facto e de direito que foram efetiva ou necessariamente objeto da decisão jurisdicional em causa (acórdãos, já referidos, Comissão/Luxemburgo, n.o 27, e ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, n.o 123) e, por outro, que a força de caso julgado não abrange apenas a parte decisória dessa decisão, mas abrange os seus fundamentos que constituem o alicerce necessário da sua parte decisória, sendo, por isso, indissociáveis dela [acórdão de 1 de junho de 2006, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, C-442/03 P e C-471/03 P, Colet., p. I-4845, n.o 44]. |
88 |
O alcance da força de caso julgado no acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido, deve assim ser determinado à luz do acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, proferido pelo Tribunal de Justiça no recurso interposto pela Comissão contra esse acórdão do Tribunal Geral. |
89 |
Nestas circunstâncias, contrariamente ao que foi decidido no n.o 48 do acórdão recorrido, a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que não era necessário examinar o fundamento relativo à violação do artigo 11.o da Diretiva 65/65 pelo Tribunal Geral, que a Comissão tinha suscitado em apoio do seu recurso, não pode ser considerada totalmente irrelevante. |
90 |
A este respeito, há que recordar que se o Tribunal de Justiça negou provimento a esse recurso, foi porque, como precisou no n.o 52 do seu acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, sem que fosse necessário pronunciar-se sobre os outros fundamentos e argumentos invocados pela Comissão, esta não tinha competência para adotar a decisão controvertida, a qual, consequentemente, devia ser anulada. |
91 |
De resto, nos n.os 36 e 37 do seu despacho de 11 de janeiro de 2007, Artegodan/Comissão [C-440/01 P(R)-DEP e C-39/03 P-DEP], relativo à fixação das despesas efetuadas pela Artegodan no âmbito do referido recurso, o Tribunal de Justiça salientou, aliás, que, tendo em conta a apreciação feita sobre a primeira questão de direito, relativa à fundamentação do Tribunal Geral quanto à falta de competência da Comissão, não pôde examinar a segunda questão de direito, que era relativa à aplicação, feita pelo Tribunal Geral, dos requisitos de revogação das AIM e à interpretação do artigo 11.o da Diretiva 65/65, e que, nessas condições, o alcance do acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, era limitado a uma interpretação e à aplicação do artigo 15.o-A da Diretiva 75/319 aos factos do caso concreto. |
92 |
Por conseguinte, é necessário referir que, até hoje, o Tribunal de Justiça não decidiu essa segunda questão de direito, suscitada pela Comissão no quadro do seu recurso contra o acórdão do Tribunal Geral, Artegodan e o./Comissão, já referido, e que o dispositivo do seu acórdão Comissão/Artegodan e o., já referido, é unicamente sustentado pelos fundamentos deste último acórdão relativos à incompetência da Comissão para adotar a decisão controvertida. |
93 |
Daqui decorre que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, ao decidir, nos n.os 44 a 48 do acórdão recorrido, que as considerações factuais e jurídicas relativas à violação, pela Comissão, dos requisitos de revogação de uma AIM enunciados no artigo 11.o da Diretiva 65/65, efetuadas no seu acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, têm força de caso julgado, nos mesmos termos que as relativas à incompetência desta instituição para adotar a decisão controvertida. |
94 |
Embora decorra dos n.os 82 e 93 do presente acórdão que o Tribunal Geral cometeu erros de direito, há que recordar que resulta da jurisprudência constante que se os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral contiverem uma violação de direito da União, mas a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto (acórdão FIAMM e o./Conselho e Comissão, já referido, n.o 187). |
95 |
É o que acontece no caso em apreço. |
96 |
Com efeito, há que salientar que o artigo 11.o da Diretiva 65/65, que enuncia os requisitos materiais da suspensão e da revogação de uma AIM de um medicamento, tem efetivamente por objeto conferir direitos às empresas titulares de uma AIM, uma vez que as protege ao garantir que uma decisão de suspensão ou de revogação de uma AIM só pode ser adotada em determinadas circunstâncias precisas e ao assegurar a manutenção de uma AIM enquanto não for provada a existência de um desses requisitos. |
97 |
Todavia, como foi recordado no n.o 80 do presente acórdão, a responsabilidade extracontratual da União exige que se tenha verificado uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito, concretamente, no caso em apreço, a dos requisitos materiais de revogação de uma AIM previstos no artigo 11.o da Diretiva 65/65. |
98 |
Decorre expressamente do artigo 11.o que a autoridade competente está obrigada a suspender ou a revogar a AIM de um medicamento, se se verificar que este é nocivo em condições normais de utilização, ineficaz ou desprovido da composição qualitativa e quantitativa declarada. |
99 |
Estes requisitos materiais de suspensão ou de revogação de uma AIM devem ser interpretados em conformidade com o princípio geral que decorre da jurisprudência, segundo o qual deve incontestavelmente ser reconhecida à proteção da saúde pública uma importância preponderante em relação às condições económicas (acórdão de 17 de julho de 1997, Affish, C-183/95, Colet., p. I-4315, n.o 43). |
100 |
Em especial, quanto à apreciação do requisito de suspensão ou de revogação de uma AIM, respeitante à ineficácia do efeito terapêutico de um medicamento, o artigo 11.o da Diretiva 65/65 prevê que «o efeito terapêutico falta quando se apurar que a especialidade farmacêutica não permite obter resultados terapêuticos». Da redação desta disposição não resulta de modo algum que só uma observação do efeito de um medicamento a curto prazo, com exclusão da do seu efeito a longo prazo, seja pertinente para a apreciação do referido requisito. |
101 |
Daqui decorre que, quanto ao critério relativo à apreciação da eficácia de um medicamento, o referido artigo 11.o não se opõe a que a autoridade competente, tendo em consideração a patologia que o medicamento em questão tem por objetivo tratar, decida basear-se num critério de eficácia a longo prazo para proceder à avaliação do saldo benefícios/riscos desse medicamento. |
102 |
Todavia, a adoção de uma decisão de revogação de uma AIM de um medicamento só é justificada se, na sequência dessa avaliação, elementos concretos e objetivos permitam concluir pela existência de um saldo benefícios/riscos negativo para o medicamento em questão. |
103 |
A este respeito, a existência, no seio da comunidade médica, de um consenso sobre a evolução dos critérios de apreciação do efeito terapêutico de um medicamento e o facto de, no seio dessa comunidade e após essa evolução, a eficácia terapêutica desse medicamento ser posta em causa constituem, nos mesmos termos que a identificação de dados científicos ou de novas informações, elementos concretos e objetivos suscetíveis de servir de fundamento à constatação do saldo benefícios/riscos negativo do referido medicamento. |
104 |
No caso em apreço, a decisão da Comissão de utilizar o critério da eficácia a longo prazo, para apreciar o efeito terapêutico da anfepramona no tratamento da obesidade, e de revogar a AIM relativa aos medicamentos que contêm essa substância assenta na existência de um consenso no seio da comunidade médica sobre um novo critério de apreciação desse efeito terapêutico, segundo o qual uma terapia eficaz do tratamento da obesidade se deve inserir a longo prazo, e no facto de a eficácia terapêutica desta substância ser posta em causa, bem como na constatação, à luz desse novo critério de apreciação, de um saldo benefícios/riscos negativo dessa substância. |
105 |
Esse consenso resulta de uma série de elementos novos ocorridos após a aplicação, em 1997, do procedimento previsto no artigo 13.o da Diretiva 75/319. |
106 |
A este respeito, há que referir, como fez o advogado-geral nos n.os 103 a 105 das suas conclusões, a aprovação, em 1997, e a entrada em vigor, em 1998, das orientações do CEF sobre os estudos clínicos de medicamentos utilizados no âmbito do controlo do peso, as conclusões do relatório Castot-Fosset Martinetti-Saint-Raymond e as do documento de trabalho do professor Winkler, de abril de 1999, as recomendações dos professores Garattini e de Andres-Trelles, no relatório de 17 de agosto de 1999 relativo à anfepramona, bem como o parecer final e as conclusões científicas anexas a esse parecer. |
107 |
A decisão controvertida que ordena a revogação das AIM relativas aos medicamentos que contêm anfepramona está, ela própria, em conformidade com esse parecer final e com as referidas conclusões científicas, pelos quais o CEF, por um lado, emitiu uma apreciação negativa a respeito do saldo benefícios/riscos da anfepramona, em razão da falta de eficácia, a longo prazo, dessa substância no tratamento da obesidade, e, por outro, recomendou a revogação da AIM dos medicamentos que contêm a referida substância. |
108 |
Nestas circunstâncias, a Comissão não pode ser censurada pelo facto de não ter tido em consideração os requisitos materiais de revogação de uma AIM de um medicamento, previstos no artigo 11.o da Diretiva 65/65. |
109 |
Por conseguinte, foi justificadamente que o Tribunal Geral decidiu que, ao adotar a decisão controvertida, a Comissão não cometeu uma violação suficientemente caracterizada do direito da União, no caso concreto, do referido artigo 11.o, de modo a desencadear a responsabilidade extracontratual da União. |
110 |
Daqui se conclui que, na medida em que o não provimento, pelo Tribunal Geral, da ação de indemnização da Artegodan se baseia noutros motivos, os erros de direito referidos no n.os 82 e 93 do presente acórdão não são suscetíveis de invalidar o acórdão recorrido (v., neste sentido, acórdão de 26 de abril de 2007, Alcon/IHMI, C-412/05 P, Colet., p. I-3569, n.o 41). |
111 |
Por conseguinte, deve ser negado provimento ao presente recurso. |
Quanto às despesas
112 |
Nos termos do artigo 122.o, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, deste regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 118.o do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Artegodan e tendo esta sido vencida no essencial dos seus fundamentos, há que a condenar nas despesas. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.